Prisma escrita por Majalis


Capítulo 4
Proteja-os. Parte I.


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo me deu mais trabalho do que os demais. Ao escrevê-lo pela primeira vez, eu não fiquei satisfeito com o ritmo e a forma como os acontecimentos foram desenvolvidos, então decidi reescrever. Até porque ele estava com quase cinco mil palavras e eu esperava conseguir reduzi-lo. Bem, eu reescrevi e fiquei feliz com a segunda versão, contudo o resultado final foi um capítulo de cinco mil e duzentas palavras. Cortei algumas cenas e passagens que julguei não serem importantes para a história. Nunca pensei que fosse tão difícil escrever uma história com limite de 50.000 palavras, haha. Já que ele continuou longo mesmo após a edição e nenhuma outra alteração podia ser feita, decidi dividir "Proteja-os" em duas partes com o objetivo de facilitar sua leitura. A primeira parte será postada hoje, sábado, e a segunda parte será postada na segunda, depois disso os capítulos voltaram ao ritmo normal de postagem, quartas e sábados apenas.

Disse em outra oportunidade que os feedbacks são importantes para mim, então gostaria de agradecer a Tamires Souv, Dyryet, MIss America e IsaNekoChan pelos comentários adoráveis. Esse capítulo é dedicado a vocês!

Como prometido, nesse capítulo descobriremos o que aconteceu após a explosão da casa onde viviam alguns mutantes. Boa leitura!



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09 DE ABRIL DE 2038: Needham, Massachussets. 08:00 AM.

O interior da floresta era estranhamente silencioso e calmo para qualquer pessoa acostumada com a vida agitada das cidades. Não havia o som das máquinas, dos carros, nem do tagarelar incessante dos cidadãos. Apenas o barulho produzido pelas árvores ao serem acariciadas pelos ventos e do canto dos pássaros. O ar parecia mais limpo também, mais fácil de ser respirado.

No ano de 2023, um acordo foi assinado entre várias nações numa tentativa desesperada de tentar salvar o que restava do já depredado meio ambiente. Parecia um ato falho, porque muitos tratados ambientais foram feitos antes dele e nenhum demonstrou resultados satisfatórios. Contudo, por sentirem o desastre iminente em suas portas, o acordo de 2023 trazia termos rígidos, entre eles, a aplicação de multas milionárias e inúmeras sanções para aqueles que agissem de modo a prejudicar qualquer faixa verde no planeta. Mesmo os países que não participaram do acordo sentiram-se pressionados pelas grandes potências. Com a falta de recursos naturais como água e comida, sofrer um embargo internacional e ter pedidos de ajuda negados seria o ingrediente chave para revoltas populares.

A larga produção industrial foi combinada com meios de produção alternativos nas áreas em que foi possível implantar esse sistema. A compra de carros passou a ser fiscalizada com rigor e ter um não era sinônimo de usá-lo a qualquer momento, a circulação de veículos pelas ruas americanas adaptou-se a um sistema de rodízio, o que levou ao aumento da prática de "caronas" entre vizinhos e amigos.

A Rússia, por sua vez, fez jus ao seu histórico de antagonista. O presidente declarava que as soluções adotadas pelo ocidente para lidar com seus problemas eram um retrocesso. Os russos tiveram seu PIB alavancado com a exploração de petróleo e gás no Ártico, ambas impulsionadas pelo seu degelo, tornando-se um gigante ainda mais competitivo, não aderindo ao tratado de 2023.

Mesmo com os acordos e uma mobilização quase em nível mundial, não foi possível livrar a natureza de toda a poluição produzida nos anos anteriores. A "sujeira" havia reduzido, mas restava uma quantidade significativa influenciando a qualidade do ar e o aumento dos problemas respiratórios da população.

Na floresta, no entanto, naquele recanto quase intocado, transformado em santuário pelas resoluções ambientais, os pulmões regozijavam-se. Depois de algumas horas naquele lugar, William sentia-se mais disposto, mesmo com os últimos eventos ainda vivos em sua mente. Desde que foi acordado por Wendy no meio da madrugada não sentiu mais sono, os níveis de adrenalina em seu sangue não o permitiriam dormir nas próximas horas. Após a explosão, o quarteto composto por Troian, Wendy, William e Augustus, que estava desacordado sendo carregado pelo homem, caminhou floresta adentro por tempo indefinido no escuro. Permaneceram em total silêncio, exceto pelos soluços incontidos da ruiva.

