Not Quite What It Seems escrita por Gii


Capítulo 4
IV — Before


Notas iniciais do capítulo

Olá leitores, tudo bem??
Então, queria agradecer o retorno que estou tendo nos reviews e as visualizações altas! Obrigada de coração por isso, eu tenho me esforçado muito todos os dias, tentando fazer sentido à essa história!
Esse capitulo, na verdade, é um intruso. Eu o escrevi no meio dos outros, como um "extra" para o final, mas fiquei tão feliz com o resultado que quero postar agora.
Isso aí, a história é minha, não é? Coloco o capitulo onde eu quiser então!
Desculpe a demora, eu fiquei dias escrevendo ele e queria mesmo postar, então acabei demorando.
Se encontrarem erros, por favor, me avisem, ok?
Boa leitura!!



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IV — Before

Ginevra Molly Potter

Havia como não ter medo do que estava por vir?

O pequeno Lian berrou na minha frente, com lágrimas nos olhos e batendo os pés. Ele queria a boneca que estava na prateleira da loja e parecia que não iria parar de chorar ou se mover enquanto não a conseguisse.

Ele já tinha idade suficiente para entender as coisas, entender que aquilo não era coisa de um garoto querer e que o escândalo que fazia só chamaria mais atenção das pessoas que passavam ao redor, mas ainda não parou.

Harry, apesar de tentar o acalmar com palavras conciliadoras já estava perdendo a paciência. Como pai, ele se sentia inconformado (apesar de nunca ter dito claramente) com o comportamento de nosso filho. Eu mesma não podia dizer que não estava preocupada com o rumo que as coisas estavam tomando.

Abaixando na frente de Lian, o acalmei o suficiente para que ele pudesse me ouvir.

— Calma filho. Vamos, ouça a mamãe, pare de chorar... Diga qual brinquedo você quer para o seu aniversário? Vamos diga...

Fungando e esfregando os olhinhos ele esticou seu bracinho em direção à uma grande boneca loira, quase do seu tamanho em que podia trocar as roupas.

Harry se abaixou ao meu lado, com um robô nas mãos, apertando os diversos botões que faziam barulhos e sons, tentando convence-lo de levar aquele, mas isso só fez Lian chorar ainda mais.

Eu olhei para o meu marido, que exibia aquela pequena ruga entre os olhos, e eu comprimi os lábios. Ele pareceu concordar comigo sem nem ao menos eu ter dito uma palavra.

Bastou eu pegar um exemplar da boneca para que o nosso pequeno Lian imediatamente parar de chorar. Ele não desgrudava os olhos do brinquedo, como se fosse a melhor coisa que havia visto.

Em casa, ele não largou a boneca por nenhum segundo e todos os brinquedos que havia no seu quarto pareciam ter sido deixados completamente de lado.

Aquela não foi a primeira vez que algo como isto acontecia, mas havíamos levado tudo como uma fase até o momento. Até aquele momento.

— Mamãe, quando eu crescer eu posso usar vestidos assim como você? — ele perguntou quando desci as escadas com o vestido que usaria no casamento de Teddy, o afilhado de Harry.

— Claro que não, Lian, você é homem! — Respondeu seu irmão James, de prontidão — Quando você crescer vai usar terno que nem eu e o papai!

Lian fechou a cara, fazendo caretas para o irmão mais velho.

— Não vou não! Quero ser tão bonita quanto à mamãe!

Minha garganta se apertou e eu me apressei a terminar o assunto antes de Alvo acabasse falando alguma coisa que magoasse Lian.

Discordar de Lian quando ele dizia coisas como aquelas ou dizer que ele não podia fazer pois era coisa de menina, o afetavam cada vez mais e eu havia decidido que a melhor maneira de encarar aquela situação era tentar não enfrenta-lo, mesmo que isto estivesse a cada dia me deixando mais e mais preocupada.

