Até o Fim escrita por Juh Nasch


Capítulo 16
Dúvidas à domicílio


Notas iniciais do capítulo

Sobre a última nota no capítulo anterior, esqueçam o que eu falei.
"O que importa é a qualidade e não a quantidade."
Vou me lembrar disso sempre que ficar desanimada para continuar e me esforçarei para que a qualidade da história apenas evolua para melhor.
E muito obrigada pelos comentários, sério, fiquei realmente empolgada.
Por fim, boa leitura :)



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Mal saímos do estacionamento do colégio e um intenso engarrafamento já se estendia a nossa frente.

“Era só o que faltava.” bufei enquanto me recostava sobre o banco.

Inclinei-me para frente e liguei o rádio. Ao perceber que estava numa estação de notícias estiquei a mão para trocá-la, mas Adam me impediu, com um aceno de mão, e aumentou o volume.

“...causando um grave acidente na principal Avenida da cidade. As estradas permanecerão fechadas até a chegada do Corpo de Bombeiros e policiais militares...”

Não era possível que todo o universo estava conspirando contra mim naquele dia. Aquela Avenida era o único acesso que dava para chegar em minha casa.

“...risco de enchentes e muitos raios estão anunciados para a tempestade de hoje...”

“E agora?” virei-me na direção de Adam. Ele estava ouvindo tudo em silêncio, com tamanha atenção.

“Bom, ainda podemos dar meia-volta.” ele respondeu depois de alguns segundos. Parecia receoso em proferir as palavras seguintes. “Meu apartamento não é tão longe e eu não quero ficar no meio de uma tempestade.”

“O quê?” perguntei perplexa. “Eu não vou para o seu apartamento.” Que ideia maluca era aquela? Eu o conhecia há quanto tempo? Um mês? Um pouco mais? Mesmo assim.

“Então o que você sugere?” ele perguntou sarcasticamente erguendo uma de suas sobrancelhas.

“Podemos ficar no carro até isso passar e...”

“Por favor, Samanta!” ele me interrompeu enquanto revirava os olhos. Deu a ré e fez a curva, retornando. Não pude fazer nada para impedir, mas minha expressão contrariada causava certo divertimento para ele.

Assim que chegamos ao prédio, um trovão fez com que eu desse um pulo de susto. Adam soltou uma risadinha discreta diante de minha reação. Corremos para dentro, mas mesmo assim, terminamos encharcados. O apartamento dele ficava no terceiro andar, ele me informou assim que entramos no elevador. Havíamos deixado um rastro de água pelo corredor, mas o porteiro, um senhor muito simpático, havia nos dito que não havia problema. Mesmo assim, não pude evitar o sentimento de culpa, imaginando se seria ele que teria que secar.

Comecei a tremer involuntariamente. Minhas roupas estavam completamente molhadas e o prédio tinha um sistema de refrigeração interna. Estava morrendo de frio. Adam percebeu e até fez menção de tirar sua jaqueta, mas percebeu que era inútil, já que ele também estava todo molhado.

“Entra.” ele disse assim que destrancou a porta.

Fiz o que ele pediu e observei o apartamento à minha volta. Era pequeno, mas aconchegante, e extremamente organizado. Esperava louças sujas ou roupas espalhadas pelo sofá. Estava sendo preconceituosa demais? A sala e a cozinha eram separadas por um pequeno balcão de madeira, com quatro banquinhos dispostos à sua volta. Fiquei imaginando se era ali que Adam fazia as refeições.

Havia um único sofá, que era branco e bem espaçoso. Tinha algumas almofadas jogadas sobre ele e algumas outras sobre o tapete. Havia também uma TV e um Home Theater sobre uma estante, além de dezenas de DVD's e livros. Me aproximei da estante e encarei os títulos. Eu havia lido quase todos. Realmente, nosso gosto pelo universo literário era identico. Sorri ao folhear algumas páginas de um exemplar de O Pequeno Príncipe, mas logo o coloquei no lugar.

