Hogwarts: uma outra história escrita por LC_Pena


Capítulo 126
Capítulo 126. Há flores no gelo


Notas iniciais do capítulo

Eu jurava que não conseguiria postar isso hoje, só tinha duas páginas, mas consegui, palmas para mim!



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Capítulo 126.

— A resposta continua sendo não.

O supervisor pedagógico foi ainda mais grosseiro e sucinto do que o coordenador de esportes e cultura, que ao menos tinha lido o nosso projeto de criação de uma escola de Quadribol, sem relação com a equipe oficial, apenas para fins de entretenimento.

Fred fez aquela cara dele de “eu já sabia, bando de otários franceses”, mas eu não podia ficar quieto diante dessa injustiça!

— Mas o senhor nem leu o projeto! Somos os campeões do Campeonato intercolegial, eu sou fundador de uma escola de Quadribol lá em Hogwarts, estamos dispostos a fazer tudo certinho, sem custos, por que vocês não podem apenas assinar o documento?

— Senhor Fábregas, sua empolgação é fascinante, longe de mim querer esfriar seu ímpeto de compartilhar seus conhecimentos, mas nosso orientador educacional informou que este é o seu ano de testes em Hogwarts, quando retornar terá que prestar os NOMs e o senhor Weasley prestará os NIEMs, logo precisarão de uma maior dedicação aos estudos.

Ele falou com um sorriso tranquilo, bebericando sua xícara de chá. Eu não sabia que franceses gostavam de chá também! Queria que ele queimasse todo o sistema digestivo e vomitasse sangue nesse papel de parede bizarro, cheio de arabescos afrescalhados.

— Acho que cabe a gente decidir o quanto de dedicação precisamos para...

— O orientador foi muito claro quanto a negativa, vocês dois estão tendo dificuldades na aula de Etiqueta e, além disso, os alunos de Hogwarts em geral estão tendo certa dificuldade com as práticas domésticas. - Ele me interrompeu, o sorriso um pouco menos tranquilo, se levantou para nos acompanhar até a porta do escritório. – E para finalizar o quadro, nosso Quadribol está suspenso até outubro.

Eu e Fred levantamos das nossas cadeiras - eu abotoei de volta o botão do meu sobretudo como um CEO saindo de uma reunião de negócios - e o acompanhamos calados, até sairmos pela porta. Parei sob o marco antes que ele a fechasse.

— Os jogadores de Quadribol estão suspensos até outubro. - Sorri cínico. – Com a quantidade de funcionários que vocês tem, era de se esperar que ao menos um falasse a verdade.

Obviamente não fiquei lá para ouvir uma resposta, primeiro, porque isso poderia fazer ele pensar em alguma resposta dura, que logo se tornaria algum tipo de punição bizarra como cortar todo o funcho das sopas do jantar por causa de um pequeno acidente com um garfo de ostras na aula de Etiqueta. Ainda sinto o cheiro de erva-doce impregnado nas minhas mãos...

E segundo, porque sair com a palavra final da um puta de um efeito dramático.

— Não fode a gente, Cesc, assim que o Ocaso sair, o primeiro suspeito vai ser você e essa sua língua enorme! - Fred falou desembalando seu caramelo de manteiga salgada, que é uma delícia, mas não deve ser mastigado por quem está com um dente para ser arrancado.

— Pra mim isso é uma honra! - Fred me olhou com sua cara de “você é um idiota” e eu tive que retroceder um pouco no meu espírito Jweek de hoje. – Embora eu veja seu ponto, há inconvenientes nisso...

— Já que você está voltando um pouco a si, deixa eu falar outro ponto: você realmente tem que estudar para os NOMs e os franceses, eles só fazem essa prova no sexto ano, então nada de aulas preparatórias aqui, você precisa estudar mais! - Fred me falou com um tom que eu suponho que seja o que ele usa com a irmã dele.

Babaca metido!

