Cronolipse escrita por Edgar Varenberg


Capítulo 1
Consertado


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem, a fic tem muita sofrência e angst!



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As cortinas corriam para dentro do quarto com medo do frio lá fora. Aquela noite de quinta-feira estava gelada, agraciando o bom início do inverno; chuva e tempestade geladas lá fora, com trovões e falta de energia como enfeite. A moça de dezoito anos recebia os respingos de água violentamente por partes aleatórias do seu corpo, escorregaria a qualquer momento se cometesse algum deslize. Perguntava-se freneticamente por que estava a fazer aquilo? Mas se lembrava de toda vez que sentia a dor nos seus braços, a dor no seu peito e até a dor de manter os olhos abertos e precisar realizar constantes processos de respiração.

Deu um passo para trás e, estranhamente, recuou para a vida, mas o chão molhado a fez cair para trás, pelo menos para dentro do quarto. Caiu de costas no chão e observou profundamente o quadro de uma esgrimista que decorava seu quarto. O frio entrava cada vez mais violentamente dentro daquele cômodo e ela se sentia ainda mais molhada com a chuva. Tentou massagear a nuca para aliviar a dor da queda, levantou-se e, por mim, fechou as portas da sacada. O silêncio e o calor voltaram a reinar.

Sentou-se educadamente em sua cama, como se fosse tomar um chá com a realeza e, de tanto fitar o chão, não percebeu a nova presença. Estava muito ocupada pensando em tudo aquilo que a fazia ter desgosto das coisas, em tudo aquilo que a destruía por dentro a cada vez que pensava a respeito. O quanto as proporções já estavam fora do seu alcance de conserto.

Chorou.

— Você não morreria de qualquer jeito.

Aquela voz ao seu lado do nada fez um espanto interno se incendiar por ela. Esconder as lágrimas por segundos, reassumir uma postura calma, mostrar-se imponente e normal, assim como fazia com os pais e os amigos.

Era pecado mostrar fraqueza?

— Ah, por favor... — A voz grave, e um tanto vazia, disse — Acha mesmo que eu não sei o que está acontecendo com você?

— Q-Q-Quem é você? — Os gaguejos frenéticos da jovem não mostraram medo ou desespero, mas, sim, a falsa tentativa de ocultar sua grande tristeza.

— Ah, fala sério... Olhe pra mim! — exclamou a voz — Um ser de manto preto, sem rosto, com uma foice na mão. Você sabe quem eu sou... Você me chama todo dia, mas me teme a cada segundo.

— Então você veio me buscar? Eu vou morrer?

— Hum... Bárbara, certo? — recebeu um assentimento dela como resposta — Bom, ninguém morre de verdade. Mas isso seria contar coisas que você não está preparada para ouvir ainda. Os humanos são espertos em acharem que eu existo, mas são tolos em acharem que eu sou responsável por, entre aspas, mortes. Por isso me chamam de “Morte”. Contudo, como eu te disse, ninguém morre de verdade.

Por motivos de Bárbara não ter fechado a sacada muito bem e a tempestade estar bem violenta lá fora, a porta acabou abrindo sozinha, interrompendo a conversa e liberando todo aquele barulho de chuva no ambiente que antes estava inteiramente calmo. Então a entidade simplesmente levantou sua foice e a porta se fechou com uma violência questionadora. Como aquilo não quebrara os vidros da porta?

— Continuando — tossiu como se realmente tivesse um sistema respiratório — Geralmente as pessoas apagam a sua existência por si só. É impossível eu visitar todos os habitantes nesse planeta medíocre, eu sou uma entidade, não um ser onipresente, tipo o que vocês chamam de “Deus”. Mas por que eu apareci para você? O que eu represento então, afinal?

Bárbara estava paralisada, eram coisas que ela não conseguia lidar; primeiramente achou que tinha ficado maluca de vez. Na segunda vez, reforçou a primeira ideia. Na terceira, começou a entender que algo bom não partiria dali, então, como uma ação totalmente irracional, ela tentou roubar a foice do ser, porém ela simplesmente atravessou por ele, como se fosse um fantasma.

Ela se levantou em espanto, encarou aquele manto-fumaça preto sentado em sua cama — que estava com toda a calma do mundo, mesmo depois de ter sofrido uma tentativa de ataque — e tentou correr para fora do seu quarto. Não adiantava, estava tudo trancado. Havia alguma magia ali dentro que a trancava no seu próprio quarto. Não tinha escapatória. E o mais medonho é que não importava para onde Bárbara olhasse, ela enxergava a entidade, seja em sua cama, ou na sua escrivaninha, ou simplesmente flutuando no teto. Até se ela tentasse fechar os olhos, toda a visão em sua mente ficava contaminada com aquele ser segurando uma foice.

