Not Quite What It Seems escrita por Gii


Capítulo 6
VI — The final choice.


Notas iniciais do capítulo

Boa tarde pessoal, como vocês estão?
Eu estou bem, na verdade muito bem! Graças a Deus acabou as aulas da faculdade e eu tenho tempo para finalizar este capitulo. Ele realmente me deu trabalho já que eu não sabia bem como eu poderia fazer Lily tomar logo essa decisão e ir em frente. Ela tem muito medo e o medo a deixa fechada demais! Não conseguia de jeito nenhum a convencer de seguir em frente (e olha que eu sou a autora! Essa personagem me dá um trabalhão!).
O resultado foi esse, que vocês podem ler logo mais.
Eu gostaria, antes, de agradecer muito, muito mesmo os reviews que recebi! Sen or, eu não poderia ficar mais feliz! Não esperava mesmo que qualquer um ser comentasse isso aqui, por ser meio fora de padrão e com personagens de Harry Potter que muitas pessoas não curtem, mas eu me surpreendi. Vocês deram uma chance para história mesmo assim e ainda elogiaram. Eu fico muito grata! :')
Bom, chega de notas. Boa leitura!



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VI — The final choice.



“Ser alguém que não quer ser Ajudado?

Julgado?

Penado?

Parece tão complicado.”

G.N.



— Eu sei que você não queria vir comigo Lian, mas eu... — Começou Alvo, porém eu o interrompi imediatamente.

— Ah, então você percebeu e ainda insistiu para que eu viesse? — respondi sem tirar os olhos da janela do carro, propositalmente. — Que ótimo.

Eu ouvi ele respirar fundo, derrotado. Eu quase sorri, feliz por tê-lo afetado como pretendia.

— Por que você está me tratando deste jeito, Lian? Tudo o que quero é conversar com você por um momento, sabe? Sem brigas, só sermos honestos... — Ele resmungou, suspirando — Vai te matar prestar atenção só um pouco no que tenho a te dizer?

Eu o encarei a meio olho.

— Se eu dizer que sim, você vai acreditar quando eu fingir que eu te escuto?

— Lian… — Ele começou, insistindo.

— Ahh, por que você é tão irritante? Eu não quero conversar com você! Eu não quero saber o que você tem a dizer. — Retruquei, cruzando os braços e virando de costas para ele — Eu só estou dentro deste carro por causa do nosso pai e apenas por isso! 

— E por que não quer saber? Você nem ao menos sabe o que vou dizer! Nem sabe se é bom ou ruim!

— Eu sei sim e eu não quero ouvir nenhuma dessas suas baboseiras de auto ajuda e pena! Eu não sou mais nenhuma otária, ok?!

Tinha certeza! Ele iria começar com aquele papinho de querer meu bem, de me entender e me ajudar como todos os outros, mas quando eu realmente precisei, quando eu tinha decidido que eu seria Lily, ele sequer olhou para mim! Eu não queria saber de nada daquilo agora, tudo era pura merda saindo da sua boca. Mentiras atrás de mentiras.

— Você falou no feminino. — Alvo não desviou os olhos da rua.

— O que...?

— Você falou a ultima frase no feminino.

Agora que eu parara para pensar ele tinha razão, eu realmente havia falado no feminino. Que merda, eu ia me ferrar se continuasse a confundir os gêneros assim! Era eu ficar um pouco mais alterada e eu perdia a mão. Jesus, e se sai uma dessas no meio da escola?! Lilian... Se acalma!

— O-Olha, isso não importa! Só me deixe logo na escola que estou atrasado para o treino.

— É exatamente sobre isso que eu quero falar com você e você não me deixa dizer!! — ele gritou, já exaltado — Você tem que parar de ir ao treino, Lian!

— O que?! — Eu o encarei — Por quê?

Ele respirou fundo, me olhando rapidamente. Pareceu que ele percebeu que havia perdido as estribeiras. Tentou um pigarro para tentar tirar a tensão do ar, mas eu continuei a o encarar efusivamente.

— Você se quer gosta de realmente fazer isto, não precisa de um motivo. — desconversou — Aliás, por que você ainda está se forçando a ficar como um homem se a mamãe já te disse para ser o que você quiser?