— Não dá para estudar mais do que eu já estudo! Quero dizer, todas as minhas atividades estão em dia e eu já li um monte de livro em francês, eu tô arrasando em tudo e me arrisco a dizer que, para uma escola que se gaba tanto de ser de ponta, ela tá muito fácil... - Falei convencido e Fred me olhou de soslaio.

— Tem certeza que está indo para as aulas do seu ano?

— Vai a merda, Fred! É por isso que eu não ando com grifinórios! - Falei indignado, porque é claro que eu estava indo para a aula certa, Louise está lá! Fiz menção de virar para a direita na bifurcação em que o senhor ex-muambeiro estava virando para a esquerda, mas resolvi continuar com a palavra final. – Antes de você ir para a classe, anota aí: essa história de Quadribol não acaba aqui.

Ele me olhou sério, depois soltou um suspiro cansado e foi embora. Ah bom, Segundo, dane-se sua preguiça, está no meu sangue lutar pelas causas certas! Meu pai é advogado, então tirei minha argumentação fantástica dele e minha mãe é ativista dos direitos dos animais, então eu tirei o inconformismo dela.

Já Louise ficou com a inércia do meu pai e a falta de juízo da minha mãe.

Continuei caminhando, riscando mentalmente minha listinha de “soluções para o Quadribol de Beauxbatons que não envolvam mortes” e cheguei a conclusão mais triste de todas: se eu não quiser mortes, vou ter que fazer o que Enrique disse e dar um jeito na rusga entre os jogadores e os esgrimistas.

Saco.

O problema é que o pessoal de Beauxbatons é muito fresco com essas coisas, se eu já achava Hogwarts limitada, imagina esse lugar que acha que tem que produzir bruxos perfeito no mesmo molde “BECP”: belos, elegantes, cultos e prestativos!

Sim, a professora de Etiqueta disse isso, é uma aloprada.

O problema maior é que, com exceção dos três italianos que foram suspensos, ninguém mais parece se importar com a injustiça da coisa toda, ao menos não se importar o suficiente para tentar mudar algo.

Estive conversando com Louise e ela me explicou que, aparentemente os franceses confiam muito, quase que cegamente, nos seus profissionais. Se um vendedor te diz que aquela forma de bolo não serve para fazer pudim, ele te expulsa da loja dele sem vender nada, a menos que você prometa que não vai fazer pudim numa forma que é obviamente de bolo!

Ou se o seu médico diz que você tem uma doença incurável, é melhor acreditar, porque seria deselegante procurar uma segunda opinião, a menos que ele mesmo te sugira isso. Na minha cabeça isso é o cúmulo da idiotice, mas Louise me explicou que é algo cultural:

Os franceses são muito dedicados e caprichosos em tudo o que fazem, o vendedor se orgulha de saber para que serve cada um dos seus produtos, ele pesquisou e testou, muitas vezes seus conhecimentos vem de família, já o médico é geralmente o médico que te atendeu a vida inteira, se houvesse algo que pudesse ser feito, ele mesmo te diria, porque ele quer o seu bem sempre!

É idiota, porém lógico, se for parar para pensar bem.

E isso explica porque a palavra do orientador estudantil é lei aqui, se ele diz que está tudo bem, então deve estar, ninguém aqui precisa de uma escolinha de Quadribol quando o time oficial e os treinos irão voltar em menos de um mês!

Suspirei pesado e duas garotinhas do primeiro ano deram risadinhas sincronizadas passando por mim no corredor, que gracinhas.

Voltando ao assunto... Por isso mesmo eu vou ter que focar em deixar a minha marca da alegria e paz nessa escola de outra forma ao propor uma trégua entre os dois grupos de esportistas. Vou tentar negociar para que o time de Quadribol possa treinar com os equipamentos de esgrima e tenha acesso a fonte e tudo mais...

Só preciso achar uma forma dos esgrimistas verem alguma vantagem nisso, porque a vantagem para mim e para Hogwarts será ganhar da melhor equipe que os franceses puderem ter no próximo intercolegial, mas os esgrimistas só sairiam perdendo nessa.

