Juntas escrita por llucida


Capítulo 12
Insegurança




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Abriu os olhos em meio a um longo e pesado suspiro mirando o reflexo no espelho e cerrou os punhos frustrada, desviando rapidamente o olhar para o chão. Ouviu a voz da mãe vindo da porta.

— Sarada, aqui os livros e você tem cinco minutos para tirar seu coldre da mesa — Sakura entrou com uma pilha de livros, indo até a estante organizá-los.

Não era costume da filha deixar suas coisas espalhadas, mas de vez em quando ela usava a mesa como depósito de quinquilharias, colocando qualquer coisa que quisesse se livrar quando chegava em casa.

— Já estou indo — ela assentiu distraída olhando incerta para o espelho.

Sakura acenou desconfiada colocando os livros na prateleira. Sarada havia decidido aprofundar os conhecimentos que tinha sobre venenos e ela própria havia separado o material que tinha de melhor em seu arquivo pessoal, e ela apenas nem pareceu notar que os livros que queria estavam ali.

Seus olhos percorriam os títulos, organizando-os no canto da prateleira quando ouviu mais uma vez um suspiro baixo vindo do lado. Procurou a filha com o canto dos olhos e a viu inalar profundamente o ar em volta encarando o espelho através dos óculos com a típica armação vermelha que usava desde pequena.

Aos dezesseis anos, Sarada era dona de um semblante expressivo, marcado por um par de olhos negros que se destacavam mesmo por trás das lentes ovais. Os cabelos, que havia parado de cortar há quase dois anos, já alcançavam a cintura e lembravam, com exceção da franja, um corte que havia em uma foto antiga da família Uchiha.

— Hm... Mãe? — Sarada a chamou hesitante. O olhar dela foi do chão para o espelho da penteadeira que ficava em frente à cama e se desviou rapidamente, voltando para o próprio colo.

— Que foi? — Sakura perguntou olhando-a diretamente como se só a observasse agora.

 Sakura viu um vinco se abrir em sua testa.

— A senhora acha... — começou mordiscando o lábio inferior, brincando com as pontas do cabelo que já passava dos ombros — Acha que eu sou bonita?

— Do que esta falando, Sarada?

— Estou falando que... — parou, suspirando pesadamente e se jogou na cama, abafando uma espécie de grunido com o travesseiro.

Sakura a encarou surpresa e a viu se sentar novamente se recuperar do ataque, retirando os óculos.

— O que quero dizer é que todas as meninas são tão bonitas... e eu sou... magrela, sem graça, sem cor, sem sal... — ela enumerou apontando para si mesma como se todos os absurdos que falara estivessem perfeitamente exemplificados.

— Sarada, o que está dizendo... — Sakura foi até ela, sentando-se rapidamente ao seu lado — Você é maravilhosa.

Sarada repôs o óculos, olhando para os olhos esmeraldinos da mãe. Sakura era linda. A mulher mais linda que já conhecera, passava até a princesa de cabelo loiro-três-tons do País das Águas que escoltaria de volta para casa amanhã. Ela não entenderia.

— Deixa pra lá — ela se levantou — Vou pegar o coldre.

Antes que Sakura pudesse protestar, a filha soltou um beijo no ar e bateu as portas despreocupadamente. 

...

Estava certa que conseguiria. Havia passado quase quatro — quatro — anos da sua vida sem aquilo.  Não, sua visão não podia ser tão ruim. De perto, suficientemente perto, ela podia ver com algum grau de distinção. Espalhou com um friccionar de lábios o gloss na boca e até caçaria os óculos para assegurar que o contorno estava correto, mas não havia tempo.

Voou pelo corredor e apoiou uma das mãos sobre o corrimão ganhando segurança e desceu as escadas enquanto colocava um dos brincos na orelha. Ouviu a voz da mãe vindo da cozinha assim que completou o primeiro lance:

— O jantar está pronto.

— Não vai dar, eu vou ao Ichiraku com o time, mãe — Sarada contou apressadamente, passando pelo pai que silenciosamente dispunha os pratos e talheres sobre a mesa da antessala e pegando um  suco.

