Hogwarts: uma outra história escrita por LC_Pena


Capítulo 125
Capítulo 125. As notícias podiam ser melhores, hein?


Notas iniciais do capítulo

E no sábado de aleluia, eis que trago uma distração, porque teoricamente só tem chocolate amanhã, né?



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Capítulo 125. As notícias podiam ser melhores, hein?

Enrique realmente estava levando a sério essa coisa de celular e namoro a distância, mais a sério do que devia, já que ele só tinha o meu número e o de Jweek na agenda e muita vontade de explorar a tecnologia trouxa, então me ligava sem motivo algum.

Eu estava falando de um dos bancos no início do labirinto que dava para o estádio da escola - porque o sinal era muito bom lá - e estava dando um tempo até a aula de poções começar e ele estava dando um tempo no trabalho, se é que estava trabalhando mesmo.

E se eu apertar esse botão aqui, a conversa é gravada e salva na nuvem, que não é uma nuvem de verdade, só para você saber!— Ele disse muito convencido e eu sorri para ele, não iria cortar seu barato informando que eu já sei tudo isso.

— Muito legal mesmo, mas você ainda não me respondeu, posso dar seu número para Aidancornio ou não? - Repeti a pergunta, divertido e Enrique me olhou de cenho franzido, tomando toda a tela do meu celular.

— Não tenho muito assunto para falar com ele, mas sim, pode passar meu número, por que não? Se ele me importunar muito, eu posso bloqueá-lo com um par de toques na minha tela, o que seria uma função muito útil na vida real.

— Por que você iria bloquear Aidan? Ele é tão adorável e está me bloqueando com tanta maestria... Vou fazer melhor, vou dar o número dele para você e aí você liga para ele perguntando como é que ele tá!

E eu tenho interesse na resposta?— Enrique me perguntou cínico e eu fechei meus olhos em fendas.

— Sim, você tem! Lembra que eu falei que o irmão dele havia sido expulso da escola? Aidan disse que tudo não passou de um mal entendido, que ele já esclareceu, mas depois disso ele simplesmente não atende minhas vídeo-chamadas, está sempre ocupado, no banheiro... Enfim, cheio de desculpinhas!

Talvez ele tenha resolvido tudo e você esteja sendo inconveniente... Ok, não me olha com essa cara, porque eu sei tudo sobre inconveniência! Por exemplo, Weasley II nesse exato momento está me escrevendo uma nota.— Enrique suspendeu um pergaminho em branco que, pouco a pouco estava sendo preenchido com a familiar letra corrida de Fred. Eu ri para isso.

— O que ele quer dessa vez? - Falei ainda divertido, mas Enrique estava lendo a tal nota com atenção.

Céus, que garoto chato. Ele tá me perguntando de novo sobre aquele show no circo de pulgas no inverno passado.— Franzi o cenho, porque era um assunto bastante aleatório.

— O que ele quer saber?

O que eu achei estranho no show e se eu tenho alguma habilidade especial.— Aprofundei ainda mais minha expressão de confusão, porque aquilo não fazia o menor sentido. – Me assusta um pouco que ele tenha levantado a hipótese da habilidade, logo agora que...

Enrique se interrompeu bruscamente e eu agradeci pela tecnologia trouxa me permitir ver sua hesitação, ele assumiu um expressão diferente e eu soube que ele estava pronto para mudar de assunto e me despistar de algo importante.

— Logo agora que o quê, Enrique? - Perguntei em um tom baixo e ameaçador.

Melhor não saber, você vai ficar chateado...— Chega gelou o coração, porque ele falou naquele tom de “fiz caquinha, sou adorável, não me odeie”, que ele usa muito para um cara de 19 anos.

— O que foi que você fez dessa vez, seu... - Respirei fundo e sorri, ele estava puxando de leve o lábio inferior entre os dedos, parecendo adoravelmente inocente, sorriu de volta assim que me viu mais calmo. – Eu não vou ficar bravo, eu tenho certeza que você está resolvendo tudo no exato momento em que estamos falando, não é verdade?