Ele preferia não falar, porque assim conseguia pensar e fazer considerações para o futuro. O estado de pânico das outras duas começava a irrita-lo. Várias vezes, Wendy e Troian alarmaram-se com barulhos ao redor como se esperassem que uma corja de assassinos descesse das árvores para mata-los. Com sua audição sobre-humana, Will conseguia distinguir os alarmes falsos dos perigos reais, por isso não se preocupava.

Dado momento, decidiram parar. Normalmente não se cansaria numa caminhada de ritmo tão ameno, mas carregar outra pessoa era desgastante. As duas mulheres dividiram o saco de dormir de Wendy, enquanto William deixou o seu para o rapaz ainda inconsciente e depois de coloca-lo lá avaliou sua temperatura. Ele ficaria bem, assim esperava, imaginando o efeito que a morte de Beatrice teria sobre ele.

Sentia um pouco de frio, mas recusou a ideia de vestir mais roupas, além do moletom e do jeans, mais peças o deixariam com aquela sensação de estar preso. Afastou-se dos demais para deixar Troian sozinha com suas dores ao ouvir o choro dela se intensificar. Podia parecer egoísta, mas Roderick não era bom com os conflitos alheios, administrava os seus com alguma eficácia, o que não significa que sabia lidar com eles do modo adequado.

Sua personalidade estranha era um reflexo disso. Ele potencializava suas dores, levando-as ao extremo. As várias mulheres com quem compartilhava cama eram tentativas deturpadas de desviar sua mente, o prazer era sua fuga. Não se ligar a ninguém, mas estar com todas parecia um meio correto de lidar com as perdas. Assim ele permanece inteiro.

Will não era um bom "psicólogo", isso era um trabalho do outro, de Onyx. O seu rosto contorceu-se. A covardia do irlandês custou a vida de Meda e Hunter. Ter um campo de força naquela noite poderia ter sido a solução para manter todos juntos e protegidos.

O solo úmido pelo derretimento da neve abafava suas passadas. Muitas considerações precisavam ser feitas e ele dedicou as horas seguintes para isso, assim ao retornar teria um bom plano de ação para apresentar aos outros, já imaginando que por estarem atordoados não levantariam qualquer oposição.

Eles não poderiam continuar na floresta para sempre. Não era algo pessoal, afinal ao sobreviver nas trincheiras das guerras, ele se tornou capaz de adaptar-se a qualquer ambiente. Eventualmente, a comida terminaria e eles teriam que procurar por mais. Caçar era uma opção. Exila-los para sempre da vida moderna não era considerável, então ele precisaria encontrar um jeito de voltarem a viverem na sociedade. Quão seguro era o mundo além daquelas árvores? E se o responsável pelo atentado descobrisse que sobreviveram?

O ar ainda estava frio, mesmo que o sol já tivesse nascido fizesse bons minutos. O cenário ao seu redor estava mais claro, mais acolhedor e implantando uma falsa aura de tranquilidade. Os animais agitavam-se ao seu redor, embora não os visse era capaz de ouvi-los. Já estava retornando para seu grupo, quando colocou a mão num dos bolsos casualmente e sentiu um objeto pequeno no interior dele.

O puxou, observando a criação tecnológica que cabia na palma da mão. Não se lembrava de tê-lo posto ali. Desconfiado, pensou em destrui-lo e só precisava cerrar os punhos para tal, mas sua curiosidade prevaleceu. Sabia perfeitamente do que se tratava, o dispositivo era usado para armazenar e reproduzir imagens sem a necessidade de um computador e o botão cintilando em vermelho no centro indicava que uma gravação esperava para ser reproduzida.

Receoso, ele apertou o botão e aguardou. Uma tela holográfica surgiu diante dos seus olhos, tinha um tamanho mediano. A luz interferia na qualidade da imagem, obrigando-o a andar alguns metros para frente até encontrar um ponto de sombra. Na tela, Meda o encarava, ele reconheceu o cenário como sendo a dispensa da casa.

