Hogwarts: uma outra história escrita por LC_Pena


Capítulo 108
Capítulo 108. Pós guerra


Notas iniciais do capítulo

Gostaria de começar aqui falando sobre um teste que terá nesse capítulo, falo mais lá embaixo sobre.

Segundo e muito mais importante, nesse momento em que eu estou tendo um pouco de dificuldade em atualizar no prazo, tenho que agradecer às leitoras novas, as fantasminhas que se apresentaram agora e aquelas que passaram a ser recorrentes nos comentários, muito, muito obrigada!

Sério, vocês, junto com o esquadrão oficial (que sabe muito bem quem faz parte) tem me dado muita força para seguir em frente!

Então Ana Black, Fanwarior, Malika, Tia Trickster, Emmalina, FilhadeHadees e Lemmie esse capítulo é dedicado a vocês!

É um capítulo especial porque faz parte de um marco: o mundo pós-Hogwarts!

Então, enjoy!



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Capítulo 108.

O céu está em uma cor púrpura misturada com verde pus agonizante e as estrelas do firmamento estão caindo derretidas no espaço sideral, como as velas flutuantes do Salão Comunal, queimando a pele dos pobres voluntários que ainda tentam segurar as pedras antigas do castelo em seu lugar... Sem magia!

Os esforços daqueles bravos bruxos e bruxas estava sendo recompensado com nada mais do que puro caos, sujeira e dores internas e externas, que arrancavam sangue, suor e lágrimas de seus corpos estafados.

“Evacuar o local, evacuar o local! Eu disse para evacuar o local, soldado, você não me ouviu?”, a diretora Mcgonagall rugia debaixo de uma nuvem de poeira levantada pela saraivada de balas do inimigo que ultrapassara sua linha de defe... Pera, não. 

O quê?

Abri os olhos irritado, só para enxergar um macabro pátio em mármore escuro semi deserto. Não, provavelmente não era isso que estava acontecendo em Hogwarts, embora essa versão de guerra na minha cabeça tenha soado o máximo com todos os seus “ratatatatatata” das metralhadoras e “baushhhhhhh”, aquele barulho arenoso de coisa caindo e se esfarelando...

Mas Hogwarts não tem um inimigo com metralhadoras, não é mesmo? Cesc burro! Ok, mais uma fantasia jogada fora nessas... Quantas horas já se passaram mesmo? Aff, resolvi verbalizar o meu tédio para a minha companheira de luta.

— Isso aqui está mais desconfortável do que estar molhado ao lado do seu ex-namorado zumbi, naquela escola melindrosa da minha ex. - Resmunguei em espanhol de olhos fechados para Louise, realmente odiando ser eu nesse exato momento.

— É um sentimento bastante específico, irmão, mas me sinto terrível também. - Louise devolveu com uma voz igualmente entediada.

Estávamos os dois sentados em um banco no átrio principal do Ministério, esperando os nossos pais finalmente darem as caras e nos levarem embora daqui para todo sempre amém,  já que minha cota de visitas a esse lugar já se esgotou faz tempo. 

Mas vamos parar de tentar criar uma produção Hollywoodiana para Hogwarts e sua queda e focar no trauma de hoje: sabe aquele medo infantil de ser a última criança a ser pega na escola? Pois é, bem vindo ao meu mundo dos medos ao quadrado, porque nem escola mais eu tenho!

Ao que parece - e isso ainda são rumores de corredor de repartição pública - dificilmente será possível um retorno para Hogwarts ainda nesse ano letivo, o que explicaria os muitos pais de distritos distantes perguntando onde seriam feitas as provas finais, como ficaria o conteúdo de um mês de aula perdido e até houve alguns que ousaram solicitar o reembolso do valor referente aos custos com esse deslocamento inesperado. 

Ok, foi só um pai.

E ao menos o estudante filho desse ser humano rançoso em específico  ficou constrangido, demonstrando que certos defeitos pulam uma geração na família. Em meio a pessoas de todas as idades relembrando os melhores momentos de Hogwarts como se estivéssemos todos em um serviço fúnebre, eu teria gostado que houvesse um leve linchamento para entreter esse meu tempo de espera, mas nem com essas coisas tenho sorte.

