Até o Fim escrita por Juh Nasch


Capítulo 19
Um mundo à parte


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura :)



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Adam me olhava cauteloso pelo canto dos olhos. Minha raiva já estava ficando sobre controle, mesmo que minhas mãos ainda tremessem levemente sobre meu colo.

Ao me observar pelo retrovisor, percebi que estava com o rosto completamente vermelho. Fechei os olhos, contando mentalmente até cem, e repassando a cena patética que havia acontecido no corredor. Meu rosto ardeu ainda mais e, dessa vez, por vergonha.

"Está mais calma?" ele perguntou alguns instantes depois, temendo minha reação.

Parecia apreensivo, enquanto mordia os lábios e tamborilava os dedos sobre o volante. Estava considerando com afinco a possibilidade abrir a porta e simplesmente me jogar, para escapar dali, mas desconsiderei a ideia assim que Adam acelerou com o carro.

Estávamos nos afastando do centro rapidamente, para uma localidade que eu não conhecia, afinal, havia poucos meses que eu havia me mudado para aquela cidade. Não conhecia quase nada na região.

"Desculpa, mas não consegui pensar em outro jeito de fazer você me ouvir." ele continuou, sem me encarar.

"E me carregar até o carro, numa clara tentativa de sequestro, foi seu plano brilhante para que eu te perdoasse?" disse no tom mais sarcástico possível, enquanto cruzava os braços sobre o peito.

"Você dizendo assim parece até idiota." ele abriu um sorriso sem graça.

"Porque realmente é idiota, Adam!" exclamei exasperada, passando os dedos pelo cabelo.

"Eu sinto muito. É sério." ele acrescentou observando minha expressão.

"Eu juro que se você repetir isso ou desculpa, outra vez, eu ..."

"Tudo bem, tudo bem." ele me interrompeu. "Não vou mais me desculpar, vou apenas provar para você."

Apenas assenti, encostando minha cabeça no vidro da janela e desviando meu olhar para fora. Sentia o olhar de Adam sobre mim, mas eu parecia não me importar mais. Fiquei imaginando como Adam provaria que estava arrependido. Todas as ideias que passaram na minha cabeça não pareciam corretas e então resolvi tirar aquilo da cabeça.

O trânsito praticamente não existia e em pouco tempo, Adam acelerou ainda mais. Depois de algumas curvas, desvios e paradas em semáforos, minha curiosidade falou mais alto.

"Para onde estamos indo?" perguntei, incapaz de me conter.

"Um dos meus lugares favoritos." ele sorriu para mim. "Você vai gostar."

Sabia que minha reação havia sido exagerada, mas a dele também havia sido. Fora desnecessário aquele tom rude, assim como minhas lágrimas e tentativa falha de fuga. Tudo até havia sido desnecessário, mas algo, em meio daquilo, fazia com que eu sentisse uma necessidade desconhecida de estar perto de Adam.

Eu me sentia diferente, com minhas emoções mais afloradas, completamente fora de mim. Mas mesmo assim, eu gostava daquela sensação.

Eu não queria antecipar as coisas e acabar me decepcionando, outra vez. Então decidi continuar de boca fechada. Adam não poderia saber que, lá no fundo, eu já tinha o perdoado, mesmo que eu sentisse que não era a coisa certa.

Depois da calmaria, sempre vinha uma tempestade. Ou seria ao contrário? Bom, tanto faz. Eu odiava tempestades de qualquer maneira.

Adam parecia mais relaxado. Algumas vezes, olhava para mim e piscava, enquanto assoviava. Era uma música conhecida, mas o nome não me vinha a cabeça. O acompanhei, batucando os dedos no painel, no ritmo.

Havíamos virado em uma rua praticamente deserta. Íamos nos afastando cada vez, até o asfalto acabar e nos encontrarmos numa estradinha de terra. O local era arborizado. Lindo! Mas mesmo assim, senti certo incomodo por estar ali, completamente sozinha, com Adam.

