Daitai Love escrita por Kaline Bogard


Capítulo 3
Capitulo 03 – Daitai Life


Notas iniciais do capítulo

Olá!

As férias acabaram e eu não tenho um banco de capítulos acumulados dessa fic. O próximo... sai quando eu conseguir digitar! Mas... já escolhi meu tema do DeLiPa 7 e será: Biopunk! Aguardem novidades pra logo! :D

Boa leitura!



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Daitai Love

Kaline Bogard

Capitulo 03 – Daitai Life

— Aomine sensei... tem certeza? Há um limite para tudo, depois que se cruza não dá mais pra voltar.

Daiki ergueu uma sobrancelha, encarando o alerta sem qualquer sombra de seriedade. Pelo contrário, parecia enfadado ao ouvir pela terceira ou quarta vez a mesma coisa.

Só não dava as costas porque aquele velho senhor que o aconselhava havia ensinado e ajudado muito na longa caminhada durante estes seis anos. Entendia que, depois de acreditar tanto no rapaz, era difícil aceitar o não. Por isso descruzou os braços, ainda mantendo-se apoiado no batente, e coçou a nunca.

— Suman — pediu com insinceridade — Tenho certeza.

— Aa, então dessa vez é pra valer — o pobre homem deixou os ombros caírem. Passara pouco dos cinquenta anos, embora continuasse conservado e enérgico.

— Obrigado.

— Isso daqui é seu. Quer levar? — empurrou uma caixa cheia de cartas. Ela deslizou pela mesa até chegar a ponta.

Daiki saiu de seu posto e caminhou pelo pequeno cubículo até a mesa do seu editor. Pegou a caixa um tanto desinteressado. Lera as primeiras, as outras eram todas iguais. Sempre.

— Eventualmente elas vão parar — falou em voz baixa.

— Mas eu guardo todas pra você. Aviso quando encher outra caixa — o editor ficou em pé, deixando os braços caírem ao lado do corpo para fazer uma reverência perfeita — Por confiar em nosso trabalho, obrigado.

— Aa — foi tudo o que Aomine disse antes de dar as costas e sair da saleta. Passou pelos outros cubículos, mal recebendo olhares desinteressados. Era apenas um estranho indo falar com um dos funcionários do local, talvez um mensageiro ou algo que o valha, já que vinha à editora apenas pegar correspondência acumulada.

Assim que saiu do prédio, sentiu como se um peso saísse de seus ombros. Estava feito e não havia volta. Mas Daiki não era de se arrepender das decisões que tomava. Pelo menos na maior parte do tempo. Quando envolvia seu companheiro... aí a coisa mudava totalmente de figura!

Respirou fundo e seguiu em direção ao carro que deixara estacionado por ali. Mas mal chegou a dar dois passos e um rapaz que vinha em direção oposta colidiu contra seu ombro.

— Oe! — Aomine reclamou da falta de educação.

O estranho ignorou e continuou em frente. Digitava freneticamente no celular, nem mesmo olhou pra trás. E a figura daquela pessoa desanimou Daiki de tentar tirar satisfações. O rapaz era tão alto quanto ele próprio e vestia-se com roupas pesadas demais para aquela tarde de outono. O boné enterrado na cabeça fazia sombra no rosto, quase todo encoberto pela máscara cirúrgica branca.

— Tsc. Esquisitão — resmungou antes de seguir para o carro, colocando a caixa no banco do carona. Travou o cinto e ligou o veículo. Olhou pelo retrovisor, vendo se a rua estava livre, e manobrou saindo dali. Ia voltar logo para casa.

Fez todo esse ritual com um imperceptível atraso. Se olhasse pelo retrovisor dois segundos antes teria visto aquele rapaz tirando uma foto da placa do seu carro e continuar o caminho como se nada tivesse acontecido.

D&T

Alguns dias depois, Aomine chegou em casa depois de um turno mais longo e encontrou Taiga deitado no sofá, assistindo televisão com uma caixa cheia de macarons coloridos sobre o peito.

— Tadaima — foi dizendo cansado.

— 'Kaeri — a resposta foi dada com a boca cheia. Daiki teve a impressão de ver alguns farelos voarem como se fossem artilharia pesada no campo de batalha. Riu baixinho — Que foi?