É verdade sim, porque eu já sei o que eu vou falar na frente da comissão dos jogos: “Eu não usei feitiço algum para quebrar a vassoura da garota, na verdade fiquei surpreso com o que aconteceu, acho que a madeira já estava velha e, mesmo não sendo culpa minha, estou disposto a dar uma nova a ela.”

— Estão desconfiando que você usou magia para quebrar a vassoura da apanhadora de Uagadou na final? - Perguntei com calma, porque eu estou calmo, por que não estaria calmo?

Sim.

— E você usou magia para quebrar a vassoura dela? - A gente pergunta essas coisa com um medo enorme da resposta, sabe? Enrique hesitou antes de responder e eu fiquei um pouquinho menos calmo.

Não exatamente... - Ele falou com cuidado e eu o olhei seriamente. – Mas para a comissão eu vou dizer um não retumbante, não se preocupe!

— E para mim, seu namorado, você vai contar a história toda? - Perguntei com uma falsa simpatia e Enrique sorriu, antes de soltar a bomba.

Eu usei meu mimetismo e antes que você diga qualquer coisa, magias naturais não são rastreáveis, seria como tentar ver se um metamorfomago fez uma transformação específica entre milhares ou se um oclumente natural escondeu uma informação em uma sub-memória, é impossível rastrear!— Ele disse confiante.

— Você usou sua habilidade secreta para derrubar uma garota de onze anos na frente de milhares de pessoas e câmeras, é isso que você está me dizendo? - Perguntei entredentes, porque a gente até tem calma, mas para tudo tem limites!

Ela tem 12 anos agora, na verdade.

Resposta errada.

— ENRIQUE, SEU TRASGO MONTANHÊS, SE EU PERDER MEU TÍTULO DE CAMPEÃO, EU JURO QUE MATO VOCÊ! - Ele se assustou com minha explosão, mas depois sorriu ainda confiante.

Deve estar confiante porque sabe que a tecnologia trouxa ainda não permite enforcamento pelo celular.

Isso sim seria um desperdício. Por que está bravo? Já disse que tenho tudo sob controle, agora deixa eu ir, que eu tenho que voltar ao trabalho... Hector vai começar a desconfiar da demora para pegar alguns solventes com Harmond.— Ele deu de ombros, uma piscada e depois desligou sem esperar qualquer reação minha.

Traste!

Aproveitei o final brusco da conversa para ir logo até o mini-auditório na ala leste do palácio, ainda remoendo a estupidez de Enrique e tentando pensar em uma punição para ele que não se tornasse uma punição para mim, já que eu sou inocente e bom agora.

Não seria justo que eu tenha que fazer greve de sexo quando a gente se encontrar, por exemplo, porque meio que já estamos de greve forçada agora, né?

E eu gosto de sexo, ao menos para isso esse troll serve!

Entrei na minha segunda optativa, a primeira que realmente foi uma opção e advinha quem estava lá? Além de Louise e Roxanne Wealsey, tínhamos Leiris e Gomes juntinhos, exatamente como os gêmeos siameses das trevas que todo mundo sabe que são, Beaumont e Roussos, para embelezar a turma e Samuel Aizemberg, para equilibrar as coisas com sua feiura.

Bem, a optativa é Debates mágicos e se for um contra o outro, melhor fazer dupla com uma pessoa bem estúpida, né? Me sentei ao lado do meu amigo fuinha ou capivara, algo ente os dois e ele me olhou pouco animado.

— Olá, Aizemberg, feliz em me ver? - Ele deu um sorriso falso, que ficou bem bizarro nele, eu dei risada. – Sentei aqui ao seu lado para que ao menos uma vez você tivesse uma alegria na vida. De nada.

— Eu sinto muito mesmo, Fábregas, de verdade. - Ele falou contrito e olhou para frente. Fiquei confuso agora, algum dia Samuel fez algo de ruim contra mim e eu não fiquei sabendo? Ele parecia sincero.