Bem, mas quem mandou ser espanhol e de família trouxa ainda por cima? Digamos que os aurores e funcionários do Ministério que nos receberam tinham prioridades de atendimento, começando pelo herdeiro Malfoy segurando uma capetinha de nove meses se esgoelando de tanto chorar, passando pelos filhos famosinhos dos heróis do mundo bruxo - James Potter teria cedido a vez, se pudesse, porque ele é um herói sem uma causa na qual lutar - e por fim, chegando a plebe de Hogwarts. 

Os gêmeos espanhóis ficaram lá na última linha da lista, naquele pedaço de pergaminho que você tem que sinalizar com uma seta na página anterior, para as pessoas saberem que tem mais uma página inútil na listinha...

Novamente, quem mandou ser espanhol e nascido-trouxa? E Erick ainda tem a cara de pau de dizer que somos muito especiais! Sei...

— Sabe o que estive pensando, Louise? Que se o djinn estiver certo, não éramos para ter ido para Hogwarts mesmo, então estamos no lucro! - Falei conformado e esperei minha irmã virar o rosto em minha direção, com sua melhor expressão mal-humorada. Sorri, cínico.  – Fomos para lá apenas para aumentar a desgraça dele e dificultar sua fuga... Bem a nossa cara existir apenas para tornar a vida de alguém mais miserável. 

— Fomos escolhidos como todos os outros, recebemos as cartas e compramos os materiais, você e seu amigo sinistro não vão me fazer sentir inadequada, eu merecia estar naquele lugar! - Ela falou revoltada, com um gesto enfático de mãos. – Me sinto traída, era para ter direito aos sete anos que me foram prometidos!

— Não seja absurda, já disse que tivemos sorte e ademais, o djinn nunca foi meu amigo, segundo ele, ele é um ancestral e como você é minha parente, você também tem parte nessa bagunça genética. - Disse levemente distraído, olhando para a lareira que... Nah, só mais um pai que não é o nosso e esse nem tem a desculpa da distância, é só um filho da mãe mesmo.

— Só acredito com teste de DNA! - Louise replicou, emburrada e eu ri.

— No caso dele, só com datação em carbono, porque ele é um fóssil ambulante. - Ela deu um sorrisinho de nada para minha resposta, mas depois sorriu sinceramente com a chegada de nossa mãe. 

Já estava na hora!— Louise falou em inglês e por isso mesmo minha mãe levantou a sobrancelha naquela expressão maravilhosa de “como é que é, criatura?”, que eu herdei e uso com tanta frequência. 

— Tive que sair até Santa Cruz para pegar uma lareira Express, mas vocês acreditam que o meu visto de passeio expirou? Em menos de um ano! Essas burocracias bruxas, vou te dizer, como se eu... - Minha mãe continuou resmungando enquanto espanava um pouco de fuligem do casaco e aceitava o meu abraço e o de Louise piscando distraída. – E a bagagem? 

E a... Ah não! Com essa confusão toda de ficar discutindo sobre a última edição do Ocaso - aparentemente a minha recém adquirida pro atividade não está agradando nem a gregos, muito menos aos troianos, era suposto que eu “tivesse solicitado uma reunião do Ocaso”... Até parece! - me fez esquecer que o meu notebook está lá e as coisas de Uizlei e bem, todo o resto, até as minhas cuecas limpas!

— Não temos bagagens, ficou tudo no castelo e eu tenho quase nenhuma esperança de recuperar qualquer coisa. - Louise arregalou os olhos para minha constatação e eu me lembrei que ela era novata nessa coisa de perder todos os seus pertences em um incidente de proporções épicas.  Das vantagens de ser sonserino...

Mas nem tudo era perda, porque a piñata de doces americanos de Tony também estava perdida para sempre e isso é uma vitória para todos, até mesmo para ele.