"Eu não vou abusar de você e depois esconder seu corpo nesse matagal, Sam. " ele soltou uma risada. "Então, pode ficar tranquila!"

"Você acabou de me sequestrar, praticamente. Como posso confiar em você?" perguntei num tom sarcástico, mas deixando implícita a brincadeira. Ele pareceu mais animado ao ver que eu havia abandonado minha fachada hostil.

"Nada disso." ele balançou a cabeça. "Você entrou no carro por livre e espontânea vontade."

"Livre e espontânea pressão, você quer dizer." o corrigi.

"Dá no mesmo." ele deu de ombros e voltou a se concentrar à sua frente.

Após alguns segundos, ele olhou para mim novamente. Mal tinha percebido que estava o encarando fixamente e logo desviei o olhar, sem graça.

"Será que Peter está bem?" falei a primeira coisa que pensei.

Logo a imagem do lábio ensanguentado de Peter surgiu em minha mente. Me sentia minimamente culpada, porque sabia que Adam era o culpado daquilo.

Após sair do apartamento de Adam naquela manhã, havia cruzado com Peter pelo caminho e este logo me ofereceu uma carona. Eu não sabia o porquê, mas aquele garoto sempre surgia quando eu precisava. Já era coincidência demais.

Eu havia combinado de sair com Peter mais tarde, mas não comentaria isso com Adam. Peter também havia me oferecido uma carona de volta para casa, porém Adam apareceu, como da última vez.

"Sério que você está se preocupando com aquele idiota?" seu rosto se contorceu de raiva.

"Ele não é idiota." disse na defensiva.

"Você mal o conhece." ele revirou os olhos.

"Eu mal te conheço também." rebati.

Ele pareceu magoado e não falou mais nada. Bom, mas era verdade. Eu mal sabia quem era Adam. Vamos dizer que ele não era muito fácil de se conhecer. Ele parecia possuir múltiplas faces, como um cubo e, aos poucos, eu aprendia mais uma delas.

"Ela era minha irmã." seu tom era tão baixo, que me inclinei um pouco em sua direção.

"O quê?" lancei-lhe um olhar interrogativo.

"A garotinha da foto." ele deu uma pausa, engolindo seco. "Era minha irmã mais nova. Alice."

Minha mãe nunca havia dito que Antony tinha outra filha e fiquei me perguntando porque nunca ouvi sobre Alice. Lembrei-me subitamente da reação de Adam e imaginei que aquele realmente deveria ser um assunto delicado. Para todos os membros da família.

"O que aconteceu com ela?" perguntei apreensiva. O olhar que ele me lançou me fez se arrepender no ato.

"Ela morreu, há uns seis anos." sua voz não era nada mais do que um murmúrio.

"Eu sinto muito."

Sabia que por trás daquelas palavras, havia muito mais envolvido, mas era pedir demais. Adam estava me contando mais do que eu acreditaria.

"Eu também sinto." a expressão em seu rosto era tão desoladora que, por instinto, coloquei minha mão sobre seu joelho e dei um aperto de leve, como forma de confortá-lo.

Ele pareceu surpreso com esse gesto, mas logo pousou sua mão sobre a minha e entrelaçou nossos dedos.

"Obrigada." falei num tom baixo, olhando para seu rosto.

"Pelo o quê?" ele franziu a testa, confuso.

"Por ter me contado. Imagino como deve ser difícil falar sobre isso."

"Não, você tinha razão." ele abriu um sorriso fraco. "Não é bom ficar se sufocando com os próprios segredos."

"Então ninguém sabe?"

Ele negou com a cabeça.

Senti uma sensação estranha tomar conta de mim. Adam confiou a mim um segredo até então só dele, bom, e obviamente de seu pai. Não sabia como deveria me sentir a respeito.

Ele abriu um sorriso para mim e eu retribui.