— E isso te importa? — retruquei rapidamente, minha melhor resposta automática — Mas... Como você sabe disso?!! Nós conversamos ontem no meu quarto e eu não falei para ninguém…

— Seu quarto é do lado do meu. A parede é fina. — Disse sem um pingo de vergonha.

— Bisbilhoteiro… — Eu disse sem acreditar. Não existia nem um mínimo de privacidade naquela casa? — De qualquer forma, isso não é assunto seu. Cuide da sua vida, Alvo.

— É assunto de toda a família quando afeta toda a família.

O que ele queria dizer com aquilo?

— Não… Afeta apenas a mim, e a decisão é minha. E eu não pedi a sua opinião.

— Dá para você parar por um momento de ser egoísta e me tratar decentemente? Isso não se trata apenas de você! Toda nossa família está envolvida, ainda mais quando você se tornar uma mulher!

— Ahh, não. Não me diga que você está preocupado agora com as fofocas a respeito de ter um irmão...

— Pelo amor de Deus, você sabe que não é isso!! — ele revirou os olhos, completamente irritado — Que droga Lian, não dá para falar com você! Se cada tentativa minha você age assim, como eu posso tentar te ajudar?

Ele me olhou com aqueles olhos verdes, tão frustrados que eu quase fraquejei na minha repentina fúria. Quase, porque ainda consegui o encarar e dizer:

— Não se esforce, eu juro que me viro sozinho.

Com força, eu fui jogado contra o meu cinto de segurança no segundo em que Alvo pisou fundo no freio e o carro parou. Ele virou para mim, com o rosto vermelho, do modo que apenas nossa família conseguia fazer.

Meu coração gelou e eu o encarei mortalmente assustada.

— Preste bem atenção aqui Lilian! Eu não vou dizer isto duas vezes então é melhor você prestar bem atenção! Eu realmente me arrependo muito de muitas coisas que eu fiz, principalmente de não ter feito nada para te ajudar, mas não pense que só porque aconteceu isso antes, que você está sozinha no mundo agora, lutando contra ele sozinha, porque você não está! Mamãe sempre esteve com você e agora também eu! Não pense que não temos coração, que vamos largar você à sua própria conta, como se fosse um monstro rejeitado! Muito menos em um momento delicado como este! Isso é algo que você criou na sua própria cabeça! Já passou da hora de você parar de pensar que é a única que se entende e que só fazendo as coisas sozinha vai conseguir algo!! Chega dessa auto piedade, está me entendendo?!

Ele respirava forte, me olhando quase raivoso. Eu sentia, de uma forma terrível, uma pressão no peito e o ar ao nosso redor pesado. Com um bolo na garganta eu tateei a porta a procura da maçaneta.

— Eu sabia que ia dizer isso. — Por que minha voz tem que estar tremula? Como vou poder chegar nesse estado na escola? — Obrigado pela carona.

Sai do carro com um salto, imediatamente tomando conta que estava á uma quadra da escola. Passando as mãos nos olhos, limpando qualquer vestígio de lágrima, eu comecei a correr, fugindo daquele carro e daquelas palavras.

Auto piedade. Então era aquilo que ele achava? Mais uma palavra para eu guardar junto com fraca do Haymond?

Um soluço tentou sair pela minha garganta mais eu o estrangulei, de forma que só saiu um som estranho pela minha boca. Eu balancei a cabeça com força, expulsando qualquer pensamento da minha cabeça, forçando a corrida mais forte. Eu precisava me recompor, encontrar com o time, agir como um… Ah, Deus, eu vou agir como um cara de novo.

Se recomponha, Lilian. Seus problemas podem esperar. Tudo tem o seu tempo.


***

— Parabéns Lian, aquele foi um belo arremesso. — Sorriu Bryan, me dando um tapinha nas costas. — Você andou treinando sozinho?

Eu sorri sem jeito, coçando a nuca e negando. Eu havia apenas tido a sorte de ter pegado o batedor distraído.

Apesar de minha cabeça estar pronta para me lotar com todos os problemas e coisas que me aconteceram, eu havia conseguido jogar tudo aquilo para um lugar escondido da minha mente e me concentrar apenas no treinamento. Eu devia aquilo para Bryan, depois de ontem e a semana toda passada sem treinar nenhuma vez.