— Por que está me pedindo desculpas? - Perguntei com uma dúvida real. Ele se virou para mim, com seu olhar de peixe morto, mexendo de leve a varinha na mesa, em um gesto bem familiar para mim... Onde eu já vi isso?

— Pelo dia que eu dei a entender que estava disposto a ter um diálogo com você, desculpe por isso, na verdade eu não estou. - Oucht, que réplica maravilhosa! Será que eu escolhi um adversário digno para um debate?

Nesses cinco anos que estudamos juntos, Samuel Aizemberg nunca deu mostras de que era um ser com uma inteligência média, mas se formos parar para analisar, ele até que devia ser, já que descobriu como usar o símbolo do Ocaso e ameaçou entrega-lo a... Brenam!

— Ei, você é parente de Brenam, não é? - Perguntei uns dois minutos depois dele ter me dito a última palavra e por isso mesmo o senhor mal diagramado me olhou com uma mistura de surpresa e nojo dignas de um sonserino de berço. – É um “Brenamberg”!

— De onde você tirou isso? - Ele me perguntou irritado e você vê? Por causa do feitiço nas salas, eu não posso xingar a pessoa de fuinha, capivara, inferius, embora tudo isso seja bastante aplicável a essa criatura ao meu lado, mas chama-lo de Brenamberg não pode ser considerado um xingamento.

— Isso explica muita coisa, Brenamberg, explica por exemplo o porquê da minha antipatia por você e agora que eu sou uma pessoa melhor, descobrir o motivo da minha antipatia, pode me ajudar a transforma-la em empatia e quem sabe até mesmo em simpatia, por que não deve ser fácil vir da mesma família que aquele cara mais insosso do que comida de hospital!

Aizemberg olhou para frente, demonstrando que ele é um dos poucos casos em que o perfil pode ser tão feio quanto a vista frontal. Juro que não vou mais falar isso para ele, porque eu não posso ter isso na minha conta do inferno, minha melhora é real agora.

Estou quase fazendo um bottom enfeitiçado com “ [32 ] dias sem acidentes de malignidade”, vou até mandar um para Tony também, olha que ideia maravilhosa!

— Fábregas, eu poderia te dar uma resposta eloquente, mas você é um daqueles tipos de ervas que definham sozinhas, sabe? Eu vou aguardar ansiosamente por isso. - Ele disse levemente animado com a perspectiva e eu fiquei meio chateado, porque eu devia ter escolhido uma dupla menos sonserina.

— Por que o feitiço da sala não impediu você de me ofender? O problema é só comigo? - Resmunguei baixo para a injustiça da coisa toda e ele só sorriu enigmático.

— Eu só falei a verdade, você se ofendeu porque quis. - Ele disse displicente e como a aula estava prestes a começar, não pude responde-lo, mas isso até foi bom, porque me deu tempo de refletir uma coisa:

Dá para ofender sem usar palavras pejorativas!

Olhei impressionado para toda a turma, porque esse era o tipo de conhecimento que a gente sempre teve, mas dada a correria da vida e simplicidade de uma resposta agressiva e rápida, nos esquecemos.

Parei minha reflexão para ouvir as regras dessa aula de debates, mas vi uma oportunidade perfeita para pôr em prática essa nova verdade, quanto Beatriz Gomes começou a fazer uma das suas perguntas que eu chamo de “Rose Weasley - veja como eu sou inteligente!”.

— Mas se o tema é livre e qualquer aluno pode falar sobre ele apenas tendo que argumentar contra a colocação anterior, significa dizer que o objetivo da classe não são os pontos na tabela e sim a aprendizagem de todos? - Puta que pariu, Gomes, foi isso que o homem acabou de falar!

— O que seria de nós sem Beatriz Gomes e sua enorme inteligência para entender as coisas por nós? - A classe toda deu risinhos disfarçados, menos Roussos, que riu abertamente e me mandou um beijo de seu lugar ao lado de Beaumont. – Quando crescer quero ser como você, senhorita.