— William. — Começou ela, seu rosto com uma expressão séria. — Imagino o que está passando por sua cabeça. Sim, eu estou morta. Não, nunca foi minha intenção ou de Hunter sair com vida da casa. Então, não voltem por mim. Foi um mal necessário. — Ao fundo, Will ouviu a voz de Hunter gritar "TRÊS MINUTOS, PESSOAL!", indicando que a gravação foi feita durante os preparativos para a fuga. — Eu conheço você, talvez mais do que você mesmo, por isso eu sei que nesse momento tudo o que você quer é correr. Desaparecer no mundo como fez tantas outras vezes e deixar tudo para trás. Você é um lobo solitário, se vira muito melhor sozinho, mas você não pode fazer isso. — A entonação da mulher trazia implícita a força de uma ordem mascarada pela aparência de um pedido. — Você não pode deixá-los para trás, eles não irão sobreviver. Eles não são fracos, mas precisam de alguém para guiá-los e você, com seus problemas e mesmo não aceitando isso, é naturalmente um líder. Por todos esses anos, você nunca parou para pensar o que teria acontecido se você não tivesse abandonado Zola e Onyx após o atentado que você mesmo arquitetou em Washington? Como a vida poderia sido diferente se tivessem continuado juntos?

Ainda que Meda não estivesse ali, fosse apenas uma imagem gravada horas antes, William desviou os olhos para o lado ao ser acusado. Não gostava de ser pressionado daquela maneira, mas vindo dela não era possível ignorar. E Zola? Meda nunca comentou conhecer a mulher, ele ficou surpreso com aquela conexão entre seu passado e presente. Queria respostas sobre isso.

— Eles são sua família, pense em toda as coisas que viveram juntos nos últimos meses. Vai ignorar isso? Esse é o meu pedido em vida, feito no meu leito de morte. Eu confio em você, os proteja por mim. Quando te encontrei estava tão perdido quanto eles, Hunter e eu te ajudamos. Se quiser me pagar, faça o mesmo por eles. — Maldita Meda, sabia exatamente onde atingi-lo. "UM MINUTO!", Hunter gritou ao fundo. — O que está acontecendo é maior do que eu e você, é maior do que nossa família. Não se resume a uma caçada aos mutantes. O que está acontecendo afeta todo o planeta e toda a humanidade. — "TRINTA SEGUNDOS PESSOAL!". Meda olhou para trás agitada, se apressando ao ouvir o grito de Hunter. — Alguém em que confio irá procurar por vocês. Não posso dar nomes, caso essa gravação seja roubada, mas fique sob o reflexo da pirâmide do imperador!

"Fique sob o reflexo da pirâmide do imperador". Aquilo não significava nada para ele.

O vídeo congelou, escureceu e apagou. A mão de William que segurava o dispositivo estava tremula com todas as informações despejadas sobre ele. Assistiu a gravação mais uma vez, obrigando-se a absorver tudo o que foi possível. No final da reprodução, ele cerrou os punhos, destruindo a tecnologia com sua força, inutilizando-o. Todas as considerações feitas até o momento foram soterradas pela mensagem. Pelo menos, e infelizmente, agora estava ciente de que não teriam paz ainda.

Ao aproximar-se do "acampamento" ouviu o som de vozes e sirenes. Uma voz desconhecida fazia um relato de uma grande explosão. Apertou o passo, encontrando Troian, com o rosto inchado e Wendy ocupada comendo uma barra de chocolate, ambas com os olhos atentos para o que tinha a ruiva tinha nas mãos.

— Will! — Chamou Wendy com urgência. — Estão falando nos noticiários que a casa explodiu por um vazamento de gás!

Um celular. Ele pisou firme ao ir na direção delas.

— Perderam a noção? — Acusou, tomando o aparelho das mãos da jovem e partindo-o em dois sem dificuldade. Wendy o encarou boquiaberta, enquanto Troian levantou-se aos tropeços para tentar salvar seu pertence. — Essa coisa pode nos matar com seu GPS!

Troian encarou atônita o celular partido em dois nas mãos dele, dando-lhe um olhar ofendido em seguida, como se William tivesse acabado de amputar um dos seus braços. Ela detinha uma habilidade útil no mundo moderno, onde a tecnologia estava em todos os lugares. Compreendia facilmente sistemas artificiais, conectando-se a aparelhos eletrônicos de modo muito similar a telepatia, conseguindo manipula-los, entre outras coisas. Era limitada apenas pelo nível razoável de treinamento. Tecnologia não era seu único prazer, Troian estudava Medicina pela Universidade de Boston, era natural de Oklahoma e vivia há cinco anos com Meda. Era uma jovem de sorrisos simpáticos e mente astuta. Não era dada a paradigmas sentimentais, embora nos últimos meses estivesse numa situação marcada por idas e vindas com William.

— Perdão, senhor. — Ela disse com raiva. — Eu desativei o GPS antes de conecta-lo a internet.

— Não vale o risco... — Retrucou ele.

— Foram encontrados oito corpos nos terrenos da casa, carbonizados, mas... — Wendy começou a falar para interromper o começo de uma possível discussão.