Ali também havia vários porta-retratos. Em um deles, Adam estava mais jovem, ainda sem tatuagens ou piercings. Já havia tentado imaginá-lo daquela forma em outras ocasiões, e ele realmente fora muito bonito. Bom, ainda era. Em outra, estava Adam criança. Deveria ter seus oito anos e estava abraçado com uma moça bonita, muito parecida com ele. Exceto pelo tom de pele e a cor dos olhos. Ela tinha a pele clara e também intensos olhos verdes. Os dois estavam sorrindo. Lembrei do comentário de minha mãe: “Depois da morte da mãe ele ficou um pouco rebelde.”

Outras eram paisagens, ou pessoas desconhecidas em suas tarefas cotidianas. Soube na hora que as fotos haviam sido tiradas por ele, como uma intuição. Foi ali que pude perceber o amor de Adam por fotografia. As fotos eram incríveis. Sempre havia achado fascinante como uma câmera poderia captar um momento com tanta precisão. Uma parte do passado, ali, congelada.

Ouvi um pigarreio atrás de mim. Fiquei com medo de que ele me desse uma bronca por estar sendo bisbilhoteira. Nem havia percebido que ele havia saído dali, mas ao me entregar uma toalha limpa, uma camiseta e um short, percebi o quanto estava distraída.

“Devem ficar um pouco grandes em você, mas é melhor do que ficar toda molhada.” ele abriu um leve sorriso. “O banheiro fica ali.” ele apontou pra última porta à esquerda.

Fui para o banheiro e fiquei grata ao poder retirar aquelas roupas molhadas. Rezava pra que eu não pegasse um resfriado, mas com minha sorte, não contava muito com isso. Entrei no chuveiro e tentei relaxar, porém o barulho constante dos trovões dificultava bastante a tarefa.

Era um medo irracional, desde a infância. Meus pais haviam saído para ir ao mercado quando eu tinha sete anos. Cerca de meia-hora depois, uma forte chuva atingiu a cidade e eu estava sozinha, apavorada. Os trovões retumbavam de modo que a casa parecia estremecer. Meus pais não chegavam nunca e a luz acabou alguns minutos depois. Eu me escondi debaixo de meu edredom, encolhida e tremendo. Eles só chegaram horas depois, exaustos. E desde então, eu odiava tempestades.

As roupas de Adam me engoliram assim que as vesti. O short não ficou tão ruim. Consegui dobrá-lo nas pontas até ficar de um tamanho considerável. No entanto, a camiseta batia no meio de minhas coxas, parecendo mais um vestido curto. Fiquei constrangida e demorei mais do que deveria, tentando reunir coragem para sair dali de dentro. Olhei no espelho repetidas vezes.

Respirei fundo e assim o fiz. Assim que sai do banheiro, um cheiro delicioso invadiu-me. Fui andando calmamente e vi um pequeno varal na varanda. Fui até lá e pendurei minhas roupas e a toalha molhada. Adam olhou-me de cima a baixo antes que eu me sentasse no banco, próximo ao balcão. Não maliciosamente, pelo menos, eu achava que não.

“Gosta de ravióli?” ele perguntou pegando alguns talheres e eu fiz que sim com a cabeça. “Mas é estilo vegetariano.”

“Não me importo.” abri um pequeno sorriso, enquanto ele colocava um prato a minha frente.

Era dali que estava vindo aquele maravilhoso cheiro. Meu estômago se contorceu e nem parecia que havia comido há poucas horas. Dei a primeira garfada.

“Até que você cozinha bem.” digo tentando ser educada. Mas era verdade. Estava realmente bom.

“Obrigado.”

Achei estranha a insistência de Adam para que viéssemos para cá, mas ele tinha razão, era o abrigo mais próximo que tínhamos. Desviei meu olhar por um instante para a janela, apreciando um dos meus piores pesadelos.

“Então resolveu se mudar para cá?” tentei quebrar o gelo, voltando a olhar para ele. Aquele silêncio já estava me deixando nervosa.

"É meio óbvio, não é?" ele olhou a volta e percebi que ainda havia algumas caixas a serem abertas. Balancei a cabeça em concordância e passei a encarar novamente o prato. Adam sentou-se ao meu lado e começou a comer em silêncio.

“Quer assistir TV?” ele perguntou se levantando, assim que terminamos.

“Vai lá, eu arrumo a cozinha.” disse enquanto reunia os pratos e talheres e ia em direção à pia.

“Não precisa, Samanta.” repreendeu-me.

