Juntas escrita por llucida


Capítulo 4
Medo




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Medo

Se há uma coisa inerente ao instinto de sobrevivência e perpetuação da espécie é o medo. Medo da morte e sendo mãe, o medo de qualquer coisa que abale o bem-estar da cria. Medo natural e comum, mas potencializado ao se tratar de uma médica-nin da Vila da Folha que já viu crianças sofrerem com toda sorte de doenças e acidentes.

Ao se tornar mãe a consciência da morte e efemeridade da vida pareceu aflorar para a jovem de um modo quase sobrenatural. Todos os riscos e a limitação do poder humano mediante a morte passaram a parecer cada vez mais tangíveis.

Nas primeiras semanas lidar com o medo foi irrefutavelmente difícil. Na cabeça da médica havia um catálogo de doenças e riscos que seu bebê poderia correr. Talvez por um dos últimos casos que viu no hospital antes de obter sua licença foi um de síndrome da morte súbita, onde bebês aparentemente saudáveis morrem sem motivo conhecido, a consciência de sua impotência mediante a morte as tornou especialmente mais aterrorizante desde que teve a filha. Porque não havia força sobre-humana, cuidados, ou habilidades médicas algum páreo para uma morte de causa desconhecida.

Mais de uma noite ela passou acordada, deitada ao lado da filha com as mãos em sua barriga apenas para ter certeza de que estava respirando. Naqueles dias, geralmente Sasuke a encontrava acomodada ao lado de Sarada no sofá babá, rodeadas de almofadas brancas e cor de rosa, escolha de Sakura. Ele nunca tentou dissuadi-la da ideia, sabia que com o tempo a esposa saberia lidar melhor com seus medos, que também eram dele, e apenas sugeria que fossem para o quarto deles, ou se limitava a cobri-la, quando via que ela estava cansada demais para isso.

Ainda hoje, mais de uma vez à noite ela colocava as mãos sob o nariz dela só para se certificar se havia aquela corrente de expiração. Nunca uma troca de oxigênio e gás carbônico foi tão importante.

Conforme seu neném crescia, mais medos foram acrescentados a lista. Agora Sarada engatinhava por toda a casa e havia adquirido a mania de experimentar o mundo com a boca, fazendo-a redobrar o cuidado com fios, tomadas, altura, objetos cortantes ou muito pequenos. Confiscara a maioria dos brinquedos que a menina ganhara por não estar certa que eram adequados a idade, por conter parte que poderiam ser engolidas pelo seu bebê curioso.

Talvez por isso, quando estava passando pela sala ocupada com seus afazeres enquanto a menina de pouco mais de um ano brincava no tatame infantil colorido próximo ao pai, que estava sentado em sua poltrona polindo as lâminas de suas kunais e shurikens, Sakura logo se preocupou ao ver a bebê mastigando entretida alguma coisa desconhecida.

— Anata, deu algo para a Sarada? — perguntou desconfiada.

O marido negou com a cabeça, a olhando com estranheza.

— Sarada? — chamou atenta, trocando um olhar com o marido, que se encontrava igualmente alerta. — O que está comendo? — perguntou a mulher preocupada, aproximando-se lentamente.

A garota respondeu parando por um segundo de mastigar para observar a mãe confusa, e nesse momento Sakura achou que ela havia entendido que não devia estar fazendo aquilo. Mas sua impressão se foi com Sarada trocando lentamente o lado da mastigação e voltando a mastigar com vontade.

Seja lá o que fosse, devia ser muito bom.

Aquilo foi o bastante para Sasuke se precipitar em abaixar subitamente perto da filha, mas Sakura fez sinal para que fosse com calma, não queria que a menina se assustasse e acabasse engolindo ou se engasgando com o que quer que estivesse comendo. Suas expressões eram tensas, e Sakura procurou romper a distância, abaixando perto da filha do modo mais amigável que podia.

— Você poderia ser boazinha e mostrar pra mamãe o que está comendo — falou com doçura, buscando distraí-la enquanto levava a mão à face da menina, que a olhou emburrada. Seus dedos se dirigiram à boca da filha, mas ela se esquivou, ameaçando chorar O que quer que estivesse na boca, não estava disposta a dividir facilmente.

Sakura insistiu apertando as bochechas da menina, possibilitando ver algo verde gosmento, que estaria triturado se não fosse a quase ausência de dentes de seu bebê.

— Um grilo? Minha filha comeu um grilo? — perguntou atônita, mais para si mesmo, mas voltando inconscientemente o olhar para o esposo, que parecia aliviado.

Ela pegou a filha rapidamente, esquecendo de tentar ser simpática.

Sasuke seguiu a mulher que embalava a filha pela cozinha sussurrando súplicas sobre ela ser uma boa menina que não devia consumir germes com ligeiro desespero. Ela apoiou o bebê na pia e retirou o inseto coberto de baba com o indicador, que foi atirado na pia, sob água corrente, fazendo Sarada começar a chorar escandalosamente.

— Devia estar gostoso — disse Sasuke fazendo uma careta ao fitar o inseto imersos em gosma esverdeado que descia ralo abaixo.

Sakura sinalizou para que ele segurasse a filha, correndo para o banheiro em busca de material de higiene, voltando pronta para recitar uma aula de infectologia para a neném, que parara o choro para observar a mãe atenta as recomendações da mãe, que embebia o algodão de antisséptico.

Ao passar a solução na boca da menina, que fez uma careta inicial, Sakura se preparou para mais uma maratona de choro. Que não veio. Ao invés disso viu a filha testar mais uma vez a novidade e mudar de expressão rapidamente, dando uma gargalhada que a mãe podia jurar que era mais gostosa do mundo. Sua filha estava experimentando o mundo, talvez de modo inusitado e que a deixasse de cabelo em pé, mas não podia privá-la de tudo e colocá-la em uma bolha cristalina e asséptica.

Era um privilégio poder vê-la experimentar o mundo, Sakura não podia deixar de notar.


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Notas finais do capítulo

Já perceberam que as drabbles nunca são drabbles né?
Relevem, e espero que tenham gostado do capítulo.