Sobre shows, sofás e dinossauros escrita por dubstepbard


Capítulo 1
O que você quer




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Tsukishima detestava multidões. Elas eram barulhentas demais, quentes demais, emocionais em excesso, e isso o deixava inquieto. As emoções dos outros pareciam perfurar seu corpo e despi-lo de seus próprios sentimentos, deixando-o inerte e vazio. Não é que ele tivesse medo de se expor, mas ao mesmo tempo era exatamente isso. No meio da multidão, ninguém conseguiria ouvi-lo, ninguém se importava, ele não passava de mais um. E, por isso, Tsukishima amava multidões.

Enquanto divagava sobre o assunto, sentiu seu celular vibrar no bolso da jaqueta. Olhou o remetente e se preparou para o conteúdo da mensagem com um suspiro pesado.

As mensagens de Kuroo sempre mudavam seu dia radicalmente.

Oi, Tsukki! Aquele DJ que você gosta vai tocar aqui em Tóquio daqui duas semanas. Vamos?

Surpreso por não ser uma mensagem inútil ou sarcástica, Tsukki arregalou os olhos e franziu a testa, ponderando. Ele sabia que muito provavelmente o show não seria algo pequeno e tão pouco vazio, visto que o DJ em questão era bem conhecido mundo afora. Mas era uma chance de ouvi-lo ao vivo, uma chance que nunca havia aparecido antes, uma vez que pouquíssimos artistas se apresentavam em Miyagi e que seus pais nunca deixariam ele varar a noite sozinho em outra cidade. Era provável que, se ele pedisse, Yamaguchi toparia ir com ele mesmo não sendo fã do gênero, mas ele preferia poupar o amigo desse sofrimento. Pensou também em chamar seu irmão mais velho, mas afastou a ideia rapidamente pois sabia que Akiteru estava em época de provas e não poderia acompanhá-lo. Depois de pensar muito, pelo que pareceram horas, ele respondeu a mensagem.

Se não for um incomodo pra você.

Haviam se passado 5 minutos.

Nunca é, Tsukki. Que milagre é esse? Você nunca responde rápido assim!

Tsukki olhou para o celular, sentindo-se levemente incomodado por Kuroo reparar nesses detalhes tão pequenos. Isso o deixava… nervoso? Ansioso? Ambas as opções eram prováveis mas ele não estava pronto para admitir.

Não era a primeira vez que ele iria sair com Kuroo, obviamente. Além dos treinos ocasionais de vôlei, eles já haviam ido a museus, festivais de música, e até a uma festa de um tio-avô do Bokuto (Tsukki nunca soube porque aceitou ir, mas nunca se arrependeria de ter ido, afinal, foi nessa festa que ele descobriu que o Akaashi bêbado é o cara mais engraçado do mundo). Sair com Kuroo era algo diferente e ao mesmo tempo tão natural que ele se condenava toda vez que aceitava.

Ele ignorou a provocação e mudou de assunto.

Que dia vai ser? Vou reservar um hotel.

Qualé, fica aqui em casa, tenho um sofá novo pra você testar!

Parece promissor... Só que não. Me fale o dia logo.

Por favorzinho Tsukki?

Tsukki respirou fundo antes de responder, sentindo-se derrotado.

Ta bom, ta bom. Mas ainda preciso saber o dia.

Também não era a primeira vez que ele iria dormir na casa do mais velho. Ele vinha de longe e hotéis são caros, ele não tinha muita opção. Ou ao menos isso é o que ele se forçava a acreditar.

Yay! Vou reestocar os petiscos então, eu comi os que sobraram da outra vez.

E isso já estava se tornando rotina.

(E isso assustava Tsukki.)

--

No dia do show, Tsukishima chegou em Tóquio pontualmente, mas o mesmo não podia ser dito sobre Kuroo. O mais jovem apertava as alças de sua mochila, irritado. Onde diabos estava aquele babaca? Já haviam se passado 15 minutos do horário combinado e -

De repente algo - presumidamente um par de braços - estava escorregando em seus ombros e puxando-o para o lado, fazendo o loiro perder o equilíbrio.