A portuguesa se virou para trás com um olhar de superioridade junto de um sorrisinho com promessas nefastas, mas foi a expressão de Sebastian Leiris ao seu lado que me deixou preocupado. Não era eu que queria falar com os esgrimistas para obter a paz mundial? Por que inferno eu estou ofendendo a vice-capitã da equipe e irritando o capitão?

“ [0] dias sem acidentes de malignidade”

O professor bateu com sua varinha no púlpito a sua frente, demandando atenção com um gesto elegante. Ok, é oficial, toda vez que eu descubro como burlar uma regra, um anjinho do nosso Senhor morre.

Minha avó sempre me disse isso, mas eu nunca havia acreditado até agora, ao perceber que minha boca grande havia acabado de colocar um obstáculo na minha decisão de ajudar meus caros colegas jogadores usando da diplomacia, como Enrique me aconselhou.

— Sim, senhorita Gomes, nosso objetivo é o aprendizado e a discussão organizada de temas que sejam interessantes para a classe, então podemos começar escolhendo o nosso primeiro assunto? - Uma menina loira com um coque simples e vestes bem ajustadas levantou a mão rapidamente, assim que o professor terminou de falar. – Sim, senhorita, que tema gostaria de sugerir?

Gomes sussurrou algo para Leiris, que retribuiu aquele sorrisinho vilanesco e cúmplice deles. A sala fez um breve burburinho de irritação com a primeira voluntária, então a garota esperou todos se calarem antes de falar.

— Eu sugiro discutirmos o Estatuto Internacional do Sigilo em Magia de 1689. - Ela falou com calma e teve mais conversinha paralela entre as duplas, a dela se encolhendo um pouco, como se fosse o discurso da amiga que tivesse chamado atenção e não o fato dela ter um cabelo azul!

— Theuerkauf, a gente não discutiu o sigilo bruxo o suficiente no ano passado? - Anne Beaumont perguntou simpaticamente, mas fechou a cara assim que recebeu um aceno de apreciação da turminha lá da frente.

— Isso é um sobrenome ou um feitiço? - Eu dei risada baixinho, ainda mais que Samuel sussurrou para si mesmo, com maldade. Credo, não seja legal, cara, prefiro continuar com minha antipatia por você, muito obrigado.

— É um tema sempre atual e eu tenho certeza que os alunos de Hogwarts podem ter pontos de vista interessantes para acrescentar. - Ela olhou esperançosa para o lugar onde a maioria de nós estava concentrado e, embora o Ocaso tenha sempre pregado ser proativo, essa não é uma característica dos nossos colegas.

Eu também fiquei calado, fingindo que não era comigo para não levantar suspeitas de que eu sou um iconoclasta, claro. Mas Aizemberg ao meu lado se pronunciou.

— Acredito que o tema seja tão relevante quanto antes, ainda mais se vier corroborar com o fato já estabelecido: o tratado nos mantém seguros, porque as circunstâncias ainda não mudaram. - O garoto fuinha foi categórico e todos na sala esperamos até que ele concluísse o seu raciocínio, em um debate você não pode jogar uma coisa aleatória dessas e depois fugir! - Os trouxas ainda são ignorantes e a ignorância deles sempre gera violência, inclusive contra os deles.

— Bem, eu concordo que haja muita violência no mundo, mas não tem nada a ver com os trouxas, tem a ver com a humanidade: os bruxos estiveram em três guerras só no século passado! - A irmã de Fred provou que o raciocínio rápido é de família, mas que a boa vontade de aprender francês não, já que o dela era bem fluente e o dele uma bosta.

— Os bruxos britânicos. - Leiris pontuou com desdém, antes de se virar para falar diretamente com Roxanne. O mini-auditório era um semicírculo, então podíamos nos ver com facilidade. – As três guerras bruxas as quais você se refere chegaram como leves temores na nossa sociedade, na França a gente tem muito mais tolerância com os trouxas, inclusive...

