Prisma escrita por Majalis


Capítulo 3
Mostre-nos do que você é capaz.


Notas iniciais do capítulo

Depois de acompanhar a explosão que destruiu a casa dos mutantes nos Estados Unidos, é hora de conhecer o segundo núcleo da história prisma. Faz uma semana que Onyx, acompanhado de outros mutantes, deixou "aquela casa" e mudou-se para uma ilha no mar do Norte, sem saber que a estava caminhando numa direção perigosa, uma caminho cercado pelos fantasmas do seu passado.



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9 DE ABRIL DE 2038: EM ALGUM PONTO DO MAR DO NORTE, 09:00 AM.

Uma onda de calor havia alcançado a Grã-Bretanha e o inverno rigoroso encontrou seu fim nos raios solares. O homem que caminhava pelos corredores de uma instalação moderna, se mudou para aquela ilha apenas a tempo de ver os últimos vestígios da neve derretendo. Era o fim de uma pequena era glacial iniciada em 2028 e Onyx sentia-se pesaroso por gostar do frio.

Mesmo que estivesse num ponto quase central da ilha, ao passar pelas janelas era capaz de ouvir os sons das águas agitadas que o cercavam de todos os lados, mas ele não dava atenção para elas.

Seus pensamentos voltavam-se para a América, para um ponto específico no estado de Massachusetts. Fazia uma semana que ele abandonou sua vida lá para aceitar a promessa de paz no lugar onde estava agora, na Unidade Alfa. Contudo, era impossível não pensar nos amigos que havia deixado para trás, embora alguns tivessem vindo com ele.

Um sentimento próximo da saudade agitou-se em seu peito ao lembrar de Wendy Lampard. Os últimos dias com ela haviam se transformado num cabo de guerra. Enquanto Onyx tentava convencê-la a acompanha-lo para a Europa, Wendy usava todos os argumentos possíveis para fazê-lo visualizar o fato de que permanecer seria melhor para todos. No fim, ninguém venceu. Antes de entrar no carro que o levaria para o aeroporto, Onyx a viu parada nos portões da casa, seu rosto tomado por uma expressão dura, que ele reconhecia como uma tentativa dela de conter o choro. O homem ergueu o braço, mas sua resposta foi uma cabeça balançada negativamente.

Também havia Troian, mas ele sabia que a ruiva não deixaria Wiliam sem um bom motivo. Uma sensação desagradável substituiu sua nostalgia ao pensar no inglês e ele obrigou-se a desviar o rumo dos seus pensamentos.

As botas pesadas produziam um som característico a medida que avançava. Vez ou outra, lia algumas das placas fixadas nas paredes. Uma semana de estadia não era tempo suficiente para que ele decorasse a posição de todos os lugares existentes ali, exceto por aqueles que frequentava diariamente.

Localizada no Mar do Norte, a Unidade Alfa foi criada por mutantes para abrigar outros como eles, o lugar era uma promessa de vida segura para qualquer um que decidisse fixar-se lá por livre e espontânea vontade. No passado, Onyx teria recusado essa alternativa, mas nos últimos anos sentia-se cansado, então a sugestão de dias tranquilos foi mortalmente atraente para ele.

Onyx Beauregard nasceu na Irlanda do Norte, cresceu no país e mesmo que já tenha caminhado pelo planeta o dobro do tempo que viveu na sua terra natal, sua fala é floreada pelo seu sotaque. Aparentava estar na casa do trinta anos, mas era mais velho do que isso. Envelhecia mais devagar que os outros, mesmo os da sua raça, por causa da natureza energética da sua mutação. Ele considerava isso uma maldição, uma punição divina por algum pecado que ele não lembrava de ter cometido.

Viu muitos morrerem. Seus pais, os vários combatentes que lutaram ao seu lado na Guerra Civil Americana e na Primeira Guerra Mundial, os vários inimigos que ele derrubou com os dedos no gatilho de uma arma ou com o uso de suas habilidades. Mas, sobretudo, acompanhou o momento da morte sua esposa e de sua filha a pouco metros de distância, que em sua mente pareceram muito mais devido a sua incapacidade de salva-las.

