Até o Fim escrita por Juh Nasch


Capítulo 28
Apenas um hobbie


Notas iniciais do capítulo

Eu permito que vocês me matem, de verdade!
Boa leitura (:



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Antes mesmo que a última aula terminasse, estava me sentindo ansiosa. Eliza me olhava de tempos em tempos, já que eu não conseguia me controlar, batucando incansavelmente com a ponta dos dedos a mesa. Não tinha hábito de roer unhas, mas se tivesse, com toda certeza, não haveria mais nenhum único pedaço para contar história.

O sinal enfim tocou e nos levantamos, recolhendo nossas coisas. Eu era muito desconfiada em relação, então sempre antes que eu fosse realmente embora, dava uma olhada ao redor, vendo se não estava deixando nada para trás. Sempre gostei de ter certeza em tudo o que fazia, mas com Adam, aquilo era impossível e esse era um dos motivos para que eu ficasse tão apreensiva.

Outro deles, era o fato de voltar ao apartamento de Adam... Não sabia o que esperar. Tinha dito que era para irmos devagar, mas será que era realmente isso que eu queria? Ou melhor, quanto tempo será que eu resistiria ao charme evidente daquele garoto tatuado?

“Sam... Ei, Samanta!” observei que alguém passava a mão em frente ao meu rosto, numa clara tentativa de chamar minha atenção. Era Peter. Pisquei algumas vezes para confirmar.

Tinha algum tempo que eu não o via, mas sua aparência me diria que foi há muito mais tempo. Meses e meses. Seus olhos azuis eram a única coisa fixa para mim. Ele vestia uma camiseta regata preta e uma calça jeans mais justa. Seus cabelos dessa vez estavam arrepiados em vez de penteados para trás, como antes. O style de garoto certinho havia desaparecido completamente, inclusive em seus movimentos, como quando ele se abaixou para apanhar meus livros que eu nem havia percebido que estavam no chão.

“Está distraída?” ele perguntou em tom baixo. Pareceu constrangido e vi que suas bochechas estavam visivelmente vermelhas, e que ele encarava seus próprios tênis em vez de meus olhos.

“É um pouco.” sorrio sem graça. “Obrigada pela ajuda!” disse assim que estendi os braços para pegar os livros de seus braços.

“Pode deixar comigo.” a voz de Adam me sobressaltou. Nem havia percebido que ele tinha se aproximado.

Ele pegou os livros das mãos do outro garoto de forma brusca e sua expressão não era nem um pouco simpática. Sabia que ele não gostava de Peter e queria ao máximo evitar confusão naquele momento. Peter percebeu a mesma coisa, pois logo tratou de dizer:

“Não tem problema, Sam.” ele sorriu de leve, dando alguns passos para trás e sumindo logo de vista.

Adam logo começou a se afastar também. Com um suspiro, comecei a segui-lo com passos apressados. Ele atravessava o pátio agilmente, e foi preciso uma corridinha até conseguir alcança-lo. Já estávamos próximos do estacionamento quando consegui agarrar o braço dele, mas ele se soltou e continuou a caminhar, porém, mais devagar.

“Será que dá pra você esperar?” disse impaciente, enquanto tentava impedir minha mochila de escapar de meus ombros.

“Pensei que você não falasse mais com o Peter.” ele disse num tom assustadoramente calmo.

“E não falo mesmo, essa foi a primeira vez e foi por acaso.”

“Pelo jeito você esqueceu o que ele disse. Que achou que você seria apenas um passatempo divertido.” sua voz saiu distorcida, com um requinte de crueldade. A mesma que existia em nossos primeiros diálogos. Senti meu rosto queimar.

“Nós dois conversamos sobre isso uma vez. Ele veio me pedir desculpas e falou que só disse aquilo porque estava com raiva. De toda a situação.” expliquei rapidamente.

“E você acreditou nele?” ele perguntou com desdém.

“E que outra opção eu tinha?” falei no mesmo tom. “As pessoas falam besteiras e se arrependem, Adam, e se eu não acreditasse nisso nem estaria falando com você nesse momento.”

“Por que você não me contou?” ele perguntou depois de alguns segundos. Abriu a porta traseira do carro e depositou meus livros sobre o banco de trás.

“Eu não preciso contar cada detalhe da minha vida pra você, Adam.” já estava com raiva da situação e queria gritar com ele.

“Amigos contam, Samanta.” ele disse, ainda controlando a voz.

“Ah, é? E por que eu não sei nada sobre você, hein?”

“Na verdade, você sabe mais do que qualquer outra pessoa.” seu tom saiu de forma tão suave que perdi a concentração por um instante. “Agora entra no carro!”