— Inclusive assistem passivamente eles destruindo suas cidades em guerras sem sentido! - A garota que havia proposto o tema e tinha um sobrenome impronunciável, assim como o de Sienna, interrompeu o capitão vampiro da equipe de esgrima. – Paris quase ruiu na década de 40, mas tudo bem, porque o mundo bruxo estava a salvo!

Ela falou com ironia e o professor esperou ela concluir o raciocínio antes de chamar sua atenção.

— Senhorita Abigail, nós não interrompemos a fala dos nossos colegas. - A garota sussurrou um pedido de desculpas de má vontade e o professor voltou sua atenção para Leiris. – Continue seu argumento, senhor Leiris.

Não fugiu a minha percepção sinistra que o cara evitou chamar a garota pelo sobrenome, nem ele deve saber a pronúncia certa. As palavras em francês tem essa estranha mania de serem escritas de uma forma e faladas de outra. Leiris retomou o discurso de forma arrogante.

Novidade.

— Estava falando como o Estado francês é pacífico e a taxa de problemas relacionados às leis do sigilo é baixa em nosso território, mas agora vou usar o espaço para responder o argumento da minha cara colega. - Ele sorriu e porque os vampiros não são conhecidos por seu senso de humor, pareceu algo venenoso. – Meu bisavô abriu nossa propriedade secular para refugiados da guerra trouxa ficarem enquanto houvessem bombardeios e suas casas não fossem seguras, o que o seu ancestral alemão estava fazendo na guerra mesmo?

Ah sim, venenoso com certeza. A garota loira contraiu os lábios em uma expressão de irritação e o fato de ser descendente de alemães justifica o sobrenome absurdo. A menina de cabelos azuis sussurrou algo para a amiga e o silêncio estava se prolongando tanto, que o professor quase teve que intervir.

— Meu bisavô estava morrendo com uma arma trouxa nas mãos, porque nenhum dos seus compatriotas bruxos achou que valia a pena lutar pela vida de seus irmãos! - Ela falou visivelmente ofendida e Leiris não esboçou nenhuma expressão de arrependimento por tocar em um ponto tão sensível. – E não, ele não era nazista, se é o que pensa, meu avô foi a guerra defender o fim daquela insanidade e morreu porque o sigilo bruxo é mais importante do que vidas, tanto trouxas quanto bruxas. Morreu com dignidade, sua varinha bem guardada em casa, porque ela foi inútil no fim das contas!

— Uma varinha só é inútil quando se propõe a fazer coisas que estão fora de sua alçada! Seu bisavô teria ajudado bem mais aos trouxas que tanto amou, se ao invés de se jogar em uma trincheira, tivesse os ajudado a...

— Fugir? Nem todos nós somos covardes que querem passar a vida se escondendo atrás de um...

— Senhorita Theuerkauf, mais uma interrupção e terei que pedir para que fique calada até o fim do debate. - O professor foi severo e a encarou até que a menina fizesse um aceno de entendimento orgulhoso. – Senhorita Gomes, pode prosseguir.

A garota portuguesa fez um gesto de que já tinha acabado sua colocação e a classe toda caiu em um silêncio incômodo. Todo mundo sabe que eu odeio silêncios incômodos, não é?

— Bem, eu acredito que o cerne do problema ainda seja enxergar um “nós” ou “eles” em um mundo que claramente é um só. - Falei chamando a atenção para mim e todos pareciam que realmente estavam achando que eu tinha um super discurso elucidativo para falar, mas acontece que eu não tenho. Então vamos improvisar! – Eu sou nascido-trouxa, quando descobri que era bruxo, achei que haviam dois mundos, mas acontece que no fim das contas é um só, quero dizer, se Voldemort tivesse ganhado a guerra na Grã-Bretanha, ele não teria parado lá, então trouxas, bruxos, britânicos, alemães, franceses, todos estariam em perigo.

— Por mais que eu acredite que revelar o segredo bruxo seja catastrófico, Cesc tem razão, há certos momentos que não dá apenas para fingir que o problema do outro não nos afeta! Talvez seja mais difícil para quem não tem família trouxa ver, mas a morte dos sem magia, mesmo quando causada por eles mesmos, continua sendo algo terrível!