Onyx soube que havia alcançado seu destino ao ver um rosto conhecido sentado numa cadeira ao lado de uma porta metálica. O menino ali tinha os cabelos escuros e os olhos claros. Ao aproximar-se dele, Onyx sentiu-se invadido por desconforto.

Teddy Wordsworth e seus dez anos. Era uma criança e sua aparência frágil servia como camuflagem para o potencial incutido em suas aptidões, que justificavam o receio com que os outros moradores o tratavam, embora esse comportamento tenha sido amenizado conforme acostumavam-se com sua presença.

Ele era capaz de “neutralizar”, todos os mutantes num raio de dez metros ao seu redor ficavam incapacitados de usarem suas habilidades. A pouca idade e a falta de treinamento o impediam de controlar e de desligar seus efeitos. Perto do menino de cabelos escuros todos eles sentiam-se mais humanos. E indefesos.

— Oi, Onyx. — Teddy sorriu com simpatia ao ver o irlandês.

— Teddy. — Cumprimentou o mais velho. Onyx indicou a cadeira ao lado do menino. — Charlie está sentado aí?

— Está. — Disse ele, confirmando a presença do seu amigo imaginário.

Onyx pulou a cadeira de Charlie e sentou-se na seguinte. Ele achava estranho que uma criança naquela idade ainda andasse acompanhado de um amigo fruto da sua criatividade, mas não o contradizia, deixando que ele desfrutasse da infância o máximo possível, antes de ser assombrado pelos problemas que chegam com as idades.

— Todos os outros já foram? — Onyx perguntou.

— Aham. Já. — A criança respondeu, seus pés balançavam e as mãos permaneciam nos joelhos. — Sebastian está lá dentro agora.

— Os que já saíram, eles falaram alguma coisa?

— Não muito. Parece que é uma mulher mais velha, ela pede para te ver usar seus poderes. — O menino comentou vagamente. Sua expressão foi transformada pela testa franzida, ele parecia incomodado. — Como eu vou fazer isso? Não consigo mover as coisas com a mente ou fazer bolas de fogo… ela vai me achar patético! — Reclamou, apertando os dedos. — Eu queria ter um poder mais legal.

O homem riu, virando-se para ele. — Você não é patético. O que você faz é incrível. — Observou ele com sinceridade. — Consegue transformar mesmo o mais poderoso dos mutantes num franguinho. Isso sem nem treinar! Imagina o que vai conseguir fazer quando começar a praticar… — Teddy o olhava com atenção e parecia julgar os argumentos dele. — Muitos mutantes acabam tornando-se dependentes dos seus poderes, são nada sem eles. Se você os tira, eles ficam indefesos. Não é genial?

— É… — Balbuciou o menino não totalmente seguro. — Ainda assim, eu ia gostar de fazer coisas mais legais.

Onyx balançou os ombros. — Quem sabe um dia você consiga.

A porta dupla metálica ao lado abriu-se e um rapaz passou por ela.

— Quem é o próximo? — Perguntou Sebastian Chandler, um rapaz de porte atlético mediano, cabelos longos e capaz de manipular energia cinética.

— Eu vou! — Teddy levantou-se da cadeira e desapareceu assim que a porta se fechou. Pouco depois do menino afastar-se, Onyx sentiu-se inundado por uma onda de satisfação, um sinal de que seus poderes haviam retornado.

— E aí, Chandler. Como foi lá?

— Sem problemas. Ela quer ver quão desenvolvidas estão nossas capacidades, parece um tipo de controle. — O rapaz de cabelos castanhos e que chegavam na altura dos ombros interrompeu sua caminhada para responder Onyx. — Talvez estejam querendo se certificar de que ninguém vai explodir metade da ilha num ataque de fúria. — Ele riu da própria piada, deixando o outro sozinho.

