Not Quite What It Seems escrita por Gii


Capítulo 5
V — The Start to the Summit


Notas iniciais do capítulo

Boa tarde pessoal!

Bom, o que eu posso falar sobre esse capitulo...? Acho que o principal é que aqui começa a ser explorado um pouco mais o relacionamento de Lian com os irmãos e que talvez esse seja o ultimo capitulo antes de realmente partir para o assunto principal da fanfic. Lian precisa decidir se vai enfrentar seus medos se tornar uma garota e acredito que após tudo o que ele passar neste dia vai ajudar em sua decisão... Não que o futuro será facil.
Boa leitura!



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V — The Start to the Summit

— LIAN POTTER É MELHOR VOCÊ COLOCAR ESSA MALDITA CABEÇA RUIVA NO TREINO ANTES QUE EU VÁ ATÉ AI E QUEBRE A SUA CARA! — Gritou Bryan com o rosto tão vermelho quanto um pimentão enquanto os outros membros do time riam.

Haymond me ajudou a levantar do gramado, onde pela terceira vez eu trombara com ele e nos derrubara no chão.

— Está tudo bem com você? — Perguntou ele e eu concordei rapidamente já limpando a grama de minhas roupas. Minha resposta não pareceu o suficiente já que ele continua a me encarar de lado.

Haymond tinha cabelos pretos e um porte um pouco mais alto e definido, mas os olhos verdes dele sempre me faziam lembrar de Hugo. Apesar de ser um cara legal, não era exatamente o que eu gostaria de ver no momento…

— Eu estou bem, sério! Acho que uma semana parado não foi uma boa coisa para o meu físico. — Disse a primeira desculpa que me passou pela cabeça e pareceu colar já que Haymond balançou a cabeça em seguida.

— O’Larry está fazendo questão de pegar pesado com você. Está preocupado com os jogos da semana que vem. — Eu balancei a cabeça concordando. Eu já imaginava que fosse aquilo mesmo, Bryan era o tipo capitão de time mais preocupado do que o treinador e que adorava encher nosso saco sobre o treinamento.

— Eu só preciso ir um pouco mais devagar por enquanto— respondi, já voltando a andar pelo campo — Logo eu volto no ritmo.

Por algum motivo aquilo fez Haymond parar no lugar e ficar me olhando por um tempo, como se considerasse o que eu acabara de dizer, então correu em minha direção bruscamente, socando seu par de luvas nas minhas mãos.

— Segure isso, eu tive uma ideia. Faça uma careta e segure a barriga.

— O que… Haymond!! — Chamei, mas ele já havia saído correndo, atravessando o campo em direção à Bryan.

Confuso, eu acabei sem conseguir escutar o que Haymond começou a discutir com Bryan no meio do campo. Apesar de não entender onde Haymond queria levar fazendo isto, quando Bryan olhou para mim, eu me apressei a fazer o que ele havia me dito e cruzei meus braços sobre a barriga, fazendo careta.

Aquilo pareceu calar a boca do capitão e fazer um gesto largo com os braços antes de quase imediatamente Haymond voltar correndo na minha direção.

— Vamos lá — Disse ele passando meu braço sobre seu ombro e me arrastando pelo gramado como se eu fosse um invalido.

Eu fiquei olhando confuso para ele. Por que ele tentava esconder um riso??

— Não faça essa cara, eu estou te salvando. Estamos indo para enfermaria cuidar dessa sua caganeira! — Declarou ele com um sorriso sacana e eu quase imediatamente tinha uma sincope.

— M-Mas eu não estou... passando mal! Eu só estava distraído...

— Eu sei disso, não precisa ficar nervosinho. Bryan é quem não sabe. — Ele sorriu — Vamos lá, você e eu precisamos de uma folga.

Surpreso, eu parei de lutar com ele. Ah, esse cara é maluco. Eu balancei a cabeça sozinho, sem acreditar na tramoia que ele havia feito.

— O que você disse para o capitão?

— Que se ele continuasse forçando a barra, você iria borrar todo o gramado de bosta e quem teria que limpar seria ele, já que você estaria na enfermaria.

Puta que…

Como mesmo eu fui cair na mão desse cara? Agora eu seria conhecido como o cara que provavelmente borraria o gramado durante o treino! Aposto que depois que isto passar Bryan vai pegar ainda mais pesado comigo! Bom, a merda já estava feita, eu voltar atrás não iria mudar o que ele já havia dito.

Olhei para Haymond o analisando com outros olhos agora que sabia do que ele era capas.

— Coitado do capitão.... Tem um monstro como você no time e nem tem ideia do perigo que corre.