Focado, com a cabeça apenas naquilo, eu me sentia muito menos estressado e mais leve. O treino acabou sendo realmente produtivo, seja para o meu emocional, seja para o time. Apesar de odiar ficar suada e dolorida por correr em baixo do sol, eu gostava do modo como o exercício ocupava minha mente e jogava tudo para o fundo da minha cabeça.

Não que eu gostasse dos resultados dos excessivos exercícios: Músculos que cresciam em meus braços e pernas, não, isso verdadeiramente me deixava enjoada, mas eu havia treinado à apenas não pensar nisso. Eu havia tentado ser um homem, afinal. Homens têm músculos.

Aquilo seria algo que eu não sentiria falta quando eu voltasse a ser Lily.

Todos do time começaram a tirar suas camisas e sair do campo, indo em direção ao vestiário, anunciando o fim do treino. O capitão logo percebeu que eu não estava muito a fim de conversar a respeito de como eu havia sido brilhante no treino e logo me liberou para também ir.

Bryan, apesar de ser um ótimo capitão, não é o cara com quem eu tinha muita afinidade. Ele era um perfeito tsundere¹, então conversar com ele sem ser sobre o baseball poderia ser bem irritante. Assim, eu sempre acabo de alguma forma fugindo dele.

O engraçado é que apesar de agressivo, Bryan tenha uma aparecia bastante calma. Cabelos loiros curtos espetados, um rosto fino e ombros largos. Isso pode enganar uma garota com o coração bobeando por ai.

Eu ri, devaneando sobre como Bryan reagiria a uma declaração de uma garota, andando em direção ao vestiário, quando alguém chamou meu nome às minhas costas.

Eu virei automaticamente ao som e quase imediatamente me arrependi de ter o feito.

— Haymond.

Ele começou a acompanhar o meu passo, emparelhando comigo na caminhada e eu desanimei. Ahh, merda... Eu havia acabado de me acalmar, esquecer um pouco dos meus problemas com o treino e o esforço fisico e ele vinha já trazer tudo aquilo de volta? Eu não podia ter um pouco de paz, não?

Eu soltei o ar.

— Ahh, não faça essa cara quando me vê, assim você me magoa. — disse ele, irritantemente cutucando minhas costelas — Parece até que está vendo o pior pesadelo da sua vida.

— Antes fosse — Eu murmurei de volta, tentando apressar o passo e fugir dele.

Eu não queria falar com ele... Ou ouvir ele falar. Estava magoada pelas coisas que ele havia dito e, sinceramente, eu queria ficar irritada com ele. Não queria fazer pazes. Queria ter um motivo para o ignorar e xinga-lo mentalmente quando o visse, exatamente porque não quero admitir que ele poderia estar certo... Mas, ignorando o que eu queria, ele simplesmente aumentou o ritmo e me acompanhou com facilidade.

— Ah, isso magoa! — ele riu, fingindo ofendido — Vamos, não me trate mal, eu vim para pedir desculpas por te falado aquelas coisas para você. Você sabe que eu não queria te ofender àquela hora...

— Mas ofendeu, então pare de me encher. — Rosnei, praticamente correndo agora. Ele nem se importou que eu tivesse tentando fugir, continuou correndo atrás de mim com aquela cara lavada, como se não fosse nada de mais!

— Vai, Lian! — disse como uma criança chorona — O que eu faço para você me perdoar?

— Meu Deus! Não Haymond, você não pode fazer nada!

— Ah, não seja assim!! — Ele disse, agarrando o tecido da minha camisa e me puxando.

Por que tinha aquele estupido sorriso no rosto enquanto eu tentava empurrar ele para longe? Ele não estava levando aquilo nem um pouco a sério!! Eu dei um safanão em sua mão, correndo ainda mais, tentando deixar o mais claro possível que eu não estava brincando com aquilo.

— Você é algum tipo de criança ou o que?! Eu não quero suas desculpas e muito menos olhar para essa sua cara! — Eu continuei a correr, mas ele ainda continuava no meu encalço! — Caralho, pare de me seguir Haymond!

— Paro! Se você parar de correr!

— Se eu parar você vai continuar a me encher o saco!! — Gritei, aumentando ainda mais o ritmo e desistindo de qualquer conversa. Eu iria acabar com ele na corrida mesmo!