Atravessei praticamente toda a escola, pensando em como convencer as pessoas de fazer uma coisa que não é legal para elas, só para finalmente chegar na estufa de Herbologia, que não era a mesma coisa sem a família Longbotton por lá, né?

Podia não ser tão aconchegante quanto a toca dos nossos queridos “Bottons”, mas a estrutura era toda muito parecida com a de Hogwarts - até onde eu sei existem regras europeias para como uma estufa escolar deve ser - a única diferença dela sendo o jardim de inverno coberto que antecedia tudo.

As ninfas da escola passeavam alegremente pelo enorme espaço todo feito com paredes em vidro e metal, para manter a luz e o calor do Sol dentro e os ventos gelados fora. Esse jardim coberto ficava na parte da escola que não estava dentro do feitiço climático, pois muitas das espécies cultivadas ali gostavam do clima frio e das altas altitudes.

Viu? Eu realmente estou estudando muito, seus franceses idiotas!

A temperatura não chegava a ser realmente fria a ponto de me irritar, mas era muito mais gélida do que em qualquer outro lugar em toda a Academia.

Alguns olhinhos verdes desconfiados me acompanharam pelas fileiras e mais fileiras de flores de todos os tipos - estou atrapalhando seus altos nadas, ninfas? - e o lugar todo era cortado ao meio por um espelho d’água que saia pela única parede mágica que dava para as montanhas.

Bem, eu nunca tinha ido para esse lado antes e segundo Caveira, eu ainda tinha quase cinco minutos inteiros antes da aula sobre hemeróbios começar, então...

Peguei a trilha cercada por tulipas holandesas nadadoras - mais uma leitura para a minha conta - que acabava no feitiço limite.

A barreira não era sutil como os portais de Uagadou, você realmente podia sentir a força da magia contendo o vento frio das montanhas, ainda tão forte que bagunçava meu cabelo e levantava a parte final do meu sobretudo.

Fiquei apenas parado na borda do fim do mundo, tudo muito poético, mas a visão não era lá muito boa, embora já desse um breve vislumbre do inferno congelante que era. A neve lá fora era levantada pelo vento forte em redemoinhos, que faziam questão de deixar tudo branco, como se estivéssemos no meio de uma tempestade eterna e de proporções bíblicas.

Dei um passo para fora da barreira, só para poder dizer que já estive no topo dos Pirineus sem casaco ou qualquer coisa que o valha, porém a mudança brusca de temperatura - de friozinho agradável para o coração gelado de Erick - me fez abraçar meu próprio corpo para manter o calor dentro.

Caralho, que frio! Eu odeio frio!

Bem, antes de voltar para dentro com o rabinho entre as pernas, lembrei que eu sou um bruxo e tenho uma maravilhosa luvarinha, muito útil em fazer feitiços de aquecimento em sobretudos. Era uma pena que eu não tivesse nada para transfigurar em máscara ou gorro, então o vento dali fazia meus olhos arderam e parecia estar cortando minha pele.

Ok, por que inferno eu estou aqui mesmo?

Já ia voltar para dentro dos limites singelos da grande barreira de feitiços do jardim antes de ter o meu rosto completamente desfigurado pelo frio - que ideia genial sair no meio dos Pirineus, Cesc, você tá de parabéns! - quando vi um vulto escuro no meio daquela neve toda.

Bem, mais um motivo para cair fora o quanto antes, né? Meu cérebro congelado ainda estava mandando o ofício assinado em três vias para os meus pés se moverem, quando o vulto assumiu uma forma mais humanoide e então a de um vampiro familiar, que me empurrou sem cerimônia para dentro do jardim novamente.

— O que pensa que está fazendo, imbecil? Quer morrer congelado? - Sebastian Leiris estava com um daqueles casacos de esquimó coberto de neve que ele logo transfigurou em um sobretudo igual ao meu, com um super feitiço não-verbal. – Você tem algum retardo mental por acaso?

Minha cara ainda estava congelada, não era como se eu pudesse responde-lo realmente, então ele continuou bravo, com os olhos escuros ainda mais assustadores do que antes. Estou começando a achar que Leiris na verdade é metade demônio, isso sim!