Louise falou, meio que concordando com os dois lados, como uma bela corvinal diplomata que não queria perder o debate de jeito nenhum. Roxanne deu continuidade a discussão depois dela.

— De acordo com a previsão do Ministério, os nascidos-trouxas e mestiços com famílias trouxas já superam em quase o triplo o número de bruxos sem nenhuma conexão com eles e daqui há dez anos, provavelmente haverá mais famílias que sabem o segredo bruxo, do que as que não sabem. - Roxanne Weasley jogou a informação no ar, mas não teceu mais nenhum comentário sobre ela.

— Isso na Grã-Bretanha, mas em países como os Estados Unidos ou Índia, a população trouxa ainda supera em muito qualquer número bobo que vocês tenham e eles são abertamente violentos contra tudo que é minimamente diferente. - Leiris falou daquele jeito convencido e Roxanne se mexeu incomodada.

— Eu não disse que era para revelar o mundo bruxo, eu só informei que para muita gente a linha do sigilo já não existe mais! - Ela deu de ombros, pouco disposta a entrar em debates acalorados com Sebastian Leiris, que além de excelente em esgrima e em etiqueta, era excelente também em usar suas palavras contra você. – Minha mãe, por exemplo, pede pizza para o jantar, paga com o cartão de crédito, enquanto meu pai faz a sobremesa com magia. É justo a gente poder usar as duas coisas e eles não?

— Não faço questão alguma de usar as coisas deles, então... - Aizemberg disse debochado ao meu lado e Roxanne revirou os olhos, parecendo desistir de se fazer entender.

— Pois devia, nós temos um negócio chamado aparelho dentário, que seria uma maravilha na sua vida. - Falei com meu melhor tom suave e ele me olhou irritado. – Você devia tentar.

— Tem algo a dizer sobre o assunto, senhor Fábregas? O senhor se colocou como um dos trouxas e já que eles não podem se defender, tem algo que queira dizer por eles? - O professor falou simpático mesmo me dando bronca e eu fiz que sim com a cabeça.

— Pois eu tenho várias coisas a dizer, a primeira delas é que “eles” é um conceito besta, os trouxas estão literalmente na casa ao lado, sangram e sofrem como qualquer bruxo, segundo, que a tecnologia trouxa em algumas áreas dá de mil a zero na bruxa e terceiro, que dizer que o bisavô salvou trouxas não te faz menos purista, minha avó diz no bingo da igreja que o neto dela “até tem um amigo negro” para dizer que não é racista, só que ela é, então...

Não pude nem falar o resto da minha opinião maravilhosa, porque ainda é muito delicado falar de purismo, mesmo que o “nós franceses não nos misturamos com eles por segurança” e que “os trouxas mesmo que causaram os próprios problemas, como sempre!” sejam a prova mais clara de que o purismo ainda existe.

Os puro-sangue ficaram todos afetadinhos e bravinhos dizendo que “vidas trouxas importam com certeza” porém “os bruxos é que tem que ter medo dos trouxas, então esse vitimismo é injustificado”, bocejei para eles, inclusive para Samuel ao meu lado, porque a verdade dói!

Quando me deram uma chance para falar depois de vários e vários argumentos de diferentes naturezas dizendo a mesma coisa “purismo não existe mais, só existe na cabeça dos que ainda ficam tocando nesse assunto”, incluindo a adorável Beaumont dizendo que “somos iguais em alguns pontos, mas muito diferentes para sermos tratados como uma única sociedade, só isso”, eu dei minha cartada final.

— Seus pais podem até fingir que vai dar tudo certo, mas eu tenho uma péssima notícia para dar a vocês: o mundo trouxa está ficando cada vez menor e eles estão cada vez mais perto de tropeçar no mundo bruxo. - Falei já sabendo que a aula estava prestes a acabar. – Se eu fosse vocês já começava a me preparar desde agora para a invasão trouxa...