Entramos correndo alucinadamente pelos corredores da escola, passando voando por alguns poucos alunos que sobravam. Tentei derrubar algumas coisas pelo caminho, colocando obstáculos ou virando bruscamente e subindo escadas, mas ele continuava no meu calcanhar, sem nem parecer minimamente cansado!

Ele era um filha da mãe bem treinado, afinal.

— Para com isso Lian, não fuja de mim, eu sou tão legal! Vamos lá, me perdoe! Volte aqui e me de um abraço de conciliação!!! — exclamou em tom zombeiro.

— Meu Deus, será que alguém já te disse que você é muito chato?! — Eu gritei de volta.

— E alguém já disse que você é muito sensível para um cara? — gritou novamente, sorrindo canalha.

Eu olhei sobre os ombros, o encarando boquiaberto. Não acredito. Ele teve coragem de brincar com isso... Ele brincou com o fato de eu ser um transgênero!!

Eu abria a boca, pronto para acabar com sua raça quando sua expressão se alterou como um apagar de velas. Antes havia um sorriso e no momento seguinte estava assustado, seu olhar perdido em algo atrás de mim.

Infelizmente, eu me virei a tempo de ver o motivo daquela expressão.

Eu havia chegado ao final do corredor e tudo que havia na minha frente era uma grande escada de degraus largos.

Como eu não havia visto aquilo? Não havia como refrear ou desviar, ou mesmo descer sem capotar. Eu estava à apenas duas passadas para simplesmente rolar escada abaixo e me espatifar lá em baixo, como uma boneca de trapos.

Tentei tencionar meus músculos, me agarrar em alguma coisa, mas não havia nada por perto. Em milésimos de segundos eu já estava na ponta da escada e não havia mais nada na minha frente além das escadas.

Tudo que consegui fazer foi fechar os olhos com força enquanto esperava pelo impacto.

— LILIAN!

Um par de braços me envolveu e quando eu senti o primeiro impacto, ele foi amortecido por um corpo por baixo do meu. Eu fui jogada para o lado e rolei alguns metros antes de parar completamente encostada na parede oposta.

Eu… Não rolei pela escada?

Meu batimento cardíaco ecoava em meus ouvidos, absurdamente alto, me atordoando ainda mais.

— Lilian, você está bem? — a voz preocupada me assustou através da neblina de confusão. Eu passei os olhos pela camisa até chegar ao rosto preocupado de Hugo, que ainda me segurava em seus braços.

— Hugo…?

Os seus olhos preocupados percorreram o meu corpo e, imediatamente meu cérebro me deu um choque para eu me afastar dele. Meu peito queimou dolorosamente, seja com a adrenalina da quase queda, seja com a nova onda de raiva que era injetada em mim naquele segundo em que eu via que quem me salvara fora Hugo.

Mesmo que Haymond houvesse dito que não foi de propósito, Hugo havia contado meu segredo para ele. Um segredo que não era dele e que ele sabia muito bem o que poderia causar se alguém com um senso "extremista" descobrisse. Que se seria o mesmo que me desse em uma bandeja com molho barbecue aos cães. Eu havia, de uma forma não verbal, feito um trato com ele de que não contaria nada daquilo para nossos colegas da escola. E eu pensei que isto estava bem implícito na nossa ultima briga, quando eu disse que não seria mais Lily... Mas ele contou.

Bastou uma briga ele virar suas costas e me trair.

Eu não conseguia olhar para sua cara sem sentir o ímpeto de dar um tapa muito bem dado nela. Ele podia ter me salvado daquela queda, que provavelmente seria muito feia, mas não era o suficiente para que pudesse me refrear, ou refrear a terrivel magoa que se apoderava de mim.

Quis sair imediatamente de perto dele antes que falasse qualquer coisa, mas assim que tentei apoiar meu pé no chão eu quase chorei de dor.

Hugo imediatamente se moveu em minha direção, seus olhos preocupados percebendo que eu estava segurando meu tornozelo com força, quase a beira das lagrimas.

— Lian!! — Chamou Haymond, finalmente se aproximando — Meu Deus, você está bem?! Eu quase vi você rolando aquela escada...!

— Eu estou bem...

— Não está não! — interrompeu Hugo, pegando minha perna, empurrando minhas mãos gentilmente para observar o avermelhado que já começava a se formar no meu tornozelo direito — Você deve ter torcido quando eu te empurrei para o lado... Fui muito brusco, está inchando já. Você precisa ir para enfermaria agora mesmo!