Ele sorriu de lado, e piscou para mim.

— Não encontrei ninguém ainda que não conseguisse tapear.

Desta vez, eu não segurei o riso, cobrindo a boca com a mão, enquanto Haymond me chacoalhava, mandando eu calar a boca porque O’Larry ainda nos via. Ele se manteve me segurando com o braço em seu ombro até saímos de vista de Bryan, o que não demorou muito.

— Não acredito que você conseguiu convencer ele. — Eu comentei. Nós seguíamos lado a lado até nossos armários para tirarmos o uniforme. — Você tem noção o que ele vai fazer com a gente se descobrir?

— Relaxa, Lian! Você é muito preocupado com as coisas, tem que aprender a relaxar. Nem tudo é o fim do mundo, sabia?

O que ele queria dizer com isto?

— Eu sei relaxar, ok?

Ele sorriu de lado para mim, subindo uma sobrancelha.

— Sabe mesmo? — Ele realmente estava duvidando?? Eu confirmei com um gesto amplo com os braços — Muito bem então, me diga o que você faz para relaxar.

— É tão difícil assim acreditar? — Eu perguntei para ele e Haymond apenas deu de ombros. Eu dei um longo suspiro. É melhor nem questionar esse cara — Eu leio livros, assisto televisão, durmo…

— Isso não é relaxar, é descansar!

Eu estaquei o passo.

— É a mesma coisa! As duas coisas são sinônimas!

— Claro que não são! — Ele retrucou, já entrando nos vestiários — É por isto que você pega umas doenças cabulosas! Você não relaxa nada.

Doenças cabulosas? Desde o começo do ano a única vez que faltei por doença foi na semana passada e eu ainda inventei!! Esse cara é definitivamente louco.

— Ok então. Já que você é o sabe tudo, me diz você então. O que você faz para relaxar?

Ele havia aberto já o seu armário e mexia nas coisas dentro quando parou e se virou para mim com seu meio sorriso perturbador. Por algum motivo, eu tive a sensação de que aquele era exatamente o rumo da conversa que ele queria que eu tivesse tomado.

Eu também havia sido tapeado pelo vigarista do time??

— Muito bem então. Já que insiste, vou te mostrar o que eu faço para relaxar. — Disse Haymond enquanto retirava a camisa do uniforme. O modo como ele disse aquela frase e o fato de ele tirar a camisa no mesmo momento, me fez imediatamente corar.

Eu virei de costas, na direção do meu próprio armário, falando para mim mesmo que não era nada daquilo que eu estava pensando. Mente poluída!

Tirei a minha própria camisa rapidamente, mudando de roupa. Eu sempre fico desconfortável quando o time troca as roupas todos juntos, mas pareceu ainda pior naquele momento, com apenas nós dois e tudo silencioso.

Virei a tempo de ver Haymond fechar o próprio armário, já com sua roupa normal. Ele já tinha a mochila nas costas e me olhou esperando eu terminar de me trocar.

Engoli em seco, aliviado por vê-lo de roupas.

— Onde você está pensando em ir? — Tentei preencher o silencio constrangedor.

— Você vai ver. Vamos!

Meu colega de time saiu correndo em disparada pela porta do vestiário, me deixando para trás por um momento. Ele precisava fazer todo aquele mistério?

Meus pés agiram mais rápido que minha mente e quando realmente me dei conta, já estava em seu encalço, dando tudo do meu corpo para alcança-lo.

Notei o quanto eu consegui segurar o ritmo forte, muito diferente de alguns meses atrás. O treino duro para fazer parte do time tinha melhorado meu físico de forma que eu conseguia acompanhar Haymond com facilidade na corrida e isso me deixou nostálgico.

Eu sorri, incapaz de me conter. Correr era bom, apesar de tudo. Era como se deixasse cada célula do meu corpo se liberar e neste momento eu não estava pensando em nada e nem me preocupando com nada. Em ser ou deixar de ser. Sobre todos aqueles problemas que gritavam na minha mente o dia todo. Eu apenas corri ao lado de Haymond, deixando minha alma se liberar das preocupações e ri o mais alto que consegui.

O moreno ao meu lado ria junto comigo, tão empolgado quanto eu. Ele deu um grito alto antes de saltarmos por cima da cerca que separava o gramado da frente da escola e a rua.

A nossa corrida alucinada nos fez dar voltas pelas ruas da cidade, quase sendo atropelados por meia dúzia de carros, sem nem eu, nem Haymond refrear, quase como se fugíssemos de alguma coisa.