O sinal tocou e eu saí feliz da vida, afinal, dei algo para todo mundo refletir e não, eu não estou feliz porque semeei a discórdia na aula, quem disse isso?

***

Treta plantada, jantar maravilhoso, zero de resposta de Tony no pergaminho e de Aidan no celular, dei um toque para Enrique, que atendeu na mesma hora.

Gosto assim.

— E aí, o que deu aquele problema com Uagadou? - Enrique me olhou sério a eu fiquei tenso. – Deu alguma merda?

Não deu em nada ainda e é pouco provável que dê, já te disse isso, mas... Meio que aconteceu uma coisa... Estranha. - Ele terminou misterioso, recolocado os óculos no lugar com um dedo.

— Tem a ver com Uagadou?

Tem a ver com meu pai que meio que devia um favor para os Haardy e.. Ao que tudo indica Martin seguiu os passos de Paul.— Ele disse sério e eu revirei os olhos, porque só ele e James mesmo para chamar esse cara pelo primeiro nome.

— Claro que Haardy seguiu os passos de Dolman, foi isso que acabou com o esquema de... Ah. - Demorei, mas finalmente percebi do que diabos Enrique estava falando com aquela cara de enterro dele.

É o segundo da minha época que morre e não é que eu gostasse muito dele, mas eu estou... Por que eles estão fazendo isso?— Enrique parecia confuso e triste e eu estou me sentindo pouco... Preparado para falar algo que faça sentido nesse momento.

— Então ele se suicidou também? Como? - Não perguntei antes sobre a morte de Paul Dolman, porque os poucos detalhes - como o fato dele ter virado um fantasma - que eu soube já foram perturbadores o bastante, mas sendo o segundo suicídio de um aluno de Hogwarts, esse ligado diretamente a ações minhas, me fez ter essa curiosidade mórbida.

Envenenamento por poção e Paul se jogou da vassoura no campo de Quadribol que treinava quando criança em Londres, os dois só... Martin ao menos deixou um bilhete.— Enrique falou, olhando para baixo. – Meu pai me mostrou.

— Por que seu pai estava com esse bilhete? - Perguntei a segunda coisa que eu mais queria saber, porque a primeira era assustadora demais para verbalizar.

Eu tinha medo de ouvir as últimas palavras de Martin Haardy.

Foi parte do favor que ele fez, a família de Martin pediu para abafarmos qualquer coisa sobre isso na mídia e pediram para meu pai... Guardar o bilhete nos nossos arquivos.— Enrique falou meio constrangido ou talvez ele estivesse apenas triste, não soube identificar com ele falando no celular de tão perto, só sua boca sombreada era visível.

— Por que?

Foi o último pedido dele.— Enrique deu de ombros, deu para ver depois que ele afastou a tela e me deixou ter uma perspectiva aumentada. Ele estava em seu quarto, na cama. – Martin pediu para que o bilhete não fosse destruído, os pais dele não quiseram ficar com isso, então pediram para meu pai guardar em um dos nossos arquivos mais bem guardados... Mas meu pai me mostrou antes de arquivar.

— Eu ainda estou tentando entender o que a sua família tem a ver com isso, tipo, que favor bizarro é esse? Pediram para ajudar a desovar o corpo também? - Falei sarcástico e Enrique não respondeu, eu arregalei os olhos. – Pediram?

— Não exatamente, pediram para ajudar a fazer um enterro discreto, Heitor cuidou da papelada junto com o senhor Haardy, porque ele é um auror e pôde confirmar que não houve crime, que foi um acidente, mas não pode impedir que os jornalistas divulguem as coisas, então isso é um segredo, ok? Nada de Ocaso!

— Por que os jornalistas se interessariam por algo assim? Vocês ainda chamam suicídio de “acidente”, não me parece o tipo de notícia que iria ser bem vista... - Falei em dúvida, com um gosto amargo na boca, eu odeio essas coisas de morte.