— Nada — aproximou-se do sofá e passou a mão de leve pela bochecha de Taiga, para limpar a pele cheia de farelinhos — Como foi o seu dia?

— Suave. Não teve nenhuma chamada fora do normal. Só um acidente de carro, mas sem vitimas graves ou fatais.

— Que bom.

— E o seu?

— O de sempre. Saí pra ronda, foi tranquilo. Vou tomar banho.

— Hn. Tem Spurs hoje a noite — lembrou que o time preferido de ambos teria jogo naquele começo de temporada.

— Tô sabendo. Mas antes quero desenhar mais umas páginas do mangá — falou preguiçoso. Vinha procrastinando aquilo por tempo demais!

A informação teve o poder de fazer Kagami sentar-se no sofá. Os macarons quase foram ao chão, salvos graças aos reflexos invejáveis do rapaz.

— Não fode, Daiki! Finalmente vai terminar o capítulo da briga?

— Heei, hei — a resposta veio enquanto ele tirava a blusa de frio e jogava sobre o sofá — Vou terminar hoje.

— Até que enfim, caralho! Você tá enrolando isso faz séculos!

O outro apenas riu baixinho, provocando; antes de sair da sala em direção ao banheiro. Taiga sorriu largo. Seu namorado era do tipo que só fazia o que queria, quando queria. Por isso Daitai Love, mangá que ele criara, não tinha periodicidade de lançamento. Alias, o contrato que ele assinara com a editora era bem flexível e favorável para Daiki. Sabia que só conseguira isso porque seu editor era amigo antigo da família. E o folgado apenas aproveitava todas as brechas.

Muito animado, Kagami resolveu cozinhar algo especial para comemorar. E foi assim que Aomine o flagrou, todo alegrinho picando verduras para fazer oden e tamagoyaki.

— Tudo isso por causa dos quadrinhos? — Daiki perguntou, encostando-se na pia e pegando uma maçã para comer. Os olhos azuis avaliavam o outro rapaz quase de forma predatória. Adorava a imagem de Taiga com roupas caseiras, todo a vontade, com aquele avental azul... Tudo nele mexia com os instintos mais primitivos de Daiki. Aquela cena sem duvidas ia parar no mangá.

Cheiro de sabonete e loção chegou até Kagami e o fez sorrir com a sensação agradável.

— Claro — confirmou, evitando olhar na direção do amante. Aquele mangá, Daitai Love, conseguia agradar um público cada vez maior. Os personagens eram cativantes, envolventes. A história prendia pela curiosidade. O enredo despertava sentimentos como euforia, empatia, bom humor. O único problema era o fato de Daiki ter se inspirado em ambos para criar toda a ambientação e personagens.

Quando descobrira aquilo, Taiga se sentira um tanto constrangido, mas permitira que Daiki continuasse com seu trabalho. Até que um dia se encontrara com pessoas de fora do relacionamento intimo, e tivera que enfrentar a realidade de outras pessoas ficarem a par de coisas que deviam ser apenas deles dois.

O constrangimento atingira um nível estratosférico. Só a muito custo Kagami conseguira se segurar e seguir em frente. Tentava ter a mente aberta e se convencer de que “Aoyama” e “Kamisuke” eram nada mais que personagens fictícios. Lidava como podia, a sua maneira.

— Falta muito pra terminar? — Taiga perguntou antes de parar de cortar as verduras para pegar um macaron da caixa que levara consigo.

— Umas dez páginas. Quer ajuda aí? — deu uma última mordida na maçã e jogou o resto no cestinho de lixo sobre a pia.

— Não — olhou torto para o namorado. Aomine na cozinha era sinônimo de bagunça, sujeira e confusão. Ele sujava três vezes mais louças do que o necessário, deixava as coisas fora de lugar, um caos.

— Heei, hei — nem insistiu. Conhecia o amante bem o bastante para saber que era melhor cair fora do 'território' de Taiga antes que começasse, sem querer, o Apocalipse Culinário.

Seguiu para o improvisado estúdio e sentou-se no chão acarpetado. Espalhou os esboços pela mesinha de centro, tendo cuidado com os já finalizados. Concentrou-se em uns traços leves e soltos em uma folha em branco, estruturando a nova página da história.