E sinceramente era como se eu realmente fugisse.

Depois de alguns minutos, eu percebi que apesar da boa forma, meus pulmões queimavam e eu estava sem folego. Foi neste momento que Haymond diminuiu o ritmo e parou em frente à uma longa escada de cimento, em uma parte do bairro perto de minha casa que eu não conhecia.

Nós dois respirávamos forte e eu sentia cada musculo de minhas pernas protestarem e sensações de entorpecimento se apossar delas.

— Vamos subir isso? — Perguntei sem folego e coragem. Havia muitos degraus.

— O quê? Acha que não... aguenta?

Mas era muito petulante mesmo.

— Não. Só queria saber para poder fazer você comer minha poeira!!

Eu voltei a correr, disparando pelos degraus e Haymond riu nas minhas costas, tentando me agarrar pela camisa para trapacear. Eu segurei seu braço de volta, tentando ressequira-lo e no final acabou que ambos chegamos juntos, um empurrando ao outro.

Os dois riamos sem nos conter e eu achei que eu não havia me sentindo daquela forma fazia um bom tempo. Os olhos verdes de Haymond me fizeram lembrar imediatamente de Hugo e de nós dois correndo pelo quintal dA’toca brincando da mesma forma que agora. Me lembrando daquela vez que tropecei em meus próprios pés e cai por cima dele… Onde os braços de Hugo me pegaram no ar e ele caiu de costas na grama comigo por cima. Os risos continuaram por algum tempo até que eu, a pequena Lily, e o pequeno Hugo ficaram apenas a se olharem.

Escondendo a cabeça em seu pescoço e o abraçando forte, tão feliz e…

— Me diz se não é algo de outro mundo. — A voz de Haymond me tirou dos pensamentos e eu notei que ele havia se apoiado na mureta, virado em direção à rua.

Eu me aproximei devagar, acompanhando os olhos dele e só então entendendo sobre o que ele falava.

Do topo daquelas escadas, em direção ao horizonte, não havia nenhum prédio ou casa no caminho. Um parque cheio de arvores, um pequenino lago e o incrível céu azul me cumprimentou radiante e eu perdi o folego. Parei ao lado de Haymond, hipnotizada pela vista. A brisa acariciou meu rosto de uma forma que eu nunca havia sentido em toda a minha vida, trazendo junto o ar quente e o cheiro de flores.

O cheiro, a sensação da brisa em minha pele, a visão inacreditável de algo como um pedacinho do paraíso bem no meio daquela cidade agitada me fez parar e pensar que talvez eu nunca tivesse visto algo tão perfeito como aquele lugar.

— Uau.

Vi pelos cantos dos olhos Haymond sorrir.

— Eu sei. Eu disse a mesma coisa a primeira vez.

— Como você descobriu… isso? — Eu não pude evitar ofegar — Deus, isso é…

— Magnifico? Esplendido? Impagável?

— Perfeito. — Eu me virei para ele, sorrindo. — Não consigo acreditar que uma vista dessas está no meio dessa bagunça de cidade!

Eu voltei a encarar o horizonte, apoiando meus braços na mureta e meu queixo nas mãos. Não conseguia parar mais de apreciar aquilo. Eu nunca havia visto algo tão adorável e estava agora, esquadrilhando para detalhe. Gravar na memória algo tão lindo como aquilo, aquele céu, aquelas arvores… Era como se preenchessem meu peito dolorido, como se eu não me importasse com o fato de ainda estar sem ar por conta da corrida.

A beleza daquele lugar superava qualquer coisa.

— Eu sei… — disse ele depois de alguns momentos de silencio. Sua voz pareceu estranha, mas eu estava hipnotizada demais para me preocupar — Eu moro na rua de cima e essas escadas são uma rota alternativa pouco usada. Acho que costumava ser ponto de drogas, por isso ninguém quase vem aqui.

Me virei para ele, surpresa.

— Ponto de drogas? Um lugar como este?

— Parece que até mesmo os traficantes curtem uma vista bonita. — Fez graça.

Eu ri, dando de ombros. Quem diria.

— É realmente uma pena poucas pessoas saberem deste lugar…É tão lindo.

— Perfeito para relaxar. — Disse ele e eu ri suavemente, tendo que concordar que sua definição de relaxar era muito, muito boa.

— Da sua rua não dá para ver isto aqui? — Perguntei, curiosa se ele via aquela vista do seu quarto. Não seria perfeito acordar todo dia de manhã com aquilo na sua frente?

Ele balançou a cabeça negando.