“Não perguntei se precisa, só disse que vou arrumar.” abri a torneira e comecei antes que ele pudesse me impedir. Ele bufou, mas estava com uma expressão de divertimento no rosto antes de se virar e se jogar no sofá.

Se me dissessem que eu estaria no apartamento de Adam, usando uma de suas camisetas e lavando louça após uma refeição partilhada eu colocaria a pessoa em um manicômio. As coisas estavam acontecendo rápido demais e eu não sabia o que pensar. Era óbvio que Adam me tirava do sério, mas não era só raiva. Era outra coisa. Mas eu não sabia explicar. Ainda não.

Suspirei ao secar minhas mãos no pano de prato. Tinha ficado tempo demais ali. Mas na verdade, estava receosa. Adiando até a hora de ter que finalmente ir para sala. Ainda não sabia como reagir a Adam e como meu humor perto dele oscilava a cada minuto, não sabia muito bem o que esperar. Odiava me sentir fora do controle e Adam sempre me fazia perdê-lo. Até que fui para sala e me sentei no tapete, cruzando as pernas.

Adam estava deitado no sofá, abraçado com uma almofada e apoiando seu rosto em outra. Ele ressonava baixinho e resolvi desligar a TV. Lembrava das recomendações de minha mãe sobre aparelhos eletrônicos ficarem desligados no meio de uma tempestade. Voltei meu olhar para Adam. Se eu ignorasse seus piercings e tatuagens, ele se pareceria exatamente com o garoto da foto. O garoto que ele fora.

Ele não tinha o corpo musculoso ou um típico físico que fazia com que as garotas perdessem o fôlego. Mas havia algo nele que chamava atenção. Seu corpo era esguio e ele era magro, mas não demais. Sua camisa estava um pouco levantada e pude ver uma tatuagem em suas costas. O que era aquilo? Um corvo?

Seus lábios estavam entreabertos e ele fazia um barulho engraçado enquanto respirava fundo. Seria um ronco? Alguns segundos depois ele se mexeu, desviei rapidamente o olhar para frente enquanto ele abriu os olhos lentamente. Ele se espreguiçou e coçou os olhos. Seu cabelo tinha se bagunçado e eu dei uma risadinha. Ele me olhou e pareceu surpreso por me ter ali.

“Tinha me esquecido que estava aqui.” ele abriu um sorriso sereno enquanto se sentava no sofá. Outro trovão. Meus olhos se fecharam e instintivamente abracei meus joelhos. “Não gosta de chuva?” ele parecia apenas curioso quando sentou-se ao meu lado.

“Só daquelas bem fininhas, sabe? Que faz um frio agradável, em que dá vontade de ficar na cama o dia inteiro.” encostei minhas costas no sofá. “Mas essas...” apontei com o queixo em direção a janela. “Nem um pouco.” os raios pareciam iluminar toda a sala e meus olhos se moviam inquietos.

“Vem cá.” Adam esticou os braços em minha direção. Apenas franzi o cenho e soltei uma risadinha sem graça quando ele me envolveu pelos ombros. Não foi tão desconfortável quanto achei que seria, pelo contrário. Tentei relaxar aos poucos, enquanto Adam movia sua mão para baixo e para cima em meu braço. Sua mão quente em contato com minha pele gélida. Sua pele era cor de cobre, enquanto a minha era clara. Ou, branca até demais, como dizia minha mãe.

Seu rosto estava próximo demais do meu e quando dei por mim estava alternando o olhar entre seus olhos e seus lábios. Ele fez o mesmo, enquanto umedecia seus lábios com a língua. Instintivamente me inclinei em sua direção e ele fez o mesmo. Sua expressão era de dúvida quando ele apoiou a mão em meu rosto e eu mesma não sabia o que estava acontecendo. Ele acariciou minha bochecha com a ponta dos dedos e seu nariz já tocava o meu, quando ouvimos o barulho de meu celular tocando. Nós dois pulamos de susto e nos afastamos repentinamente.

“Alô?”


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Notas finais do capítulo

E então? Agora que começa os paranauês -q
Um beijo, um queijo e até o próximo!
Continuo com esse dia chuvoso ou posso ir para outra cena, com a perspectiva do Adam?



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