Ele começou a passar o braço pelas minhas costas como se para me ajudar a levantar e eu senti minha espinha toda gelar. Ele queria me levar para a enfermaria?

— Não! — gritei, saindo das suas mãos e me afastando do jeito que eu pude. Eu não queria ir a lugar nenhum com ele!!

Aqueles malditos olhos verdes olharam para dentro dos meus e eu senti que ia morrer enquanto ele tentava me ler. Eu sabia que ele podia ver a raiva lutando em conjunto com a magoa para tentar derrubar aquele amor que eu sentia por ele. E, porra, eu não quero que ele veja nada disso! Eu quero ele bem longe de mim, quero dar o gelo nele e que ele se exploda com toda aquela cabeleira ruiva.

Eu desviei os olhos, irritada por ter deixado ele ver, pelo menos um pouco, o que eu sentia. Tentei me levantar por conta própria, querendo fugir, mas foi impossível. Eu realmente tinha feito algo com meu tornozelo, que porcaria!!

— Venha aqui, para de ser teimoso. — disse Haymond passando meu braço pelos seus ombros e eu olhei atônito — Se você torceu mesmo, tem que ir para enfermaria de qualquer jeito. Eu te ajudo.

Vi que o olhar que Haymond me mandou enquanto tentava me ajudar a andar. Era como se tivesse entendido que queria ficar longe de Hugo. Eu quase o abracei ali mesmo, mais do que feliz de tê-lo ali como escape!

— Obrigado. — A emoção devia estar palpável na minha voz, porque ele me olhou estranho.

Eu tentei andar o mais rápido que pude, deixando para trás Hugo. Ele não me chamou ou eu olhei para trás para ver como ele havia reagido a minha rejeição, apenas continuei pulando para longe dele até o fim do corredor.

— Você está fazendo besteira, sabe. — Disse Haymond quando nos afastamos o suficiente. Por que eu não estava surpresa por ele saber o motivo de toda aquela cena?

— Ainda bem que não é da sua conta. — Eu respondi, ligeiramente dura. Estava feliz que ele tinha me ajudado, mas não era para tanto... Eu não precisava de um conselho agora. Não com toda aquela raiva e magoa borbulhando em mim, pelo menos.

— Ele não falou de propósito, Lian...

— Mas ainda sim falou. — disse, irritada por ele insistir no assunto — Quando você mata alguém sem querer é ainda é um homicídio, não é? Então, estou considerando do mesmo modo.

Haymond não disse mais nada o caminho todo, visivelmente contra o que eu disse. Quando finalmente chegamos a enfermaria, assim que abrimos a porta, todos que estavam ali imediatamente olharam para nós... Não sei se foi pelo grito estrangulado que eu soltei depois de quase morrer de dor ou pelo fato de Haymond ser muito popular entre as garotas.

Eu quis apostar na ultima opção, tentando ainda ter um pouco de dignidade.

— O que aconteceu com ele? — Perguntou a enfermeira, abandonando uma garota e correndo para me amparar junto de Haymond.

— Ele torceu o tornozelo no treino — mentiu.

Eu o olhei atônito por um segundo, antes de concordar. Haymond era esperto, eu nem tinha pensado naquilo. Correr pelos corredores era considerado uma infração grave, mesmo para alguém machucado. Mentir era a melhor opção nesse caso.

— Coloque ele aqui em cima — Ela pediu antes de me colocarem em uma das macas — Onde exatamente dói? — Perguntou.

— O tornozelo direito.

Depois de eu responder uma dúzia de perguntas que a senhora de coque imaculado fazia, mexido o pé de diversas formas e gritado de dor, ela finalmente me fez segurar um grande saco de gelo sobre a torção e se afastou.

— Você tem algum responsável que pode entrar em contato? — ela perguntou por fim, se encaminhando para a pequena mesa que havia na sala.

— Sim, meu pai…

— Vou pedir para a coordenação ligar para ele te buscar. Você precisa ir para o hospital para tirar um raio x e fazer outros exames.

— Espera, um raio X? — perguntou Haymond tão surpreso quanto eu.