—No que você estava pensando? Um minuto a mais naquele clima e você teria virado a estátua mais feia já posta no mundo! - Olha que pessoa desagradável... Mas hey, ele não me engana, eu consigo ver por trás da máscara de criatura das trevas dele agora!

— Espe-pera! Isso tu-tudo é pre-preo...

— Não é preocupação com você e sim comigo mesmo, que teria que ver essa sua cara patética congelada toda vez que eu fosse lá fora! - Ele me interrompeu irritado e eu o agradeci mentalmente, porque ainda não tinha conseguido fazer meu queixo parar de tremer de frio.

Passei a luvarinha no rosto com um leve feitiço de aquecimento para ver se melhorava a situação. Não é que melhorou?

— E eu po-posso saber o que o vampirinho estava fazendo lá fora? - Assim, bem melhor mesmo, e estamos de volta a programação normal, inclusive com um Sebastian Leiris me olhando com uma expressão de entojo e eu prontinho e quentinho para usar essa fuga dele contra ele.

Porque eu acabei de achar o jeito perfeito para fazer os esgrimistas toparem ao menos uma reunião comigo.

— Vocês de Hogwarts não conhecem a palavra limite? Vocês estão sempre... - Ele gesticulou enfaticamente no espaço entre nós e eu o olhei confuso. – Sempre invadindo nosso espaço pessoal!

Não parecia ser exatamente o que ele queria dizer, mas ele não estava disposto a acrescentar mais nada. Sorri para isso, adorava ver os valentões vulneráveis com seus segredinhos expostos. Me lembra dos velhos tempos...

— Você foi dar uma mordidinha no pescoço de alguém? Fazer um lanchinho em algum pobre urso desavisado na montanha? - Cruzei os braços e pus um dos punhos fechados no queixo, curioso. Ele me olhou raivoso.

— Eu. Não. Sou. Um. Vampiro. - Ele sibilou palavra por palavra entre dentes e aquele brilho escuro apareceu nos olhos dele de novo.

— Mas não é inteiramente humano também, não é? - Perguntei divertido e ele me olhou sem expressão agora.

— Sou parte veela, como muito dos alunos franceses aqui, isso não é nenhum segredo. - Ele disse dando de ombros, como se fosse óbvio, mas não era.

— Como assim parte veela? Você é a pessoa menos atraente que eu já vi na vida! - Falei estupefato, mas depois me arrependi de ser tão enfático. – Quero dizer, você é muito bonito e tudo mais, não me entenda mal, mas você é muito... Detestável.

Agradeci por não estar na sala de aula ainda, se não nunca iria poder falar isso. Sebastian cruzou os braços e me olhou inexpressivo, o que talvez fosse até mais assustador do que sua cara de demônio irritado.

— A linhagem masculina é imprevisível, nem todos nascem com o “glamour” das veelas. - Ele disse simplista e eu fiz que sim com a cabeça, porque isso qualquer livro poderia ter me dito, então eu tinha mais uma pergunta importante a fazer.

— Certo, que pena, você poderia usar um pouco de charme na vida tendo essa personalidade tão horrível, mas... - Ele fez menção de ir embora e eu não podia culpa-lo, ele não tinha obrigação nenhuma de ficar aqui ouvindo isso. – O que você estava fazendo lá fora mesmo? Porque eu só fui matar minha curiosidade, já você...

Deixei a acusação pairar no ar como um veneno.

Ele ficou me encarando por alguns longos segundos, o suficiente para o sinal da aula de Herbologia soar pelo jardim, onde as ninfas estavam trabalhando e alguns alunos atrasados andavam com pressa para a classe.

Leiris acha mesmo que eu vou desistir de investigar uma possível vantagem em uma negociação com ele? Muito inocente da parte dele se ele pensar isso, porque essa fugidinha para a neve pode ser, provavelmente, minha última chance de tê-lo em minhas mãos.