"Vem." ele estacionou, soltando minha mão e saindo do carro.

"Aonde vamos?" perguntei assim que parei ao lado dele.

Ainda estava claro e o Sol passava em pequenos feixes de luz dentre as folhas das árvores. Havia algumas casas ao redor, todas de estilo bem simples. E um morro bem alto a nossa frente.

"Como sempre, perguntando demais." ele riu e apenas me estendeu a mão.

Apenas a aceitei e começamos a subir devagar. O terreno era acidentado, o que não facilitava muito a ação. Eu estava calçando sapatilhas não muito confortáveis e tinha que ouvir Adam reclamar o quão lenta eu era. Uma ou duas vezes, uma havia saído de meus pés, fazendo ele cair na gargalhada. Eu apenas o empurrava para o lado, pedindo para que parasse.

Eu gostava de estar na companhia daquele Adam. Despreocupado e brincalhão, e me perguntava se alguém já tinha o visto assim, tão relaxado. Queria que ele fosse sempre daquela maneira. Nossa relação seria muito mais fácil.

A subida parecia interminável, mas assim que cheguei ao topo, soltei um suspiro de surpresa.

Dali, era possível enxergar toda a cidade. Todas as casas pareciam terem virado miniaturas. Conseguia ver as pessoas minúsculas ao longe, assim como os carros que passavam em alta velocidade sobre o viaduto. Era tão deslumbrante que, por um instante, esqueci meus pés doloridos.

Consegui identificar nossa escola. Um grande pavimento branco, com uma quadra poliesportiva ao fundo. A viagem havia durado um pouco mais de uma hora, mas parecia que estávamos em outro lugar. Em um mundo à parte. Incapaz de me conter, me aproximei mais, parando ao lado de Adam. Só quando olhei para baixo, tive noção de quão alto era. Senti-me tonta e logo recuei alguns passos para trás.

"Vai me dizer que tem medo de altura?" ele perguntou zombeteiro, mas mesmo assim, concordei com um aceno de cabeça. "Ah, Sam! Por favor." ele riu, me deixando ainda mais desconfortável. "Vai dizer que não é maravilhoso olhar o mundo daqui de cima?"

Não consegui responder, em vez disso, continuei a olhar em volta. Havia uma grande e robusta árvore perto de nós, cobrindo-nos com sua sombra. Uma brisa suave corria, movimentando as folhas e fazendo soar um arrulhar gosto. Fechei os olhos, inspirando o ar por alguns segundos. Realmente, era maravilhoso.

"Tem medo de alguma outra coisa que eu deva saber?" ele me observava com curiosidade. Por algum motivo, me senti constrangida. Mordi o lábio inferior e fingi considerar por alguns instantes sua pergunta.

"Água." dei de ombros.

"Água?" ele franziu a testa. "É o que? Você não toma banho e essas coisas?"

"Não, seu idiota." revirei os olhos enquanto ele soltava uma gargalhada. "Eu não sei nadar."

"Eu não sei andar de bicicleta." ele admitiu com uma careta.

"Está brincando comigo?" falei rindo. Quem não sabia andar de bicicleta? Era o primeiro sinal de independência que recebíamos quando ainda éramos crianças.

"Não, é bem sério na verdade. É um trauma de infância. E eu sempre preferi o skate." então deu de ombros, como se não fosse grande coisa.

Eu apenas sorri, enquanto ele se sentou na grama.

"Senta!" ele deu um tapinha ao seu lado e fiz o que ele pediu. "Gostou?"

"É incrível."

"Descobri esse lugar há alguns anos. Desde então venho aqui." ele abraçou seus joelhos. "Você é a primeira pessoa que trago aqui." seu tom era tímido e percebi que seu rosto estava corando.

Era intrigante aquela expressão em seu rosto, enquanto seus piercings cintilavam e suas tatuagens pareciam mais visíveis. Eu já havia me acostumado e gostava realmente delas. Não eram espalhadas aleatoriamente, pareciam obedecer um padrão. Todas em preto e branco, nos mais variados estilos.