— Eu só torci um pouco, nem foi algo de mais…

— Você se chama Lian, certo? — Eu concordei — Olha Lian, eu sei que pode parecer pouco, pelo que disse você só caiu de mau jeito, mas eu mal posso tocar no seu tornozelo sem você resmungar. Não dá para afirmar com certeza sem um raio x, mas há uma grande possibilidade de ser algo mais grave que uma torção.

Algo mais grave?! Ela queria dizer que eu podia ter quebrado a perna?

— Mas os jogos estão perto! Eu não posso ter quebrado a perna em um momento desse! — Eu retruquei, desesperada.

Ela me mandou um olhar duro, já se afastando em direção ao telefone.

— Não há nada a ser feito. Tivesse tomado mais cuidado enquanto corria. — finalizou antes de ter sua total atenção na moça da coordenação do outro lado da linha

Autch.

Até Haymond fez uma careta para aquela. De certa forma ela estava certa, não tinha nada a ver com ela aquilo, mas eu estava completamente ferrada!! Bryan ia me matar, eu tenho certeza.

Apoiei minha cabeça latejante na maca, pensando o que seria da minha vida depois daquilo. Uma perna quebrada acabaria com todos os planos para a temporada!

Não demorou para que meu pai viesse e nós quase voássemos para o hospital. Harry não pareceu tão alarmado por ter de me levar no hospital, torcer o pé não devia ser nada comparado com o que ele via no trabalho, mas ele correu mesmo assim. Talvez ele quisesse demonstrar o quanto se importava por me ver machucada? Eu não sabia dizer.

O senhor grisalho entrou na sala com a folha de raio x nas mãos, mal olhando para nós. Depois de algum tempo na espera e mais alguns depois do Raio X, finalmente eu via a cara do médico e ele não parecia muito interessado na minha situação. Aquilo poderia ser mais motivador?

Eu estava sentado na maca, enquanto Harry se encaminhou até perto da mesa onde o Doutor colocava a folha na caixa de luz para poder ver a fratura.

Imediatamente ossos brancos contrastaram com o papel negro. Eu não sabia muito sobre anatomia, mas olhando de longe, não parecia que havia algo fora do lugar.

O senhor apontou para um ponto especifico no tornozelo, preguiçosamente.

— Como você pode ver não, quebrou nem trincou o osso, mas dá para notar nesta região que houve sim uma luxação. Parece que os ligamentos se estiraram, mas não houve ruptura.

— Isso quer dizer que não foi nada de grave, então. — disse meu pai, se inclinando para ver melhor o raio x.

O Doutor ajeitou os óculos na ponte do nariz.

— De certa forma sim, mas como eu disse houve uma entorse. A perna precisará ficar imobilizada por ao menos vinte dias para poder...

— VINTE DIAS?? — O interrompi e Harry imediatamente me olhou feio.

— Lian…

— Mas eu não posso ficar vinte dias parado! O capitão vai me matar se eu não jogar.

— Você faz parte de algum time? — perguntou o Doutor, sem parecer afetado pela minha intromissão na sua fala.

— Beisebol — Respondeu meu pai, ainda me censurando com os olhos. — O time da escola de Hogwarts.

O Doutor pareceu reconhecer, mas não deu algum sinal positivo sobre a situação. Sua expressão tranquila e tediosa só serviu para me deixar ainda mais irritada, e olha que eu já estava impaciente porque ele parecia pouco se foder para a minha situação!

— Não há nada mais que possa ser feito, doutor? Eu vou ter que ficar com a perna com uma tala por vinte dias??

O senhor olhou para mim, rindo.

— Foi algo grave, não um arranhão, Lian. Não é como se eu pudesse te dar alguma poção mágica para acelerar a cura. Se você forçar a sua perna pode piorar e até afetar algum nervo, então você terá que se manter sim em repouso se quiser se recuperar da lesão. Agora, eu vou encaminhar vocês para a enfermaria para ela colocar a tala e já marcar o retorno para poder ver como está indo. Com licença.

Meu pai assentiu, respondendo ao Doutor, para em seguida me mandando um olhar para eu calar a minha boca, e eu apenas a baixei a cabeça, ficando na minha. Aquela era a segunda que eu levava por insistir.

De cadeira de rodas, eu saio junto do meu pai pelas portas do hospital, meia hora depois. Devia estar estampado na minha cara que eu estava realmente irritada de ter que andar daquele modo, já que meu pai assim que nos afastamos do hospital disse:

— Por que você está tão nervosa? São vinte dias em casa, deitada, sem fazer nada o dia todo. Não tem porque você ficar bufando que nem um touro, desse jeito.