— Meu Deus e o luto só aumenta... - Minha irmã suspirou dramática e minha mãe tentou consola-la, mas a coisa toda é que estávamos de madrugada no átrio do Ministério da Magia Britânico, sem ter comido um nada essas horas todas, então... Prioridades, pessoal!

Fiquei menos infeliz quando pegamos uma lareira direto para Sevilha e então minha mãe furou todos os sinais vermelhos - dado o avançado da hora - da rua, nos fazendo chegar em casa em um tempo que nem um piloto de fuga poderia colocar defeito.

Chegando em casa, ou seja, território seguro, finalmente nossa mãe nos cumprimentou se parecendo mais com ela, abençoando a nossa vinda, jurando que iria fazer e acontecer com os britânicos, que era um verdadeiro absurdo tudo aquilo de ficar indo e vindo de Londres, quando, veja bem, tinha assinado especificamente que era para eles cuidarem da gente por nove meses e não ficar de palhaçada chamando por qualquer besteira...

Besteira tipo o julgamento do filho dela e a destruição da escola, diga-se de passagem.

Foi nessa exata hora que meu pai se rendeu e parou de fingir que dormia no andar de cima, já que a voz da esposa dele não é exatamente baixa. Foi bom rever uma pessoa razoável, que se compadeceu da nossa dor de perder a nossa querida escola.

Minha mãe só revirou os olhos e disse que faria um bolo de chocolate para a gente se empanturrar no café da manhã e depois disso a vida seria colorida de novo, sem dramas e choro e embora pareça insensível da parte dela, eu meio que já me sinto melhor com essa perspectiva...

Nossa família é assim de esquisita.

Louise ainda ficou lá chorando um pouco mais no ombro de nosso pai e eu comi tudo que tinha na geladeira, tomei um banho mentiroso - porque no geral sou uma criança bem limpinha e cheirosa - e fui dormir na minha cama antiga, num quarto com cheiro de guardado e sem nenhuma roupa suja no chão. Quase não reconheci o lugar.

***

Ok, acordei com uma movimentação no piso inferior, mas me reservei o direito de não levantar ainda, apenas fiquei encarando o teto, como se fosse receber alguma resposta divina do que diabos fazer com a minha vida agora que meu mundo literalmente caiu.

— Porcaria de existência sem sentido...

Lily tinha razão, deixar nosso destino nas mãos de terceiros é irritante e pouco produtivo, ainda mais sabendo quem estava a frente daquilo tudo, mas a coisa é, com o meu histórico recente, eu não estou podendo fazer nada de nada, então o melhor é deixar Harry Potter brilhar de novo.

Se tudo der certo, ele vai ficar ainda mais irritante e isso quase me faz torcer contra Hogwarts, vejam bem a que ponto chegou minha antipatia...

Fiz uma careta para essa conclusão e levantei o tronco para ver o meu mural de fotos se mexendo e parecendo vivo com as caras e bocas dos meus melhores amigos em um momento de paz e confiança no futuro. Mas que grande porcaria mentirosa e sem vergon...

— Ah, já acordou! Vem, quero te mostrar uma coisa. - Minha mãe entrou sem ser convidada e abriu a porta do meu guarda-roupa com um pé, começando a colocar roupas limpas nas gavetas.

Claro que ela não tinha tocado em nada meu e de Louise desde que estivemos aqui no Natal, Olalla Fábregas literalmente fingi que não tem filhos quando estamos na escola, ao menos isso explicaria o porquê dela estar tão irritada com os “britânicos” e essa falta de compromisso com as pessoas que tinham planos importantes em suas vidas, plano esses que não incluíam seus rebentos.

— Ao menos eu vou ganhar bolo ou aquilo foi uma promessa vazia? - Ela jogou uma camiseta e uma bermuda velha - que eu jurava que já tinha colocado na pilha de doações no ano passado - na minha cara. Dona Olalla me olhou com um sorrisinho suspeito, o sol entrando pela janela a deixando mais loira do que o normal.

