A Pianista escrita por M Schinder


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Voltei!
Sim, tenho histórias para atualizar e tudo mais, mas resolvi fazer uma adaptação de uma história minha que merecia virar Original e ser conhecida por mais leitores.
Espero que todos gostem e aproveitem.

Boa leitura!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/632791/chapter/1

Quarta-feira. O dia em que minha semana realmente começava. Como qualquer outro Morgan, fui obrigada a descobrir cedo algum talento incrível para ser reconhecida por minha família e, para a surpresa e incredulidade de meus parentes, aos seis anos mostrei-me um novo gênio no piano clássico.

Foi a maior felicidade para eles, já que ninguém mais era musicista, e foi nessa mesma época que conheci minha professora, Fiorella Maschio. Uma mulher adorável e gentil, mas extremamente exigente e severa quando se tratavam de suas aulas e alunos. Respirei fundo e olhei para meu relógio, cinco para as quatro. Ela já deve estar chegando. Pensei indo para o banho.

Coloquei a roupa mais confortável que encontrei em meu armário, para que pudesse praticar tranquilamente e sem incômodos, e fui para a sala de música de minha casa, montada especialmente para mim por meu pai. Sentei-me com delicadeza no banco e comecei a tocar algumas músicas simples, como Twinkle Twinkle Little Star da Jane Taylor. Logo irei participar de minha última competição avançada, visto que começarei a apresentar-me com orquestras e sozinha, oficialmente, em breve, e venho praticando o triplo para me sair bem. Para uma garota de dezoito anos, meus objetivos são “claros como água” e sempre giraram em torno da música e do piano.

Olhei novamente para o relógio, quatro e cinco. Aquilo era realmente inabitual. Minha professora era pontual demais para aceitar atrasos, quanto mais chegar atrasada ela mesma. Respirei fundo, para não ficar preocupada e ansiosa, e voltei-me para meu instrumento favorito. Conclui que seria melhor começar a praticar o que precisava imediatamente e evitar pensar bobeiras.

Passei quase uma hora sozinha. Tempo suficiente para ensaiar as três peças escolhidas para a competição, por minha professora, e também o suficiente para eu ficar realmente preocupada com seu atraso. Quando decidi começar a me desesperar, corri para pegar meu celular e ligar para ela, duas batidas ressoaram pela minha sala de música.

– Senhorita Morgan?

Meu mordomo, Jacque Willians, entrou e acenou brevemente com a cabeça. Olhei para ele curiosa: - O que foi, Jacque?

– Seu professor está aqui.

É claro que eu notei o uso do masculino na frase e minha expressão de confusão apenas demonstrou isso. Ele chamou o alguém, que iria me dar aula ao invés de minha professora, e eu fiquei boquiaberta com quem que entrou. Alto. Cabelos negros. Olhos ainda mais negros e penetrantes. Expressão composta por uma mistura de seriedade e frieza. Uma postura impecável. E, o que mais chamou minha atenção, seus lábios bem desenhados e que se fechavam em uma linha fina e firme.

– É um prazer conhecê-la, senhorita Morgan – falou sorrindo minimamente. Um sorriso que eu não consegui decifrar e que me encheu de curiosidade e retração.

Que voz! Pensei ainda mais impressionada. Era rouca e baixa e fez meu cérebro revirar-se todo dentro de meu crânio, tamanho seu efeito anestesiante.

– O prazer é meu, senhor... – Olhei-o curiosa e desconfiada. Ainda não sabia quem era aquele homem e não deveria confiar nele, por mais que fosse encantador.

– Desculpe a minha indelicadeza e meu atraso – falou adentrando a sala e vindo direto em minha direção. Senti-me acuada. Presa entre ele e meu piano. – Sou Oscar Maschio.

– Oh. Meu. Deus – exclamei totalmente chocada. – Você é O Oscar Maschio?

Ele sorriu, sua postura relaxara e ele parecia mais tranquilo: - Bem, acho que só existe um então... É, sou eu.