— Não precisa ter medo de mim, Bárbara — disse calmamente — Você deveria ter medo de você mesma. Afinal, não fui eu que quis te jogar da sacada, foi?

Bárbara respirou fundo.

— Diga então o que você quer.

— Minhas explicações existenciais não estão sendo nem um pouco compatíveis com você. Vou tentar ser mais direto... — Dessa vez, a voz pareceu ecoar mais, como um feitiço causado por algum tipo de harpa mágica — Como eu disse, geralmente as próprias pessoas constroem o seu fim e têm então o que vocês chamam de “Morte”. Entretanto, há casos raríssimos em que as pessoas constroem o seu fim inevitável com certo tempo de antecedência. Esse evento é denominado de “Cronolipse”.

— Cronolipse?

— Isso... — A voz ficava cada vez mais ecoada pelo quarto — O seu fim já está marcado... Você não morrerá agora mesmo se quiser. Você pode tentar se jogar da sacada novamente, mas só vai sobreviver para morrer no hospital. Daqui a três dias. Sua mente acabou de pensar em suicídio com remédio, porém você também vai sobreviver e morrer com uma intoxicação maior no hospital, também daqui a três dias. Não adianta ficar no meio da rua, os carros irão parar a tempo. Sabe o que isso significa?

— Que eu vou morrer em três dias? — É, era o óbvio.

— É... Morrer... Tem um significado maior nisso tudo. — De repente, o espectro sombrio estava bem colado nela, como se tivesse dando um abraço e, estranhamente, ela sentia esse abraço — Você será imortal por três dias. Ou mais ou menos isso. A Cronolipse tem o seu lado ruim...

— E qual seria? — Bárbara estava tão atenta aquilo, como se uma energia a trouxesse calma e firmeza, como se morrer não parecesse mais tanto assim o fim do mundo.

A perspectiva mudou.

Ou ainda há de mudar.

— As pessoas dão o próprio fim, e ele é instantâneo. — explicou o ser — Ocorrer uma sequência de eventos tão certos a ponto de darem a certeza de que você terá o seu fim de qualquer maneira é muito difícil, semelhante a um xeque-mate. O tempo é a única unidade de medida confiável. Você proclamou o seu fim, mas não de uma forma imediata. É o que eu te disse, você tem imortalidade garantida até lá e, apesar de não aparentar, isso é um perigo para todas as barreiras do tempo. É então que eu entro nisso... — A entidade então simplesmente desapareceu e tomou o lugar apenas com a sua voz — A partir de agora eu serei apenas fruto da sua cabeça. Você só me enxergará em momentos de pânico, mas sempre me ouvirá em sua mente. Temos que realizar uma quebra cronológica para que você passe os três dias seguramente sem realizar quebras temporais.

— Por que eu? — Bárbara parecia querer chorar de novo — Eu só sou uma inútil que tem problemas idiotas e queria se livrar disso!!

De repente, ela sentiu um choque em seus nervos, uma energia sobrenatural que a fazia ter a maior calma do mundo, mais potente que qualquer medicina. Mais eficaz que qualquer ritual. Bárbara sentia-se dominada, mas ao mesmo tempo se sentia perfeitamente bem. Era como se morrer em três dias não importasse mais, nem mesmo a tal da imortalidade garantida importava mais. Ela, pela primeira vez, enxergou o tempo.

— Escute-me — sussurrou a voz em sua mente — Com a minha ajuda, você terá o controle do tempo. Eu controlo o tempo, mas agora isso está em suas mãos. O único jeito de realizar uma quebra cronológica é alterando o passado. O futuro não pode ser alterado porque ele nunca aconteceu. E existem dois tipos diferentes de eventos cronológicos: os mutáveis e os imutáveis. Claro que você só poderá mexer nos mutáveis. Um exemplo de evento imutável é a sua morte declarada. Você não pode impedi-la, não importa o que você mude no passado. Impedir seu nascimento só te criará em outro universo, mas a sua morte ainda estará garantida. Mudanças no tempo são irreversíveis. Uma vez mudado o passado, o presente não volta mais atrás, então suas escolhas serão progressistas. E, por último, cada mudança no tempo te custará um dia e você sofrerá todas as consequências do presente.

