Cartas de um Fracassado escrita por Saturno


Capítulo 2
Carta 2: O poço das qualidades


Notas iniciais do capítulo

Agradecimentos mais que especiais a Paperfriend, Nyx, myapatty, Manda Mikaelson e Guilherme. Obrigada a todos que estão acompanhando e pelo seus comentários lindos e construtivos.



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Eu lembro claramente de como a conheci. Foi em um dia chuvoso, em minha casa. Ocorria uma festa naquele sábado, estávamos comemorando as férias e o aniversário do meu irmão mais velho. Ele estava completando dezenove (19) anos.


Eu estava um pouco animado, adorava festas. Era ótimo poder conversar com pessoas bêbadas, ser um bêbado e curtir um bom som. No entanto, minha animação logo esvaziou-se ao ouvir a briga dos meus pais.

Estava cada vez mais constante as brigas entre nossa família, de algumas semanas pra cá nossa família tornou-se um inferno.

De qualquer forma, aquilo fez meu ânimo ir embora rapidamente.

No fim do dia, estávamos apenas eu e meu irmão em casa — nossos pais viajaram naquele mesmo dia —, terminando de pôr bebidas na mesa. Talvez a única coisa que tínhamos em comum era o mesmo gosto por festas.

— Você nem me desejou feliz aniversário, irmãozinho — murmurou James sorrindo.

— Feliz aniversário — desejei, com falsa empolgação.

— Anime-se. Convidei várias garotas hoje e algumas delas disseram que trariam suas primas, que estão passando alguns dias na cidade. Quem sabe alguém goste de você? Eu sei que parece impossível, mas é como dizem… A esperança é a última que morre! — disse ele, soltando uma gargalhada em seguida. Apenas revirei os olhos.

Estava acostumado com aquele tipo de alfinetada. Meu irmão era um babaca, mas ele era bom em muitas coisas e isso compensava as merdas que fazia. Na verdade, ele era bom em tudo.

Era carinhoso com sua namorada, tocava piano, fazia teatro, pintava, fazia parte do grêmio da escola, jogava tênis, jogava futebol, era bom no basquete, sabia cozinhar e… Porra! No que ele era ruim?

Eu não sou ciumento… Um pouco, talvez. Sou idiota o suficiente para admitir.

Bufei sentindo minha cabeça estourar. Estava sendo torturante.

Por mais que eu amasse festas, aquela parecia incrivelmente desagradável. O som estava tão alto que pensei já estar surdo, havia garrafas vazias por todo lado, mas nenhum sinal de bebida disponível. Eram tantas pessoas que não havia lugar para nada. Haviam roupas espelhadas pela escadaria e três casais transavam no sofá negro da mamãe.

Corri, com sufoco, para o fundo da sala, em uma parte escura, onde dois caras se agarravam. Assim que me notaram — o que demorou alguns minutos — saíram dali irritados.

Senti-me extremamente melhor quando estava no canto, sozinho, sem a luz artificial incomodando meus olhos.

Foi então que a avistei.

Ela estava no outro canto da sala e só pude notá-la pois eu estava em cima de um caixote de cervejas — não me pergunte o motivo.

Eu não lembro exatamente o que ela vestia, mas lembro que estava linda. Mas não foi sua beleza que me chamou atenção e sim seu rosto incomodado. Era perceptível o quão incomodada ela estava se sentindo, parecia deslocada e confusa.

Em um ato de impulsividade — um dos meus “melhores” defeitos —, caminhei até o outro lado novamente e a puxei pelo braço, ouvi um murmúrio de surpresa e completa confusão. Mas apenas a puxei.

Subimos as escadas e caminhamos pelo extenso corredor esquerdo, quando finalmente chegamos em uma sala de porta vermelha com manchas azuis.

Peguei uma chave em meu bolso, eu sempre andava com elas, e abri a porta rapidamente. Puxei-a para dentro e escutei-a reclamar.

Fechei a porta e sentei-me em uma das cadeiras que havia ali. Encarei-a com a maior naturalidade do mundo, acho que eu estava um pouco alterado neste dia.

— Você é o dono dessa casa? — questionou, olhando para as diversas chaves que eu segurava em minha mão.

— É, eu moro aqui — murmurei, sentindo minha dor de cabeça diminuir devido ao barulho agora nulo.

— Ah… Minha amiga disse que o dono estava de aniversário. Parabéns, eu acho… — sussurrou ela, parecia tímida.

— Meu irmão está de aniversário, não eu. Mas eu mando lembranças a ele — rebati, com um sorriso debochado no rosto. Eu gostaria de uma cerveja naquela hora.

— Você toca? — perguntou, apontando para o grande piano cor de vinho, havia as siglas J.W. nele.

— Não, é do meu irmão — observei-a cruzar os braços, tremendo de frio e olhando pelo quarto.

— E essas pinturas? Foi você quem fez? — questionou novamente, olhando curiosa por cada quadro.

Bufei.

— Meu irmão — Porquê eu não estava acostumado com isso?

— Ah… — murmurou sem graça. — Por que me trouxe aqui?

— Você faz sempre tantas perguntas? — encarei-a por um tempo, vi seu rosto ficar vermelho e suas mãos o esconderam rapidamente, eu certamente a deixei envergonhada.

— Desculpe. — pediu ela, virando-se de costas. — Sou um pouco curiosa.

Sorri, achando-a divertida.

— Então você não é perfeita — sussurrei, mal sabendo o que estava dizendo.

— Existe alguém perfeito? — peguntou ela, voltando a me encarar com aqueles enormes olhos castanhos.

— Meu irmão. Posso apresentá-lo a você, se quiser é claro que eu não faria isso.

— Recuso seu convite. Digamos que… eu me sinto atraída por mais defeitos do que qualidades — murmurou ela, sentando-se na cadeira ao meu lado, encaramos juntos o teto.

— Você só pode ser louca ou gostar de sofrer — retruquei, escutando uma gargalhada sair de seus lábios pequenos.

— É, deve ser… Ei, qual seu nome?

— Brandon… Brandon Winter, ou conhecido como poço de defeitos e o seu?

— Eu espero que isso não tenha sido uma cantada… Me chamo Lorenza — sorriu ela.

— Por que seria uma cantada?

— Ah, deixa para lá — ela voltou a gargalhar.

Conversamos sobre diversas coisas. Odiávamos artes, amávamos HQs, filmes de terror e maçã doce. Detestávamos beterraba e a cor roxa. Realmente, tínhamos muito em comum.






Bem, vô, foi assim que conheci a Lorenza. Não mantivemos contato depois daquela festa, mas, se você quiser saber mais, posso te contar na próxima carta como nos encontramos novamente.

Com carinho, seu neto (nada) querido, Brandon.


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Notas finais do capítulo

Gostaria de saber o que estão achando desse esquema das cartas, se está chato de ler ou incomoda em algo. Também peço desculpas caso eu demore a responder os comentários, creio que ficarei sem internet essa semana, mas será por poucos dias.

Comentem! Beijão e até o próximo!