Vinha trabalhando em uma briga, por dois capítulos depois do primeiro lemon. Kagami estava abismado com o rumo da história. A primeira noite de sexo entre eles não terminara em briga! Então Daiki o lembrava que Daitai Love era uma ficção, não uma representação fiel da realidade. O argumento tinha poder de acalmar o rapaz, mas não de todo, que ficava encafifando ideias na cabeça.

Desenhar era algo que conseguia foco de Daiki, como o basquete conseguira nos velhos tempos. O prazer de jogar trazia uma intensa carga de adrenalina que dava a sensação viciante de estar vivo, estar no controle. No topo do mundo. Jogava porque era bom. Era o senhor das quadras e não existia rival a sua altura.

Até conhecer Kagami e descobrir que nada do que acreditava era sólido. Ou duradouro. Aquele cara surgira como o furacão em sua vida que tirara tudo dos trilhos, no instante em que cumprira a palavra e dera o troco.

Basquete era adrenalina, a sensação e euforia de dominar, conquistar... sedutora e irresistível quando era mais jovem. Que já não trazia o mesmo efeito a medida que amadurecia.

Não precisava mais da injeção de adrenalina para sentir que estava vivo. Descobrira algo muito mais forte e poderoso nos pequenos detalhes da vida a dois que construía com Kagami. Fragmentos como voltar para casa e encontrar quem amava deitado no sofá, devorando guloseimas todo coberto de farelos. Saber que era esperado para assistir um jogo lado a lado. Perceber a mudança na postura corporal quando entrava na cozinha e seu próprio cheiro despertava reações instintivas no parceiro e são tão fortes que ele sequer podia disfarçar. Sentir aquele aroma de comida sendo pronta especialmente para comemorar o que desenhava naquele momento.

Daiki já não precisava estar no topo, pois ali embaixo ao lado de Kagami encontrara alegrias maiores. Também não necessitava ser o senhor das quadras. Era senhor da própria vida.

Domar e conquistar os inimigos? Apenas pelo sabor da vitória? Que fadiga. Preferia domar aquele tigre que morava consigo. Domá-lo, conquistá-lo, fazê-lo se render aos seus desejos. Pelo sabor do amor que se consumava entre eles e era um êxtase que nenhum final de campeonato poderia proporcionar.

Todas essas pequenas e secretas minucias eram um tesouro precioso que pertencia apenas aos dois. Nem um simples fragmento ou inspiração podia ser compartilhado aos olhos de outrem.

Tinham uma vida pública com a qual agraciavam aos amigos, mais íntimos ou apenas de conveniência; aos familiares e à sociedade. E tinham uma vida privada que pertencia apenas aos dois. E a mais ninguém.

— Terminei o jantar. Como está indo? — a voz de Taiga interrompeu a reflexão silenciosa de Daiki, que ergueu a cabeça e mirou o rapaz parado a porta, olhando de volta com curiosidade. Ondas de amor sufocaram seu coração e ele se perguntou onde estava com a cabeça quando criara Daitai Love...

— Bem. Quer ver?

— Claro! — Taiga aproveitou a deixa e foi sentar-se ao lado dele, pegando um dos esboços para ver — Daiki... espero que essa cena não seja o Kamisuke pedindo desculpas para o Aoyama!!

Daiki riu da reclamação. Não haviam diálogos ainda, que seriam umas das últimas coisas acrescentadas.

— Heei, hei — debochou.

— Tá errado isso aí! Foi o Aoyama que começou a briga — parou e pensou um pouco — Mas se for esperar que ele peça desculpas, esquece.

— Oe, ele não é tão cabeça dura assim... — devolveu a provocação naquele tom de voz preguiçoso que lhe era tão característico.

Foi a vez de Kagami rir com o que ouvira.

— Sei. Isso tá bonito. Suas fãs vão adorar! — terminou a frase devolvendo a página para a pilha e lançando um olhar animado na direção do amante.

— Não vão, não — Aomine falou, enfiando o dedinho na orelha e coçando despreocupado.

— Claro que vão. Está ótimo! E se eu conheço bem você, a reconciliação vem com sexo. Muito sexo.