— Há muitos outdoors por ser um lugar alto e de frente para a praça. Ao contrário daqui, a vista de lá da praça para cá não é muito animadora. Muitas propagandas de creme dental e roupa intima.

Eu ri achando graça do modo que ele fez careta na última palavra.

— Então você encontrou um grande tesouro aqui. — Eu sorri para ele antes de voltar a encarar a praça — Fico feliz por ter me mostrado. Nunca acreditaria se você tivesse apenas me contado.

Ficamos em silencio enquanto ambos ficávamos absorvidos naquela vista, “relaxando”. O som de passarinhos me chamou a atenção e quando notei que havia quase uma dúzia rondando ao redor de uma arvores de flores amarelas no começo da praça eu passei a acompanhar a brincadeiras deles.

Voavam por todos os lados, um perseguindo o outro, planando e rodopiando no ar, completamente livres. Sem preocupações além de comer e voar, sem pressão, sem objetivos. Apenas vivendo livres, sentindo o vento das suas asas.

Eu gostaria de ser um deles. Será que eu poderia trocar de lugar? Fazer um acordo com alguém e virar apenas um pássaro voando por lugares lindos como aquele, sem pretensões, sem responsabilidade nem nada?

Aquilo soava como o paraíso para mim.

O tempo passou mais rapidamente do que eu realmente pude notar e logo, eu e Haymond não apreciávamos apenas o horizonte e sim, um pôr do sol alaranjado.

Ele se espreguiçou ao meu lado, estalando as costas depois de tanto tempo sem falarmos anda.

— Bom, acho que é isto. — Disse ele me chamando a atenção — E então?

— Então o que? — Eu o olhei confusa.

— Conseguiu relaxar da briga agora?

— Ah... Sim, ver esse lugar realmente… — Eu parei no meio da frase para o encarar. — Espera, eu não falei que havia brigado com alguém.

Ele sorriu sem graça, coçando a cabeça.

— Não foi difícil de escutar os berros de Becky quando ela passou em frente ao vestiário mais cedo. — Se justificou sem parecer realmente envergonhado por saber isso — Eu poderia até dizer que a sua distração de mais cedo é culpa dela, mas está obvio que você não se importa o suficiente com Becky para pouco se lixar para um treino do time como fez hoje…

O que ele queria dizer com isso?

— Ao contrário do seu primo Hugo...

Ouvir o nome de Hugo foi como um choque e sua conclusão rápida de que o meu problema de atenção no treino não era culpa da Becky me deixou sem armas. Apesar das gracinhas constantes, Haymond era aquele tipo de cara observador. Era claro que ele teria visto o comportamento estranho de hoje.

Dei um grande suspiro incapaz de esconder qualquer coisa.

— Está tão obvio assim? — Perguntei baixinho, me virando de costas para ele novamente.

— Não. — Ele riu — Foi algo que eu notei. Hugo de uma hora para outra começou a evitar o time, bem na semana em que você ficou doente. Parecia ansioso o tempo todo enquanto estava o time todo junto com ele. O’Larry tentou insistir em fazer ele sentar conosco no almoço, mas depois da quinta-feira com outra negativa, desistiu. Pensamos que talvez quando você voltasse, ele voltaria também. Mas parece que ele está pior do que quando você não estava aqui.

— É... Parece que desta vez eu consegui mesmo afastar ele. — Eu disse sem vontade e Haymond ficou em silencio por um momento, colocando as mãos no bolso da calça.

— Você se importa se eu fizer uma pergunta para você?

Eu dei de ombros.

— Por que você nunca aceita os doces do Barry, no almoço?

Franzi o cenho. Que tipo de pergunta era aquela?

— Eu só não gosto de doces.

— Quando vai pegar comida no refeitório sempre para em frente à mesa de doces, olha cada um antes de sair andando sem pegar nada. Você gosta sim de doces.

Ele tinha reparado naquilo?? Senti o sangue ir subindo cada vez mais rápido para o meu rosto surpreso que era encarado pelos olhos verdes de Haymond.

Era claro que eu gostava de doces. Eu sempre amei doces de todos os tipos desde muito pequena e, principalmente na época que fui plenamente Lily Potter. E era exatamente por isto que eu não aceitava os doces. Me lembrava demais eu mesma.

A pontada no peito doeu e eu devo ter feito uma careta, porque os olhos de Haymond se estreitaram em sua análise. Ok. Agora eu estava desconfortável.

— Os doces… Me lembram de coisas que eu não gostaria de lembrar.

Eu me escondi. Não quero falar sobre isso. O silencio é pesado agora e eu quero ir embora. O pôr do sol alaranjado completamente esquecido.

