Até o Fim escrita por Juh Nasch


Capítulo 21
Distração


Notas iniciais do capítulo

Primeiro, quero me desculpar por ter sumido assim, mas eu avisei no último capítulo.
Agradeço aos que se preocuparam, desejaram melhoras à minha vó, mas infelizmente, ela faleceu há uma semana.
Obrigada também pela quantidade de comentários, meu Deus! Juro que responderei cada um.
Aqui está um capítulo para vocês, boa leitura :)



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Assim que abri os olhos, a primeira coisa que senti foi uma intensa e forte dor de cabeça. Fechei-os novamente, enquanto massageava minhas têmporas. Ao me virar, me sobressaltei ao tocar em algo morno. Não algo, alguém.

Me surpreendi ao ver os cabelos castanhos de Samanta, espalhados pelo seu rosto, e me perguntei o que ela estava fazendo ali, como havíamos acabado daquela maneira e por que ela estava com minhas roupas.

Sam estava com a cabeça sobre meu ombro e com um dos braços sobre minha barriga. Uma de suas pernas estava no meio das minhas. Estava com uma expressão tão suave enquanto ressonava que fiquei olhando para ela por alguns segundos, antes que me desse conta do que estava fazendo.

Com uma manobra, consegui me desviar de seu aperto e sair da cama, um pouco vacilante. Me senti tonto e enjoado no mesmo instante e tive que me apoiar na parede para que eu não me desequilibrasse.

Fui direto à cozinha. Comi alguns biscoitos, apenas para ingerir dois analgésicos em seguida. Olhei ao redor e percebi que o tapete da sala não estava mais no lugar. Franzi a testa confuso. O que diabos tinha acontecido?

Não me lembrava de quase nada da noite passada. Apenas vislumbres, turvos. Nem sabia se alguns realmente haviam acontecido.

Me sentei num dos bancos perto do balcão e estava completamente distraído, tentando associar e organizar meus pensamentos. Lembrava de ter ido a casa de Sam, das luzes na festa e de ouvir a voz da garota me alertando sobre a bebida. Nem percebi quando a mesma saiu do quarto.

Ela foi diretamente em direção ao banheiro, mas pareceu repensar, e virou-se para mim. Por algum motivo, ela parecia desconfortável.

"Bom dia." sussurrou, coçando os olhos.

Seu cabelo estava completamente desgrenhado e logo ela tratou de desfazer alguns nós com os dedos. Impaciente, puxava a barra da camiseta para baixo, de modo que ficasse mais comprida. Já era a segunda vez que a via assim e tinha que admitir que ela ficava incrível daquela maneira.

"Bom dia." falei, segurando o piercing entre os dentes. Minha voz ainda estava um pouco rouca e minha visão ainda embaçada. Foi naquele momento que olhei para baixo e percebi que continuava apenas de bermuda. Pelo visto, Sam também tinha percebido. Pigarreei antes de continuar. "Hum... Vai querer o que de café?"

Ela me olhou desconfiada por alguns instantes, mas, mesmo assim, se aproximou alguns passos, com os braços cruzados na altura do peito.

"Você se lembra do que aconteceu noite passada?" seu tom era estranhamente sugestivo. Fitei seu rosto antes de responder.

"Hã... Não exatamente. Mas isso explica o motivo do tapete ter sumido?" indiquei a sala com o queixo.

"Ele não sumiu." ela apontou para a varanda. "Coloquei do lado de fora, já que você vomitou sobre ele."

"Jura?" ergui as sobrancelhas e ela concordou com a cabeça. Não me lembrava daquela parte.

"Além de ter sujado suas roupas também." ela fez uma careta, como se estivesse se relembrando das cenas.

Fiz uma careta involuntária.

"Eu normalmente não passo mal por causa de bebida." dou de ombros. "Me desculpe por você ter..."

"Não estou chateada." ela me interrompeu, soltando um suspiro.

Toda vez que eu tentava focalizar seus olhos, ela desviava o olhar.

"O quê você tem então?" cruzei os braços. Minha intensa dor estava sendo reduzida a um suportável latejar. Estava conseguindo raciocinar mais claramente.

"Não é nada."

"Sam..." falei num tom de alerta.

"É sério." ela abriu um sorriso, não muito convincente.