— Oito? — Indagou William.

— Acredito que Hunter… — Ao tentar pronunciar o nome do mutante, um nó formou-se na garganta da loira, ele lutou para continuar. — Ele... Ele deve ter se multiplicado, mas Beatrice...

William olhou ao redor e percebeu algo errado. — Onde está o Augustus? — As duas olharam para o mesmo lado que ele, só agora se lembrando do rapaz. — Inferno. — Esbravejou ele. — Ele deve ter voltado para procurar Bea..

— Eu estou aqui. — Augustus juntou-se a eles, trazendo os braços cruzados contra o corpo. — Estava usando o "banheiro".

De todos, talvez fosse ele o que dispusesse de habilidades mais hostis, a capacidade de gerar e controlar fogo, um reflexo de sua personalidade expansiva e agitada. Seu corpo era resistente as temperaturas altas ou baixas e também as chamas. Gus descobriu que algo estava errado depois de sobreviver a um incêndio que consumiu parte da sua antiga escola na Califórnia. O jovem de cabelos castanhos era namorado de Beatrice e estava no último ano de Biologia, assim como Troian, visava a medicina como carreira. Pela natureza destrutiva de suas aptidões era cuidadoso ao usa-las, principalmente nos treinamentos improvisados no porão da casa. William, seu amigo mais próximo, o ajudava com isso.

— Eu sinto muito por Beatrice. — William disse em apoio, solidarizando com o amigo.

— Do que você está falando? — Gus arqueou as sobrancelhas.

— Oras...

— Ela está viva, Will. — Troian anunciou.

— O quê?

— Eles a levaram para um dos hospitais de Boston.

Roderick a encarou confuso.

Troian soltou um suspiro. — Os bombeiros encontraram oito pessoas nos destroços, mas nem todas estavam carbonizadas. O noticiário não deu nomes, mas disse que uma garota de cabelos castanhos foi encontrada com vida e alguns ferimentos leves, ela foi levada pro hospital da cidade.

Will olhou para Troian em silêncio por alguns segundos. — Ela estar viva é muito bom...

— Você está deixando passar um detalhe. — Alertou a mulher. — Se o plano de Hunter era forjar nossa morte com os clones, encontrarem Bea estragou tudo. Se a pessoa tentou nos matar sabe que sete mutantes estavam morando na nossa casa atualmente, vai perceber que pelo número de vítimas está sobrando um, a conta não fecha. Se souber do que Hunter era capaz e se for inteligente, não vai demorar para deduzir o óbvio...

O sorriso divertido apagou-se do rosto do britânico a medida que o discurso esclarecedor dela era feito.

— Troian, você disse que levaram ela para um hospital… — Augustus estava com a voz mais firme. — Vamos até lá.

— Quer ir para o meio da civilização logo depois de sofrer uma tentativa de assassinato? — William já negava com a cabeça. — Ia sugerir que fossemos para a cidade, mas para a periferia, não para o centro.

Troian levantou o dedo no ar teatralmente pedindo permissão para falar. — Tecnicamente, nós precisamos. Se eu estiver correta e o nosso inimigo chegar a conclusão de que estamos vivos, Beatrice está correndo perigo. O caçador pode ir até ela para terminar o serviço ou para descobrir como nós escapamos para vir atrás de nós...

— Ou usá-la como isca para nos pegar. — Sugeriu William.

A ruiva confirmou com a cabeça. — Então vamos ter que decidir: Sacrificar uma amiga ou salvar ela?

Qualquer plano que envolvesse separação foi vetado por Roderick. Dado os últimos eventos, não achava seguro deixa-los separar o grupo. Mesmo que juntos fossem mais fáceis de serem capturados, ele estava contando com alguma sorte, afinal, depois dos eventos da noite anterior, eles mereciam alguma.

Eles aproveitaram o máximo que puderam a proteção das árvores, caminhando em ritmo ameno no interior da floresta. Passaram para o asfalto só quando não havia outra opção. O plano era chegar até uma das estações de trem que ligava Needham a Boston. Por causa da universidade, Troian conhecia os horários. A pequena viagem custou as horas finais de manhã e toda a parte da tarde, embora as duas cidades fossem próximas, preocupavam-se em não serem seguidos.


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Notas finais do capítulo

Estamos diante de um dilema. Tomar uma decisão arriscada para salvar a vida de um amigo ou continuar em segurança? O que você escolheria? Me deixe saber nos comentários! "Proteja-os. Parte II" será postado no dia 27/07.



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