Hogwarts: uma outra história escrita por LC_Pena


Capítulo 25
Capítulo 25. Quando na Espanha...


Notas iniciais do capítulo

Poucos personagens, mas muita descrição da Espanha, fique atentos!



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Capítulo 25. Quando na Espanha...

Meus pais finalmente usaram os cérebros e resolveram ler os panfletos informativos do Ministério da Magia Britânico, que informam jeitos mais fáceis de se locomover de um país ao outro sem ser de avião ou trem. Jeitos bruxos.

Eles escolheram uma chave de portal descartável, com hora marcada, pegaram no Beco Diagonal e agora toda a família, mais Claire, está esperando a chave ser ativada. Viva a magia da Magia! Teria ficado melhor se fosse outra coisa que não magia nessa frase... Tipo “a magia do cinema!”.

—Então, Claire, o que está pretendo fazer nesses dois dias conosco?– Ela me deu um sorriso misterioso, por baixo das sardas.

A passagem dela de volta para os E.U.A estava comprada desde o início do ano letivo para a véspera de Natal e ela não quis tentar antecipar mesmo depois do acidente no Lago. Louise, muito solicita, ofereceu seu colchão velho para a amiga dormir. Não exatamente isso, mas deve ter alguma verdade em algum lugar, como tudo que eu digo.

—Queria ver um jogo de futebol!– Ela disse animada. E eu a olhei cético. Não vai rolar. - Eu costumava jogar antes de vir para Hogwarts... Eu era muito boa.

—Defina “boa”. Americanos não são bons em futebol. Eles nem sequer falam o nome certo! - Provoquei despretensiosamente, mas funcionou de um jeito bem efetivo. Ela me olhou raivosa, como nos velhos tempos.

—Isso não é verdade! O nosso futebol feminino é referência! E o masculino tem ganhado destaque nos últimos anos. – Claire assumiu uma postura típica da terra do Tio Sam, cheia de marra, mesmo já morando aqui a uns três anos. Mas essa postura não era completamente desconhecida pra mim, quando se trata de esportes trouxas ela fica toda cheia de opinião e volta às suas verdadeiras origens.

—Sabe o que eu penso disso. – Falei calmamente, mas ganhei um olhar duro como se tivesse dito a maior das blasfêmias. – Não me olhe assim, sabe que é verdade!

—Não chamaria o que você faz de pensar, pensar envolve reflexão e você não consegue fazer algo tão complexo! – Louise falou só porque não aguenta ficar calada e já que ela não entende de esportes, ela fala apenas do que sabe: meus defeitos.

—Sou uma pessoa muito reflexiva, se fosse mais reflexivo do que sou, seria um espelho!– Louise revirou os olhos e Claire me deu um sorrisinho mínimo, querendo se fazer de durona.

Mas até mesmo a super patriota Claire sabe que o futebol americano nunca será bom o suficiente enquanto não investir em um campeonato nacional forte. Me diga, amiguinho, quantos times americanos você conhece? Só o que Pelé e David Beckham jogaram no fim de suas carreiras! Como é o nome? L.A. Galaxy! Viu? Sei de tudo!

—Não vou discutir com você os méritos do campeonato americano, quero apenas que você me leve a um jogo de futebol espanhol! – Ela me disse enfática e eu detesto cortar a empolgação dela, mas...

—Minha querida, os jogos da 16ª rodada se encerraram no dia 20, ou seja, ontem! Nem o jogo do Betis você vai conseguir assistir a essas alturas... – Ela me olhou sem dar muito crédito, Betis é o time da “segundona” daqui de Sevilla, mas só para constar, em um país católico, respeita-se o Natal, mesmo nas séries inferiores. – La Liga volta apenas dia 30 de dezembro.

—Mas eu quero ir hoje! – Ela falou com uma vozinha misto de Lily com Scorp manhosos. Eu meneei a cabeça.

—Quer que eu enfeitice dois times pra jogar só pra você? – Ela fez que sim com a cabeça e eu fiz que não com a minha. – Não vai rolar, princesinha!

—Vamos, crianças, a chave será ativada! – Meu pai disse intrigado e animado ao mesmo tempo, minha mãe não estava nenhuma das duas coisas, entretanto.