"Eu contei sobre..." gesticulei, sendo suficiente para que ela compreendesse.

"Sim." seu olhar ficou mais suave. Eu odiava aquele olhar, de piedade. Odiava que sentissem pena de mim. Desviei no mesmo instante. "Eu sinto muito, Adam, de verdade."

"Não planejava te contar daquela maneira." fiz outra careta, olhando para baixo, enquanto mexia involuntariamente no bolso de minha bermuda.

"Está tudo bem, Adam." ela ergueu meu queixo com seu dedo indicador.

Olhei diretamente para seus olhos castanho-claros, subitamente encantado com a aproximação. Por algum motivo, me senti aliviado. Depois de anos eu havia enfim dividido o fardo de meu passado, de meus fantasmas. Sempre havia fugido daquela parte de minha vida, a pior e melhor dela.

Assim que ergui minha mão, em direção a dela, ela se levantou e deu um passo para trás, se afastando.

"Eu vou me trocar." ela sussurrou, virando-me as costas.

"Sam?" ela me olhou por cima do ombro. "Você realmente me deu banho ou eu estou imaginando coisas?" ergui as sobrancelhas.

O rosto dela ficou completamente vermelho, antes mesmo que eu terminasse de falar. Ela tropeçou nas palavras ao responder.

"V-você se lembra?"

"Apenas da água fria e do seu rosto completamente vermelho, como agora." soltei um risinho baixo enquanto ela revirava os olhos.

"Algo mais?" ela insistiu.

"Não, por quê?" franzi a testa. "Aconteceu algo mais?"

"Não!" ela pareceu horrorizada pelo tom sugestivo. "Assim que eu terminar, vou para casa." ela acrescentou.

"Mas já?" a decepção em minha voz foi perceptível.

"Minha mãe deve estar preocupada." ela deu de ombros. Senti que ela estava mentindo no mesmo momento.

Ela foi até a varanda e recolheu suas roupas do varal. Ela havia se molhado? Ao voltar, abriu a porta, adentrando o banheiro. Minutos depois, já vestida com as roupas da noite anterior, ela se encaminhou até o quarto e pegou sua bolsa, a colocando sobre o ombro e voltando para a sala.

"Adam, eu já estou indo."

"Por que não fica mais um pouco?"

"Adam, eu..."

"Para de fugir de mim, Sam." suspirei.

"Eu não estou fugindo de ninguém." ela disse revirando os olhos.

"Está fazendo o que então?" a olhei cético. Ela parecia não ter resposta. "Você ficar por mais dez ou quinze minutos não fará diferença."

Ela bufou, já falei o quanto odeio quando ela faz isso?, mas por fim concordou com a cabeça e se sentou.

"Sam?" chamei e ela ergueu a cabeça para me olhar. "Aconteceu alguma coisa ontem?" ela pareceu lutar contra si mesma, internamente, como se decidisse 'conto ou não?'. Até que por fim ela balançou a cabeça, discordando.

"Não aconteceu nada, Adam, já falei." ela parecia irritada.

"E por que você está tão estranha?" me aproximei alguns passos.

"Foi à festa." deu de ombros. "Bom, eu não estava acostumada com muitas coisas que aconteceram ali. Foi bem... Surpreendente." ela disse num tom óbvio.

"Ah..." meu rosto se contorceu numa expressão de compreensão. "Não queria que você se assustasse. Devo ter sido um babaca, não é?"

"Não, está tudo bem. É sério." ela acrescentou ao ver minha expressão. "Seus amigos foram legais comigo. A Tiffany e Teddy, principalmente."

"Eu falei para eles sobre nós."

"Sobre nós ?" sua ênfase e expressão surpresa fizeram perceber as palavras que eu havia acabado de pronunciar e seus múltiplos sentidos.

"Digo, nossa amizade, seu temperamento difícil, e essas coisas." senti minhas bochechas corarem. Não conseguia decidir quem estava mais vermelho: eu ou ela.

Era estranho, mas eu quase nunca me sentia constrangido, mas isso havia mudado. Bastava algumas palavras da garota para que meu rosto pegasse 'fogo'.

"O meu temperamento que é difícil? " ela ergueu as sobrancelhas.