Porém, nem todas as vezes foi possível protege-lo das pessoas que não aceitavam o seu comportamento.

— Seu moleque atrevido! Você não tem vergonha na cara de se comportar assim na frente de toda a sua família? Não sabe a humilhação que está nos fazendo passar?

— Tia Petúnia… — Harry tentou a conter, mas a senhora ossuda deu um safanão nele, prosseguindo à repreender nosso filho.

— De maneira nenhuma vamos sair com você vestido desse jeito ridículo! Já passou da hora de você superar essa fase! Vamos, Ginevra, ensine modos ao seu filho! Que tipo de mãe é esta que não consegue colocar esse moleque na linha?

Eu estava pronta para dar uma resposta afiada quando o rostinho retorcido Lian, tentando segurar o choro, me deteve. Se contorcendo e querendo ser forte.

Olhei duramente para Harry, que pareceu entender que eu queria que ele resolvesse aquilo enquanto eu pegava meu filho nos braços e o levava pra longe daquela tempestade de ofensas.

Eu poderia brigar com Petúnia outra hora, mas naquele momento havia coisas mais importantes do que colocar aquela mulher no seu lugar.

Lian começou um choro tão profundo assim que saímos do cômodo que doeu no meu próprio coração ouvir. Parecia que ele havia sido atacado brutalmente e o seu choro foi tão dolorido, tão triste que tudo que eu conseguia fazer era o abraçar com força, dizendo que estava tudo bem.

— Eu sou uma menina, mamãe — chorou ele em meu colo, aos berros — Fala pra ela, fala mamãe! Ela está errada! Eu sou uma menina...

Aquela foi a primeira vez que ele disse claramente aquelas palavras e o seus soluços tão fortes reforçaram aquilo de uma forma que eu não conseguia arranjar palavras ou força para contestar.

Naquele momento eu finalmente parei de me enganar. Eu e Harry precisávamos fazer alguma coisa, aquilo não havia como ser apenas uma fase.

O psicólogo parou na minha frente, assim que Lian passou correndo por entre minhas pernas e correu até o local onde havia alguns brinquedos. Ele sabia que antes de irmos embora eu iria conversar com o médico, então não insistiu para me apressar.

O doutor remexeu as mãos, visivelmente nervoso enquanto eu observava meu pequeno Lian com seus três aninhos brincando com objetos na sala.

— Por favor, Doutor, não diga que você não tem ideia do que é, assim como os últimos cinco psicólogos que passei.

— Pelo contrário Sra. Potter. Eu tenho certeza o que o seu filho tem.

Imediatamente ele obteve toda a minha atenção e eu quase agarrei sua manga do jaleco branco.

— O que?? Você sabe?

— Sei, apesar de ser um caso raro e pouco estudado. É chamado de síndrome de transtorno de gênero. Está bem claro que não é algo que o seu filho escolheu. Durante a consulta ele adotou o tempo inteiro atitudes do gênero feminino e até mesmo quando perguntei o que ele acredita que é, a resposta foi como à de uma garota. Mas o que realmente me fez ter certeza foi quando perguntei o seu futuro.

Eu percebi que minha garganta estava seca e eu mal respirava.

— O que ele respondeu Doutor?

O homem deu um longo suspiro.

— Que quer ser igual a você, Sra. Potter. Uma jornalista de sucesso. Ainda fez questão de frisar sobre os vestidos e roupas que usaria. Sei que vai ser duro o caminho a partir de agora, mas você precisa ser forte para lidar com isso. O seu filho é um transgênero.

Meu coração bateu em meus ouvidos.

— Transgênero?

Eu estava sentada na nossa cama, cobrindo o rosto com as mãos, chorando como a muito tempo não chorava. Harry andava de um lado para o outro do quarto, puxando os cabelos, de olhos arregalados.

— Você tem certeza disso, Gina? Ele disse isto mesmo?