— Tudo bem, não demore e... — Sakura apareceu no vão de entrada da cozinha, com um pano de prato sobre os ombros e estacou observando-a — Cadê seus óculos?

O tom sério da mais velha não permitia contrariedade e ela logo sentiu o olhar do pai sobre si.

— Eu... Não vou precisar deles por hoje... Eu vou indo... — ela desconversou, fazendo menção de se dirigir a saída. Não queria que o assunto rendesse.

Pena que Sakura não pensava o mesmo.

— Não, a senhora a lugar vai a nenhum sem seus óculos. Imagina se acontece uma emergência e você não consegue se defender porque, vamos lá: seu óculos não está onde deviam estar? — ela disparou incisiva

 — Mãe... Eu estou bem e tenho que ir — afirmou tentando colocar o outro brinco na orelha e se virando para a porta, adiantando o passo. Quanto antes saísse, menos embaraçoso aquilo ficaria. Ao menos era o que pensava.

Antes que pudesse alcançar a saída, esbarrou em uma das cadeiras derrubando suco sobre o chão e o brinco que tentava colocar.

Praguejou baixo suprimindo um xingamento e se abaixou para procurar. O chão estava turvo, mas ela tinha que achar. Estava ali, não seria difícil, exceto por tudo parecer tão borrado.

 — Sarada  — Sasuke chamou,  sua mão indo por reflexo até o braço da filha pra que se levantasse.

— Não — ela puxou o braço bruscamente para que não a tocasse. Não precisava de ajuda. Quando o encarou seus olhos eram vermelho vivo  — Ah... Desculpe — retificou envergonhada e desviando o olhar e logo localizou o brinco.

Ótimo, agora estava com o vestido manchado e com os olhos assustadores de brinde. Ela era mesmo uma aberração. Levantou-se dirigindo a cozinha para tentar remediar o estrago.

— Sarada — Sakura começou sentindo a paciência se esvair — Seus óculos não são um luxo pra você decidir se quer ou não. Você precisa deles. Além do mais, não sei pra quê o drama, ele cai muito bem em você.

— Fácil falar. — respondeu passando pela mãe em direção a pia — Cabelo rosa, olhos verdes, é só dar um sorriso que o quarteirão inteiro se desfalece quando a senhora passa. Até o herbanário azedo da feira a enche de descontos e cortesias. A senhora não entende o que é ter uma placa na cara dizendo o quanto é esquisita sem graça.

— Herbanário? — Uma das sobrancelhas de Sasuke arqueou e ele interrompeu o monólogo da filha olhando para Sakura.

— O senhor ouviu algo depois de "herbanário"?  — Sarada se virou para com tom de acusação que flertava com o sarcasmo.

— O Hideki-san só é grato por eu ter cuidado das filhas dele — Sakura interveio sem graça se defendendo. — Assim como muita gente da feira. — e foi a vez dela de desconversar — Eu fiz muitas das crianças nascerem, cuidei de mães, pais, esposas... Eles sentem com se devessem recompensar.

Era verdade. Não raramente encontrava pacientes e ex-pacientes que se sentiam na obrigação de agradá-la. Por mais que recusasse a maioria das ofertas, vez ou outra acabava aceitando algo para encerrar a questão. A maioria não tinha muitos recursos, então a ofereciam o que tinham, que podia ser um desconto, frutas, verduras, chegara até a ganhar uma galinha certa vez. A cara do marido e da filha ao vê-la chegarem com a ave cacarejante em baixo do braço após um plantão no hospital era uma imagem que levaria anos para sair de sua mente.

— É, e ele estava muito empenhado nisso, deu até uma flor.

— Foi um agradecimento.

— Pessoal demais. — Sasuke murmurou com uma expressão apologética.

— Era um sino azul!

— Ei, ainda estou aqui — ela acenou interrompendo os dois. Adorava ver a cara do pai quando falava dos admiradores da mãe e se divertia horrores com o modo que ele suprimia o desagrado franzindo o cenho e prendendo uma das mãos sobre o braço, mas ao menos podiam fingir que se importavam?