A estranha fisgada no umbigo foi desagradável como só coisas mágicas conseguem ser. Saímos em um bar bruxo no meio da Calle Lope de Rueda, uma ruazinha estreita cheia de lojas abarrotadas de turistas e suas máquinas fotográficas trouxas tirando foto dos prédios antigos em Sevilla.

Lar doce lar!

Eu amo o bairro de Santa Cruz, porque é onde se concentra a velha Sevilla, de ruas apertadas e casarões seculares, mas no fim do ano tudo isso aqui fica lotado de visitantes loucos por um pouquinho de história. Saco.

—Mantenham-se juntos, vamos achar um táxi. – Papai perdeu um pouco do semblante tranquilo, ele não gosta de multidões e por isso passou a nos guiar num passo apressado.

Claire parecia estar tendo um pouco de dificuldade para ultrapassar as pessoas na ruela apertada e olha que eu é quem estava segurando uma gaiola com uma coruja estúpida dentro, esperei ela conseguir desviar de um turista “king size”, provavelmente americano, que ela não me ouça e peguei a mão dela.

—Ninguém ficará para trás hoje, soldado! – Claire olhou para nossas mãos juntas e soltou um riso divertido. Vi meu pai virando para direita no fim da rua, sem olhar pra trás. – Mas vamos apressar o passo, apenas por precaução.

Pisquei pra ela e comecei a rebocá-la, desviando dos transeuntes. Claire apontou para uma pequena lojinha de artesanato andaluz e eu acenei positivamente para sua adorável observação de estrangeira, mas não parei de andar. Meu pai deveria ter assistido aqueles filmes de guerra, tipo O resgate do soldado Ryan. NINGUÉM DEVE FICAR PARA TRÁS!

—Acho que aquela era uma loja bruxa! – Ela me falou um pouco sem fôlego. Eu não virei para conversar, mas respondi mesmo assim.

—É bem possível, esse é um dos bairros mais antigos da cidade, cheio de lugares inusitados, precisa ver isso aqui na primavera! – As varandas dos casarões ficam cheia de flores coloridas e as pequenas flores brancas de laranjeira cobrem todo o chão. Parece um lugar mágico realmente. Resolvi dar uma de guia e contar umas das histórias que ouvi quando criança. – Diz a lenda que a mulher do rei gostava mais da cidade de Granada porque lá tinha neve, então ele mandou plantar essas árvores para que quando a primavera chegasse as ruas ficassem todas perfumadas e brancas por causa das flores de laranjeira, como neve.

Apontei com a cabeça para as árvores que hoje estavam parecendo mortas, por causa do inverno. Aqui não neva, nem sequer chega a temperaturas negativas, mas isso não quer dizer que não haja frio suficiente para as folhas caírem. Não sejam cruéis, temos um inverno europeu também!

—Que romântico isso. – Sorri pra ela, mas estanquei ao virar à direita como meu pai havia feito. Nem sinal da minha família.

—Droga! Acho que estamos perdidos! – Ela me olhou confusa e depois assustada. Uizlei deu um ganido lamuriento, bicha lazarenta! – Vamos ter que pedir informações como os turistas que somos!

Dei risada para mostrar que estava só brincando, apesar de que a parte de estarmos meio que perdidos é verdade. Esse bairro em específico só os moradores mais antigos sabem sair, meu pai é a exceção porque é focado, objetivo e não se deixa distrair por coisas bonitas.

Costumava vir aqui com meu tio-avô quando era criança, ele me levava em um restaurante popular chamado Doña Elvira, numa Plaza de mesmo nome. Fora isso não sei mais nada de cabeça, a maioria das casas aqui são parecidas, paredes brancas com bordas amarelas, laranjas ou vermelhas.

—Sério, Cesc, pra que lado? – Me virei e percebi que estávamos em um lugar perfeito. Puxei uma cadeira de ferro de uma pequena Taperia apertada entre dois casarões e ofereci a Claire. Uizlei foi colocada no chão, claro!

—Não se preocupe, Claire, ficaremos aqui até que meus pais se deem conta de que fomos deixados para trás. – Ela me olhou em dúvida, mas aceitou sentar e se acomodar mesmo assim. Uma simpática garçonete saiu e nos entregou um cardápio simples, manuscrito. – Então, posso sugerir tapas com salmão defumado para a dama sardenta?