— Eu já disse que sim, Harry! Este foi o mais caro psicólogo da cidade que eu encontrei e uma das minhas ultimas opções!! E sinceramente ele foi o que mais fez sentido. Nosso filho é sim um transgênero.

Harry parou de andar, olhando ao redor como se procurasse algo perdido pelo quarto. Eu sei como ele estava se sentindo. Por mais que tentasse negar, por mais que não quisesse admitir que algo assim acontecia conosco, com o nosso filho, parecia a resposta mais óbvia.

Todas as atitudes de Lian levavam aquilo.

— Precisamos pesquisar sobre isto. — Disse ele, me surpreendendo. — Precisamos saber o que fazer.

Eu tentei secar minhas lagrimas e limpar a garganta antes de falar.

— O Doutor Thomas nos indicou uma reunião de famílias que tem filhos assim, lá na capital. Acontece uma vez à cada seis meses. Você acha que devemos ir?

E apesar de Harry parecer tão assustado e atordoado quanto eu mesma, ele balançou a cabeça concordando, sem hesitar por um segundo.

A ida para aquela reunião mudou completamente nossas vidas.

Havia um caso recente de uma garota de quinze anos que havia se matado após deixar uma carta dizendo que preferia morrer à continuar a ter que aguentar a viver como uma menina. Aquela reunião, disse uma das organizadoras, seria especial porque ter a presença da mãe daquela menina. Apesar de ter apenas meia dúzia de pais, a sala parecia cheia e por algum motivo, muito sombria.

A mulher se chamava Lavender Brown e contou com detalhes como ela havia lidado com as mudanças de sua filha. Ela não havia tido a sorte que eu e Harry tivemos de encontrar um psicólogo que dissesse que devíamos tomar cuidado e respeitar o que nosso filho dizia. Muito pelo contrario, os médicos com que ela passava diziam que devia cura-la daquilo e isola-la de objetos masculinos, de forma a forçar ao máximo seu lado feminino.

A reunião durou mais tempo do que geralmente dura, segundo uma mãe, mas ninguém queria interromper a mulher que contava os detalhes da sua vida com sua filha recém-morta.

Lavender começou a chorar apenas quando a história tomou um rumo mais recente. Contou a todos que no começo a menina brigava e insistia que não era uma garota, mas então, aos poucos, com a insistência que ela mesma e a família infligia, ela foi simplesmente aceitando o que lhe diziam. Ao mesmo tempo em que Lavender pensava que estava progredindo, que estava realmente ajudando sua filha, percebia cada dia mais sinais de que ela esta infeliz.

Não saia mais do quarto. Quase não sorria. Apenas aceitava o que lhe era imposto, como um robô programado.

O ultimo evento e que foi a gota d’água para sua filha, ela mesma admitiu, foi a formatura do seu filho mais velho. Foi a maior briga que teve com ela, pois ela deveria ir de vestido assim como todas as garotas, mas sua filha não queria de jeito nenhum.

Com a pior ameaça que uma mãe poderia fazer à uma filha que é transgênero, ela obrigou a usar o vestido. Não havia convencido de usar salto, mas ao menos o vestido ela usou. A mulher, no meio da roda de famílias que seguravam o choro junto à ela, admitiu com todas as letras que a morte da sua filha fora culpa sua pois não havia permitido que sua filha fosse livre.

As lágrimas e o remorso estampados em seus olhos foram como um choque tão grande para mim que eu simplesmente comecei a agradecer à Deus por ainda termos Lian e podermos concertar tudo. Poderíamos evitar um final trágico como aquele que tínhamos bem na nossa frente.

Mesmo que tudo aquilo me assustasse e várias perguntas passassem pela minha cabeça como a de que ele pudesse mudar de ideia se eu permitisse ele se tornar uma garota ou se eu devia mesmo permitir que meu filho de quatro anos trocasse de gênero, mesmo com tudo aquilo que me assustava eu percebi que não poderia cometer o mesmo erro que Lavender Brown parecia se arrepender tanto:

Negar a liberdade dele.