— Isso é totalmente confuso para mim. — Bárbara tremia — O que eu tenho a ver com isso? E se eu não quiser realizar essa tal de quebra temporal?

Ela então começou a se sentir sufocada, caiu no chão brutalmente e começou a se contorcer, colocando a mão no pescoço como se estivesse sendo sufocada, implorando por um mínimo de ar. Sentia sua carne se pressionando em pontos extremamente dolorosos e não tinha nem ar para poder escapar um grito. Não havia nem lágrimas para chorar. Sentia que seus olhos estavam prestes a pular para fora do seu rosto, sentia-se cada vez mais comprimida, como se tivesse sendo esmagada por um rolo compressor. Doía. Doía muito. Mas a morte não chegava.

De repente, ela simplesmente abriu os olhos e tudo parecia um sonho. Entretanto, ela estava extremamente ofegante.

— Você está no controle do tempo, não das decisões. — resmungou a voz.

— Só me responda uma coisa... — arfou ela, tentando retomar as energias depois daquele pesadelo — Mudar o passado... Não causaria mais... Quebras temporais?

— Sim, mas fracas em comparação às quebras temporais futurísticas. Ou você quer matar "Deus"?

— Hã? — ela continuava arfando — E as pessoas que... Possivelmente forem... Banidas da realidade com as minhas... Mudanças?

— Já estão destinadas a isso.

— Como você pode ser tão frio?

— Tudo tem um início. Tudo tem um fim. — a voz disse — É tão simples, mas vocês, humanos, insistem em colocar emoções e subjetividades no meio. Por isso choram à toa em velórios. Não é nem um pouco agradável ficar debaixo da terra, sabia? As almas sabem disso mais do que eu. Enfim... Imagine alguma situação da sua vida... Imagine com fervor, eu reconhecerei e te transportarei para lá.

Dizem que a vida inteira passa diante dos olhos da pessoa que está prestes a morrer, mas é a primeira vez que isso acontecia, pelo menos em relatos humanos descobertos, com três dias de antecedência. Bárbara pensou em tudo, pensou no seu aniversário de quinze anos, que foi uma catástrofe, pensou em toda a sua época do ensino fundamental que foi duramente problemática, nos seus problemas que nunca contara a ninguém, das meninas que gostou e nunca tivera coragem de tentar — entre elas, uma que nunca conseguiu esquecer. Pensou em tantos dos seus problemas, aqueles de sempre, aqueles que faziam da sua vida um coliseu; enfrentando um leão por dia.

Pensou em como se sentia tão magra, tão diferente diante dos espelhos; viu como a sua perspectiva de vida era ruim, o quão era incômodo não conseguir atingir tons favoráveis de normalidade, segundo suas próprias concepções. Não conseguia pensar em nada, sua mente era pura fumaça, era tanto ódio guardado, ódio de si mesma, pensamentos de vida adulta, mágoas de criança. Não queria acabar escolhendo algo que não mudasse em nada, precisava não pensar só nela.

Não pensar só nela.

— Incrível como o seu quarto continua igual mesmo quatorze anos atrás — A voz anunciou a viagem no tempo.

É... Ela sentia, aquilo com certeza era cheiro do século XX. O sol brilhava fracamente pela sacada. Aquela sacada... E os barulhos de animais de possível convivência urbana eram mais ascendentes, todos os barulhos eram mais vivos, só que com uma harmonia diferente.

— Você não tem que necessariamente fazer a justiça com as próprias mãos — o ser explicou — Eu me esqueci de te dizer que viagens no tempo te deixam muda. Você não pode transmitir ideias numa era que não te pertence, inclusive você só é transportada para lugares em que sua presença não causa mudanças que você não queira. Automaticamente após o transporte, a mudança desejada já é feita, sem você precisar realizar a justiça com as próprias mãos, pois não pode interferir visualmente em nada. Seu corpo não é matéria nesse espaço.

Bárbara não podia falar, era um tanto agoniante. Mas ela sentiu um abraço sombrio em seu coração, sentiu-se trêmula até que caiu de joelhos sem motivo algum. Lágrimas que pareciam infinitas caíam dos seus olhos, sentiu um grande aperto no coração, como um grande amor que foi obstruído, estava carregando um sentimento pesado de traição e não sentia seus dedos e pernas. Seu maxilar doía, sentia-se molhada como estivesse encharcada de sangue, mas tudo estava normal.