Ele era, simplesmente, o mais novo maestro a tocar nas orquestras sinfônicas da Itália e da Alemanha, duas das maiores da Europa. Minha professora, em sua época de ouro, fora uma grande pianista e, graças a isso, tinha muitos contatos e conseguiu ajudar Oscar, que eu já sabia que era seu filho, a ter os melhores professores e a crescer mais rapidamente no disputado mundo musical. Fiquei animadíssima que ele estivesse ali. Era uma grande oportunidade para eu ganhar experiência e saber o que os maestros procuravam nos pianistas que eram convidados para acompanharem suas orquestras, mas ainda havia uma coisa me incomodando.

– Onde está a professora Fiorella?

– Sinto dizer que minha mãe está acamada, senhorita – explicou voltando a ficar sério. – Sua anemia retornou com muita força, já que não estava se alimentando direito e vinha exigindo muito de si mesma no trabalho, e ela vai precisar de duas semanas de descanso.

Duas semanas. Aquela frase ecoou em minha mente como se estivesse sendo pronunciada dentro de uma caverna. Esse era, justamente, o tempo que faltava para minha competição. Engoli em seco, pronta para começar a entrar em pânico, quando Oscar levantou uma sobrancelha.

– Não se preocupe, senhorita...

– Chame-me de Maisie ou Mai. Odeio o “senhorita Morgan”.

Naquele instante suas duas sobrancelhas foram arqueadas. Dei de ombros, ele, com certeza, não deveria estar acostumado com intimidades, mas eu não poderia fazer nada, aquela era uma resposta automática. Eu realmente odiava ser chamada de “Senhorita Morgan”. Minha vida já era impessoal demais, não precisava de mais isso.

– Maisie... Não precisa se preocupar. Minha mãe me mandou aqui para que suas aulas não sofressem nenhum atraso.

– Você será meu professor? – perguntei chocada.

– Que tal começarmos? – essa foi sua resposta. Curta e eficiente.

***

Eu estava ainda estava virada para as teclas quando acabei de tocar uma das músicas da lista que lhe entregara e que tocaria na apresentação, ele escolheu começar com a sonata para piano número dois de Schumann. Uma música mais ou menos agitada que tem seu ritmo aumentado conforme o tempo passa. Difícil para alguns pianistas com menos prática, mas eu conseguia tocá-la com facilidade desde muito cedo.

– Você é realmente tão boa quanto minha mãe me contou, Maisie! – comentou sorrindo surpreso. Ele parecia realmente feliz com minha habilidade.

– Obrigada, Oscar – agradeci um pouco envergonhada. – Acha que poderia tocar com você ou algum outro maestro, algum dia?

– Claro! Com todo esse talento, farei questão que toque! – respondeu ainda mais sorridente.

Estava tão satisfeita com sua resposta que não percebi o dia passar. Oscar decidiu que passaríamos o horário da aula com apenas aquela primeira música, ele achou melhor que eu a aperfeiçoasse de uma vez antes de tentar tocar as outras. Ele acreditava que dividir minha atenção entre as três músicas atrapalharia a execução de todas. Todos os dias, a partir daquela quarta, nós tocamos a música de Schumann. Ele chegava as quatro e ia embora às dez horas da noite.

No quinto dia de estudos, ele chegou um pouco mais cedo e ouviu-me tocar a mesma música que praticávamos. Nunca o tinha visto sorrir de verdade e aquele gesto fez com que eu me sentisse orgulhosa de mim mesma. Ele me deu os parabéns e avisou que eu poderia começar a segunda música com tranquilidade.

Nossa relação era realmente muito boa e pude perceber que mais parecíamos amigos do que professor e aluna. Fiquei animada, eu desenvolvera uma paixonite por meu professor e queria passar o máximo de tempo possível ao seu lado.

– Vamos começar, dessa vez, o Beethoven – anunciou satisfeito.

Concordei ansiosa e preparei-me para tocar a sonata número oito de Beethoven, Pathetique. Mesmo concentrada ao máximo, conseguia sentir sua presença e cada vez que o olhava, tinha que forçar minha vista para longe de sua figura. Ele era um grande exemplo no mundo da música com seus vinte e dois anos, para mim, e, para meu azar, sua beleza chegava a ser estonteante. Engoli em seco, tinha errado mais de três vezes a mesma parte por pura distração.