Eu abracei Harry, que não falava nada há horas, me sentindo como uma garotinha indefesa. Quando me afastei, percebi que os olhos dele estavam tão duros quando os meus deviam estar naquele momento.

— Eu não quero que nosso filho tenha que passar por algo assim — ele admitiu o que eu não tinha coragem. — O preconceito que vai viver, a violência da sociedade, a transformação do seu corpo… Você acha que vai valer a pena deixarmos que ele passe por tudo isso?

Eu não tinha resposta para aquilo, mas eu tinha uma certeza:

— Acho que temos que deixar que ele escolha se vale.

Eu não poderia tirar a liberdade do meu filho, mesmo que eu mesma não tenha certeza de que estávamos prestes a fazer era realmente o certo.

Havíamos chegado em casa tinha uma semana e depois das experiências de vida que eu havia ouvido naquela reunião, eu comecei a perceber algumas coisas que aconteciam Lian. Percebi como ele não parecia querer se misturar muito com seus irmãos mais velhos e como preferia passar o maior tempo de suas brincadeiras sozinho.

Naquele meio tempo em que esperava Harry voltar de uma viajem do trabalho, para que pudéssemos conversar juntos com o nosso filho, eu percebi o quanto eu não notava os sinais claros do nosso pequeno Lian.

Ele realmente não parecia completamente feliz nunca.

Antes de conversar com Lian, a primeira coisa que eu e Harry fizemos foi falar com Alvo e James. James nessa época já entendia muito bem as coisas e começava a ter seus próprios princípios e era quem mais eu tinha medo de negar o que iriamos dizer.

A conversa com os dois foi delicada e difícil e James não conseguia entender porque Lian queria ser uma garota, já que elas eram nojentas para ele.

— Vocês tem que entender que Lian ficará muito triste se o tratarem como garoto. E por ele ficar triste papai e mamãe resolveram começar a o chamar de Lily e deixar ele ser uma menina a partir de agora.

— Mas mamãe — Chamou Alvo — O Lian... Opss, a Lily sempre foi uma menina.

Eu abri a boca sem saber o que dizer. Até mesmo Alvo havia percebido antes de eu mesma...

Harry pigarreou ao meu lado, sorrindo para os garotos.

— Tem razão Alvo, Lily sempre foi uma menina. — Ele bagunçou os cabelos do pequeno — Então, estamos combinados? James, Alvo?

Alvo balançou a cabeça, positivamente, parecendo animado com a mudança.

— Eu não quero uma irmã. — disse James cruzando os braços e fazendo sua cara de emburrado.

— Então você quer deixar Lily triste? Quer ver sua irmãzinha chorando toda hora, James? — eu perguntei segurando seus bracinhos — Sei que é diferente, mas não é melhor ver ela sorrindo do que chorando?

James olhou para mim e só depois que eu insisti para que ele respondesse foi que balançou a cabeça.

— Então temos que deixar Lily ser uma menina, assim ela ficará feliz. — reforçou Harry

Ele ainda tinha uma carinha emburrada, mas pareceu entender o que eu e Harry tentávamos falar.

— ‘Tá bom, mamãe. Mas é só porque não quero ninguém chorando no meu ouvido.

Eu sorri para ele, achando graça do seu jeito marrento igual ao do meu irão Ronald.

Depois daquela conversa com eles, chegou a vez de Lian, que parecia muito curioso desde que chamamos Alvo e James para conversar. Percebi que ele havia ficado um pouco chateado por não ter sido incluso na conversa.

Eu olhei para Harry, me sentindo muito apreensiva. Nós iriamos mesmo fazer isto com a nossa pequena criança de quatro anos? De muitas formas aquilo quebrava o meu coração.

Harry foi o primeiro a tomar iniciativa desta vez, sentando em frente ao garoto e olhando nos seus olhos.