— Você impediu a separação dos seus pais. — a “Morte” deu uma risada estranha — A união deles foi tão forte que, no presente, eles acabaram por ter uma segunda filha.

Bárbara ainda sofria suas dores silenciosamente, enquanto a entidade ditava tudo que as mudanças temporais tinham feito, nem se preocupava com o estado dela.

— Parece que a sua irmã e você, graças a todo esse amor, criaram um vínculo imenso. — E as risadas continuaram — Mas parece que sua irmã não gostou nem um pouco de saber do seu suicídio... Nem você... Eu disse que a morte era inevitável, Bárbara. Com essa mudança, você trouxe um motivo para viver, mas a sua morte é um evento imutável, portanto, você só complicou ainda mais a sua vida. Até então, você terá um fim bem amargo. Vai morrer sem querer... Eu disse que as consequências do presente viriam. E é por isso que sofre tanto agora. — As risadas então pararam — Tente ficar mais atenta nas suas escolhas. Você ainda tem mais duas chances para o jogo virar. Você ainda tem dois dias de imortalidade.

Imortalidade é sentir dor para sempre.

É ser eternamente responsável pelos erros.

Facilmente substituível pelos acertos.

— As condições financeiras da sua família pioraram, mas vocês até que continuaram felizes. Você não teve direito a estudo de qualidade, então a sua vaga na universidade deixou de existir. O seu Tio Franco vai ter morrido naquele acidente, você não estaria lá para ajudar. Aaah, mas ele morreu naquele dia mesmo, só mudou a forma. Sente falta da sua irmã? Ela também.

Bárbara só queria poder gritar.

— Sua irmã ficou depressiva depois da sua morte. Que nem você... Só que, diferente de você, ela não conseguiu encaixar-se no evento raro da Cronolipse. Simplesmente morreu gerando o próprio fim instantâneo. Duas filhas suicidas geraram novamente a separação dos seus pais.

A dor cessou e Bárbara simplesmente ficou largada no chão, fitando o teto com olhos marejados e o rosto úmido de tanto chorar. Os músculos latejando pararam de incomodar, as visões, imaginações e sentimentos pararam de surgir. Era como se tudo fosse só treva.

— Péssima escolha, Bárbara.

O silêncio se instaurou. Não era preciso mais explicações, a jovem, que já estava destruída mentalmente, ousou em pensar uma maneira de contornar aquilo tudo. Agora não carregava mais apenas os próprios problemas, tinha que carregar os da sua irmã, da sua família. Não podia se expressar em quanto a isso, só podia existir conforme uma mente. Uma mente que controlava o tempo. Mas não controlava a si mesma.

Não controlava a si mesma.

— Ainda nesse quarto... — disse a voz — Parece que não avançamos muito no tempo desde o seu último desejo. Aaaah... Esperta. Se preocupou tanto com a sua irmã a ponto de fazer com que a sua família tivesse uma terceira filha. Pensou que talvez a companhia de outra irmã pudesse suprir a sua ausência e, mesmo com a sua morte garantida, seus pais continuariam juntos e unidos com as outras filhas, sem mortes. Interessante...

Bárbara sentiu sua pulsação muito alta, como se as suas veias e artérias estivessem prestes a explodir, era muito incômodo, mas nada ainda comparada a dor que sentia nas outras ilusões.

— Entretanto... A situação econômica desse país é complicada, não é mesmo? Criar três filhos não me parece tão... Fácil. Com essa decisão, sua família ficou carregada de dívidas, mas ainda mantiveram a felicidade, muito bom. — a entidade parou de falar por um tempo — Sabe, Bárbara, você pensa muito pequeno, mas eu não te culpo, você é humana. Você teve a chance de fazer qualquer coisa com o poder do tempo e fez alterações tão mínimas na sociedade... Você não tem noção nenhuma da grandeza que você está representando. Mas tudo bem, não sou eu que interfiro nos seus poderes, vamos ver o que aconteceu com a sua decisão... Bom, você vai morrer, como já sabemos, todos ficam tristes, mas sem ninguém se matando, bom para você. Mas parece que suas duas irmãs ficarão bem unidas, unidas até demais...

Bárbara então começa a sentir como se uma substância extremamente perigosa tivesse entrado em seu corpo. Sentiu suas veias correndo como pista automobilística e respirava algo invisível, porém extremamente tóxico. Começou a ter alucinações, começou a sentir calor e agulhas anestésicas. Viu a entidade bem diante dos seus olhos, aquela foice... A foice que mudava de cor frequentemente e os sussurros pareciam entrar em um ouvido e sair pelo outro. Como avisos de retorno à vida. Mas não tinha mais retorno.