– Algum problema, Maisie? – perguntou preocupado. Ele já havia reparado: eu nunca errava a mesma coisa mais de uma vez. Eu tinha o ouvido perfeito para uma musicista, conseguia pegar qualquer música apenas ouvindo e, por isso, era muito raro que errasse duas vezes a mesma coisa.

– Não... Eu... Eu estou bem – respondi um pouco irritada comigo mesma. Detestava errar quando estava tocando. – Vamos continuar.

Ele tocou levemente em meu ombro e isso fez com que eu levantasse a cabeça para encará-lo. Ele, normalmente, não faz coisas tão íntimas assim. Pensei com muita surpresa e segurando o pouquinho de esperança que estava surgindo.

– Pode confiar em mim, Maisie. Quero te ajudar no que eu puder.

Eu agradeci, mas não dei tempo para que ele insistisse no assunto, não queria que ele ficasse tão próximo e eu gostava de resolver meus problemas sozinha. Voltei a tocar, ainda mais concentrada, Pathetique. Era uma música um tanto quanto triste e mesmo não gostando muito de músicas assim, coloquei todo o sentimento que consegui. Despedi-me de Sasuke sem olhá-lo nos olhos, naquele dia. Eu estava com vergonha da minha falta de atenção e, além disso, parecia que a cada hora que passava eu queria tanto estar com ele que, em minha mente, meus objetivos começavam a ficar nublados. Eu sabia que não teria qualquer chance, era apenas uma criança, perto dele, e minha professora me contara, há algum tempo, que ele tinha uma noiva maravilhosa e simpática.

Eu não estava conseguindo controlar minhas emoções e isso estava afetando minha música ao extremo e, frustrada e pressionada, acabei começando a evitá-lo. Essa foi uma das decisões mais estúpidas que tomei em todos meus dezoito anos, porque o que já estava ruim ficou ainda pior e minhas aulas acabaram afundando ainda mais. Passamos dois dias dentro de toda essa tensão, que eu mesma criara, e eu ainda não conseguia tocar Pathetique corretamente. Ele estava pronto para ir embora, depois de uma aula exaustiva por nenhum motivo aparente, e estava sendo guiado até porta por meu mordomo quando eu suspirei.

– Sinto muito, Beethoven. Sou uma grande vergonha como pianista – sussurrei olhando para minha partitura. Estava chateada, decepcionada e cansada, sem contar todos os sermões que meu pai me passara e que tive que aguentar calada. Eram coisas com as quais eu não estava acostumada a lidar. – Estou deixando essa vontade incontrolável de estar com ele me atrapalhar... Sehr Pathetic.

Fui deitar, naquela noite, sentindo-me extremamente deprimida. Se não conseguisse me controlar iria perder meu último campeonato com toda a certeza e entraria no mundo das apresentações mal-vista por todos os maestros com quem poderia trabalhar. Até mesmo por ele... Decidi, séria, que precisava resolver as coisas de uma vez e da maneira mais neutra o possível, afinal, as chances de ter qualquer coisa com meu professor eram nulas. Liguei meu smartphone e coloquei Pathetique para tocar. Iria aprender aquela música de qualquer jeito e a tempo de estudar a última que faltava.

Foram sete dias para conseguir ficar perfeita em Pathetique e nada de ter coragem para falar com ele. Aquela foi a semana mais estressante da minha vida como pianista, porque além da frustração de não conseguir tocar a música, meu professor começou a me evitar a qualquer custo. Ele não sentava e nem chegava perto de mim. Os poucos toques que existiam entre nós desapareceram e ele sempre ficava a alguns passos de distancia.

Aquilo estava me matando, tanto para a música quanto emocionalmente, e eu sabia que não conseguiria tocar a última música dentro daquele clima e sem resolver as coisas iria dar-me mal na competição. Olhei para ele, que estava sentado em uma cadeira ao lado do meu piano e que lia a partitura da próxima música.

–Oscar? – ele me olhou surpreso por ter sido chamado. – Podemos conversar?

– Sobre o que, Maisie?