Sim, crianças, estou feliz que nem pinto no lixo, estou em casa agora.

***

Se tem uma criatura que sabe acabar com toda minha alegria de viver em poucos minutos, essa coisa é a minha mãe. Ela voltou uma meia hora depois, pra você ver como ela é desnaturada, e saiu me arrastando pela orelha, a pobre da Claire teve que pagar a conta na Taperia porque eu estava muito ocupado tentando me esconder da rua da vergonha que se tornou a minha vida.

Estávamos em um táxi de 6 lugares, minha mãe ainda fazendo O DISCURSO em espanhol, porque ela não tem tanto vocabulário em inglês pra me ofender como aparentemente precisa. Claire estava de cabeça baixa, não sei se por constrangimento ou se para rir como a hiena da Louise.

—Mãe, Louise continua sendo uma cretina. – Minha mãe que havia sentado na fileira do meio junto com a dita cuja, apenas virou para trás, onde eu estava sentado com minha coruja reclamona, que tentava mastigar uma das tranças de Claire à frente.

—Cesc, não chame sua irmã de cretina. – Viu que eu disse que Louise é a preferida dela? Claire agora tá vendo a pura e triste realidade da minha vida. Louise virou pra trás, tirando o gorrinho beanie dela e me dando uma piscadela.

—Está tudo bem, mãe, ele apenas está chateado porque finalmente ele vai ser punido por todas as suas bagunças. – Ela me olhou divertida. Ha. Ha. Ha. Dois podem brincar esse jogo.

—Mãe, Louise disse que vai passar o Ano Novo com o namorado dela, mesmo sabendo que nós já temos tão pouco tempo em família juntos. – Eu disse deixando implícito o quanto ia sentir a ausência dela nessa data especial caso ela fosse viajar sem a gente.

—COMO?– Uizlei piou alto com o susto que tomou, benditas cordas vocais de minha mãe.

O restante da viagem passou do jeito que eu gosto, Louise gaguejando tentando se explicar à respeito do namoradinho Trevosobotton, do Ano Novo e ocasionalmente me lançando olhares de ódio mortal.

Quando finalmente fizemos a volta no Estádio Benito Villamarín, me senti verdadeiramente em casa, sempre andei de bicicleta por essas ruas. Podem imaginar uma linda criança inocente andando por ruas repletas de flores de laranjeira na primavera? Não, né? Porque eu tenho Louise em cada simples lembrança minha, me transformando nessa pessoa amarga que sou hoje.

Nós vivemos em Heliópolis, um bairro-jardim planejado com ruas cheias de árvores, considerado um dos lugares mais tranquilos da cidade, menos nos dias de jogos do Betis, claro. Isso porque meus tios fazem da nossa casa seu QG e dependendo do resultado, seu point de celebração ou de choramingo. Prefiro o segundo.

Finalmente chegamos e peguei Uizlei primeiro, antes que ela começasse a arrancar as próprias penas por estresse. Descobri que ela e a Weasley original tem mais coisas em comum do que o nome. Toda vez que a neve estava muito forte ou tinha alguma tempestade em Hogwarts, eu como o bom dono que sou, tirava ela do Corujal e levava para o quarto, onde ela estaria mais protegida.

Mas Uizlei fica irritadíssima em lugares fechados e começa a arrancar as próprias penas, está começando a ficar com buracos perceptíveis, coitada. No entanto, continuarei fazendo isso, porque eu sei o que é melhor para ela.

—Casa muito bonita, senhora Fábregas. – Claire falou cortesmente assim que desceu do táxi e minha mãe deu um aceno com a cabeça, como se ela tivesse construído o lugar com as próprias mãos. NOT.

Moramos em um ático-duplex a uma quadra do centro de treinamento do Betis, esse sim um ótimo lugar pra se andar de bicicleta, já que Louise tem alergia a complexos esportivos. Nossa casa data de 1927, foi construída para uma grande exposição tecnológica em 29 e até hoje é um ótimo lugar pra se viver*.

—Vem, vou te mostrar onde você vai dormir, Claire, você vai amar! – Louise saiu arrastando Claire pra dentro, com certeza pra não ter que ouvir mais nada do que minha mãe tem a dizer sobre a sua NÃO viagem à Toca.