— Com certeza eles vão fazer as pazes na cama — ia terminar o capítulo com tal cena — Mas as fãs não vão saber disso nunca.

Taiga franziu as sobrancelhas de leve.

— Não entendi. Vai fazer tipo um final alternativo?

— Não.

— Não vai publicar a cena de sexo? — Kagami parecia mesmo confuso. Queria entender a frase misteriosa.

— Parei de publicar Daitai Love, Taiga. O volume com a primeira vez deles foi o último que mandei pra editora.

— O quê? Por quê?! — a informação deixou o rapaz desconcertado.

Daiki deu de ombros.

— Perdeu a graça. Não quero mais publicar isso.

— Mas... mas... agora que você está ficando famoso e... saiu até uma segunda tiragem do mangá! Não te entendo!

Aomine respirou fundo e olhou para seu namorado. Não tinha dito nada antes para evitar esse tipo de conversa. Mas agora não podia protelar mais.

— Não saiu segunda edição. Eu liguei pra editora e proibi a tiragem. Sorte que estava atrasado e não tinha ido pra gráfica.

— Daiki, não tô acreditando!

— A fama nunca me interessou ou eu teria investido a sério na carreira. Desenhar é agora pra mim como o basquete era na nossa adolescência. Uma forma de extravasar, fugir da realidade. Quando vi a chance de ganhar dinheiro com isso achei que seria legal.

— Agora não acha mais?

— Não.

— Por quê? Aconteceu alguma coisa?

Aomine respirou fundo. Chegara ao ponto principal que impulsionara sua decisão tão drástica. O personagem “Aoyama” era imaturo e cabeça dura, mas se tratava de mera ficção. Na vida real a dois, existiam momentos em que precisavam ceder. Chegara um desses momentos.

— Taiga, eu sinto muito por ser um idiota — falou com sinceridade, ainda que arrastasse as palavras. Desculpar-se nunca era fácil para si — Eu sei que você não tá confortável com o meu mangá, mas tá fazendo o possível pra me apoiar.

— Sim, Daiki — Kagami emendou, muito sério — Porque é isso que companheiros fazem. Se apoiam.

A frase singela e honesta foi um duro golpe da realidade. Que atingiu Daiki daquela vez.

— Eu sei disso, Taiga. Mas companheiros não expõem o outro da forma que eu fiz. É errado e eu não gostei do resultado. O que a gente tem — fez um gesto de mão indicando ao redor — Foi conquistado e pertence só a gente. Pensei que não teria problema em pegar algo aqui e ali e migrar pra ficção, mas eu estava errado, porra. Fui estupido e idiota.

Depois daquela pequena explosão, um silêncio tenso se estendeu por alguns segundos, até Kagami rompê-lo.

— Isso é meio egoísta da sua parte. Enquanto eu estava desconfortável, não fez tanta diferença assim. Agora você se sente desconfortável e pára com tudo?

— Sim. Não sou empático e nunca me coloco no lugar das outras pessoas, não por conta própria. Sou egoísta e toda aquela lista enorme que você enunciou e me jogou na cara quando era meu escravo — a lembrança fez Kagami corar um tanto sem jeito — E não me arrependo. Mas agora eu peguei o ponto e perdi a vontade de editar.

— Foi por causa daquele jantar com o Kuroko e a Momoi?

— Aa. Não consegui dormir depois, de tanto pensar.

Kagami riu, descontraindo-se.

— Pensar nunca foi o seu forte, Aho. Ficou pensando no quê?

— Naquele namoradinho idiota do Midorima. A empolgação dele me irritou.

— E você ficou com ciumes! — Taiga não conseguiu parar de sorrir. Sabia que seu namorado tinha aquela veia mais ciumenta e possessiva que, geralmente, ficava sob controle.

— Mas não dele específico. É mais no geral — Daiki coçou a nunca. Não queria dizer o principal pensamento que o irritara: imaginar quantos esquisitões batiam uma olhando para seus quadrinhos o tornava mortificado. Se falasse aquilo para Taiga, ia deixar o rapaz mais encafifado do que nunca!

Kagami voltou a pegar uma das folhas e analisar por segundos. O traço era tão bonito, ninguém diria que pertencia a Daiki! E o enredo do mangá também era ótimo. Não foi a toa que cairá nas graças do público.