Chorava. Seu coração estava cansado, sua mente estava totalmente aniquilada, como se presenciasse o inferno por alguns segundos, como se fosse a amostra do lugar que ela estava prestes a ir, afinal, Deus não tolera suicídios. Queimaria. E, naquele momento, ela queimava de muitas formas, eram combustões pragmáticas em tudo aquilo que persistia em mantê-la viva, em mantê-la imortal pelos próximos dois dias. Queimava sem necessariamente ser fogo.

— Os tempos difíceis fizeram com que suas irmãs conhecessem novas companhias. — continuou a explicar — Companhias não tão agradáveis. Entraram em diversos vícios... Roubavam para suprir o que já não podiam pagar. Cada uma foi se suprir de sua maneira, uma acabou sendo presa. A outra foi morar debaixo da ponte junto com outras do mesmo bando. E seus pais? Aaah, os seus pais... Erraram com três jovens meninas. Se perguntavam o porquê... Tanta tristeza. Tantas dívidas impossíveis que suas irmãs problemáticas acharam. Seu pai teve que realizar “trabalhos” extras. Morreu num deles. Sua mãe ficou sozinha nesse mundo, tudo isso porque você mudou o passado de uma maneira tão simples, mas com consequências horríveis. Direcionou corretamente os seus próximos para o seu próprio fim.

Doía muito ser a causa de todos os problemas.

Doía muito ser o problema.

— Eu sei tudo que você quer dizer. Você está muda, mas a sua mente tenta ultrapassar a minha existência. Sabe aquelas coisas que você deixou para trás? As chances que você perdeu? Todos os manifestos que você deixou acumular? Te deixaram sem saída, te jogaram numa Cronolipse. Mas você tem mais um dia de imortalidade e de tentar mover o seu passado para o mais correto, o menos indolor. Olhe pelo lado bom, não vai doer quando você morrer.

E o aquilo tudo significava?

— Pare de tentar ajudar os outros, quando você nem mesmo consegue se ajudar.

As dores destruíram todos os nervos.

— Péssima escolha, Bárbara.

Bárbara apenas fechou os olhos.

— É o seu último dia.

E acordou no presente. Não de acordar, como se tivesse ocorrido um lapso no meio da rua.

— Senhora? — Uma jovem atendente tentava se comunicar.

— Perdão... — Bárbara se desculpou e percebeu que tinha um buquê de rosas brancas nas mãos — Ah, sim, são essas mesmo que eu vou querer levar — Deu uma rápida olhada nos cartões — Com aquele cartão ali, aquele roxo com as pedrinhas.

— Muito obrigada pela compra — A atendente da floricultura que ela estava agradeceu — Feliz dia dos namorados.

— Bela escolha, Bárbara... — E foi o último sussurro que ela ouviria da “Morte”.

Ela sorriu sem perceber.

A rua estava uma calmaria, encantada por flores por todos os lados. Dia dos namorados era um evento único para esse tipo de coisa, surpresas, cartões, gente emburrada e solteira que não conseguia dar certo em nada e, claro, muito amor. Bárbara avistou um táxi e decidiu pegá-lo, tinha um buquê de rosas para entregar. Indicou o local para o motorista e apenas respirava fundo enquanto via o trajeto do caminho. Decidiu escrever no cartão:

“De tudo que eu fiz no passado, eu sei que nada me é permitido mudar. No entanto, o dia que eu insisti em não deixar você passar, isso é o que me mudou. Não ter deixado você passar pela minha vida fez com que tudo ocorresse no momento certo. E eu me orgulho disso. Eu te amo.”

Morreu no acidente de carro.

Instantaneamente.

Sem os três dias de antecedência. Com uma mensagem no cartão que parecia ter previsto o futuro. A vida continuou como era. Sem mais tristezas. Sem menos felicidades.

Bárbara inverteu a Cronolipse e colocou um fim nela mesma, na hora certa.

Como todos os outros.


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Notas finais do capítulo

*A protagonista não foi descrita de forma física propositalmente;
*"Cronolipse" é um neologismo para Crono + Eclipse, que significa algo parecido com "Tempo fechado" ou "Tempo sem saída". Seria um lapso de tempo sem fim.



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