Ele realmente parecia estar curioso e um pouco mais animado e interessado. Eu não fazia ideia do que se passava por sua cabeça e, eu sabia, nem ele o que se passava pela minha. Respirei fundo, já tinha tomado a minha decisão e aquela era a oportunidade perfeita para arrumar as coisas. Entretanto eu parecia ter uma noz entalada em minha garganta.

– Bem, hã... Eu apenas queria pedir desculpas por meu comportamento estranho desses últimos dias.

– Tudo bem, Maisie, mas pode me explicar por que agiu assim? – perguntou calmo. – Pensei que gostasse de estar perto de mim e de nossas aulas.

Engoli em seco. Fiquei imaginando se deveria ou não contar a verdade e acabei decidindo que não. Expor-me não parecia a coisa certa a fazer, ainda mais com todas as chances contra mim. Recordei-me da professora Maschio falando o quanto a noiva dele era maravilhosa e endireitei minha postura, como meu pai havia me ensinado.

– É que eu tive problemas com um garoto, sabe? Deixei que isso me desconcentrasse, por ficar pensando demais, mas agora está tudo resolvido.

Ele lançou-me um olhar magoado e, até, decepcionado, mas sacudi a cabeça de maneira discreta e voltei a concentrar-me na música. Aquele seria nosso último dia com Pathetique. Ele voltou a falar comigo, mas manteve uma distancia ainda maior entre nós. Eu estava quase voltando atrás e contando a verdade, pois minha decisão não tinha dado certo, mas ele saiu cedo, sem se despedir.

***

No dia seguinte, faltavam apenas três dias para a competição e eu acordei cedo, começando a ficar ansiosa com tudo. Passei a tarde e o começo da manhã em frente ao piano e, às quatro horas da tarde, fiquei surpresa em ver Fiorella Maschio passar pela porta. Ela sorriu feliz em me ver.

– Professora! – gritei atirando-me em seus braços. Nunca ficara tão feliz em ver alguém na minha vida.

– Como está, Mai? – questionou retribuindo o abraço.

– Estou bem, professora! – ela sorriu satisfeita. A senhora Maschio era como uma segunda mãe para mim, tantos foram os anos que passamos juntas naquela sala de música. – Como a senhora está? Melhorou completamente de sua anemia?

– Eu estou ótima! Recuperei-me mais cedo que o previsto – comentou. Ela me analisou durante alguns segundos e arqueou uma sobrancelha. Agora eu sabia onde Oscar aprendera a fazer aquilo, reparei sem conseguir evitar. – O que foi que aconteceu, hein?

– Do que está falando, professora?

– Ah! Só estranhei que na semana passada o Oscar estivesse tão feliz em lhe dar aulas e do nada ele tenha precisado sair e resolver alguns problemas – ela comentou séria. – Aconteceu algo, querida?

Neguei com a cabeça, fingindo um sorriso sincero. Nem eu sabia o que tinha acontecido, mas eu tinha certeza de uma coisa: FIorella sabia que eu estava mentindo. Ela ainda me analisou durante algum tempo, mas depois deu de ombros e guiou-me até o piano. Finalmente chegara a hora de praticar minha música favorita, a sonata para piano número dezesseis, de Schubert.

Como era a música que eu mais gostava e a primeira que eu conseguira tocar depois de apenas ouvir, toquei-a com o coração e foi muito mais fácil sem a pressão de querer impressionar o cara perfeito ou de tentar ser a melhor sempre. Éramos só eu e o piano. Logo que terminei, minha professora aplaudiu em pé e disse que eu estava perfeita. Era raro grandes elogios dela, porque ela sempre dizia o quanto as pessoas sempre podiam continuar melhorando, mas ela sempre ficava assim, alegre e orgulhosa quando eu acertava. Mesmo feliz em ter recebido suas salvas, a única coisa que eu conseguia pensar era nos sorrisinhos pequenos, mas significativos, de Oscar.

– Droga – murmurei abaixando a cabeça.

– O que foi, Mai? – perguntou Fiorella aproximando-se de mim. – Oscar te fez algo?

– Não... Eu quem não fiz o certo – admiti e duas lágrimas solitárias escorreram de meus olhos. – Professora, posso te pedir um favor?