Tsukki conseguiu se recompor e olhar na direção em que fora “atacado”. Achou que o estranho estava tentando esmagá-lo, mas depois percebeu que aquilo era um abraço. Sentiu um perfume conhecido.

“Oh”, ele pensou, enquanto reconhecia o perfume e o abraço “óbvio.”

Maldito Kuroo pegando-o desprevinido.

“Oi, Tsukki. Desculpa, me atrasei. Aposto que você está me xingando mentalmente nesse momento.”

Kuroo estava o abraçando em plena estação lotada, com a cabeça apoiada em seu ombro e braços apertando-o de forma quase dolorosa.

Tsukki sentiu um calor subir até suas orelhas enquanto se desvencilhava do rapaz. Agora que nenhuma parte de seu corpo estava sendo apertada, ele deu de ombros e sorriu sarcasticamente.

“Já estou acostumado com sua falta de comprometimento. Vamos logo, não quero me atrasar por sua causa.” e, dizendo isso, começou a andar rapidamente em direção à saída da estação, evitando fazer contato visual com qualquer pessoa que pudesse ter presenciado a cena.

“Ei.” Kuroo apertou o passo para alcançar o mais jovem. “Você sabe que você está indo para minha casa e que eu posso te deixar trancado pra fora né...”

Tsukki olhou para o outro rapaz com desdém. “Você não faria isso com uma visita.”

“Ohoho? Isso é um desafio?” E lá estava o sorriso sarcástico, marca registrada de Kuroo.

O jovem engoliu em seco. Era costume que os dois se provocassem o tempo todo, mas ele não se lembrava de se sentir tão afetado pelas palavras e menos ainda pelo tom de voz do outro. Tsukishima abriu a boca para responder, mas foi interrompido.

“Além disso, você nem é uma visita mais. Já é da casa.”

Desta vez, Tsukki podia jurar que Kuroo estava tentando fazê-lo corar.

E estava conseguindo.

--

Kuroo perguntou sobre a viagem, sobre os treinos de vôlei e sobre os estudos. Tsukishima não perguntou sobre absolutamente nada, já que o outro contava tudo sem a necessidade de perguntas. De certa forma, aquilo era reconfortante para Kei, que não gostava muito de se esforçar para interagir com os outros. De certa forma, ele gostava de ouvir sobre a vida do mais velho, que tinha muito mais histórias para contar do que ele. De certa forma, ele se sentia agradecido por não ter que formular perguntas para preencher o silêncio e que mesmo o silêncio entre eles não era algo estranho, e sim apreciado.

A curta viagem para o apartamento de Kuroo pareceu mais curta do que de costume, Kei pensou enquanto o outro abria a porta e acendia as luzes.

Tirando os tênis dos pés e a mochila das costas doloridas, o jovem deixou seu corpo cair no sofá que estava no meio da pequena sala. O cheiro da mobília nova invadiu suas narinas e ele fechou os olhos, curtindo o momento e sentindo o tecido macio ser aquecido aos poucos com o calor de seu corpo.

“Sabia que você ia gostar do sofá novo. Escolhi pensando em você!” Kuroo apoiou-se no encosto do sofá por trás e abriu um enorme sorriso, apoiando o queixo em uma das mãos e deixando a outra cair até onde Tsukki estava deitado de barriga para baixo.

O loiro sentiu um arrepio e pensou ter sentido algo deslizando em suas costas, mas todo o cansaço da longa viagem de trem o atingiu em cheio e ele se viu imóvel, sem forças para levantar a cabeça. Provavelmente ele estava apenas imaginando coisas.