— Lian, eu e a mamãe temos algo muito importante para te perguntar. Você promete responder o mais sincero possível? De coração?

— Uhun. O que é?

Eu engoli em seco, olhando para Harry. Como ele iria dizer isto?

— Mamãe e papai pensamos muito sobre o seu pedido, lembra o que você pediu no mês passado, de aniversário?

Os olhinhos dele brilharam com a menção do presente.

— Sim! Um vestidinho igual da menina do comercial!!

— Esse mesmo… Mas antes você tem que responder a pergunta do papai, ‘ta bom?

Ele balançou a cabecinha com rapidez, de tão empolgado…

— Responde de coração, ‘ta? Ó, diz pro papai, o pequeno Lian quer ser uma menina ou um menino quando crescer?

— Uma menina!

— E quer usar vestidos e ser bonita igual a sua mãe?

— Sim, sim! Quero ser igual a mamãe!

Vi que Harry parecia controlar a sua voz que começava a embargar.

— Usar roupas igual a menina do comercial?

— Mas é claro papai, meninas se vestem assim! — ele revirou os olhinhos — Você vai me dar o vestido??

Harry se levantou olhando para mim. Eu tinha um nó na garganta e tentei o engolir antes de falar com Lian.

— Sim, bebê, papai e mamãe vão te dar o vestido. Mas com uma condição.

Ele ficou olhando para mim, esperando o que eu ia dizer. Ele parecia tão feliz, tão cheio de expectativas que quase fez a dor em meu peito desaparecer.

— Só poderá usar os vestidos se deixar todo mundo te chamar de Lily e você ser uma menina de verdade!

Ele colocou a mão na boquinha, como se surpreso.

— Vocês vão me chamar de Lily? — Os olhinhos brilharam e o sorriso ficou tão grande que mal cabia no seu rostinho. — Que nem eu pedi?

Harry balançou a cabeça, sorrindo de volta para a felicidade de nossa filha.

— E eu vou poder ser uma menininha igual a prima Rose?

— Com vestidos e laços como você sempre quis — Eu disse sorrindo junto com ela.

No mesmo momento Lian saiu correndo para os meus braços e abraçando tão forte que fez eu não conseguir mais segurar as lágrimas. Ela começou a exclamar o quanto estava feliz e o quanto nos amava e abraçou em seguida Harry, que parecia tão emocionado quanto eu.

Nós dois não estávamos prontos ainda para pensar nem muito mais do que aquilo, mas ao menos demos a liberdade que nossa pequena Lily tanto precisava.

***

Eu não sabia o que fazer.

O dia anterior havia sido terrível, uma catástrofe! Tudo o que eu e Harry tentamos aquele tempo todo evitar, aconteceu.

Lilian havia mudado muito e, mesmo feliz no seu novo vestido bege que comprei para a festa, não parecia totalmente a vontade. Sua voz estava falhando nos últimos dias. Alternando entre grave e fino. E eu não sabia o que fazer.

Apesar de tudo o que passamos, eu e Harry nunca falamos diretamente com Lily sobre os processos para retardar os hormônios masculinos. Eu mesma não tinha coragem de falar com Harry sobre o próximo passo após deixar que nossa filha se vestisse como uma garota, quanto mais conversar com ela mesma sobre isto.

E também, ela nunca nos procurou.

Depois que decidimos que Lily precisava evitar lugares em que poderia ser descriminada, não tocamos mais no assunto “transgênero”. O medo e o modo como eu me sentia assustada só de pensar em tudo o que teríamos que fazer para transformar Lily definitivamente em mulher sempre me faziam empacar e imediatamente trocar de assunto.

Mas desta vez nós estávamos sendo pressionados pelo próprio corpo de Lilian, que mostrava que as coisas estavam mudando fisicamente e precisávamos fazer alguma coisa, mesmo que nem eu, nem Harry, quisesse falar sobre isto.