***

Respirei fundo. Aquele frio na barriga era o mesmo de sempre. Mesmo sabendo que eu iria me sair bem, a ansiedade me dominava antes de entrar no palco. Era o dia da competição. Meu vestido creme caía bem em todos os lugares que deveria e me dava o ar de seriedade que faltava em meu rosto de criança. Respirei fundo mais uma vez, recordando-me do que pedira a minha professora.

Engoli em seco pela décima vez e me preparei quando chamaram meu nome. A primeira seria a sonata de Schumann, como na ordem em que eu treinara. Entrei no palco com uma salva de palmas e olhei pela platéia. Nada. Oscar não estava ali. Suspirei, mas mantive minha postura firme e toquei da melhor maneira que conseguia. Imagens de nossas aulas e conversas vieram misturadas a imagens de todo meu tempo treinando à minha mente e senti-me feliz conforme a música foi aumentando seu ritmo. Cheguei ao seu final de forma quase majestosa e, quando a última tecla foi tocada, o teatro caiu em silencio e, depois, uma salva de palmas ecoou pelo local. Agradeci e sai.

Éramos obrigados a esperar sozinhos, nos corredores ou nos camarins, até a segunda fase. Seria uma competição de um dia, já que os participantes foram escolhidos a dedo pelos organizadores e professores da faculdade da Academia de Música Royal, uma parte da Universidade de Londres. Lembrar-me daquilo fez-me bater o pé de maneira nervosa. E, mesmo com toda aquela tensão, eu ainda tinha esperanças que ele chegaria, precisava contar o que realmente tinha acontecido. Não demorou muito para os jurados escolherem e eu fui uma das poucas que passou para a próxima fase. Respirei fundo mais uma vez e esperei que meu nome fosse chamado.

Eu já tinha minha música definida quando subi ao palco novamente. A segunda música seria Pathetique e, quando não o encontrei na platéia novamente, quase desabei no banco triste. Toquei a música, novamente, da melhor maneira que podia, sabia que não poderia decepcionar minha família mesmo estando tão chateada. Enquanto tocava, dessa vez, apenas imagens dele voltaram a minha mente. Seu cheiro. Seu cabelo. Suas expressões. Mas, principalmente, a música a qual me apresentara nesses últimos dias. Como eu gostaria de poder ouvi-lo mais. Terminei a música calmamente e controlei minha vontade de chorar. Encontrei meus pais e minha professora na platéia, além de alguns conhecidos da faculdade, mas ele não estava ali. Sai do palco e fui direto para o camarim, precisava me acalmar e garantir que estaria bem para a próxima fase, se passasse.

As luzes do camarim estavam apagadas e eu as deixei assim. Joguei-me em uma cadeira e apoiei minha cabeça na bancada no espelho. Aquela fora minha pior execução de Beethoven e tudo por causa de um medo bobo de admitir gostar de alguém. Eu tinha certeza que tudo aquilo era culpa minha e da minha inabilidade em lidar com sentimentos quando não se tratavam de música.

Enquanto tentava me recompor, a porta foi aberta devagarzinho e a luz veio direto em minhas costas. Por um momento não consegui identificar quem era, mas aquele perfume e sua presença não me deixaram dúvidas.

– Você tocou Pathetique muito melhor nas aulas, Maisie – falou fechando a porta. – O que aconteceu com você?

– Você aconteceu comigo – respondi irritada e envergonhada.

Como sempre, sua visão me deixava tonta e uma raiva da minha própria ingenuidade surgiu. Eu era uma Morgan e sempre fui controlada e calma, não poderia deixar um simples homem mexer daquela maneira com minha sanidade. Mas saber de tudo que eu deveria fazer ou como deveria agir não ajudava nada ou mudava o que eu estava sentindo.

– Pois você também aconteceu comigo – retrucou andando a passos calmos e longos até mim. Ele esticou sua mão e, quando a segurei, ele me puxou para ficar em pé. – Desculpe por ter ido embora, apenas não conseguia mais manter a razão.

– Razão? – perguntei confusa.