Arrastei minha gaiola para cima, pesada que só ela, deixando o malão para meu pai pegar. Já tive que arrastar esse troço todo o caminho na estação, nas ruas de Santa Cruz, depois colocar no táxi e... Cansei só de falar, ele que se vire!

Deixei a gaiola de Uizlei em cima da minha mesa de estudo e olhei seriamente para minha coruja negra abestalhada que só podia ter sido um presente de Scorp mesmo! Ele deve ter pedido na loja o animal que estivesse mais próximo de uma síncope ou que fosse medicado com rivotril, porque é um sacana de marca maior!

—Ok, Uizlei, dessa vez é sério: não pode atravessar o Real Club Pineda e não pode passar a ponte del V Centenário! Esse é seu perímetro. – Ela me olhou bastante ofendida com sua cara de coruja. Já ia abrindo o fecho da gaiola, quando lembrei de mais uma coisa. – Ah! Não pode comer hamsters também! – Ela deu um pio indignado. – Isso está fora de questão!

A que ponto eu cheguei, discutindo com uma coruja! É claro que não seria Uizlei se não tivesse dado uma bicada na minha mão antes de ganhar os céus. Ave desgraçada, só não a mato porque preciso dela para meus negócios de agente secreto.

Me aproximei da janela para vê-la partir e vi algo que me chamou a atenção: meu maldito vizinho, arqui-inimigo trouxa, Fernando.

Vou poupar-lhes da minha história com Fernando, basta dizer que ele é uma pessoa odiável e resta a vocês acreditarem no meu julgamento. Irei dar a ele um presente de Natal em comemoração aos nossos quase 5 anos de amizade, maldito outono em que os pais deles se mudaram de Barcelona pra cá.

—PAI, CADÊ MEU MALÃO? –Desci as escadas de dois em dois degraus, apenas porque eu posso, mas fui parado por minha mãe, ou a mera presença dela, pra ser mais exato.

—Usted sabe las reglas, nada de saltar las escaleras así! [Você sabe as regras, nada de pular os degraus assim!] – Ela me disse naquele sussurro gritado que as mães são especialistas. Me controlei para não revirar os olhos, isso só tornaria tudo pior. - Pase, por favor, necesito hablar con todo el mundo, en la terraza principal. [Passe, por favor, preciso falar com todo mundo no terraço principal.]

Fui porque todos os pedidos de minha mãe são na verdade ordens.

Cheguei no terraço principal, que na realidade é o menor mas é assim que minha mãe o chama porque está na área social da casa, e todo mundo já estava nos esperando, Louise parecia um pouco nervosa com seus cabelos curtos bagunçados. Eu que não iria avisá-la que ela estava parecendo uma cacatua.

Em respeito à Claire, minha mãe começou a pensar antes de falar, já que o inglês dela não é tão bom quanto o do resto da família. Ela optou por francês nos seus estudos de língua estrangeira e apesar de ter feito faculdade na França, agora ela está vendo que deveria ter investido numa segunda língua.

—Bem... Recebemos um... Um convite para o Réveillon. – Ela fez questão de pronunciar perfeitamente a palavra francesa. Claire olhou interessada, mesmo a conversa não lhe dizendo respeito. Por favor, que seja da vovó, QUE SEJA DA VOVÓ – Não iremos para o Real Club esse ano.

—Por que não? Todos os anos em que eu pedi encarecidamente para não irmos para aquela festa besta e agora vocês resolvem que não querem ver aquela gente nojenta? – Eu falei indignado de verdade. Infernizar secretamente, porque eu não sou suicida, os amigos arrogantes dos meus pais sempre foi a MINHA tradição de Ano Novo.

Para início de conversa o Real Club Pineda é um clube de golfe. DE GOLFE, apenas o esporte mais boçal de todos os tempos! Não, pera, temos o críquete e o polo na Inglaterra, mas ele está em terceiro lugar, com certeza! Minha mãe cerrou os olhos raivosamente pra mim.

—Deixe sua mãe terminar de falar, acho que gostará do que ela tem a dizer. – Duvido muito, pai. Ele olhava feliz como sempre, sentado confortavelmente em sua poltrona preferida. É isso que o golfe faz com os homens de bem, transforma-os em marionetes de suas esposas.

—Recebemos um convite dos Zabinis. – ISSOOOOOOO! – Passaremos a virada do ano com eles no Surrey*.