— Bolo era para quem acordaria pela manhã, os retardatários almoçam fritata com salada de brócolis e tomate seco requentados do meu jantar de ontem. - Fiz uma careta me sentindo ludibriado - aparentemente não comi tudo que tinha na geladeira - mas ela acrescentou um pouco de alegria no menu. – Mas tem refrigerante e sorvete para mais tarde, quem sabe seu pai não passa no mercado na volta do trabalho e traz algo para o jantar que não tenha mais de dois dias de vencido?

— Quem sabe? - Falei com o meu tom falsamente esperançoso e ela sorriu sem se abalar e sem coração, em seus tênis brancos, calças curtas e camisa xadrez com as mangas dobradas no cotovelo.

Minha mãe era tipo aquelas mães de rede social, cuja a vida era maravilhosa, prática e brilhante, mas só naquele quadrado que a tela da câmera alcançava, no restante era gritaria, ordens e tirania.

Olhei ainda chateado para o quadro de fotos, minha varinha e onióculos na escrivaninha, únicas provas que a magia ainda existia na minha vida, porque metaforicamente falando, a falha mágica de Hogwarts sugou minha alegria de viver junto.

E eu me tornei aquilo que sempre odiei e jurei nunca ser: um Covabottom ou talvez até mesmo um Lon...

— Levanta logo e escova esses dentes ou eu retiro minha oferta anterior! - Pulei da cama com essa fala sacana de minha mãe e mais do que disposto a manter pelo menos alguma alegria na vida, que está uma verdadeira bosta.

Que seja a comida então.

Fui para cozinha e encontrei Louise conversando animada com uma amiga por chamada de vídeo, comendo uma fatia de bolo do tamanho da cara de pau dela. Olhei traído para minha mãe, porque as injustiças nem demoraram para começar dessa vez.

— O quê? Ela acordou 11:57h, você poderia ter conseguido a sua fatia, se não fosse tão preguiçoso. - Com uma mãe dessas, quem precisa de djinn como parente?

Assim que ela virou de costas, passei um dedo na cobertura do bolo de Louise e quando a dita cuja reclamou em voz alta, minha mãe fingiu que não ouviu, comprovando que sim, ela sabia que tinha sido injusta e não, ela não voltaria atrás, então era melhor eu me conformar com esse ato de compensação materna.

— O que você queria me mostrar? - Perguntei devidamente conformado - planejando comer o bolo TODO como sobremesa logo mais, claro - realmente ganhando o cardápio que ela tinha anunciando lá em cima, entregue em um prato saído do micro-ondas. 

Que prática e moderna ela, gente.

Minha adorada mãe foi até a sala e trouxe consigo um quadro de avisos enorme, ainda mais que ela não era a mulher mais impressionante do mundo em termos de altura. Ela colocou em cima do balcão da cozinha onde eu e Louise estávamos comendo e eu levantei uma sobrancelha questionadora para ela.

Agora que pude ver melhor, era um quadro de tarefas duplo, com atividades minhas e de Louise com o título “mês de maio” muito artístico e criativo no topo de tudo. Haviam figuras coladas nas horas ao longo das semanas, mas antes que eu pudesse perguntar sobre o significado delas, Louise fez uma pergunta muito pertinente.

— O que aconteceu com o mês de abril? Ainda estamos nele.- Bem, sim que estamos! Inclusive estamos muito perto do dia 21 de abril e eu ainda não consegui pensar em nada que não fosse pervertido ou caro para dar a Enrique de aniversário.  Que problema! Enrique sabe como ser inconveniente, mesmo não tendo culpa... Dessa vez.

— Assim como no nascimento de vocês, agora vocês chegaram muito cedo, então abril não tem planejamento algum. - Ela falou com um sorriso sem dentes e eu a encarei assustado, porque aquela expressão era muito parecida com a que vemos em gente possuída nos filmes de terror. – Não estão curiosos para saber o que essas figuras significam?

— Tem bandeirinhas da França no meu, então isso quer dizer que eu vou a Paris pela manhã ou você me encontrou um namorado francês! - Louise disse esperançosa e minha mãe só a encarou com aquela expressão de “Oh, minha filha é tão fofinha e inocente, que linda!”.