“Não.” respondi, cruzando os braços na altura do peito.

“O quê?” ele ergueu uma das sobrancelhas e sei que pela sua expressão estava a poucos segundos de perder a paciência. Tudo bem, eu não me importava.

“Não até você me pedir direito.”

“Pedir direito? O quê?” ele me olhou incrédulo. “Entra logo na porra do carro.” Vendo que eu não recuaria de minha posição, ele acrescentou entre dentes. “Por favor!

“Bem melhor.” sorri de forma convencida enquanto passava por ele até o outro lado e vi o momento em que ele revirou os olhos e soltou um suspiro de frustração.

“Se você continuar sendo insuportável assim, pode dar meia volta e me levar para casa.” Acrescentei após alguns minutos em silêncio.

“Quem está sendo insuportável é você.” ele resmungou sem dirigir o olhar para mim. “Você sabe o quanto odeio o Peter e quando saio da aula você está lá sorrindo pra ele e quer que eu fique de bom humor?”

“Aliás, por que vocês se odeiam tanto?” perguntei, incapaz de me conter. Ele me lançou um olhar antes de me responder, como se estivesse me estudando.

“Nada demais.” ele deu de ombros. “Aquelas típicas rixas que se tem quando é mais novo. Ele era um filhinho de papai, um babaca, e eu apenas gostava de colocar ele em seu devido lugar. Não posso fazer nada se ele não sabia se defender das minhas argumentações.”

“Então você o atormentava desde que eram do fundamental?” exclamo surpresa.

“Você falando desse jeito até parece uma coisa ruim.” ele balançou a cabeça. “Ele gostava de humilhar as pessoas, como se tudo no mundo, inclusive as pessoas pudessem ser compradas pela grana do pai dele. Então não é tão ruim.” ele diz com indiferença.

“Eu acho que...”

“Se você for começar a defender o Peter, eu realmente vou dar meia volta e te deixar em casa.” ele disse como se encerrasse o assunto.

Por fim, me dei por vencida e ao perceber isso, ele amenizou a expressão em seu rosto. Então levou uma das mãos até minha coxa e alisou de leve. Busquei não demonstrar nenhuma reação, como se aquilo fosse algo completamente normal, mas quando observei seu rosto, com um sorriso estampado, era claro que eu tinha falhado.

“É estranho eu gostar do modo como você fica tímida?” ele riu baixo. “Ontem, eu nem reconheci aquela garota que estava sentada no meu colo me beijando.”

“Adam...” disse em tom de alerta.

“O que foi?” senti os dedos dele ameaçarem subir um pouco mais e segurei sua mão no mesmo instante. Ele riu, mas não falou nada a respeito, apenas entrelaçou os dedos nos meus. Seus dedos eram quentes, enquanto os meus eram gélidos. Em poucos minutos, estávamos dentro do estacionamento de seu prédio.

“Pode deixar suas coisas aí.” ele falou assim que saímos do carro. “Pra não ter que carregar esse monte de coisas de novo.”

“Por que quase nunca você está com seus livros?”

“Porque normalmente pego emprestado, ou deixo eles dentro do armário.” ele falou enquanto apertava o botão dentro do elevador.

“E você não traz pra fazer os deveres ou sei lá?”

“Pra quê?” ele perguntou com um sorriso divertido.

“Mas...”

“E por que você sempre faz um monte de perguntas?” ele rebateu, erguendo as sobrancelhas.

“Pra tentar te entender, talvez.”

“Boa sorte.” ele disse de brincadeira assim que as portas se abriram e me puxou pela mão, até a penúltima porta do corredor, ao lado direito. Destrancou a porta e entramos.

Não tinha nada de diferente na decoração do apartamento, pelo menos, não aparentemente. Todas as caixas de papelão haviam definitivamente sumido. Estava tudo em ordem, exceto por algumas camisetas pretas espalhadas pelo braço do sofá.

“O que vamos fazer?” perguntei ainda parada na entrada, um pouco sem jeito.

“Primeiro, veste isso aqui.” ele me entregou uma das camisetas que estavam sobre o sofá. Fiz uma pergunta silenciosa, mas ele apenas se sentou e indicou o banheiro com um aceno de cabeça.

Fui até lá e assim que tirei minha blusa, a dobrei e coloquei sobre a pia. Estava mais nervosa do que nunca. Assim que vesti sua camiseta, percebi que ela tinha o cheiro dele. Inspirei o ar por alguns segundos, até perceber o que estava fazendo.

Quando voltei para sala, senti o olhar de Adam sobre mim. Ele sorriu para mim e se levantou, voltando a me puxar pela mão, dessa vez em direção a um dos quartos do corredor. Engoli seco. Mas quando ele destravou a porta, fiquei completamente surpresa. Não era nada do que eu imaginava.