—MAMÃE! – Louise soltou um grito indignado. Hahahahahaha, Louise se ferrou, nada de beijar sapos na virada do ano, que peninha! Por um segundo achei que iríamos passar a virada na “Toca”, mas até para o azar eterno existe limites.

Preciso me lembrar de dar um MUITO OBRIGADO a senhora Caroline Zabini, porque com certeza essa ideia não partiu de seu cônjuge ridículo. Sempre gostei dela, uma mulher abençoada e guerreira, que vive com dois malucos sem enlouquecer. Ou talvez ela já seja louca, porque vamos combinar, ela disse “aceito” para Blaise Zabini.

—Eu ainda não terminei, Francesc Silas Fábregas!– Claire deu risada lá do sofá mais afastado, sabendo muito bem como eu odeio meu primeiro nome e mais ainda o segundo. – Iremos passar o primeiro dia do ano com seus amigos, Louise.

—O QUÊ?– Meu Deus, NÃO! – Mãe, que maluquice é essa?

—Mande uma carta para os Weasleys, querida. Você disse que seriamos bem vindos para ficar na casa deles na virada do ano, provavelmente seremos bem vindo para fazer uma rápida visita também. – Meu pai falou como se estivesse se divertindo muito com o meu drama. – Acho que será muito bom para Cesc conhecer um herói de guerra.

Ah, meu Merlin, acho que vou vomitar ali e já volto.

***

—Onde você estava?

—Porra, que susto, Louise! – Ela e Claire já estavam com roupas de dormir me esperando no terraço secundário. Coloquei a mão no coração, para tentar acalmar meus batimentos. – Não é da sua conta!

Ela cruzou os braços, me acompanhando para dentro de casa, Claire a seguiu de perto. Já era quase meia-noite, horário de crianças mimadas estarem na cama e não me atazanando.

—Sério, Cesc, onde você foi? – Louise insistiu novamente, parei para tirar meus tênis sujos, possíveis provas do crime.

—Estava desovando o corpo de um certo grifinório emo que veio te visitar. – Disse sorrindo feliz por ter um mistério na vida que Louise ainda não estragou. Ela continuou me seguindo para a lavanderia, onde joguei meus tênis e o suéter velho que também estava meio sujo de limo.

—Cesc, se você tiver feito algo que possa fazer os nossos pais pensarem, mesmo que remotamente, em desistir da nossa visita aos Weasleys eu juro que vou te... – Ela fez um gesto muito agressivo com as mãos, que me deixou bastante intrigado, onde ela aprende essas coisas?

—Relaxa, irmãzinha, o que quer que eu tenha feito só terá consequências muitos anos depois, pode relaxar de verdade. – Claro que estou mentindo, mas quem se importa? Me encostei no vão da porta, pela primeira vez reparando na camisola curta que Claire usava debaixo do roupão azul corvinal. Hum...

—Cesc, não pode ficar sem aprontar nem no Natal? – A dita cuja me deu um sorriso meio sonolento, enquanto fazia sua pergunta. Louise provavelmente a tirou da cama, tadinha. – Que tipo de consequências são essas?

—Nada letal, nada que precise envolver a polícia ou que revele o mundo bruxo. – Enumerei, contando nos dedos. Louise me olhou como se esses dados não fossem o suficiente. – Pelo menos não propositalmente.

Minha querida irmã estava pronta para dar seu discurso típico, mas eu não sou obrigado a ouvi-la, então desviei das duas garotinhas corvinais e segui para meu quarto sem desejar boa noite pra ninguém.

Fechei a porta, só para ser assustado de novo, dessa vez por Uizlei que parecia feliz rasgando algumas anotações minhas do verão passado, em cima da minha mesa de estudos.

—Merda, Uizlei! Coruja má! Sai! – Espantei ela, que apenas foi se empoleirar em cima de uma das minhas estantes de livros. – Está de noite, vá caçar, sua bicha feia!

Ela soltou um pio longo, irritado. – Eu sei que está frio, mas você é uma predadora, não espere que eu fique te alimentando de torradas e bolos o inverno inteiro!

Uizlei soltou um ruído de lamento, quase um resmungo humano. Eu sei que ela é um mocho-preto dos Andes, da América do Sul, mas lá é frio também e não há desculpas para ser preguiçosa e morrer de fome, né?