Eu queria conversar com Harry antes de qualquer coisa, mas ele estava em mais uma de suas longas viagens à procurando pistas. Eu sabia que eu tinha que lidar com aquilo urgentemente, mas para mim era impossível sem uma longa conversa com Harry.

Apesar de sempre ter sido decidida e independente, eu não me sentia apta o suficiente para decidir algo tão permanente como aquilo. Eu me permiti deixar estar por apenas mais um tempo. Esperar Harry chegar e finalmente decidir.

Eu deveria ter feito algo

Tentei ligar novamente no celular de emergência de Lily, mas ela não atendia.

Desde a festa de aniversário de Hugo, no dia anterior, eu não encontrava minha filha. Eu sabia que não devia ter a levado, sabia que era impossível calar a boca dos pirralhos, filhos dos meus irmãos, e que com certeza ela seria atingida por alguma brincadeira de mal gosto, mas mesmo assim, eu aceitei que Lily fosse para festa de Hugo em consideração a amizade entre eles; Ao sentimento que eu tinha quase certeza que Lily sentia por Hugo.

Mas eu me arrependia tanto agora.

Eu não estava por perto quando aconteceu, mas eu sabia que não havia sido apenas uma brincadeira. Molly II sempre pareceu particularmente incomodada com Lily e, eu tinha certeza, se aproveitou da minha distração.

Quando cheguei na cena, ainda não havia nenhum adulto. Todas as crianças faziam uma roda ao redor, riam e, até mesmo, a empurravam. Lily estava encolhida, com os olhos cheios de lágrimas e suja de terra. O vestido, havia sido rasgado e parte estava na mão de Molly.

— Viu? Você é um garoto! Tem até voz de garoto! Nunca vai ser uma menina! Todo mundo tem vergonha de você!

A raiva subiu de uma forma avassaladora em minha cabeça e eu avancei sobre a garota, que ainda não havia me visto. Não sei como atravessei o caminho até eles tão rápido.

— O que você disse, Molly?! O que você pensa que está fazendo?!?

Quando a alcancei, agarrei a garota pelo colarinho da camiseta, forçando olhar para mim. Ela era alguns anos mais velha que Lily, com cerca de dezesseis anos, mas eu não me importei de sacudi-la como faria com qualquer adulto que insultasse minha filha daquele modo.

Só então eu notei aonde fora parar parte do vestido rasgado de minha filha.

Molly olhou amedrontada para mim, tentando esconder o tecido, mas eu arranquei das suas mãos.

— Tia Gina…

— O QUE RAIOS você está fazendo com a minha filha?!

Ela tinha os olhos arregalados e tentou fugir, mas eu agarrei com força as suas roupas e a sacudi, gritando para ela me responder.

— ANDA, ME DIGA, GAROTA! O que você acha que está fazendo rasgando as roupas de Lily? O que você sabe sobre ela para dizer aquilo?!

Precisei sacudi-la mais algumas vezes, ouvindo as crianças ao nosso redor fugindo para as suas mães aos berros, antes de ela finalmente perceber que eu realmente queria uma resposta. Não soube como ela teve forças, mas respondeu com a voz tremula:

— Lian é um garoto, t-tia! Eu estava mostrando para ele como deveria agir!

Como devia agir?!? Senti uma cólera se apossar de mim de tal forma que minha mão já havia se levantado no ar para bater na cara daquela garota idiota!!! Não estava acreditando que eu ouvia algo assim. Ela era prima de Lilian, filha do meu próprio irmão!! Como ela podia fazer aquilo com ela??

— Ginevra!! — Ouvi a voz de minha mãe gritando ao fundo e em seguida a confusão de vozes dos demais adultos.

Vê-los se aproximando me impediu de descer a mão e bater na garota, mas não de quase a levantar no ar com minhas mãos em sua roupa.