Onyx já esperava por algo do gênero. Lidar com pessoas com habilidades diversas e poderosas, muitas vezes destrutivas, é um terreno perigoso. Colocar vários deles numa mesma ilha e deixa-los conviver maximiza o problema, mesmo que o objetivo da Unidade Alfa seja protegê-los.

Quando a porta abriu pela segunda vez, o irlandês ficou de pé. Teddy ressurgiu com um sorriso largo no rosto, fazendo-o supor que ele havia se dado bem.

— Ela disse que eu sou melhor do que todos vocês. — O menino respondeu num tom exibicionista ao ser questionado por ele.

— Eu disse que você ia conseguir. — Onyx sorriu, contagiado pela expressão animada da criança.

Depois de Teddy despedir-se, ele atravessou a porta e viu-se num corredor largo de paredes metálicas refletindo minimamente a luz branca das luminárias circulares embutidas no teto. O corredor era curto, não havia janelas. A outra extremidade dava acesso a um segundo cenário e foi para lá que ele seguiu.

Um ligeiro nervosismo instalou-se nele. As mãos que pediam ao lado do corpo foram vagarosamente cerradas. O segundo ambiente era amplo e construído num formato circular. As paredes pareciam revestidas de um material semelhante a metal, mas que tinham aparência vítrea. A porta dupla fechou-se a medida que ele caminhava para o centro do cômodo. Não havia ninguém ali além dele. Olhou para os lados a procura de quem o avaliaria.

Cogitou a possibilidade do avaliador ter deixado o lugar acreditando não haver mais nenhum mutante esperando. Talvez devesse ir embora. Mal aquela sugestão surgiu entre os seus pensamentos, sua execução foi desconsiderada assim que recebeu o primeiro sinal de que estava sendo observado. Uma voz.

O som nefasto pronunciou quatro singelas sílabas, mas que tiveram poder para atordoar a mente do homem, entorpecer seus sentidos e instintos. Onyx teve a sensação de ser empurrado abruptamente para o seu passado e por não estar preparado para aquela viagem não foi capaz de esboçar uma reação imediata.

— Olá, Onyx.

Ele encarou o chão em silêncio percebendo que havia prendido a respiração e os nós dos dedos doíam por conta da forçava que fazia nos punhos cerrados. Permaneceu em silêncio, retomando sua consciência gradativamente e obrigando-se a permanecer com os pensamentos atrelados ao presente.

"Zola". O nome formou-se em sua cabeça, mas ele não o pronunciou, recusando-o com a mesma avidez que sacerdote evita o nome da Estrela da Amanhã. Após alguns instantes de silêncio, a dona da voz percebeu que ele não tinha intenção de respondê-la.

— Bem. Mostre-nos do que você é capaz. — Pediu ela.

Houve um curto embate mental antes erguer os olhos e ele encarou a parede vários metros a sua frente, enquanto concentrava-se na impressão singular com a qual já havia se acostumado, a de ser transitado por energia. Seu pequeno momento de estresse refletiu-se naquele ato, sua intensidade emocional tornava aquela ação mais fácil. Percebeu o ar ao seu redor esquentar.

Após ter seu corpo preenchido por aquela força massiva, sem que fizesse nenhum gesto físico, Onyx empurrou a energia para fora, expandindo-a, dando-lhe forma. Um campo de força formou-se ao seu redor, protegendo-o como um domo translúcido. Não tinha nenhuma cor específica, a superfície alterava sua aparência de acordo com as interações com a luz. O irlandês ficou parado ainda encarando o vazio e sentindo seu campo como se ele fosse uma parte de seu organismo. Ele percebeu que as paredes eram formadas de placas quadradas de tamanho mediano encaixadas por perfeição perfeccionista, porque algumas delas deslizaram para o lado revelando espaços vazios. O homem sentiu o campo de força ser atingido simultaneamente em vários pontos, tornando a barreira opaca onde era atacada. Os projéteis vinham das aberturas na parede.