— 'Cê sabe que essas coisas me deixam sem jeito, mas... eu tava tentando levar numa boa por você — por fim ele disse — Tem certeza que quer parar?

Aomine estendeu o braço e acariciou a bochecha de Taiga de leve. Midorima, Kuroko e Kaoru se recusavam a ler a obra. Algo que agora Aomine entendia como respeito a sua privacidade. Três pessoas de fora que faziam algo que cabia somente a ele: proteger sua relação com Kagami. Não expô-la. Nunca.

— Não 'quero parar', já parei. Tenho certeza de uma coisa: não quero uma relação em que você tente levar algo numa boa, Baka. O que nós temos nunca foi assim.

— E você simplesmente parou? A Editora aceitou numa boa?

— Nah, meu editor tentou me convencer. O contrato que eu assinei não determina prazo de entrega. Então só parei de entregar. O mercado recebe muitos títulos novos todas as semanas. Logo, logo Daitai Love vai sair da lembrança das pessoas.

— Mas você continua desenhando...

— Claro. Desenho pra gente. Não quer saber o final?

Kagami sorriu. Antes de responder, segurou na mão de Daiki com as duas mãos e levou aos lábios para depositar um beijo na palma um tanto fria.

— Obrigado — era um alívio que Aomine decidisse aquilo por si próprio. Faria qualquer sacrifício para proteger a felicidade de seu namorado, e essa decisão incluía aceitar um mangá baseado na relação de ambos. Mas não era hipócrita: admitia que ficava feliz em saber que Daitai Love não estaria mais a disposição dos olhos de estranhos — Desde que seja um final feliz.

— Final feliz — Daiki sorriu torto, de um jeito que arrepiou Taiga — E o acréscimo de algumas tags como: hardcore, exibicionismo, masturbação. BDSM... e nós vamos treinar tudo isso antes.

— Da-Daiki! — o pobre rapaz gaguejou, sentindo a face em chamas. Aomine sabia como estragar uma conversa séria com suas gracinhas!

Ele apenas riu, ambos sem saber se falara a sério ou não. Ambos com uma única certeza: sendo a serio ou não tais ameaças pornográficas, Daiki adorava curtir com a cara de seu namorado!

— Oe, deixa de piada, Aho. Eu vim aqui avisar que o jantar tá pronto e acabei esquecendo da vida! — tentou desconversar e fez menção de levantar-se, porém o outro o segurou no lugar, mantendo-o quieto. Já era velhaco nessas reações impulsivas de evasão que tanto amava.

— Acho que agora a gente tem que matar fome de outra coisa... — insinuou maldoso.

— De qu... — Taiga tentou expressar a dúvida, antes que seus lábios fossem unidos em um beijo que pouco tinha de pudico ou controlado. A resposta a pergunta que sequer formulara.

Kagami, às vezes, era tão inocente!

continua...

A kitnet era como tantas outras espalhadas por Tokyo. Pequena, minúscula. Um cubículo que servia de quarto e sala. As refeições tinham que ser compradas fora, pois não havia cozinha ali. Era quase um quarto de hotel. Um hotel de terceira categoria, com um ar abafado, todavia reconfortante e familiar. Mas o aluguel era barato, cabia no seu orçamento.

Não que ganhasse mal. Pelo contrário. Era um jovem gênio da informática, ganhava muito bem por seus serviços, que podia fazer pelo computador, sem sair de casa. Era um hikikomori, afinal de contas.

Vivia isolado em casa, não saia pra nada. Fechara a única janela do lugar cobrindo-a com papelão e colando pôsteres por cima. Encomendava a comida por um aplicativo de celular, pagava com dinheiro virtual. Recebia a refeição na porta de casa e só a pegava depois que o entregador ia embora. Assim era com produtos de limpeza, roupas e todo o necessário para suprir suas necessidade mais básicas.

Fizera de seu lar uma fortaleza impenetrável, do qual ele nunca saia. Não via a luz do sol há muito anos, até poucas semanas atrás, quando rompera a reclusão auto imposta e colocara o pé fora da casa pela primeira vez em anos.

Por um motivo muito poderoso.