“Calado, idoso.” respondeu sem abrir os olhos, com a voz embargada e grave. Ele ouviu uma risada abafada e sentiu a mão do outro jovem bagunçar seu cabelo. Abriu a boca para reclamar, mas estava muito cansado e o gesto, praticamente carinhoso, fez ele se sentir seguro.

Bom, ao menos Kuroo estava quieto agora.

De fato, o sofá era muito mais confortável do que o anterior, e Tsukki agradeceu mentalmente, mesmo sabendo que ele não era o motivo pelo qual Kuroo havia comprado o novo.

Obviamente ele não era o motivo.

Definitivamente não.

Com certeza não.

Provavelmente não.

--

Tsukki acordou com o barulho de uma porta se fechando.

A principio ele não reconheceu o lugar, o que fez seu coração disparar e ele se levantar rapidamente - muito rapidamente.

Sentindo-se tonto e caindo de novo no sofá, ele percebeu que estava sem óculos. Tateou a procura deles, e logo os encontrou na mesa que ficava ao lado do sofá. Percebeu também que deixara cair algo, e ao abaixar a mão percebeu que esse algo era um cobertor.

Ele não se lembrava de ter pego um cobertor.

Aos poucos, conforme a sala ia entrando em foco, o loiro se lembrou de onde estava e por que estava lá. Sentou-se e olhou o horário no celular: aparentemente, ele havia apagado por 40 minutos. O show só começaria dali algumas horas, o que o tranquilizou imensamente. Nunca poderia se perdoar caso tivesse perdido a hora. E nunca poderia perdoar Kuroo por não acordá-lo.

Ele se lembrou do cobertor e uma sensação esquisita tomou conta de seu estômago.

Desde quando Kuroo tomava conta dele desse jeito? Desde quando um simples gesto o fazia se sentir tão irriquieto, tão ansioso?

Irritado com seus sentimentos, Tsukki bufou e levantou-se mais uma vez, determinado a esquecer aquele monte de borboletas que estavam fazendo festa dentro dele.

O apartamento estava escuro e silencioso demais.

“Kuroo?” o jovem chamou, mas não teve resposta. Aventurando-se pela penumbra do apartamento que já conhecia bem, ele acendeu as luzes e constatou que, realmente, Kuroo o havia deixado sozinho.

Ainda irritado, dessa vez com o outro rapaz, o mais jovem digitou uma mensagem indignada para descobrir por que ele estava sozinho e se jogou novamente no sofá. O sofá que teoricamente havia sido comprado pensando nele.

E pensar que ele estava começando a acreditar que Kuroo gostava dele.

Se ele gostasse de você, ele não deixaria você sozinho sem explicações.

Se ele gostasse de você, ele não se atrasaria pra te ver.

Se ele gostasse de você, ele ao menos avisaria que ia sair.

Se ele gostasse de você, ele teria deixado um recado em algum lugar.

Se ele gostasse de você, ele se importaria.

Se ele gostasse de você, ele já teria te falado.

Seu lado pessimista estava tomando conta, e isso o estava deixando furioso com algumas coisas.

Em primeiro lugar, como o outro jovem ousava fazer ele se sentir assim?

Em segundo lugar, como ele podia se sentir assim se não gostava de Kuroo?

Em terceiro lugar, por que ele tinha que passar por isso agora, tão longe de casa e tão perto do outro?

A noite estava arruinada, ele tinha certeza. Já estava prevendo que seu mau humor ia durar até o fim da viagem, que não ia se divertir no show, que nada ia dar certo, que seu jeito iria afastar Kuroo e que ele ia terminar como estava agora: sozinho e no escuro.

Decidiu se levantar. Ao fazê-lo, ouviu um barulho peculiar de papel sendo amassado e olhou para baixo, percebendo uma folha no meio do cobertor que estava jogado no chão. Curioso, pegou a folha e leu.

“Fui ao mercadinho, não tem leite em casa, volto logo”.

O recado era simples e tinha um desenho malfeito de um gato piscando um olho.