O mutante testado sustentava sua concentração sem muito esforço, questionando-se quais eram as intenções dela com aquela artilharia. A intensidade dos disparos cresceu, assim como a quantidade de pontos de origem, criando um inferno mortal ao seu redor. Receando que sua proteção falhasse, Onyx começou a recolher sua barreira, reduzindo seu perímetro, curvando o corpo ligeiramente para frente e mantendo os braços flexionados diante do corpo.

Os sons do tiroteio ao seu redor o lembravam da guerra.

Onyx não era capaz de vê-los, mas atrás da parede lateral a ele havia uma sala, não tão grande quanto o ambiente principal, mas no tamanho ideal para abrigar um aparato tecnológico moderno.

Um jovem de pele bronzeada e cabelos negros chamou a mulher com receio. — Senhora? Isso é seguro? — Perguntou, referindo-se a munição sendo atirada contra o desconhecido.

Ela o direcionou um olhar desinteressado. — Vamos descobrir. — Ela não era a mais alta das mulheres, mas sua postura impecável transmitia austeridade. Os cabelos escuros e lisos estavam na altura dos ombros, os lábios destacavam-se pelo batom vermelho. Vestia um modelo casual que esboçava seu bom gosto, uma calça preta justa e uma camisa clara.

Zola deslizou os dedos pelo painel a sua frente e o ataque cessou. Tinha um sorriso satisfeito no rosto. — Continua em perfeitas condições. — Comentou brevemente com a voz baixa, uma observação pessoal que escapou de sua boca por descuido. — Onyx Beauregard. Portador da capacidade de gerar e manipular campos de força. — Ela narrou para o assistente, que começou a preencher uma ficha de acordo com as palavras dela. — Nível de desenvolvimento mediano.

— Mediano? — O assistente questionou confuso, o homem do outro lado parecia ter um controle excepcional das suas habilidades para ser considerado "mediano" em seu ponto de vista.

— Sim, mediano. — Zola repetiu. — Não queremos descobrir qual tratamento é oferecido para mutantes avançados.

O assistente concordou silenciosamente executando a última anotação. Em seguida, acionou um dos botões no painel fazendo a porta atrás de Onyx destravar e abrir. — Está liberado. — Anunciou ele, aproximando o rosto de um dos microfones.

Tão silenciosamente quanto havia entrado, o homem girou o corpo e deixou o ambiente circular tendo aquela sensação de ser observado por olhares indesejados. A voz de Zola ecoava em sua mente alimentando emoções múltiplas, mas nenhuma agradável. Ninguém esperava do lado de fora quando ele saiu.

Caminhou ao acaso, sem prestar atenção no rumo que tomava, apenas desejando afastar-se daquela sala e da dona daquela voz. A tempestade que se instalou em seu íntimo com aquela novidade aos poucos se acalmava, mas ainda era forte o suficiente para expressar-se fisicamente através de punhos cerrados e um olhar atônito.

Sentia-se como uma criança, vulnerável e atormentado por demônios que não são perceptíveis aos outros. Ele sabia que era impossível esconder-se do seu passado, mas ainda assim havia tentando por muitos anos. Aquela viagem para o mar do Norte parecia o plano perfeito, afinal quais eram as chances de ser encontrado ali, no meio do nada, por seus fantasmas?

— Onyx! — Zola surgiu no final do corredor fitando as costas do homem. — Eu quero falar com você! — Foi ignorada e ele aumentou o ritmo de suas passadas, cruzando o corredor num ritmo acelerado. — Onyx! — Chamou, elevando sua entonação.

— Vá embora! — Ele retrucou. Todas as memórias que ele havia cuidadosamente enterrado em cantos obscuros de sua mente foram trazidas para a superfície. Eram coisas demais para sua mente fragmentada lidar.

— Não seja infantil, Onyx… Quero conversar.