Ele colocou uma de suas mãos em minha bochecha e fez um leve carinho ali. Olhei-o esperançosa e ele dirigiu-me um sorriso ansioso.

– É. Não sabia quanto tempo mais conseguiria manter-me distante de ti – afirmou sério. – E, a pior parte, era saber que você queria a mesma coisa e mesmo assim me evitava, me mantinha longe.

Olhei para ele chocada. Ele queria também, mas...

– Você não tem uma noiva? – perguntei ainda mais confusa.

– O quê? – ele devolveu surpreso. – Eu já tive uma noiva, mas terminei com ela há muito tempo. Nunca existiu nada sincero entre nós, era apenas conveniência. Eu nunca gostei tanto de alguém quanto gosto de você.

– De mim?

Meus olhos estavam arregalados e minha boca aberta, não estava esperando por aquilo. Ele afastou a mecha de cabelo que escorregara para meus olhos e curvou-se delicadamente. Minha espinha ficou completamente reta e senti uma pressa para que ele me beijasse logo. Entretanto ele depositou um beijo casto em minha testa e apontou levemente para a porta.

– Quando você voltar resolvemos isso – prometeu com um sussurro.

Segurei o suspiro contraditório e concordei. Arrumei meu vestido, que amassara um pouco com o tempo que eu ficara sentada, do melhor jeito que pude e quando sai da sala ouvi meu nome sendo chamado. Subi ao palco e ao caminhar em direção ao piano foi que percebei um lugar vago, bem no final do teatro e nas primeiras fileiras. Oscar estivera assistindo à todas as apresentações desde o início.

Respirei fundo pelo que achava ser a última vez. A terceira etapa era a mais importante e a que definiria qual seria minha colocação naquela competição. Sentei-me séria, tinha que evitar sorrir naquele momento. Senti o olhar de Oscar em minhas costas quando toquei a primeira nota.

***

A sonata número dezesseis de Schubert era, como já frisei, minha música favorita. Eu tocava-a desde que era uma criança e sempre tive um grande controle de sua técnica, mas naquela hora... Naquela hora o que valia era o momento, não o que eu sabia desde criança. No instante em que comecei a tocar, tudo parecia diferente, mais colorido e animado e minha música saiu com um tom muito mais agitado e sincero. Fiquei com vergonha por estar expressando tantos sentimentos de uma vez, mas apenas continuei tocando. Era muito bom expressar mais do que apenas reproduzir.

Quando terminei e me levantei, a platéia me aplaudia em pé e todos faziam muito mais barulho do que era permitido em um teatro com apresentações em andamento. Agradeci sorrindo, pela primeira vez naquele dia, e voltei para os bastidores.

Quando sai do teatro, com o prêmio de primeiro lugar e mais de uma proposta para diversas faculdades e conservatórios de música, encontrei Oscar, minha professora e toda a minha família. Sorri orgulhosa de mim mesma e deixei-me ser abraçada e parabenizada por todos. Oscar esperou até que minha família estivesse falando entre si e discutindo o que faríamos depois para parar em frente a mim, sua mãe soltou-me do abraço em que me mantinha e sorriu feliz.

– Ajeitem-se – sussurrou piscando.

Ela se afastou e lançou o mesmo sorriso para o filho, que apenas arqueou a sobrancelha e voltou a olhar para mim. Oscar sorriu e um brilho divertido surgiu em seus olhos.

– Meus parabéns, Maisie, você conseguiu – falou deixando apenas uns três centímetros de distância entre nós. – Agora, senhorita Morgan, será que eu poderia terminar o que começamos antes?

Eu concordei também sorrindo e ele selou nossos lábios com cuidado. A última coisa que ouvi foram comentários de surpresa e o “Meu Deus” de meu pai, que era acalmado por minha professora, depois nada mais. A única coisa que eu tinha certeza era que eu iria ter uma chance com o cara dos meus sonhos e que meu sonho de ser uma pianista estava cada vez mais próximo de ser uma realidade.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

*Sehr Patetic alemão para Muito Patético.Espero que tenham gostado e sintam-se a vontade para deixarem suas opiniões!Obrigada por terem lido e vejo-os (ou não) nos reviews.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Pianista" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.