—O que você quer que eu faça? – Ela me olhou com aqueles olhões que pareciam ser feitos apenas de íris negra, mas que dava a ela um ar infantil. A única coisa que se destacava na penugem escura era seu bico amarelinho, na penumbra do meu quarto. Tirei a roupa e fiquei pronto para dormir, mas antes vasculhei em um dos meus bolsos do casaco e achei algo para ela.

—Isso foi tudo que eu encontrei. – Entreguei a ela um biscoito quebrado, que eu nem sequer sei o que estava fazendo aqui. – Falei sério quanto aos hamsters, mas se estiver difícil de caçar, pode aumentar um pouco mais o perímetro.

Ela inclinou a cabeça naquele ângulo esquisito que as corujas fazem. – Pois é, não sou tão ruim quanto você pensa!– Ouvi um grito vindo da casa vizinha. Uizlei me olhou com suspeita.

Ok, talvez eu seja exatamente como ela pensa.

***

Acordei no meio da madrugada, levemente desorientado. Levei meio minuto para perceber que havia algo batendo na minha janela e mais meio minuto para perceber que não era meu quarto nas Masmorras, dá um crédito, eu acabei de acordar!

—Já vai, Uizlei! – Fui coçando o olho e xingando o assoalho frio do meu quarto. Meu bisavô provavelmente achou que gastar dinheiro colocando um piso aquecido era um disparate. Ou talvez não houvesse essa tecnologia lá no ano de 1927. Talvez...

Abri a janela e vi que não era Uizlei e sim uma pobre coruja castanha, que sacudiu suas penas molhadas da garoa que estava caindo lá fora e estendeu a patinha com um pergaminho.

Peguei uma camisa qualquer que eu já tinha jogado desleixadamente no chão, porque nunca é cedo demais para começar sua bagunça de feriadão e fui enxugar a pobre coisinha encharcada.

—De quem você é, amiguinha? – Ouvi um pio ciumento de Uizlei, que agora vi que estava bem aconchegada no topo do meu guarda-roupa. A ignorei. – Vamos ver o que temos aqui.

Aquela letra horrível, em um pergaminho Washi com um brasão de um Pégaso gravado, (isso aqui é de verdade? Raspei com a unha a tinta negra que fazia o contorno do cavalo alado. É, é de verdade!) me dizia de quem era aquilo:

Habermas.

Nossa! Ele foi rápido! Olhei para a coruja dele que olhava desafiadora para Uizlei, mas ainda estava ali de qualquer forma, provavelmente esperando a chuva passar. Sentei na cama e liguei minha luminária retrô, estilo aquela da abertura dos filmes da Pixar, para ler a carta de Habermas.

Ok, Cesc, se você disser que eu te escrevi isso eu nego.

Claro, porque o brasão oficial de sua família não seria prova suficiente contra você, Romeo, claro. Pronto, parei. Lerei a carta dele sem interrupções agora.

Eu não tenho muitos detalhes de como Daniel e Paul começaram a ser amigos, só sei que começou nas férias de verão, antes da temporada passada. Já com Haardy nem faço ideia! O cara passou de pária a astro em uma estação e quando eu vi já não era mais bom o suficiente para andar com os caras, bando de lesados! Mas veja você, nunca precisei de Streck pra nada, então eu nem liguei muito pra ele, mas teria sido bom ele ter me convidado para o jogo dos Appleby Arrows x Chudley Channons, foi um jogão! Mas veja bem, eu perdoei ele por isso. E já não estava nem aí pra ele também, aquele trouxa.

De toda forma, ficou esquisito quando ele ficou muito bom mesmo no gol, você deve lembrar daquele jogo contra Grifinória que Longbotton não conseguiu fazer nenhum gol nele e vamos combinar que o cara é um mané, mas sabe o que tá fazendo numa vassoura. A porra ficou séria MESMO quando a gente foi jogar contra a Corvinal, Haardy tinha acabado de assumir o time e Dolman e ele até se estranharam no Halloween, você já devia tá dormindo, porque era um molequinho que não durava nada depois das oito da noite! Hehehehe.