— Eles... Te lembram da Lilian? — Perguntou ele e meu coração disparou no peito.

Um frio abraçou meu coração ao ouvir aquele nome. Eu olhei para meu colega de time, que tinha um olhar indecifrável, me encarando. Eu gaguejei incapaz de pensar em uma maneira de ele ter descoberto aquilo.

— C-Como você pode saber deste nome? — Eu perguntei histérica — Como você pode saber de qualquer coisa sobre isto?! O único que sabe alguma é Hugo e ele nunca...

Eu parei quando vi um mínimo movimento de cabeça dele. Não. Não mesmo.

— Só para deixar claro, ele não disse nada de propósito.

Não pude evitar de meus olhos se encherem de lágrimas. Hugo havia entregado aquilo para Haymond? Aquela era a sua vingança por nossa briga? Era seu meio de fazer o Lian sofrer por humilhar sua Lily? Eu não conseguia acreditar. Não, Hugo nunca faria algo assim comigo! Não podia fazer algo assim… Era o mesmo que me jogar no meio dos lobos!

As lágrimas desabaram dos meus olhos sem conseguir ainda acreditar completamente na traição que eu acabara de sofrer.

— Você sabe de tudo. — Foi uma afirmação. Eu sorri em meio as lágrimas entendendo tudo — Foi por isso que me trouxe aqui.

O fato de ele não discordar quase me fez fugir.

— Também. Eu admito que estava muito curioso para saber se era realmente verdade ou se Hugo estava pirado. Ele estava tão descontrolado quando o encontrei no ginásio, socando o saco de pancadas que qualquer um não teria considerado nada do que ele dizia… Mas eu já tinha notado algumas coisas antes.

Ah, então eu sou uma maldita sortuda, tinha um maldito observador na minha cola o tempo todo!!

Tentei inutilmente engolir a bile que se formou em minha garganta, sentindo meu peito queimar. O que era aquilo? Ira...? Raiva? Ah, não… Era aquele sentimento que eu pensei que nunca mais sentiria. Era aquilo que vinha antes de eu ser massacrada e humilhada por alguém. Era como meu corpo me preparava para o que estava por vir.

Eu me enganei ao pensar que depois que fosse um cara eu me livraria daquilo. É claro que não pararia. Não havia como fugir. Eu estava novamente no meio da multidão furiosa que me discriminava. O preconceito sempre iria me seguir, mesmo que eu fizesse o que todos queriam e desistisse de tudo, nunca acabaria, acabaria?!

— Ei, ei, calma, eu juro, não vou contar nada para ninguém! Se eu fosse te ameaçar ou sei lá o que, você acha que eu teria tido o trabalho de te tirar do meio do treino e trazer até um lugar como esse? — Ele pigarreou — Esperava um pouco mais de confiança da sua parte, Lian.

— Eu não tenho tido experiências muito positivas sobre esse assunto para esperar outra coisa. — Fui direto. Não adiantava eu fazer floreios sobre o assunto. Era assim mesmo que era.

Haymond balançou a cabeça, parecendo entender. Ele parou por um momento, e então se virou para mim, parecendo com um pouco mais de coragem.

— Eu não quero te ofender, é só que eu nunca conheci alguém assim. Eu me sinto extremamente curioso sobre… tudo. — Ele se aproximou alguns passos e eu recuei — Eu posso ver quando você sorri, aquilo que Hugo disse. Notei como você pareceu virar outra pessoa quando viu aquilo.

Seu dedo apontou a vista do alto da escadaria e eu franzi o cenho. Eu havia sido diferente do de costume?

— Como exatamente você se sente?

A pergunta me pegou de surpresa e eu o olhei por um longo momento. Aquele cara não parecia ter nem um pingo de deboche em seu rosto, como eu esperava. Seus olhos malditamente verdes me encaravam em expectativa. Nunca alguém havia me perguntado algo como aquilo ou muito menos aceitado tão fácil fato de eu ser…

— É… É difícil explicar.

Ele sorriu brilhantemente, até um pouco demais para mim.

— Tenho muito tempo de sobra.

Isso é novo. Eu respirei fundo, puxando o máximo de ar. Será que eu estava em algum tipo de sonho? Eu devo ter trombado com alguém no campo e estar inconsciente… Era a única explicação para explicar essa situação.

Ele franziu a testa para a minha falta de resposta e eu levantei a mão pedindo calma.

