Monotonia

Por Deusa Nariko

VIII

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Sakura jamais se esqueceria do dia em que beijou Sasuke pela primeira vez. Mesmo que, eventualmente, por contravenção do destino, algum dia o tentasse, a lembrança estaria gravada a fogo em seu cérebro: inesquecível.

Ela mal havia se recuperado do encontro na sacada, sob o testemunho sigiloso das estrelas, dois dias atrás, quando, numa manhã, Sasuke tornou a aparecer em sua casa para que almoçassem juntos.

Decerto que a proposta havia sido dela. Com os preparativos para seu casamento já em andamento — com uma ajuda astuta de Ino —, Sakura sentia que devia passar o máximo de tempo possível com ele e, inicialmente, ela não esperava que Sasuke concordasse com a proposta.

Não pelos motivos que a maioria acreditaria, entretanto; para Sakura, o relacionamento dos dois ainda era uma novidade certamente empolgante para os mais próximos de ambos e até mesmo era motivo para coscuvilhice de estranhos, afinal ele era o último Uchiha ainda vivo e, junto de Naruto, o Shinobi mais poderoso do mundo, e ela era a sucessora da Godaime e Sannin Tsunade-sama, um talento promissor e ascendente como Iryō-nin, assim como uma lutadora feroz e temida.

Sakura estava a par do desconforto de Sasuke com relação a isso. Ele nunca foi apreciador de atenção desnecessária e até mesmo isolara-se nos primeiros anos da Academia. De todo modo — e ainda contrariando as opiniões preponderantes —, ali estava ele, pronto para levá-la no que ela gostava de pensar como seu primeiro encontro oficial.

Bem, ela pensava assim, pois os encontros anteriores no Ichiraku tinham sempre Naruto ou Kakashi a tiracolo ou apenas envolviam caminhadas pela vila — preferencialmente locais assossegados para o Uchiha.

Agora, eles se encontravam em um ótimo restaurante (indicação de Ino) com uma atmosfera ótima — também estavam ali porque Sasuke se recusou a ter um encontro no Ichiraku. Ela entendia que ele buscava privacidade e, especialmente, distância de um encontro casual com Naruto.

Fizeram os pedidos e aguardaram, vez ou outra trocando meias frases pragmáticas em meio ao constrangimento de entenderem tardiamente que estavam, de fato, tendo um encontro romântico.

Sakura comeu e tentou o tempo todo ignorar a tensão entre eles, que se instalara como uma parede invisível, impedindo-a de se conectar a Sasuke. Ele, por outro lado, estava quieto, mais tímido do que o usual.

Uma vez que terminaram a refeição, Sasuke não permitiu que dividissem a conta e ambos deixaram o restaurante em silêncio. Sakura remoeu consigo mesma algumas ideias para quebrar aquele clima estranho, mas estava se sentindo insegura demais. Será que estavam ido muito rápido?, perguntava-se ao morder os lábios.

Caminharam lado a lado, embora houvesse uma distância fria entre os seus corpos. Sem que percebessem, andaram a esmo pelas ruas apinhadas da vila. Ainda tentava lidar com aquele crescente distanciamento quando Sasuke, para a surpresa de Sakura, colocou a mão sobre o seu cotovelo, desviando-a para outra rua para que seguissem com a caminhada. O toque dele queimava, mesmo por cima da sua blusa.

Aos poucos, percebeu que os murmúrios à sua volta cessaram, até que os dois estivessem sozinhos em uma trilha que ela conhecia tão bem. Ignorou um sobressalto e o coração martelando insistentemente suas costelas quando a mão de Sasuke deslizou do seu cotovelo até o seu pulso. Os dedos fecharam-se suaves sobre a sua pele e ele apertou o passo, levando-a até aquele banco de cimento tão familiar.

Sentou-se quando ele o fez; incerta sobre onde manter as mãos nervosas, optou por deixá-las sobre o próprio colo.

Ali, o silêncio e sensação de solidão exerceram um efeito paliativo sobre os seus nervos tensionados. A brisa calma trazia a fragrância das flores e o odor agridoce das folhas em putrefação.

— Sakura. — O chamado repentino de Sasuke fê-la fitá-lo com o coração novamente entre as mãos.

Ele parecia tão intenso agora, olhando-a com aqueles olhos desiguais que apenas nele se tornavam uma característica bela, um complemento para as suas feições amenas. Um olho era negro como o carvão, já o outro tinha uma tonalidade lilás e espirais em torno da pupila miúda.

Sakura apartou a boca com um suspiro; percebeu que havia perdido a capacidade de falar, de súbito. Até mesmo seus pensamentos lhe escapavam, uma vez que se deu conta de que Sasuke não lhe fitava diretamente nos olhos, mas olhava sua boca com desejo irrepreensível.

Sentiu o toque da mão dele no seu rosto e fechou os olhos, rendendo-se. A carícia deixou-a sem fôlego, perdida de amor. Os dedos que pousavam sobre as suas pálpebras cerradas, roçavam seus cílios longos e as maçãs do seu rosto, eram os mesmos dedos que, depois, moveram-se em direção aos seus lábios, contornando-os, sentindo-os.

Sem pensar, ela pressionou a boca de encontro ao polegar áspero que a tocava num beijo de borboleta e abriu os olhos para tornar a encará-lo: o homem ao qual ela pertenceu por todos esses anos.

— Sakura, eu... — ouviu-o sussurrar e seu tom rouco e baixo fez crescer dentro dela um desejo que já não podia mais ser contido.

Sasuke inclinou-se, por fim, e ela o recebeu de bom grado. Temia que seu coração fosse rebentar seu peito a qualquer momento. A boca úmida encostou-se à sua num toque único e manteve-se ali, imóvel. O calor da pele, o cheiro do corpo, a respiração uniforme, os fios espetados cutucando seu rosto, a textura da boca colada à sua: ela sentia e absorvia tudo, ávida.

Era o seu primeiro beijo, afinal. E com o grande amor de toda a sua vida.

Sakura gemeu baixo e inconscientemente, e isso o levou a afastar-se, rompendo o beijo. Sorriu para ele porque não soube o que dizer — mesmo que houvesse algo a ser dito.

Mais tarde, pousou a cabeça no ombro dele e, juntos, assistiram até ao último suspiro do poente incandescente.