O irlandês interrompeu seus passos. — Infantil? — Repetiu em meio a um riso nervoso. Virou-se, encarando-a com um olhar insano. — Depois de três décadas, você quer conversar? Onde esteve sua vontade de conversar enquanto eu estava naquela prisão?! — Zola parou a alguns metros dele como se respeitasse uma distância de segurança. — Você quer conversar? Eu não me importo. Eu não quero ouvir. Guarde seu lixo pra você. — Sua voz delineava-se num tom grave e a ira se fazia presente na forma com as palavras eram articuladas na intenção de causar danos.

Zola o encarava com expressão séria, sem permitir que ele reconhecesse qualquer sinal que indicasse estar sendo afetada pelo ataque. Eles se olharam em silêncio.

— Me arrependi. — Ela começou usando um tom de voz calmo em contraste com a exaltação do homem. — Todos cometemos erros, nos enganamos...

Onyx escancarou a boca numa expressão incrédula. — O quê? — Riu outra vez. — Só pode ser uma piada. — Balançou a cabeça negativamente, se recusando a acreditar no que ouvia. — Não é todo mundo que comete erros que mandam inocentes para a prisão por quinze anos! — Vociferou. — Aliás, só é considerado engano quando você comete um equívoco. Você não sabia o que William estava fazendo? — A sanidade dele parecia desintegrar-se a cada segundo. — Que pergunta desnecessária. — A agressividade converteu-se em calmaria cínica. — É claro que você escolheu proteger seu favorito daquela acusação de terrorismo. — Seu rosto tornou-se obscuro. Onyx parou de fugir e deixou que as lembranças o alcançassem, ele alimentou-se de seu caos. — Quer conversar? Vamos falar sobre como eu fui torturado naquela prisão feita para pessoas como nós. Você gosta de dormir? Porque não vai mais conseguir quando souber o que eles fizeram comigo. Você irá chorar como um bebê. — Ele sorriu. — Ainda quer conversar?

 

20 de Outubro de 2008: 30 anos antes.

Aquele era um dia delicado para a nação americana, embora pouquíssimos soubessem disso. O governo da nação havia convocado seus senadores e líderes dos estados sob a justificativa de realizar um encontro para discutir a crise econômica dos subprimes. Aos olhos de todos, o evento era uma demonstração da preocupação dos seus governantes com o bem-estar da população.

A reunião tinha como objetivo discutir assuntos relacionados a proteção dos civis, mas seu assunto principal era outro, o crescente aparecimento dos mutantes. Durante o dia, os homens e mulheres reuniram-se sobre os holofotes da imprensa e olhares atentos dos seus eleitores. A noite, longe dos curiosos, reuniam-se no congresso com as portas do salão fechadas e sob a proteção conjunta da CIA e do FBI.

Os ânimos estavam alterados. A existência de pessoas com aptidões sobre-humanas já era do conhecimento do governo por muitos anos, que conseguiu manter em segredo a existência desses seres através de manipulações, principalmente da mídia, usada para justificar os acontecimentos que tinham envolvimento mutante e que não podiam passar despercebidos. Catástrofes naturais, incêndios, falhas de engenharia que levaram a queda de edifícios. Foi preciso criatividade para mascarar todas as ocorrências, mas tiveram sucesso.

Contudo, a situação havia chegado ao seu limite, era impossível escondê-los para sempre e esse não era um problema exclusivo da América, outros chefes de estado ao redor do mundo vinham lidando com a mesma problemática.

Matar? Escondê-los? Registrá-los? Ou lançar mão de uma jogada ousada e revelar sua existência?

O grupo estava dividido. Houveram discursos inflamados de opressão daqueles que os consideravam aberrações perigosas, alguns temiam que ações violentas gerassem retaliações pesadas contra o país e por fim os que acreditavam que os mutantes mereciam respeito e atenção, não serem tratado como adversários.

Em meio a guerra travada através de palavras não havia como detectar qual dos lados estavam vencendo. Nenhuma resolução foi tomada naquela noite, porque uma explosão numa das partes do congresso levou a evacuação imediata. Aquela foi considerada uma ação terrorista e através de uma denúncia anônima um grupo de mutantes foi ligada a ela. Os agentes da segurança agiram rápido e chegaram um homem num galpão nos arredores de Washington DC, apontado pela mesma denúncia como sendo a base do grupo terrorista.