— Se eu ver você fazendo mais uma vez qualquer coisa com Lily, eu juro que ninguém desta família, nem mesmo Percy, vai me impedir de socar a sua cara!

Os grandes olhos de Molly dobraram de tamanho e eu fiquei quase satisfeita de ver o medo em seus olhos. Quase.

— Gina, o que você está fazendo?? — Jorge já estava ao meu lado e começou a me puxar para soltar a garota amedrontada.

— Molly! — Chamou Audrey, minha cunhada e mãe da garota, assustada com a cena — O que está acontecendo aqui, Gina?

Eu liberei a menina no segundo puxão de Jorge e ela praticamente caiu no chão. Audrey de abaixou, amparando a sua filha, perguntando como ela estava.

— Gina, o que você estava fazendo com a minha filha? — Ah, Percy não poderia ter aparecido em momento melhor!!

— Você devia perguntar o que ela estava fazendo com a minha filha! Logo você Percy, que sempre foi o certinho da família, tem uma filha simplória como essa!

— Espera, vamos todos nos acalmar! O que aconteceu aqui, Gina? — perguntou Mione.

Eu bufei, tentando me controlar. Por algum motivo, Jorge ainda segurava o meu braço e isto me irritava ainda mais.

— Vou te contar o que aconteceu! Percy não consegue controlar a própria filha!!

— Alto lá!! — gritou ele de volta, mas eu não dei chances de ele terminar. Soltei meu braço do aperto de Jorge e me precipitei para cima da garota novamente.

— Molly atacou Lilian! Rasgou as roupas delas, olhe isso aqui!! — Agarrei a mão da menina, sacudindo na cara de Audrey o pedaço do vestido de Lily.

Desta vez, não foi apenas Jorge que agarrou meus braços, levando para longe dela.

— Gina, isto aqui é uma festa, vamos nos acalmar… — falou meu pai.

— Me acalmar? Como vou me acalmar se eu saio por cinco minutos e uma garota sem noção ataca minha própria filha?!!

— Olha como fala! — Enfrentou Audrey — Ela pode até ter feito algo errado, mas não precisa ofender!!

A discussão se prolongou por mais algum tempo antes de acabar e todos notarem que Lily havia sumido. A festa não foi muito depois daquilo, com todos procurando e fazendo ligações. O próprio Hugo disse que não havia sentido continuar com a festa, que tinham que ir atrás de Lilian.

Eu já havia ido à policia depois de ter escurecido e não ter a encontrado em lugar nenhum, mesmo rodando a cidade tantas vezes e perguntando para pessoas nas ruas.

Harry voltou de imediatamente para casa, interrompendo a sua viagem e a família inteira estava em alerta. Como era possível uma garota de quatorze anos sumir daquela forma??

Já havia amanhecido e era o dia do seu aniversário, um dia após Hugo, e chovia torrencialmente lá fora. Eu não poderia me sentir mais preocupada com ela, perdida nesta chuva, sabe se lá aonde. Fora que ainda estava com as roupas rasgadas!!

Eu já estava desesperada, quase ligava pela quinta vez para policia atrás de alguma noticia, quando recebi um telefonema de Teddy. Ele tinha a encontrado perto da sua casa. Eu fiquei surpresa, já que a casa de Teddy era do outro lado da cidade, em uma parte isolada e aquilo me deixou ainda mais ansiosa.

— Como ela está Teddy? Ela está machucada, está bem? — perguntei agarrando-me ao telefone. Harry suspirava aliviado ao meu lado, já ligando para os outros parentes.

Ela… Ela está bem sim, tia — Eu ouvi a hesitação em sua voz e isso acionou um alerta na minha cabeça. Ah, Deus!!

— Teddy… O que aconteceu com Lilian?

Nada tia, ela está bem, eu juro! Só que… — ele parecia sem jeito — Ela cortou os cabelos, tia. Está dizendo que não quer que a chame de Lily mais.

O que?