"Shh! Você ainda não me respondeu." abri um sorriso. "O que vai querer de café?"

"Qualquer coisa."

"Sinto dizer, mas isso não estava na lista de compras." eu abri um sorriso contido, assim como ela. Estávamos visivelmente constrangidos, talvez pela forma como teríamos passado a noite, entrelaçados nos braços um do outro.

Eu ainda tinha algumas perguntas, como o fato de ela ter ido parado em minha cama, mas resolvi deixar para lá, por enquanto. Comecei a pegar as coisas dentro do armário, como cereal e pão de forma, e também de dentro da geladeira e distribui-las sobre o balcão.

"Então, você se divertiu ontem?" perguntei assim que ela passou a se servir.

"Foi bastante interessante." disse num tom neutro, mordendo seu sanduíche.

"Defina interessante. " ergui uma sobrancelha, engolindo, em seguida, o suco de maracujá.

"Hum, algo importante, merecedor de atenção, que desperta interesse."

"Sam!" repliquei.

"É sério. Pode verificar no dicionário." ela riu e eu a acompanhei.

Depois de alguns minutos, eu já estava satisfeito e desenhava círculos imaginários com as pontas dos dedos na mesa, enquanto Sam remexia distraída o conteúdo em seu copo.

"Por que você está tão ansiosa para ir para casa?" a olhei curioso.

"Hoje é sábado. E prometi que passaria o fim de semana com meu pai. E amanhã vou à um show com Liz." ela sorriu levemente.

"Qual banda?"

"Random Reflections." o entusiasmo em sua voz era extasiante.

"Nunca ouvi falar."

"Eles são bons, mas pouco conhecidos e creio que não façam muito seu estilo." falou um pouco sem graça.

"Eu não escuto só rock." revirei os olhos. "Diria que sou bastante eclético, inclusive."

"Ah, mas é claro! " ela disse irônica.

Ficamos por alguns minutos debatendo sobre diferentes bandas e músicas, até que o celular de Sam tocou. Estava aprendendo a odiar aquele pequeno objeto.

"Oi, pai." ela atendeu.

Tratei logo de arrumar o balcão, colocando as louças sujas na pia e guardando as outras coisas na geladeira e armário.

"Meu pai está chegando na minha casa em dez minutos." ela disse assim que guardou o celular no bolso.

"Você já vai?" o tom de carência em minha voz foi perceptível. Merda! Desde quando eu era tão dependente de alguém?

"Adam..."

"Tudo bem, eu levo você. Só um minuto!" virei-me e comecei a lavar os copos.

"Ei!" ela chamou e eu a olhei de canto. Ela parecia relutante enquanto mordia o lábio inferior. "Minha mãe pediu pra te convidar pra um jantar lá em casa, na terça. "

"Jantar?" franzi o cenho. Sabia que não havia causado uma boa primeira impressão, e agora recebia um convite desses? Não fazia sentido. Nenhum mesmo.

"Seu pai também vai." acrescentou num tom diminuto.

"Então eu não vou." meu tom de voz firme e impassível. Nem sabia porque ela tinha cogitado aquilo.

"Adam..."

"Nem vem, Sam. Por favor, não se mete nisso." a interrompi, num tom mais suave.

O celular dela piscou, notificando a chegada de uma nova mensagem, que ela logo leu.

"Só considera a possibilidade." ela deu de ombros.

"Seu pai já chegou? " perguntei enquanto me encaminhava até o quarto e enfiava a primeira camiseta que peguei no corpo e , em seguida, pegava as chaves do carro.

"Era o Nate."

"Ah."

"Fiquei de passar na casa dele. Os irmãos vieram visitá-lo e vou dizer pelo menos olá, já que é próxima à casa do meu pai."

"Ele e a ruiva ainda estão brigados?"

Sam assentiu rapidamente.

"Vamos!" falei passando por ela.

Assim que chegamos à casa de Sam, um homem estava encostado na lateral de um Porsche prateado. O reconheci na hora como sendo pai de Sam. Apesar de ela ser muito parecida com a mãe, algo me fazia ter essa associação. Talvez a forma como franzia a testa, tentando entender porque alguém como eu estava levando sua filha para casa.

"Até mais, Adam." Sam se inclinou em minha direção.