— Não, essas são suas aulas de francês, só de conversação, claro, porque eu sei que você já está bem adiantada na língua. - Louise ainda assim olhou indignada para minha mãe, que resolveu completar o raciocínio. – Me dá uma aflição vocês não estudarem coisas normais e já que você resolveu ser um elegante e charmoso desastre nos esportes, seu pai e eu concordámos que ao menos seria um desastre poliglota.

Eu ri e Louise chiou indignada, ela estava andando muito com Rasvan e seus maus hábitos, logo as duas seriam apelidadas de chaleiras corvinais. Nossa mãe arrumou, indiferente, um adesivo de um bonequinho tomando banho na banheira que estava descolando, o que era vergonhoso, não precisávamos ter essa idiotice num quadro de atividades!

— Mas eu estava indo bem no tênis! - Louise ainda argumentou, mas minha mãe fez uma careta de simpatia que não convenceu ninguém. Tá aí o porquê de todo mundo me achar falso e não acreditar na minha simpatia e inocência! Meus pais são dois dissimulados...

— Não estava não, querida, sinto te informar e Cesc, olha só que bichinhos lindos no seu quadro! - Ela apontou para os leãozinhos, girafinhas e elefantinhos que enfeitavam a minha semana de segunda a sábado, das 8 horas da manhã até às 14 horas. Olhei desconfiado para isso. – Não achei adesivos de criaturas mágicas na papelaria...

— E o que isso quer dizer, mãe? Que eu vou ficar enjaulado em um zoológico mágico nesse horário? - É muito difícil adivinhar o nível de crueldade de minha mãe baseado apenas em seu sorriso.

— Esse é o seu trabalho voluntário em Barcelona! Já fiz todos os acertos com o irmão do seu namorado, que eu ainda não conheço oficialmente e você vai trabalhar no Hospital para criaturas mágicas de lá! - Ela falou empolgada, porque sempre teve esse sonho besta de ter um filho médico e provavelmente na cabeça dela, estar trabalhando em um hospital como voluntário era quase isso.

— Mas eu já dei dinheiro a eles e concordamos que eu poderia fazer um trabalho voluntário nas empresas Dussel, fazendo feitiços e sendo menos desgraça...

— Olha a boca! - Ela parou o meu discurso inflamado com um dedo em riste e eu obedeci, claro, porque sou muito educado. E tenho medo da Morte.  – Eu mudei de ideia, porque, desde quando eu sou conivente com seu mau comportamento?

— Mas eu...

— Além disso, você vai aprender e se divertir muito cuidando das criaturas mágicas e o senhor Dussel falou ainda que fariam um artigo pequeno em um jornal grande sobre você e que isso seria maravilhoso para sua imagem. - Ela sorriu animada e eu olhei para Louise querendo saber se ela também estava perturbada por ter parado em alguma série de Tv bizarra, tipo um remake de Arquivo X ou Stranger Things.

Minha irmã apenas deu de ombros confusa, com uma garfada de torta a caminho da boca. Então é oficial: a nossa mãe pirou!

— Eu não sou famoso, mãe, não preciso de imagem boa! - Ela oficializou o seu plano cruel pendurando o quadro no lugar em que ficava o retrato da minha avó Carlie - vamos fingir que nem foi de propósito isso - e eu nem me atrevi a perguntar o que eram aqueles outros adesivos no restante do mês, já que meu trabalho durava três semanas exatamente e no final de maio eu provavelmente estaria morto.

— Mas gosta de comer e vestir e para ter um bom emprego que paga essas coisas, não pode ter uma imagem suja! - Revirei os olhos, mas minha mãe continuou. – E tem o fato de que você é uma figura pública por associação, seu namorado, aquele que eu não conheço, é famoso ao que parece...

Minha mãe falou como quem não quer nada pela ducentésima vez sobre não conhecer Enrique e eu fingi que não ouvi, como sempre, mas Louise resolveu me ajudar dessa vez, enquanto começava a lavar sua louça suja na pia.

— Talvez conheça ainda essa semana, mãe, o aniversário de Enrique é daqui a dois dias. - Olhei para ela surpreso, mas de costas ela nem se tocou que esse era o tipo de informação que ela nem deveria saber.