— Deixe eu pensar só por um minuto, ok? Deus… — eu respirei fundo. Ele realmente queria saber, não queria? — Ok, a verdade é que eu sempre fui uma garota. Eu tinha certeza sobre isso desde sempre, mas as pessoas insistiam em dizer que eu não era. E... agora que cresci, eu vejo que fisicamente, eu realmente não sou mesmo uma. Eles estavam certos.

Um pássaro passou voando perto de nossas cabeças e eu superei por não ter sua liberdade.

— Mas de que me adianta eu saber disso, saber que eles estão certos, se aqui — eu apontei um dedo para minha temporã — nada mudou?

Haymond tirou a mão do bolso, vindo ao meu lado e se encostando na mureta da escada, de costas para a praça. Ele esperava por mais, queria que eu continuasse, eu podia ver em seus olhos. Quão estranho aquilo era? Eu nunca havia falado abertamente deste modo com ninguém.

— Então porque continua como homem? Se na sua cabeça você não é um garoto, porque está ainda assim?

— Meus pais sempre tiveram vergonha do que eu sou. Eu fui sim uma garota no passado por que eles deixaram, mas eram apenas roupas. Apenas isso, eu me fantasiando e brincando com roupas de menina, enquanto não entendia qual era o problema querer ser uma. Então eu não cheguei a realmente mudar para Lilian completamente. Mas mesmo que fosse apenas roupas, foi muito difícil quando eu voltei a ser… isso.

Meu desgosto deve ter sido muito aparente, porque o garoto na minha frente franziu o cenho fortemente.

— Imagino como deve ter sido ruim. Você deve ter passado por muita coisa.

Eu dei um suspiro, olhando para o céu que se escurecia.

— Sim, mas por causa de eu desistir de Lilian eu ganhei muitas coisas. O time, fiz amigos, descobri coisas completamente novas na escola… No final houve coisas boas também.

— Mas de que adianta se você não é você mesmo? — Ele perguntou contrariado — Você parece… Conformado. Por isso eu não consigo te entender! Por isso te trouxe aqui hoje, o que eu sei de transtorno de gênero é apenas o que li na internet, mas eu sei o suficiente para dizer que para a pessoa é quase insuportável viver assim! Como você pode dizer que está tudo bem se você é uma garota se fingindo homem? Como você consegue dormir à noite sabendo que está enganado a si mesma??

Por que ele estava gritando?!

— Porque é preciso!! Eu não estou conformada! Deus sabe o quanto eu odeio isso, mas as vezes é preciso ver também algum lado positivo!! Haymond, eu sei que pode parecer simples para você eu simplesmente virar uma garota, eu também pensava assim, mas eu vi a realidade do mundo!! Há muito preconceito, as pessoas não aceitam de maneira nenhuma, eu sempre, sempre serei atacada! Ficar como estou hoje é a coisa certa a se fazer.

— A coisa certa ou a mais fácil?

Por que ele dizia aquilo?

Por que ele se importava com qualquer uma dessas coisas??

Lava quente encheu minhas veias ao ver seus olhos me acusando de ser fraca e me esconder. Com que direito ele me julgava daquele jeito? O que ele sabia de mim para agir daquela forma ou cobrar qualquer coisa??

— Isso não é da sua conta. Cuide da sua própria vida.

Eu dei as costas para ele e desci as escadas o mais rápido que pude, finalizando daquela conversa. Ele não me chamou ou correu atrás como eu pensei que faria e aquilo só me fez correr ainda mais rápido, contornando o quarteirão e indo em direção à minha casa.

As lágrimas começaram a escorrer pelo meu rosto quando estava a poucos metros de casa, sem conseguir conter. As palavras duras dele, os olhos acusatórios, martelando em minha cabeça, gritando a verdade.

Maldito! Qual é o problema com esses caras de olhos verdes?? Por que eles têm de que jogar a verdade na minha cara? Por que não posso ficar quieta com os meus defeitos?

Se eu sou fraca? Sim, eu sou! Droga, eu sou uma maldita fraca que não consegue se manter sozinha com suas decisões. Ser uma mulher é tudo o que quero e sonho, mas como eu posso conseguir sem nada para me segurar? Haymond estava certo, eu estava fazendo porque era mais fácil assim. Fazer o que os outros querem que eu faça, o que eles acham que é o certo.

Eu bati o portão em minhas costas sem prestar a atenção de fechara direito. Torci para minha mãe não aparecer no caminho até meu quarto, eu queria ficar sozinha, sabendo que eu preciso me reconstruir. Que eu preciso pensar, preciso de algo para me segurar!

Por que meu quarto tinha que ser o último do corredor? Eu só quero a minha cama, eu preciso dela para me esconder, esconder meus defeitos, sem ninguém me alcançar. Onde eu finjo que está tudo bem.