— Esquece —  Sarada murmurou dando de costas ao ver o debate silencioso que travavam com o olhar e correndo para o quarto - Não sem antes esbarrar no corrimão. Droga, por que tinha que ter tirado os óculos?

Sakura e Sasuke entreolharam-se tentando captar o que se assara ali.

— Aquilo brilhando era...

— Gloss. Ela passou por conta própria — Sakura assentiu orgulhosa rindo da expressão atônita do marido. Sarada nunca usava maquiagem.

— Você não acha que ela está... querendo impressionar alguém, acha? 

Sakura riu com gosto.

Seu marido era muito inteligente, mas não entendia nada de garotas adolescentes.

— Deixe-me falar com ela — riu dando um beijo estalado no rosto do esposo.

.........

O quarto estava escuro, mas podia ver a silhueta da filha deitada na cama encolhida.

— Ai mãe, foi mal... Não queria ter parecido grosseira nem ativado o sharingan e tudo, mas podemos nos falar depois? — ela pediu emburrada.

— Chega pra lá — Sakura se aproximou reclamando lugar na cama de solteiro.

 Sarada chegou para o canto à contragosto.

O silêncio caiu sobre elas e ela se virou olhando o perfil da mãe. Os olhos verdes fitavam o teto e se fecharam como se ela tivesse suprimindo um pensamento e se abriram mais uma vez.

— Mãe, sei que veio aqui pra me ajudar e dizer que não devo me preocupar com nada disso, que a beleza mais importante é a e dentro e essas coisas...

— Não, eu não vim aqui pra isso.

Sarada se calou e viu a mãe se virar para ela tocando suavemente sua face.

— Você é linda, Sarada. Linda... Mas eu não vim aqui pra te dizer isso — ela soltou a bochecha da filha, fitando novamente o teto.

A mais nova a encarou com expectativa e ela pensou sobre as palavras que usaria. Não pode deixar de pensar que Ino se sairia melhor naquilo.

— Quando eu era mais nova, garotos riam da minha testa e eu estava convencida de que era horrorosa. Com doze anos eu fazia dietas e de tudo para me sentir bonitas, mas... Não funcionava.

"Na sua idade eu havia internalizado todas as inseguranças com a minha aparência possíveis: Faltava peitos, não era alta ou magra o bastante, Mas olhando pra trás, lembrando de como eu me sentia naquela época, eu não desejaria ser mais alta, magra ou ter uma testa menor. Eu desejaria não sido tão cruel comigo mesma. Todas as palavras duras... os pensamentos nocivos, as horas escuras me sentindo mal comigo mesma... Isso que eu mudaria. Eu não acho certo que qualquer menina da sua idade se sinta como eu me sentia. Não diria metade daquelas palavras que dizia pra mim mesma a ninguém. Por isso não vou me repetir sobre o quanto a acho linda — e você é — porque o importante é como se sente sobre você. Independentemente de qualquer coisa, você tem o direito de se sentir bem com quem é, não deixe ninguém tirar isso de si. Nem você mesma."

Sarada assentiu e ela se levantou, deixando o quarto da filha, não sem antes tocar sua testa com dois dedos arrancando um sorriso doce.

Não levou muito tempo para a filha passar por si na sala com os cabelos presos em um rabo-de-cavalo desajeitado e os óculos de armação vermelha no rosto avisando que não demoraria.


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Notas finais do capítulo

Acho que a Sarada deve ser mais segura do que a Sakura era, e ela parece ser bem menos vaidosa e não ligar muito (quase um molequinho com aquele corte), mas todo mundo tem seus momentos né?
Acabou nascendo um paralelo das duas em relação a isso.
Eu amo os óculos da Sarada e a acho linda com eles e tudo.
Espero que tenham gostado.
Creio que faltam apenas duas drabbles, mas podem sugerir algo que gostariam de ver antes de encerrar, um tema e tal. Não prometo fazer, mas vai que ocorre um estalo e me inspiro e tal.

Aah, é a Sarada Week. Tem muita coisa bonita, convoco todas a participar.
Beijos e até mais ^^