— Como você sabe disso? - Louise se virou com um olhar condescendente no rosto e me deu vontade de atirar meu garfo na testa dela.

— Porque seu namorado fala disso sempre que tem oportunidade: “não tenho que te dar satisfação, Westhampton, eu tenho 19 anos! Praticamente...” ou “sabe que tem que me dar presente dia 21, não é, cunhada? Quem sabe assim eu não te perdoo de uma vez?”. - Ela falou imitando o jeito meio entojado do dito cujo, com um sorriso divertido no rosto e argh, ele deve estar se gabando a torto e a direito mesmo, porque só Enrique Dussel faz aniversário na face da Terra... – Ele não comentou com você? 

— Não e eu imagino que isso seja um mau sinal... - Arrisquei, porque não sou a pessoa mais indicada para identificar indiretas.

— Ele provavelmente espera que você lembre sem ter que dizer nada... E aí? Vai dar o que a ele? - Minha mãe perguntou parecendo bastante curiosa, dessa vez a expressão sendo sincera, já que ela adora me ver afundando nos meus problemas auto infligidos.

— Uma desculpa, porque o meu presente fantástico e mágico provavelmente se afundou com nossa escola... - Disse falsamente e aproveitei o olhar que minha mãe e Louise trocaram para verificar se Enrique não tinha afundado junto. 

Tá vivo, criatura?

— Você é um péssimo qualquer coisa que se propõe a ser, não é? Irmão, filho, namorado... - Louise contabilizou nos dedos e eu quase fiz um gesto obsceno para ela, mas a Morte estava atenta. – Para sua sorte, ao menos ele vai ter algo diferente no dia do aniversário para fazer, olha só!

Estou vivo sim, que bom que lembrou que eu estava correndo perigo.

Até parece que estava mesmo, ele bem que queria! Enrique demorou para caramba de responder e quando fez, soou como se estivesse muito entediado fazendo altos nadas, mas é claro que ele iria me fazer esperar só de charme.

Então isso quer dizer que seu aniversário ainda está de pé?

Eu não sei, eu vou ganhar presentes?

Talvez, eu sei lá... Você vai dar um pulo aqui algum dia desses? Minha mãe está louca para te conhecer... E é louca por natureza também, só pra você saber.

Ainda estou atolado com o lance de Hogwarts, mas vamos ver... 

Louise me mostrou algo no celular e quando ela deu play, cortei a ligação mental com Enrique, porque eu não sabia que tipo de lixo minha irmã iria me apresentar. No fim das contas, era só um comercial no Youtube muito do esquisito. 

Era a propaganda do maior complexo de parques de diversão da Espanha, que convenientemente estava inaugurando uma nova e horripilante montanha-russa, que fazia loopings ao contrário, tinha água e não se responsabilizava por possíveis ataques de pânico ao mergulhar debaixo da terra por uma caverna apertada e claustrofóbica. 

— Parece horrível e odioso, Enrique vai adorar! - Falei empolgado com a possibilidade de presenteá-lo com uma experiência trouxa da melhor qualidade, porque tinha duas das coisas favoritas do meu namorado: gente chorando desesperada e sensação de morte a espreita! Louise sorriu arrogante.

— E foi por isso mesmo que eu comprei há duas horas atrás um par de ingressos com passes Express Premium Gold para você e Enrique curtirem o parque no aniversário dele sem ter que pegar fila. - A olhei desconfiado, porque nos gabar pra cima das crianças que tinham que esperar na fila era um prêmio extra e pior, se ela tinha me incluído no presente, coisa boa não podia ser... –  Tenho certeza que agora ele vai me perdoar por aquela coisa no Ano Novo e você pode aproveitar para dar seu super presente no final do dia.

— Mas se o presente ficou...

— Você tem dois dias para providenciar um que seja bom. - Louise falou sacana e eu percebi tardiamente que tudo fazia parte do seu plano maléfico de me fazer parecer uma pessoa horrível que não compra presente para o namorado, coisa que eu sou, mas ficaria disfarçado se minha irmã não tivesse me passado a perna! 