Sabem que eu não gosto de chantagem, isso é coisa de Corvinal, mas um homem tem que fazer o que um homem tem que fazer!

— Se você acha que eu vou desistir...

— Parabéns, Fábregas, acabou de virar a minha dupla na aula de hoje. - Ele falou seco e depois passou por mim para se encaminhar para a dita aula.

Ah bom, eu não vi isso chegando.

***

Uma coisa engraçada sobre as flores, quanto mais feias, mais venenosas.

Ou assim me parece já que esses hemeróbios eram umas coisinhas muito feias e suas folhas altamente perigosas.

Sebastian parecia uma assustadora máquina de lidar com flores, que conseguia isolar as pétalas parecidas com um capuz de monge com uma mão, para poder ter acesso as grandes folhas na base da planta com a outra.

Bem, não havia dispensando a minha queridíssima irmã para realmente ter apenas a honra duvidosa de ser a dupla dele na aula, então o cutuquei no ombro.

— E então, já pensou em qual vai ser o seu álibi quando eu expuser o corpo que você enterrou lá na neve? - Ai, ai, eu sempre tenho o melhor jeito para começar uma conversa depois de um longo momento de silêncio. Leiris me olhou com aqueles olhos negros assustadores dele.

— Eu estava indo visitar minha avó.

Eu engasguei com minha própria saliva quando comecei a dar uma risada surpresa para o pior álibi do mundo! Tive que me apoiar na bancada do vaso da nossa flor feia para desengasgar. Louise me olhou feio ao lado de uma Gomes com uma expressão de nojo mais na frente.

Me recompus como pude, porque o professor estava quase indo buscar o desfibrilador para me ressuscitar. Fiz um sinal de que estava bem e que não tinha sido atingido pela folha venenosa da planta, que causava alucinações horríveis.

Sebastian ainda me olhava com aquela cara de quem estava morto por dentro dele de sempre.

— Foi visitar ela na caverna vampiresca dela na montanha mais alta e isolada de todas? - Perguntei curioso e só um pouquinho irritante. Ele voltou a arrancar as folhas de periculosidade nível 6 habilmente.

— Não é uma caverna vampiresca, é uma casa comum de uma veela idosa. - Ele falou como se não fosse nada demais, mas era muita coisa.

— Sua avó é uma veela de verdade?

— Eu te disse isso há 15 minutos, como pode já ter esquecido? - Ele me perguntou irritado e eu dei de ombros, porque era verdade, ele tinha dito mesmo.

— Esse é aquele tipo de coisa que a gente transforma em dado secundário, tipo o fato de que eu tenho um ancestral que já foi djinn e acabou de ser libertado de uma lâmpada, as pessoas não imaginam a gente tomando chá juntos, elas só ficam tentando ver se eu sou tão poderoso e manipulador quanto ele. - Sebastian continuou me olhando como se eu fosse uma aberração com alguma creca contagiosa. – O que eu não sou.

— Não é nem de longe a mesma coisa! - Ele me disse azedo e exasperado e eu sorri para isso.

— É claro que é! Quando você falou que era parte veela, eu imaginei uma ancestral bem antiga e não uma que você ainda vai visitar. - Falei conseguindo provar o meu ponto, mas o capitão da equipe de esgrima só virou para frente e me ignorou.

— Se é que isso que você disse é verdade mesmo...

Ele revirou os olhos.

— É verdade e não é um segredo, a direção sabe que eu vou visitar a minha avó toda semana, ela costumava ser uma herbarologista daqui. - Ele falou tendo tirado a última folha do vaso da gente, que agora só estava com as flores feias nas hastes peladas.

Coitadas, todo ano a mesma coisa e nem pagam um jantar antes de tirar as roupas delas!

— O que é isso? Herba... Você está inventando isso, não está? - Perguntei desconfiado.

— Você já viu um herbário? - Ele perguntou e o nome até que é familiar, mas fiz que não com a cabeça. – É um livro com ervas prensadas com todas as informações e atualizações da espécie. As ninfas hoje fazem o trabalho, mas há algumas décadas veelas também trabalhavam aqui, catalogando as evoluções das plantas. Foi assim que meus avós se conheceram, ele era um simples estudante que se apaixonou por uma veela, como muitos outros.