Chegando na época do jogo, foi foda, porque finalmente Streck falou comigo depois de meses e só para me oferecer a porra de uma poção revigorante! Sério! Como se eu precisasse de um caralho desses, mas aí Paul deu essa merda pra todo mundo e Dussel me disse que era nada demais, só pra gente aguentar os treinos de merda na madrugada que Dolman inventava, o cara tava bitolado, queria seguir os passos de Baharov nos Appleby, até parece, ele não era essas merdas todas, tava mais para bosta de trasgo! Eu tomei a poção e foi bom, a gente melhorou, éramos quase uns Falcons de tão bons!

Mas Dolman não achou que fosse suficiente, pelas barbas ruivas de Peakes*! Ele deu a poção mais dark que eu já tinha visto, ela tinha cara de problema! Mas ele disse que quem não tomasse tava fora. Velho, vou te dizer, já vi Dolman expulsar gente do time porque não lixou a vassoura dele no sentido certo, imagine com um negócio desses! Ele provavelmente mataria um e todos nós queríamos ganhar a Taça, então que se foda, tomei mesmo.

Mas aquela poção não era proibida à toa, cara! Aquela coisa é magia pesada, primeiro você pensa que vai morrer e depois você pensa que pode enfrentar Agrippa* em forma de Inferius e tudo! O tempo passava devagar, na hora de fazer a jogada você via umas 10 possibilidades diferentes, uma melhor que a outra e no final do jogo, eu nem me lembrava de ter jogado! Quero dizer, parecia que eu tava pronto para mais umas 100 partidas! Madame Hooch nos levou no vestiário e Pomfrey falou que estávamos todos travados, aí deu a merda que você já sabe. Dolman assumiu a responsabilidade dele e o resto de nós continuou com as nossas vidas fodidas dentro de Hogwarts. 

E o que Streck fez agora? Ele voltou a usar poções, não sei bem qual, mas aquele moleque não é irregular, ele é ruim mesmo e só fica bom a base de alguma coisa. E é isso que Haardy tava fazendo, tentando convencer ele a parar com essa idiotice, você sabe o quanto aquele Corvinal é metido a certinho, ainda mais que eu tenho para mim que ele também usava umas coisas ele mesmo, ele nunca me enganou! Você acha que ele iria deixar Streck trazer o foco de volta para a merda de trasgo montanhês que já tinha sido abafada? Não, né! Ele é esperto demais pra isso.

Pois bem, eu te avisei, seu idiota! Eu disse a você que meu primo Marco era uma melhor opção, mas você me ouviu? Não, porque ninguém nunca ouve. Agora veja o que vai fazer com essas informações, se contar para mais alguém, eu nego e queimo suas bolas com fogomaldito!

Boas festas e até o ano que vem.

Ok, essa foi foda. Merda, estou com a boca suja que nem o semianalfabeto do Habermas! Desculpa, Romeo, mas vou ter que mostrar essa carta, mesmo não sendo a sua melhor redação, xinguenta que só ela! Levantei a cabeça e percebi que a coruja dele já tinha caído fora, bom. Creio que terei alguns assuntos a tratar com os L.P.’s em alguns dias.

Voltei a fechar e deitei na minha cama, pensando. Mas logo desistir de fazer isso, porque não há nada que eu possa fazer agora, estando na Espanha. Dane-se, cuido disso mais tarde, em um horário decente.

Só espero não sonhar com minhas bolas queimadas por um feitiço fogomaldito, obrigado por isso, Romeo.


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Notas finais do capítulo

Todos os lugares usados nesses capítulos são verdadeiros, inclusive a casa de Cesc, que existe da maneira que eu descrevi, com dois terraços, solário e ático, porque eu sou doente a esse ponto.
Os times de Quadribol, os times de futebol, as datas da Liga espanhola, tudo informação verídica, inclusive as coordenadas dentro dos bairros de Santa Cruz e Heliópolis, porque eu usei um mapa!
Surrey – Perto de Londres, é onde grande parte dos milionários britânicos moram e meus queridos, era onde os Dursleys viviam, se vocês não lembram.
Coruja – esse é o fofíssimo mocho-negro, nativo da América Latina, conseguem imaginar Cesc discutindo com essa carinha? *-*
http://cdn.topbiologia.com/wp-content/uploads/2014/05/coruja-preta.jpg
Peakes – mago famoso por ser fodão e matar uma cobra mágica.
Agrippa – mago famoso que tinha uns trabalhos pegados no dark side da força.