— Você é uma pessoa horrível... Vê, mãe? Ela é uma pessoa horrível! - Joguei o prato sujo na pia de qualquer jeito e sai enraivecido daquela cozinha que poderia se tornar uma cena de crime a qualquer minuto.

— Se fizer uns favores para mim amanhã, posso te ajudar a achar alguma coisa! - Minha mãe ainda falou de lá da cozinha, mas não recebeu uma resposta, porque eu tenho que sopesar as minhas opções:

Fazer ou não fazer um pacto desses com minha adorável progenitora, vulgo Morte? Eu estou assim tão desesperado?

Ainda não, mas estou desesperado o suficiente para ficar esperando meu pai chegar do trabalho sentado na porta de casa, testando no celular todas as possibilidades e combinações de termos para “ideias de presentes para namorados com tendências suicidas e idade mental de 12 anos”, mas estranhamente só aparecia sugestão de presente para quem fazia trilha em montanhas.

Google, você falhou comigo hoje!

Meu pai chegou do trabalho e eu despejei os meus problemas antes mesmo que ele descesse do carro e ele me perguntou se eu queria ir no shopping procurar alguma coisa para Enrique vestido de mendigo, então me arrumei em tempo recorde, antes que ele decidisse que não valia a pena me ajudar, já que ele não tinha nada a ver com os meus erros de principiante.

Por sorte meu pai é uma alma boa.

Mas por azar o shopping se mostrou tão inútil quanto poderia ser e essa viagem toda só serviu para eu comer uma comida decente na praça de alimentação, comprar algumas roupas trouxas novas - porque daqui a pouco eu estaria usando aqueles vestidões de bruxo velho, que é moda lá em Hogsmeade - e um novo controle para o meu videogame, porque aparentemente meu pai não sabe controlar Perseu quando eu estou fora de casa.

— Eu não acredito que não vou ter nada para dar de presente a Enrique... - Meu pai fez menção de falar algo, mas eu o interrompi, enquanto colocava o cinto de segurança do carro. – E não, ele não é o tipo de pessoa bondosa que aceita um abraço, essa seria Claire, mas o senhor não gostava dela, não é mesmo?

— Agora você está sendo injusto, eu sempre gostei de Claire. - Olhei pelo meu vidro, enquanto meu pai manobrava o carro para fora da vaga de estacionamento e eu dava adeus a minha paz em um relacionamento mais ou menos equilibrado. – Bem, ainda temos amanhã para tentar achar algo, talvez devêssemos mudar de abordagem...

— Como assim? Minha abordagem de hoje foi tentar achar qualquer coisa que lembrasse remotamente a Enrique, os meus critérios não podem ficar mais baixo do que isso! - Falei por cima da voz do radialista chato falando sobre politica e... Quer saber? Desliguei o rádio, porque meu pai podia até ser um adulto chato, mas não precisava ficar exibindo isso por aí.

— Que tal a gente passar naquela rua bruxa em Santa Cruz? A gente pode achar algo que ele goste lá... - Olhei cético para meu pai, porque dar um presente bruxo para Enrique nunca foi uma opção. 

— Eu namoro literalmente a criança mais rica e mimada do mundo bruxo, de artefatos mágicos a criaturas, Enrique já deve ter tudo intocado em um quarto qualquer da mansão dele! - Falei, odiando pela primeira vez a riqueza daquela criatura.

— Vamos tentar? Não custa nada. - Meu pai deu o meu sorriso otimista, aquele que eu tenho certeza que ele fez questão de copiar assim que eu comecei a sorrir, só para ele poder dizer “tal pai, tal filho”.

— Tá, que seja.

Percorremos mais alguns quilômetros até a rua onde eu e Louise temos ido ano após ano para achar uma lareira pública licenciada, que nos permita chegar até a Estação de King’s Cross sem imprevistos com a burocracia britânica. Ignorei as flores brancas de laranjeira grudando na sola do meu tênis e me arrastei de vitrine em vitrine na Calle de Lope de Rueda atrás de algo interessante.