Mas assim que eu coloco o rosto no travesseiro e começo a soluçar, eu sei que não está. Não, não está bem.

Haymond está certo e eu estou com tanto medo.

Meus pais haviam aceitado que eu fosse uma garota, mas eu estou relutando. Estou com tanto medo, estou tão amedrontada do que irá acontecer quando eu conseguir o que sempre quis. Eu não poderia mais ver meus amigos, eu sairia do time e da escola e todos terão vergonha de saber que já tiveram algo relacionado com alguém como eu e tudo isso, todos esses pontos, me pesam a mente de uma forma que eu estou dividida.

Eu odeio esse corpo! Eu odeio o fato de ser uma aberração!! Eu quero meus amigos, eu quero que me tratem como um deles! Quero ser uma garota normal, quero beijar quem eu quiser, falar sobre o que realmente me interessa! Eu quero tudo isso… mesmo sabendo que é impossível.

Eu solucei alto abafando o som naquele travesseiro. O barulho da porta abrindo não foi capaz de me fazer parar de chorar, mas o corpo que me abraçou de repente me fez pular.

— Está tudo bem, sou só eu. — Disse Alvo, sem soltar seus braços ao redor de mim. Seus braços são quentes e o fato de ele continuar a repetir que está tudo bem me faz chorar ainda mais.

Ele nunca se envolveu comigo deste modo, ver os seus olhos preocupados me aquecem o coração e me fazem chorar mais. Eu passei os braços ao redor dele, me sentindo como a caçula que precisa de atenção. E eu precisava, ao menos um pouco, me sentir amada só um pouco…

Tenho atenção dele e seus braços ao meu redor por horas, enquanto eu continuo a desabar no choro. Em algum momento eu decidi que preciso parar e com isso eu percebo que já escureceu. Meu estomago protesta de fome e eu me afasto da camisa estragada de lágrimas dele.

Alvo é apenas um ano mais velho e agora que parei de chorar eu percebo como estava estranho tudo aquilo. Por que ele estava aqui? Apesar de amar meus irmãos, nunca fomos próximos dessa forma. Não pelo menos para um consolar o outro.

— Se sente melhor? — Ele pergunta com a voz séria e eu não tenho coragem de olha-lo. Eu apenas balanço a cabeça em concordância. — Você tem certeza? Quer que busco um copo de água?

Minha língua parece grossa quando eu falo:

— N-Não. Eu… Acho que é melhor eu ir comer algo.

— Mamãe não está em casa. Eu esquento a sobra do almoço para você.

— Não precisa! E-Eu sei usar o microondas também, ok?

Ele revira os olhos azuis.

— Só aceite minha gentileza, cabeção.

Nós descemos as escadas lentamente em direção à cozinha e Alvo não deixa eu fazer nada, me obrigando a sentar na cadeira da bancada enquanto ele prepara tudo. Eu não consigo entender por que ele está agindo dessa forma, como se estivesse se importando comigo.

O fato de ele ficar parado na minha frente enquanto eu como me deixa nervoso. Sua expressão é dura e isso faz eu fique ainda mais curioso.

— Por que está fazendo isso? — A pergunta pula da minha boca antes que eu pense e ele ergue as sobrancelhas.

— Eu preciso de um motivo?

— Sim. Você nunca esquentou comida para mim antes.

Ele sorriu, parecendo notar isso só agora.

— Eu só… Cansei de tudo isso. Você é meu irmão, Lian.

Encarei meu prato, sem levantar os olhos uma única vez enquanto não cheguei ao fim da refeição. Eu tentei me controlar o máximo que pude, segurando minha ira para mim. Eu não conseguiria aguentar outra briga naquele maldito dia. Eu preciso dormir.

Agradeci a comida com um aceno de cabeça e me levantei depressa. Aquilo estava estranho, minha cabeça doía por causa do choro e eu não conseguia pensar direito. Alvo pareceu fazer questão de me acompanhar e isso me fez correr. Eu comecei a correr o máximo que eu consegui enquanto ele gritava às minhas costas para eu parar.

Assim que tranquei a porta do quarto em minhas costas, eu ouço suas mãos baterem contra a madeira.

— Lian, espera!! Me deixe entrar, abre a porta, por favor!

Não entendo, por que ele está agindo assim? Qual era aquele papo de ser meu irmão?

— Por que?! Por que você quer agora que eu abra a porta?? Vai embora, eu quero ficar sozinho!!

— Só me deixe falar com você direito! Abra a porta, por favor, eu quero te ajudar!