O lugar foi silenciosamente cercado e invadido por uma das portas dos fundos, encontrada aberta pelos militares. No interior, o silêncio e o escuro predominavam, sem qualquer sinal de movimentação.

Onyx os ouviu chegando, eram descuidados com os pés, embora não fizessem barulho. Seu pai o ensinou a arte da caça e naquele dia sentiu seus instintos de caçador virando-se contra ele, transformando-o em presa.

Os agentes começaram uma revista detalhada, mas não precisaram avançar muito. O lugar estava repleto de provas. Plantas do congresso, documentos registrando os avanços da organização do ato de terrorismo naquela noite. Foi através deles que eles souberam que havia mais bombas e elas foram encontradas antes de causar uma destruição maior.

Enquanto recolhiam as evidências, eles o encontraram. Um homem de cabelos castanhos, olhos claros, o rosto limpo, de porte físico atlético. Onyx teve sua fuga interrompida e não foi rápido o suficiente para proteger-se. Suas mãos dançaram no ar e uma parede de energia começou a se formada ao seu redor, mas o dardo de um soldado sortudo o acertou na coxa. Ele tentou lutar, conseguiu derrubar alguns deles com seus campos de força, mas quando o anestésico se distribuiu por seu corpo a realidade se desfez.

— Eu não fiz isso. — Ele murmurou, tentando escapar da sonolência pegajosa. — Eu não sou terrorista... Wiliam Roderick... — Antes de apagar, ele viu o rosto "dela" o observando das sombras do galpão.

Dias atuais.

Zola esboçou sua primeira reação ao olhar por cima dos ombros de Onyx e depois para o corredor atrás de si. Seus olhos percorreram as paredes como se procurasse algo. Com um gesto simplório de uma das mãos da mulher, a porta que havia ao lado do homem abriu e com um outro movimento, ele foi lançado para o interior do cômodo de forma violenta.

Onyx escorregou pelo chão com a força do lançamento, seu corpo atingindo com força uma bancada. Colocou-se de pé num movimento ágil, já correndo na direção da porta, mas ela já estava lá dentro, colocando-se entre ele e a porta agora fechada, deixando-o encurralado. Olhou para os lados procurando por saídas, avaliando se conseguiria usar uma das janelas. Tomado pelo alarde de vê-la movendo os braços outra vez, ele empurrou a energia e formou uma parede que dividiu a sala em dois. O lugar tinha a aparência de um laboratório, embora as várias bancadas estivessem vazias.

— O que vai fazer agora? Me matar?

Zola rolou os olhos, o constrangimento inicial pelas acusações dando espaço para a irritação. — Se você não dificultasse tudo, eu não usaria força. — Retrucou. — Desfaça isso! — Apontou para a barreira translúcida. Ele avaliou aquele pedido. — Não? Primeira coisa, ninguém aqui pode saber que nos conhecemos no passado...

— Do que...

— Para a nossa segurança. — Ela respondeu rapidamente, inspirando, não era agradável ser interrompida. — Segunda coisa, quem você acha que te tirou daquela prisão?

— Eu não sei. Aquelas pessoas parecem acreditar que sedação é melhor do que o diálogo. Estava dormindo na minha cela, lembro de acordar com a picada do dardo, mas ele me derrubou. Não sei quanto tempo passou, mas só retomei a consciência num hotel em Atlanta. — Ele relatou. — Esperei que alguém viesse até mim, procurei por respostas, mas nunca consegui nenhuma. Nunca pude enviar flores com um cartão de "Muito obrigado, mate". — Ironizou.

— Não precisa agradecer. — Um sorriso fino surgiu em seu rosto ao ver o choque daquela informação transformar o rosto do outro mutante.

A barreira entre eles cedeu.

— Obrigada. — Ela disse ao ver a energia extinguir-se.