Meu pai meio que fingia que não me conhecia e eu nem posso culpá-lo, porque eu não deveria estar achatando o meu nariz no vidro alheio com essa expressão emburrada que eu estou fazendo agora. Um dos vendedores até se benzeu dentro de uma loja.

— Não está dando certo! - Resmunguei para meu pai e fiz uma careta feia para um bebê babão estúpido num carrinho. O garotinho chorou horrorizado.

— Você está analisando mesmo as possibilidades? Vamos repassar os hobbies de Enrique, tenho certeza que estamos esquecendo de alguma coisa... - Meu pai é mesmo um ser humano otimista e esperançoso, porque... Espera um segundo, acho que encontrei algo. – O quê? Viu alguma coisa?

Ignorei a voz do meu progenitor e invadi a loja de artefatos mágicos, uma que coincidentemente Claire me mostrou há mais de um ano. O sininho irritante tocou anunciando um cliente novo e a velha atendente veio tentar nos empurrar alguma bugiganga para trouxas, mas eu era um homem em missão. 

— Isso aqui tem alguma magia? - Ela olhou interessada para onde eu estava apontando e deu um sorriso banguela, provavelmente feliz de fazer uma venda tão boa e tão fácil. – O que faz?

A senhora esquisita abriu o expositor de vidro com um aceno de varinha saída sabe Morgana de onde e me deixou tocar no objeto imaculado, principalmente quando comparado ao resto da loja empoeirada. O “tec” seco soou alto e eu abri um sorriso para isso.

— Essa belezinha faz a mais pura das magias, criança... - A velha falou misteriosa e depois fez uma expressão coquete para meu pobre pai, que apenas assistia tudo a uma distância segura.

Sorri para ele e ele retribui o gesto, mesmo ainda parecendo em dúvida quanto a minha escolha, mas agora que eu tinha colocado isso na cabeça, ninguém me tiraria! Principalmente porque tinha a ver com uma das poucas coisas de Enrique que ele não saia se gabando por aí, apesar de ser importante para ele.

A mulher foi enumerando as vantagens do meu presente, o tornando mais perfeito e elaborado ainda e no fim, fingi um interesse contido, só para garantir que a velha bruxa não tentasse inflacionar o preço de acordo com minha empolgação.

— Embrulho para presente? - Ela perguntou animada, guardando seus euros - ela aceitava todas as formas de pagamento, inclusive cartão de crédito, galeões, relíquias de família e possivelmente sua alma -  e eu fiz que não com a cabeça. – Prontinho, querido e que faça bom uso.

Ah, eu vou fazer um ótimo uso! Vou fazer o melhor uso que alguém pode fazer de um objeto, irei utilizar ele para mostrar o quanto eu sou sensível e atento ao que meu namorado gosta e precisa. Ai, ai, que ser humano extraordinário eu sou!

Na sua cara, Louise! 


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Notas finais do capítulo

Gente, se eu esqueci de agradecer a alguém, me perdoe, eu busquei nos comentários a partir do capítulo 100, tomei como referência, mas o agradecimento se estende para todos os meus leitores, para quem eu realmente escrevo essa bagunça organizada.

Sobre o teste, pela primeira vez eu não traduzi para espanhol as falas, por alguns motivos:

—Toma muito tempo já que eu não sou fluente no idioma;

— Às vezes sinto que o texto fica truncado e se eu fosse leitora, pularia a parte em espanhol (não sei onde estava com a cabeça quando comecei a fazer assim);

— O novo arco da fic terá muitas falas fora do inglês e isso atrapalharia o calendário de postagens um pouco.

Mas é o seguinte, eu falei que é um teste, pq preciso saber de vocês se vale a pena mudar a essa altura do campeonato, se vai estragar a experiência para vocês ou se vocês tem até mesmo uma sugestão de como fazer essa mudança, diferente dessa que eu apresentei hoje.

Please, me ajudem com esse feedback, se não se sentirem confortáveis em colocar nos comentários, pode me mandar uma mensagem privada.

Bjuxxx