Michael  Bradbury está a solta, o caso dele não foi encerrado e Martin era testemunha chave, os jornalistas iam fazer de tudo para associar a história com o fugitivo, você sabe como os jornais gostam de aumentar as coisas. - Ele falou cansado, parecendo conformado com o comportamento da mídia sensacionalista bruxa.

— E não há nenhuma chance de ter sido isso? - Perguntei só a título de curiosidade, não era difícil de imaginar um vaidoso Haardy desistindo de tudo depois de sua ruína, assim como Dolman, mas também é fácil atribuir uma morte ao já extenso currículo do nosso antigo professor de poções. 

Não com o bilhete que ele deixou, ele disse no final e eu vou citar “queria poder trocar de alma também, de vida, queria nunca ter conhecido o mal, que tudo contamina, que tudo destrói, agora só me resta descansar. Finalmente em paz”. - Enrique citou as palavras com exatidão - bem coisa de escritor - e eu queria poder estar junto dele e ao mesmo tempo queria nunca ter me metido nessa história, o gosto amargo que eu tô sentindo provavelmente é o da culpa.

Havia algum jeito melhor de lidar com toda essa merda? Um que não acabasse com morte?

— Algumas coisas simplesmente não podemos desfazer, ninguém ensina para gente, parece que é o tipo de coisa que a gente só entende quando passa... - Falei para não deixar aquele silêncio estranho ficar entre nós, mas Enrique demorou uma eternidade para responder a isso.

Meu pai me mostrou o bilhete e me disse “Nunca faça isso! Não importa o que aconteça, não é assim que um Dussel age”.— Puta que pariu, sogro, o senhor é uma porta! Enrique deu de ombros, me dando um sorriso triste. – Como se eu já não soubesse... Tentei convencê-lo a me deixar ir para a Durmstrang no último ano, mas ele disse que era para eu ficar e arcar com as consequências dos meus atos, como um homem.

Me lembrei de como essa merda toda do esquema de Bradbury havia manchado a reputação de muita gente, inclusive da escola, fora os que não eram mais alunos de Hogwarts.

Hugh, que não tinha nada a ver, teve dificuldade de encontrar estágio por ser amigo de Haardy, Connor não pôde jogar os primeiros jogos da seleção e até mesmo Romeo, com seu jeito de ogro, se manteve distante dos holofotes por um bom tempo.

Certas coisas parecem que nunca vão embora totalmente, para mim faz tanto tempo toda essa confusão, mas para alguns deve parecer que foi ontem.

Olhei para Enrique com um novo olhar, porque até posso brincar com a superficialidade dele o tempo todo, mas nunca mais devo esquecer que ele é mais do que mostra.

— Ainda bem que ele não deixou, se não você não teria sido o grande apanhador da final. Ou meu namorado estúpido! - Falei tentando fazer ele sorrir com sinceridade. Funcionou. – Apesar de que você quase matou todos nós do coração no processo...

Ele agora riu do meu drama e eu pisquei para ele, porque estava feliz de verdade com essa decisão, não importa mais se foi dele ou do pai dele. Ele voltou a ficar sério.

Escolher ficar é sempre o caminho mais difícil, mas vale a pena, porque é o único jeito de andar por aí de cabeça erguida depois. - Enrique sorriu e eu sorri de volta. – É isso que os Dussel fazem desde sempre.

— Bom para os Dussel, mas de vez em quando faça o que Enrique quer.

— Mas quando Enrique faz o que quer, você reclama!— Ele falou divertido e eu revirei os olhos com falsa impaciência, mas estava me sentindo melhor com seu bom humor.

Às vezes eu esqueço o quanto tenho sorte de lutar apenas as batalhas que eu posso vencer.


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Notas finais do capítulo

Abigail Theuerkauf pertence a Vanora , mas ainda não fiz a ficha dela, me perdoem pelo falha.

A garota de cabelo azul, por outro lado, tem ficha e pertence a amiga de Jweek, Tati, mas só vou mostrar a dela quando ela aparecer de verdade na história.

Bjuxxx