— Explique-se.

Ela encurtou a distância entre eles, reduzindo a sua entonação. Ela tentou tocar a mão dele que estava apoiada numa das bancadas.

— Não me toque. Você não merece saber. — Onyx puxou a mão.

Zola continuou seu relato, cruzando os braços e apoiando os quadris no balcão. — Precisei cobrar alguns favores para te tirar de lá, prometer outros, mas estamos vendo que foi útil.

— Foi a maneira que você encontrou de aliviar seu remorso? — O homem cuspiu aquelas palavras. — Ou não, espera… — Um resquício da insanidade demonstrada antes ressurgiu em seus olhos. — Minha prisão fazia parte do plano de vocês o tempo todo?

— Não seja ridículo. — Cortou ela com rispidez. — E não era "nosso plano", tudo era um plano do William. Eu desconfiava dele faziam alguns dias, mas tinha medo de estar paranoica. Só tive certeza quando soube da explosão no Congresso, fui para o galpão atrás dele… Bem, você sabe...

— Você não fez nada.

— Eles eram muitos! Não havia nenhuma solução que não acabasse comigo sendo presa também. — Mencionou a mulher. — O que não teria sido bom para nenhum de nós. Gostaria de contar com a chance do Roderick nos tirar de lá? Eu acho que não.

— Sobre isso, não parece que você teve pressa, foram quinze anos. — Reportou ele com sarcasmo.

Zola inclinou o corpo para frente, eliminando o que restava de sua paciência.

— Acha que é fácil conseguir infiltrar-se numa prisão federal? Ainda mais uma construída para deter mutantes.

— Se fosse fácil, eu teria saído sozinho. — Onyx zombou e ela bufou. — Perdão. — Proferiu em seguida, baixando os olhos. Refletiu sobre os últimos minutos, como sua tranquilidade se transformou em fúria e agora migrava para uma sensação próxima da animosidade. — E muito obrigado por me ajudar.

A mutante balançou os ombros e pela primeira vez um sorriso sincero iluminou seu rosto.

— Nós somos uma família, Onyx. Todas as famílias têm seus problemas, mas sempre estão lá para ajudar uns aos outros.

Ele concordou com a cabeça, mas não conseguiu sorrir, como se as múltiplas emoções ainda estivessem pesando. — Então, o que está fazendo aqui?

— Trabalhando. A administração me contratou para ajudar os mutantes menos experientes. Parece que duzentos e trinta e oito anos de idade me tornaram uma especialista nesse assunto.

— A natureza dos seus dons também ajudam bastante. — Onyx completou. — Por que não podem saber que nos conhecemos?

— Essa ilha parece o lugar perfeito para pessoas como nós, não parece? Não se engane. Coisas estão acontecendo… E eu tenho medo do nosso futuro, do futuro desses mutantes, se não houver uma intervenção.

— O que você quer dizer com isso?

Zola abriu a boca para responder, mas sua fala foi interrompida por um alarme. Onyx procurou pela origem do som, mas foi a mulher quem a encontrou, tirando de um dos bolsos da calça um aparelho que lembrava um celular, embora fosse circular. Era fino e transparente, as luzes vindas do visor iluminaram o rosto dela.

— Estão me procurando. Eu preciso ir. — Disse, digitando uma mensagem com habilidade. — Conversaremos outra hora. Não conte a ninguém o que eu disse. — Instruiu, enquanto caminhava na direção da saída.

— Não vou falar, não precisa me tratar como se eu ainda fosse um dos seus alunos mais!

— Sei. — A diversão perceptível em sua voz. — Não confie em ninguém Onyx, nem mesmo em mim...


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Notas finais do capítulo

Como Onyx reagirá quando descobrir que a casa onde ele costumava morar foi destruída? Do que será que Zola está falando? Qual é a ligação da mulher com tudo isso? O próximo capítulo será postado no dia 25/07 e mostrará o que aconteceu com os sobreviventes da explosão. Espero suas teorias e outras considerações nos comentários!



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