Assim que senti os lábios macios de Sam sobre minha bochecha, tive um lapso de memória tão rápido quanto um flash. Sua blusa transparente, sua expressão sem graça, seu corpo pressionado contra o meu. As visões não eram claras. Pareciam embaçadas, vistas por trás de uma penumbra. Naquele momento então, me dei conta que, talvez, eu não estivesse imaginando coisas. Eu realmente havia beijado Samanta.

Naquele momento, eu entendi o porquê de Sam estar agindo estranho. Ela estava constrangida pelo acontecido, e irritada. Talvez por eu não ter lembrado do que fiz ou então por eu ter a agarrado. Uma das duas, com certeza.

Antes que pensasse com clareza, a segurei pelo pulso. Sua expressão estava confusa e a minha não deveria estar tão diferente, quando me aproximei mais ainda dela.

"Samanta, eu..."

O pai de Sam buzinou nesse instante, nos fazendo dar um pulo de susto. Nos dois olhamos naquela direção no mesmo instante.

"Merda!" exclamei.

"Tchau, Adam" ela disse enquanto saia do carro.

Observei ela se aproximar do homem e abraçá-lo. A mulher também se apressou para abraçá-la, porém Sam foi bem mais rápida. Em seguida, seu pai apontou em direção ao meu carro, mas não estava sério, pelo contrário, estava sorrindo abertamente. Sam pareceu surpresa e nervosa, mas olhou em minha direção e gesticulou, indicando para que eu me aproximasse.

"Agora ferrou!" sussurrei baixo antes de descer do carro.

"Pai, este é o Adam!" ela disse apontando para mim. "Adam, este é meu pai." ela completou com um sorrisinho nervoso.

"Sr. Harper!" cumprimentei enquanto estendia minha mão.

"Pode me chamar de Stevens." ele a apertou.

"Eu sou Melissa." a mulher se apresentou, estendendo a mão em minha direção, visivelmente ultrajada por não ter sido apresentada.

"Posso perguntar o que minha filha estava fazendo com você até essa hora da manhã?" Stevens perguntou, com o tom de voz mais grave e seu rosto repentinamente sério.

"S-senhor, nós não..." comecei a balbuciar, mas ele me interrompeu.

"Eu estou brincando." Ele deu alguns tapinhas em meu ombro enquanto soltava uma sonora risada. "Eu confio em Sam e também no spray de pimenta que ela carrega dentro da bolsa."

"Pai!"

"Por que não entra e toma café conosco, Adam?" ele insistiu, olhando para mim, sem se importar com a expressão de Sam.

"Nós já tomamos café." expliquei. Era normal eu me sentir intimidado? Aquilo nunca havia me acontecido antes. "E não quero atrapalhar."

"Não faz mal, vamos." ele indicou a casa, como se fosse dele, como se ainda morasse ali. Força do hábito, talvez.

"Desculpe, mas eu marquei de sair com uns amigos agora pela manhã." cocei a nuca, desconfortável.

"Tudo bem então." ele pareceu decepcionado, mas aquilo já ultrapassava todos os limites. O quê? Éramos amigos e ele me tratava como se eu estivesse... Enfim.

"Tchau, Sam, até amanhã! Hã, tchau."

"Amanhã?" ela ergueu as sobrancelhas, mas eu apenas abri um sorriso, enquanto voltava para o carro.

Observei todos entrarem na casa, enquanto eu fazia a curva, e dirigia de volta para casa. Fiquei pensando no beijo com Samanta. Sua expressão assustada. O modo como ela correspondeu ao beijo. Como suas mãos puxavam e se entrelaçavam em meus cabelos. Balancei a cabeça e dei um soco no painel, frustrado. Parei o carro no acostamento e peguei o celular de dentro do bolso e disquei o número familiar. Precisava de uma distração.

"Alô?" sua voz era de sono, como se tivesse acordado naquele instante.

"Tiffany?"

"Oi amorzinho."

"Posso ir até aí?"

"O que aconteceu?" seu tom ficou preocupado.

"Nada..."

"Só precisa relaxar um pouquinho?" ela riu, o tom levemente malicioso.

"Sim."

"Estou te esperando." e encerrou a ligação.


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Notas finais do capítulo

Um beijo, um queijo e até o próximo capítulo!