Fiquei surpresa com a revelação. Adam havia confiado muita coisa à mim. Fotografia, o curso na faculdade, sua irmã, esse lugar. Coisas que alegava nunca ter dito a ninguém.

"Obrigada." ele olhou em meus olhos e percebeu a intensidade em minha fala.

Ficamos nos encarando por alguns segundos e eu me lembrei subitamente do que tinha ocorrido em seu apartamento. Bem, quase ocorrido. Constrangida, desviei o olhar.

Fiquei observando Adam, que se deitou de barriga para baixo, enquanto apoiava-se em seus cotovelos. Eu fiquei numa posição parecida, porém encarava o céu. Ainda não me sentia bem em locais altos, então simplesmente tentava ignorar o 'precipício' a nossa frente.

Nas últimas horas, tinha contado algumas histórias de minha infância. Algumas engraçadas e outras, bom, nem tanto. Contei sobre meu trauma de tempestades e da vez em que quase me afoguei. Minha tentativa falha nas aulas de natação e de quando quase desmaiei num brinquedo a mais de sete metros de altura.

"Me lembre de nunca levar você ao parque." ele disse rindo em alto e bom som e me permitir achar graça. Ele ficava adorável quando sorria daquela maneira e fiquei feliz ao ver que ele considerava a possibilidade de sairmos outras vezes. Feliz não, esperançosa.

Ele também me relatou fatos de sua infância. Sua primeira bicicleta e suas dezenas de tombos, até que sua mãe lhe comprou um skate e aquele fora seu companheiro pelo resto dos anos. Falou também de quando foi atacado por um enxame de abelhas, dando um ar todo dramático a situação.

Citou sua mãe, irmã, mas não falou em nenhum momento sobre seu pai, ou o que havia acontecido com elas. Ficava tentada a perguntar, mas não queria abusar da sorte e estragar o momento.

"Seus amigos faltaram hoje?" ele perguntou depois de algum tempo.

"Eles brigaram e em brigas de casais eu não costumo me meter." dou de ombros. "Não posso defender nenhum dos lados, para meu próprio bem." eu ri e ele me acompanhou.

"Tem uma festa hoje, está a fim de ir?"

"Com seus amigos?" fiz uma careta involuntária.

"Eles não são tão ruins." disse mais para si mesmo do que para mim.

"Aquele seu amigo, Alex, me intimida um pouco."

"Não vou nem deixá-lo chegar perto de você. Prometo!" ele estava mais sério dessa vez. Não imaginei o motivo daquele pedido repentino e não conseguia acompanhar as variações de humor de Adam. 'Não somos amigos.' 'Somos amigos.' 'Quero que você vá a uma festa comigo.' Eram muitas mudanças em pouco período de tempo.

"Posso chamar a Eliza?" sabia que me sentiria desconfortável só conhecendo Adam na festa, precisa de companhia. Imaginei se Jasmine estaria lá, e qual seria sua expressão ao me ver perto de Adam.

"Ela não é minha fã número um, deve-se dizer." ele riu enquanto se levantava e me estendeu as mãos para que eu fizesse o mesmo. Assim que tomei impulso, senti suas mãos me soltarem e então cai de bunda no chão.

"Adam!" reclamei, mas ele estava ocupado demais, rindo da minha cara. Criança! Revirei os olhos e me levantei, passando as mãos pela calça jeans e ajeitando em seguida minha blusa. Ignorei o olhar de Adam novamente sobre mim e o acompanhei até o carro.


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Notas finais do capítulo

Parecia que muitas já haviam sacado quem era Alice e então pressuponho que não seja novidade para ninguém esse fato, mas já não posso afirmar nada sobre o próximo capítulo.
Adoraria ler as suposições de vocês à respeito do passado de Adam.
É isso!
Um beijo, um queijo e até o próximo.



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