A Vic colocou ela no banho quente agora, porque estava batendo os dentes de tão encharcada, mas ela não aceitou a roupa que pegamos para ela. Disse que prefere pegar roupas minhas emprestadas.

— Como assim, Teddy… Lily ama o cabelo dela, ela ficava uma fera quando tinha que cortar! Não pode ser...

Mas é tia, parece que ela arranjou alguma coisa afiada pela rua e cortou os cabelos. Estava sem o vestido também, não sei aonde conseguiu aquelas roupas. — Teddy suspirou do outro lado — Ele parece bem abalado, tia. Até pediu para não ligar pra você e o padrinho. Tudo bem ele ficar aqui por enquanto?

Hesitante, eu concordei e não demorei para desligar depois daquilo, estarrecida com as novas informação. Lily havia desistido? Depois de tudo o que passou, do que eu e Harry fizemos, Lily simplesmente havia voltado para atrás?

Quando contei o que acontecia para Harry, ele pareceu mais aliviado do que surpreso, como eu.

— No final, era apenas uma fase mesmo, Gina. Viu, não precisávamos ter nos preocupado! — Ele parecia realizado, como se tudo tivesse voltando como devia ser.

Mas eu não consegui me convencer tão facilmente como Harry havia feito. Ele me fez deixar Lily tomar o tempo que quisesse para voltar para casa e quando Teddy nos ligou, avisando que levaria Lily para acertar o corte do cabelo eu quase esganei Harry por não deixar eu ir atrás de Lilian e conversar com ela.

— Você vai conversar o que com ele, Gina? É só um corte de cabelo.

— Você sabe que não é apenas isto!! — como ele podia não se importar? — Lily sempre foi muito vaidosa quanto ao cabelo! Eu preciso conversar com ela, Harry!

— Não tem necessidade disso!! — Ele passou a mão pelos cabelos — Olha, ele não quer ser mais mulher! O Doutor estava errado, Lian não tem transtorno nenhum. Todos nós estávamos errados, agora deixe ele tomar o rumo natural das coisas.

— Isso é idiotice! Você sabe muito bem disso, Harry Potter! Não podemos...

— Chega desse assunto, Ginevra!! — ele me interrompeu — Para de procurar coisas que não existem!! Você mesma disse, vamos deixar que ele decidida, não é? E ele decidiu que é homem, então é melhor você respeitar e não ficar colocando minhocas na cabeça dele, está entendendo??

Ele virou as costas encerrando a conversa e eu fiquei ali, bufando sozinha. Harry havia acabado de falar com Alvo e James, pedindo que fossem discretos e tudo aquilo só me revoltava. O homem não me dava ouvidos nem por um segundo!!

Após alguns dias, ela voltou para casa. Lian tinha um sorriso no rosto e pediu desculpas pelo sumiço como se não fosse nada de mais. Os seus irmãos fizeram exatamente o que Harry pediu e foi como se nada tivesse acontecido.

A casa tomou um ar mais leve, quase completamente feliz, com Harry adiando algumas viagens apenas para aproveitar a presença dos três, que após a mudança, pareciam mais unidos.

E, pode até ser coisa da minha cabeça, mas mesmo depois que Lian começou a sair com uma garota e fazer parte do time de baseball, eu ainda não era completamente convencida.

Lian não me procurou mais para pedir concelhos de menina. Lian não pediu mais por vestidos e mudou completamente o seu quarto. Desviou quando eu comecei o assunto sobre ele ser Lily e eu, imponentemente, apenas aceitei as coisas como estavam sendo, mesmo vendo que a cada dia que passava, ele parecia mais um robô do que minha filha alegre.

O medo de eu ter, no final, acabado como Lavender, me trazia a cada dia mais pesadelos a noite.


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Notas finais do capítulo

Achei o final corrido, mas... Cara, tem mais de 4 mil palavras!! Eu enrolei demais!! XD