— POR QUE?? Desde quando você se importa? Você ou a mamãe! Ou Hugo! Por que vocês se importam agora? Não! Vocês não se importam com nada!!

Eles não se importam! Tudo o que sentem é pena! Todos eles estão apenas com pena do cara que pensa que é mulher.

Eu preciso dormir, minha cabeça vai explodir. Alvo continua gritando na minha porta mas o ignoro. Ele é um hipócrita por achar que depois de tudo isso poderia se fazer de bom moço para mim. Me ajudar? Como ele poderia?

Ele só ofereceu ajuda agora que sou um cara. Isso é tudo, ele não mudou. Se eu fosse uma garota ele ainda estaria no fundo, sem fazer nada enquanto nossos primos debocham de mim. Eu tenho certeza que não há como confiar nele, então não respondo mais a seus chamados.

Estou cansado o suficiente para adormecer assim que coloco a cabeça na cama, depois daquele dia tão longo e cheio de coisas ruins… Durmo apenas para ser despertado com o meu celular tocando de manhã, como se tivesse passado apenas alguns segundos desde que adormeci.

Não consigo abrir os olhos o suficiente para enxergar quem está ligando.

— Alô...?

— Não me diga que está com caganeira de novo, Potter! Você precisa treinar hoje!!

— Ryan? O que… Por que está me ligando?

— Espera, você estava dormindo? Você sabe que já são quase onze horas e que você perdeu todas as aulas, não sabe?

Eu sentei de supetão na minha cama, olhos estalados.

— O que?!

— Pelo amor de Deus. Eu devo ter feito algo muito errado na vida passada para ter que aguentar dorminhocos no meu time. Escuta bem Lian, é melhor você estar no campo em vinte minutos, porque senão você nem precisa aparecer mais aqui, está me ouvindo??

— S-Sim capitão, já estou indo! — Eu respondi já com metade da calça do em uma perna, pulando pelo quarto.

Joguei o celular em cima da cama enquanto corria para fora do quarto em direção ao banheiro. Dei de cara com meu pai, com o cabelo todo despenteado, pijama e uma xicara nas mãos.

— Você não devia estar na escola? — Ele franziu o cenho para mim e eu o contornei com rapidez.

— É, eu já sei! Estou atrasado! — Bati a porta do banheiro deixando ele resmungando alguma coisa enquanto escovava os dentes e tentava arrumar o cabelo ao mesmo tempo.

Havia grandes olheiras embaixo dos meus olhos, mas isso não era algo que eu tivesse tempo de esconder. Lavei o rosto com pressa antes de sair do banheiro pensando onde merdas eu tinha deixado a camisa extra do time.

Alvo estava parado na porta do meu quarto quando voltei.

— Aqui — ele estendeu a mão com a camisa que eu procurava — Vista logo, eu vou te dou carona com o meu carro para a escola.

Eu peguei a camisa das suas mãos estendidas, sem conseguir olhar por muito tempo para o seu rosto.

— Não preciso de carona, eu prefiro ir correndo.

— Para com isso Lils, são mais de vinte quadras, eu te levo. Eu estou indo para o encontro do clube de artes de qualquer forma.

— Eu acho melhor não…

— Por que essa manha, Lian? — A voz grossa do meu pai me fez pular e eu tive que virar completamente para encontra-lo no fim do corredor — Você não disse que está atrasado? Andem logo vocês dois.

A mão do meu irmão me deu um tapinha nas minhas costas e eu respirei fundo sem ter como fugir. Tirei a camisa rapidamente e coloquei a do time antes de eu acompanhar meu irmão até o seu carro.

Depois de tudo aquilo de ontem, eu teria que ir no carro com Alvo?? Ah, ele com certeza ia começar aquela conversa que queria ter ontem. O que eu faço, tudo o que eu menos queria nesse momento acaba de acontecer e eu mal acordei! Fora o fato de eu estar indo para o treino e ter que enfrentar Haymond novamente. Eu não quero ver ele ou falar com Alvo. Havia como eu apenas fugir disso tudo?

Parece que a cada dia estou mais perto do fim dos tempos.


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Notas finais do capítulo

Após esse capitulo eu tenho a impressão de que Lian se tornou ligeiramente enlouquecido. Ficar sozinho pode trazer este tipo de sensação? Conversar com as pessoas faz com que você coloque as ideias no lugar e Haymond veio para a história para isto. O próximo passo, porém, vai depender totalmente de Lian.

Vocês acham que é realmente uma decisão dificil ele se tornar mulher ou ele está apenas fazendo uma tempestade atoa?



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