As paredes eram completamente coloridas, cobertas por dezenas de desenhos, alguns sobrepostos a outros. Caricaturas, frases, paisagens, tudo isso combinado a algumas fotografias que estavam espalhadas por toda a extensão. Reconheci alguns desenhos, que eram os mesmos presentes nas tatuagens que cobriam os braços de Adam. Era encantador!

Havia uma mesa bem no centro da sala, e algumas camisetas brancas e pretas espalhadas por ela. Uma estava com o desenho incompleto. Me aproximei da parede e passei os dedos pelo contorno de um pequeno elefante. O elefante de Alice.

“Eu percebi o jeito como você ficou olhando a porta do meu antigo quarto, lá na casa do meu pai.” ele disse, como se estivesse se explicando. “E bom, já que agora esse apartamento é meu, oficialmente, resolvi fazer um espaço assim. No inicio era apenas um hobbie, mas a venda de camisetas dá pra completar a renda, já que o emprego de meio período como fotógrafo não é muita coisa. E...”

“É incrível, Adam.” O interrompi, me virando em sua direção.

“Sério? Você gostou?” ele abriu um sorriso satisfeito enquanto eu me aproximava dele.

“É claro. É perfeito.” retribui o sorriso e ele passou os braços em torno de minha cintura, me puxando pra perto.

“Você é a primeira pessoa que vem aqui, além de mim, claro.” ele confessou.

“Me sinto honrada.”

“E você vai me ajudar hoje.” ele riu, me levando até a mesa e separando uma das camisetas pretas.

“Te ajudar?” o olhei, visivelmente em pânico e ele soltou uma gargalhada ao perceber minha reação.

“Sim.” ele concordou com a cabeça, abaixou-se, abrindo duas gavetas na mesa, as quais eu ainda não havia percebido. Pincéis, tintas, lápis, folhas de jornais, estilete, estêncil e algumas folhas de papéis foram depositados.

Quando ele pediu pra que eu começasse, apenas ergui uma das sobrancelhas. “Você primeiro tem que escolher um desenho. Aqui!” ele me entregou um lápis e uma folha.

“Faz de rascunho e depois você desenha na própria camiseta, com essa caneta aqui.”

Ele passou para o outro lado da mesa e puxou um dos banquinhos para se sentar. Pegou um lápis e com traços suaves começou a completar o desenho daquela camiseta. Eu me perdi por um instante, observando sua expressão, com testa franzida, e os movimentos de seus dedos. Era o mesmo corvo de sua tatuagem. Agora entendia o motivo de ele ter um estoque infinito de camisetas personalizadas.

Ele levantou os olhos e senti meu rosto corar ao ser pega em flagrante. “Não vai começar?” ele abriu um sorriso.

“Eu não sei o que fazer e sinceramente, eu não tenho o mínimo de habilidade para desenhar.” fiz uma careta e ele riu.

“Então, eu faço os desenhos e você pinta?” seu tom saiu em forma de pergunta.

“Pode ser.” respondi, um pouco mais aliviada.

“Tudo bem.” ele se levantou e veio em minha direção. Só no momento percebi que ele havia terminado de desenhar o pássaro negro. Os detalhes nas penas eram incríveis.

“Quer desenhar o que?”

“Uma coruja.”

“Uma coruja?” ele repetiu. “Como a Edwiges de Harry Potter ou sei lá? ” perguntou sorrindo e eu concordei com a cabeça.

Ele então se inclinou e começou a me dar instruções de como colorir a gravura. Ficamos em um silêncio confortável, por bons minutos, concentrados, cada um em sua tarefa. Até que Adam levou um dos dedos ao pincel de tinta preta e passou sobre minha bochecha.

“Adam!” reclamei, o olhando com os olhos estreitados.

Ele apenas soltou uma gargalhada, então em menos de um segundo, seu rosto estava manchado de tinta branca. Parte de mim, achava aquilo uma infantilidade sem fim, mas era tão divertido, e eu adorava o jeito que Adam estava sorrindo.

Continuamos nos sujando por alguns instantes. A camiseta preta dele que eu estava vestindo, estava respigada de azul e amarelo. Depois de nos observamos por um instante, ainda rindo, ele se aproximou um passo, olhando diretamente em meus olhos, assumindo uma expressão mais séria. Me prensou contra a mesa, segurou minha nuca e levou os lábios até os meus.


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Notas finais do capítulo

Esses títulos cada vez mais criativos acabam comigo!
Um beijo, um queijo e até o próximo