— Interessante... Então eles se apaixonaram e se mudaram para perto da escola e por isso você tem permissão para visita-los? - Perguntei calçando as luvas para ajuda-lo a separar a polpa interna da primeira folha gordinha e maligna do dia.

— Não, ela se mudou para cá depois que ele morreu há dois anos, eu só vou até lá para verificar se ela está bem. - Ele falou sério, concentrado na nossa tarefa. – Minha avó nunca se acostumou com a sociedade bruxa e agora está velha demais para se juntar novamente a sua espécie, então ela se isolou. Não é como se veelas largassem tudo por humanos com muita frequência atualmente, não é mesmo?

— Que triste...

— Não, na verdade ela teve uma vida feliz e gosta bastante do isolamento. Meu tio fez um belo jardim ao redor do casebre e os feitiços climáticos são bons, embora ela na maioria do tempo esteja dormindo enrolada em mantas e mais mantas de pele e nem sinta a diferença. - Pela primeira vez ele sorriu sinceramente para mim, porque avós sempre faziam todo mundo ficar um pouquinho menos amargo, né?

Foi algo pequeno e rápido, mas o suficiente para demonstrar que se ele fosse só um tiquinho mais simpático, poderia ter o mundo todo na palma das mãos, porque ele era mesmo um cara de boa aparência e multitalentos, o caráter era a única coisa ruim no conjunto.

— Usar pele é errado, mas é uma história fofinha, então não vou te chantagear com isso. - Disse conclusivo, mesmo que ele não soubesse do dilema que eu estava encarando aqui na minha mente.

No caso o dilema era como eu iria usar a vantagem para cima dele na tentativa de ajudar os jogadores de Quadribol e não o dilema de se eu iria chantageá-lo ou não, já que eu sou uma alma pura, não estúpida!

Mas agora era um dilema resolvido, de qualquer forma.

— Veelas não fazem magia como nós e com os trouxas ocupando tudo, elas estão recuando para lugares cada vez mais frios para não serem importunadas, os peleiros e suas peles são a única coisa entre elas e o congelamento total. - Ele sorriu cínico e eu franzi o cenho. – Agora falando sério, você achou mesmo que poderia me chantagear usando minha saída da escola?

— Essa não é a pergunta mais importante, o que importa mesmo é: por que eu preciso te chantagear? - Devolvi o questionamento para ele.

— Porque você é uma pessoa desocupada e irritante?

— Sim, mas principalmente porque você faz questão de ser um capitão egoísta e injusto. - Falei sorridente, mas ele me olhou com irritação faiscando naqueles olhos trevosos, provável herança da parte que se transforma em harpia da avó veela.

— Do que você está falando? Quem te... Espera, do que você está falando? - Ele perguntou entre o bravo e o confuso, o que o deixou meio adorável, agora que eu sei que ele é só um garotinho que se preocupa com a avó ermitã.

— Estou falando da injustiça com os jogadores de Quadribol, por que? Tem outra injustiça na sua conta?

— Não, eu só... Não! E essa história dos “senhores vassouras e bastões bobos” nem chega a ser uma injustiça, não é mesmo? Eles tiveram o que mereceram. - Ele disse sarcástico e eu retiro tudo o que eu pensei, essa criatura não tem nada de adorável!

— Como pode dizer isso? Os caras foram jogados para fora do campeonato deles, a única coisa que poderia ter algum valor por aqui, já que o resto do tempo eles são menosprezados! - Falei indignado e Sebastian apenas sorriu, daquele jeito venenoso dele.

— Que história comovente, sério, quase me arrancou uma lágrima. - Ele falou com uma diversão maldosa, continuou cortando todo o conteúdo das folhas de hemeróbios que pareciam mais a parte interna de um melão maduro demais. – Se Lo Presti e seus asseclas não tivessem decidido pôr a escola em ridículo com todo o seu protesto fora de hora, talvez a direção não tivesse nos colocado em uma posição tão desconfortável!