Além de hikikomori, era otaku. Otaku por tecnologias, revistas em quadrinhos e animes. Seu quarto tinha pilhas quase da sua altura de mangás e mais mangás. E ele não era um homem baixo, com seus impressionantes um metro e noventa de altura.

Gastava maior parte do salário com mangás, figures, DVDs, singles, discos BR. Uma infinidade de produtos organizados de forma quase obsessiva. Acompanhava todos os lançamentos online, comprava através do site e pagava com bitcoin, dinheiro virtual.

Graças a isso conhecera um de seus mais profundos vícios. Um mangaka chamado Aokami sensei. Ele lançara um mangá com temática esportiva. Algo que superara seu amor por Slam Dunk e trouxera algo pra preencher o vazio. Se apaixonou pelo estilo e acompanhou a trajetória daquele artista durante seis anos e quatro meses. Ofereceu apoio comprando, às vezes, mais de uma edição de cada revista. Comentava nos blogs, montara e administrava o principal portal em homenagem as criações desse misterioso desenhista.

E então, a obra definitiva. Daitai Love. Mais do que um mangá. Mais do que slice of life, era uma obra fora de escala. Se apaixonara pelos personagens. Se identificara com eles. Encontrara na história de Aoyama e Kamisuke uma oportunidade de viver através deles. Fantasiava que aquela história era a sua história.

Quando lia Daita Love, ele tinha amigos, conseguia sucesso social. Encontrava amor. Por algumas horas não era um jovem escondido em uma saleta apertada, com fobia social. Obsessivo.

Por algumas horas era normal. Era acolhido.

Usara suas habilidades para hackear a Editora e descobrir mais sobre o autor. Não conseguira. O autor - ou autora - era um freelance que não constava nos registros oficiais como funcionário regular. Soubera apenas o nome do editor que acompanhava a obra. Também o pôs em vigilância.

Foi inútil.

Mas sentia aquela obsessão de descobrir quem era a pessoa genial que criara um mangá tão perfeito. E era um sentimento tão forte que o fez sair de casa em anos. O fez enfrentar o mundo lá fora com todas aquelas pessoas a quem desprezava profundamente.

Vigiou e vigiou.

Rondou o prédio da Editora até conseguir fotografar a placa de todas as pessoas que entravam e saiam. Excluiu os funcionários oficiais, vira fotos na Internet.

Buscava alguém temporário, que aparecia ocasionalmente.

E então ele encontrou...


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Notas finais do capítulo

GENTE! SOCORR!! Essa capa de Daitai Love... eu não editei nada xD senti preguiça de amorenar o "Daiki", min perdoem oka? :D

Fez sentido porque o Aomine parou com o mangá? Essa ideia que ele teve foi muito feia e não se faz. Ninguém deve expor o parceiro, ainda mais em um assunto muito intimo. Mas ele abriu os olhos e evitou um estrago maior. Ou não? :D
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Notas:

“Taiga escravo”: uma referencia à Tempest! Alguém notou?!! /puppyeyes

“Hikikomori” (isolado em casa): a pessoa que se isola e não sai de casa pra nada, eles repudiam a sociedade e o contato com outras pessoas. São cada vez mais comuns no Japão, mas existem ao redor do mundo todo. Ainda mais com a facilidade que o comércio virtual oferece. São pessoas doentes, que precisam de ajuda, mas se recusam a aceitar.

“Otaku”: aqui no Ocidente é um termo usado pra fãs de cultura japonesa no geral, principalmente de animes e mangás. Mas no Japão não é bem assim. Eles usam esse termo para se referir a pessoa obcecada por alguma coisa, aquele viciado que respira e vive pra coisa X, pode ser anime e mangá, pode ser tecnologia, videogame, etc. É um termo pejorativo, quando alguém é catalogado de otaku no Japão é na intenção de ofender e denegrir. Um otaku costuma ser isolado dos demais, a maioria não quer interagir com ele, é o tipo que sofre Ijime (que seria equivalente ao bullying que a gente conhece, apenas um pouco pior). Por causa desse isolamento imposto é comum ver grupo de otaku andando juntos por Shibuya e Akiba (principalmente) e... vários se tornando hikikomori.

Mas nem todo otaku é um hikikomori,nem todo hikikomori é otaku. É que eu gosto de complicar as coisas huhuhuhuhu.



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