— Como assim por que, pai?! Eu vou perder todos os treinos do time e ainda o jogo principal da temporada! Fora que o capitão vai me matar, eu tenho certeza! Capaz de ele me expulsar do time!

— Foi uma fatalidade, não tem porque ele querer isso Lily. Você está dramatizando demais a coisa toda. — ele concluiu, quando já chegávamos no carro — Ainda mais se aconteceu enquanto você treinava, aí sim é que não tem motivos mesmo.

Puta que…

Bryan viu quando eu saí do campo, eu estava conversando com ele antes de ir embora. Ele me viu sair ileso, andando com duas pernas, sem um arranhão no final do treino. Que merda eu ia falar para ele? Ele sabia que eu não tinha me machucado porcaria nenhuma no treino!

Nossa, eu estava mais ferrada do que eu pensava! Onde estava o Haymond quando se precisa dele? Tenho certeza que ele saberia o que dizer, aquele tapeador de girico. Aliás, por culpa desse cara que eu estou aqui, se ele não tivesse corrido atrás de mim, eu estaria muito bem e nem nenhum desses problemas. Ele definitivamente está me devendo uma agora!

— Mas, de qualquer forma, não importa se você for expulsa, certo? — Perguntou meu pai de repente, me tirando dos devaneios. Eu franzi o cenho, confusa com a afirmação. — Você vai sair de qualquer forma. Só te pouparia tempo.

— Eu não tenho motivos para sair do time. Por que raios todo mundo está falando isso para mim hoje? — A afirmação me ofendeu. Agora era meu próprio pai estava falando sobre eu sair do time! Já não bastou Alvo mais cedo…

Meu pai parou de empurrar a cadeira, parando ao lado do carro. Ele parou na minha frente, me encarando desdenhosamente.

— Pelo motivo óbvio, Lily: O time não aceita mulheres. Você não pode continuar depois que mudar de sexo. Nada mais vai ser do jeito que é agora.

Eu demorei alguns segundos para assimilar o que ele havia me dito. E na verdade foi como se eu tomasse um grande tapa na cara. A petulância que eu geralmente destilava nesses momentos, foi engolida junto com a minha bile e eu fiquei a encara-lo, atônita.

Eu sabia disso. Eu sabia que quando eu finalmente pudesse ser eu mesma, eu teria que abrir mão do time e dos meus colegas, mas… A decisão estava tão perto assim? O momento para eu mudar já havia chegado e agora eu tinha que abandonar tudo?

Por todo o tempo em que estava me forçando a ser homem, eu desejei arduamente ser mulher e repudiei cada segundo, mas agora havia chegado tão rápido… Eu sequer pude me despedir deles antes que eles...

Meus olhos se enchiam de lágrimas enquanto eu ainda encarava meu pai.

É. Havia chegado mesmo.

— Ei, por que está chorando? Calma, Lily, eu não queria te magoar, não chora, você sabe como eu fico com lágrimas…

— Pai — O interrompi — É estranho dizer que vou sentir saudade de desta parte do Lian?

Sentiria saudade das preciosas amizades que eu havia criado. Do respeito. De ser apenas um estudante normal da escola de Hogwarts. Apenas outro rosto que as pessoas passar reto, como se não houvesse nada de errado.

— Não, Lily. Não é.

Mas perder tudo aquilo era um preço pequeno para ser livre.

 

¹ Tsundere (ツンデレ) é um termo japonês para uma pessoa com uma atitude agressiva com os todos, mas que, no fundo, mostra-se ser amigável.


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Notas finais do capítulo

Esse final deixou o meu coração dolorido! Eu sei que o desejo de ter um corpo de mulher deve a estar a esmagando, mas há algumas coisas que pesam quando você está prestes a decidir se vai realmente fazer isto. Afinal, ela já passou por isso, sabe as consequencias, está enfrentando o medo que a fez voltar atrás na sua decisão e ficar como homem mesmo... Isso é uma grande coisa!
Se vocês estivessem no lugar dela, também pesariam sobre seus amigos e sobre suas conquistas ou estariam nem ligando, iriam mudar de sexo no mesmo segundo sem considerar nada?
Obrigada por lerem!! ;)



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