O olhei com um voto de confiança, porque o que ele estava falando não parecia uma mentira completa. Posição desconfortável, é? Isso é promissor...

— Que posição?

— Eu e mais alguns esgrimistas tivemos que parar nosso treinamento para assumir o lugar deles de última hora, porque eles fizeram uma greve estúpida, disseram que só jogariam se suas reivindicações fossem atendidas! - Ele revirou os olhos para a suposta tolice dos caras e eu o olhei sério. – Babacas.

— Eles tinham motivo para estarem infelizes, Leiris, o que você faria no lugar de Antonella? - Perguntei com cautela, porque tentar fazer ele ter um pouco de empatia pela outra capitã podia ser algo bom para a minha causa.

— Eu teria usado o cérebro, como sempre! Se eles não estavam conseguindo o que queriam antes, acharam mesmo que com um ultimato iam conseguir? - Ele estalou a língua nos dentes, com uma diversão perversa. – Ninguém da direção, mesmo que concordasse com o pedido deles, poderia aceitar tamanho desrespeito e rebeldia na frente do mundo todo!

— Revoluções não são feitas respeitando as regras, Leiris, principalmente se elas são injustas e privilegiam apenas algumas pessoas! - Falei segurando firme o pote onde devíamos armazenar o sumo da planta cuidadosamente para usar na aula de Poções de amanhã. Ele despejou os pedacinhos milimetricamente cortados de uma vez só.

Era uma escola com uma ótima logística de materiais das aulas, embora a do material esportivo deixasse a desejar.

— E que bem isso fez a eles? Agora estão suspensos e sem o que tanto queriam! - Ele fechou a tampa do pote e tirou as luvas para começar a preencher a ficha do estudo. O professor passou pela nossa cadeira com um olhar de aprovação, porque tudo que Leiris fazia parecia ser com perfeição, inclusive contra-argumentar. – Você é capitão também, levou a sua escola a vitória mesmo tendo tudo contra você... Vai me dizer que não teve que tomar decisões que iam de encontro ao que você gostaria de fazer, pelo bem maior?

— Tive que tomar decisões que eu não queria mais de uma vez, mas eu nunca prejudiquei outras pessoas com isso. - Falei conclusivo, porque a aula estava acabando e minha chance de convencer Sebastian Leiris a ter um pouco de empatia também.

— Fiz o que era preciso para o meu time não ser prejudicado, Fábregas... - Ele falou sério, só que o sinal tocou bem na hora que ele ia completar, quase o fazendo desistir e ir embora, mas surpreendentemente ele continuou. – Não tivemos outra opção, a escola recebe patrocínios e se alguns alunos descumprem com a palavra, é o nosso nome e a nossa honra que ficam manchados também!

— Está me dizendo que vocês foram obrigados a jogar no lugar deles para honrar o contrato com o patrocinador? - Perguntei com ansiedade, porque se for esse o caso, os esgrimistas também são meio que vítimas, como Enrique sugeriu.

Leiris deu de ombros, passando a alça de sua mochila transversal pela cabeça. Gomes já o aguardava na porta da sala, com um olhar curioso mal disfarçado para cima da gente.

— Não foi o que eu disse, mas se tivesse dito... Seria o tipo de coisa que eu negaria até o fim. - Ele me olhou como se quisesse dizer algo com esse jogo de palavras e como eu não sou burro, eu entendi tudo: ele não tinha permissão para falar sobre o assunto.

Ok, então realmente temos um caso de dividir para conquistar feito pelos verdadeiros vilões da história, pessoal, porque se as coisas não estão boas para os jogadores de Quadribol e os esgrimistas também ficam engolindo sapos... A quem esse acordo de patrocínio está beneficiando?

Acho que temos que achar uma resposta para isso, não é mesmo?


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Notas finais do capítulo

Alguém sabe o que o título desse capítulo quis dizer?

Bjuxxx