Tsukki sentiu seu lado pessimista virar uma garotinha eufórica enquanto as borboletas voltavam a fazer festa em seu estômago.

Se ele gostasse de você, ele teria deixado um recado em algum lugar.

“Não. Isso não significa nada.” ele disse, amassando o papel e jogando-o longe.

O rapaz acompanhou a trajetória da bolinha de papel com os olhos. A bolinha bateu na mesa que eles usavam para as refeições, e a atenção de Tsukki se voltou para uma sacola misteriosa que estava em cima da mesa.

Curioso, ele foi até a mesa e checou o conteúdo da sacola. Lá estavam os snacks que ele mais gostava, os que Kuroo havia prometido reestocar. A nota da lojinha marcava o local e o horário da compra, e Tsukki viu que o horário era exatamente o mesmo da sua chegada.

Kuroo havia se lembrado de seus snacks favoritos e havia atravessado parte da cidade só para consegui-los, aparentemente.

Se ele gostasse de você, ele não se atrasaria pra te ver.

Sentiu o ar sair de seus pulmões e sua face corar. Ele havia se atrasado porque fora comprar as coisas que Tsukki gostava. E pensar que Tsukki ainda havia ficado bravo com ele.

Eu realmente sou o pior.

Envergonhado consigo mesmo e seus sentimentos, o jovem sacudiu a cabeça e resolveu que tomar uma ducha era sua melhor opção no momento. Pegou sua mochila e se trancou no banheiro, se sentindo mal por ter ficado irritado com o outro.

A água quente batia em sua pele e limpava seus pensamentos, relaxando-o e esvaziando sua mente. Precisava compensar Kuroo pelas grosserias, mas como?

Uma ideia se formou no fundo de sua mente e o rapaz corou, sem saber se era um efeito de sua mente ou do calor da água. Desligando o chuveiro, ele se secou e vestiu sua calça jeans que havia levado para ir ao show.

Sem camisa, ele atravessou a casa e foi em direção ao quarto de Kuroo.

Ele não se lembrava direito do quarto do outro garoto, apesar de terem passado alguma parte dos dias por lá, vendo vídeos e navegando na internet.

Por isso, ao entrar, sentiu-se culpado. Era estranho estar lá sem o outro para faze-lo se sentir a vontade.

Por isso, sua ideia era ser o mais breve possível e sair de lá o quanto antes.

Acendeu as luzes e dirigiu-se ao armário. Tudo o que ele queria era pegar uma camiseta emprestada pois não podia arriscar sujar a camiseta do show. Ao abrir o armário, porém, ele viu-se incapaz de se mexer.

Era tudo tão Kuroo.

O perfume, as roupas bagunçadas, as quinquilharias que o outro ousava chamar de “coleção” e até mesmo as pelúcias de gato que ele mantinha escondidas da humanidade.

Tsukki fez uma anotação mental de mencionar os gatinhos de pelúcia quando o rapaz chegasse. A cara dele seria hilária e-

Mas e se ele não achasse engraçado e ao invés disso ficasse bravo pela invasão de privacidade?

O loiro não conseguia saber qual seria a reação do outro jovem se descobrisse que ele andara fuçando em suas coisas sem permissão.

A ideia parecia cada vez pior agora, e Tsukishima ponderou se deveria abandoná-la, quando a porta da sala foi aberta e o barullho de chaves e sacolas ressoou pelo pequeno apartamento.

“Tsukki! Eu recebi sua mensagem, você não viu o meu recado?”

Oh merda.

O mais jovem ficou paralisado em frente ao armário aberto, sem saber como reagir.

Ele ouviu Kuroo chamar por ele da sala, e, como todo o resto do apartamento estava escuro, logo saberia onde estava.

Oh merda.

Os passos se aproximaram rapidamente e em poucos instantes Kuroo estava na porta de seu próprio quarto, apoiado no batente com os braços cruzados.

“O que você está fazendo, Tsukki?”

“Ahh… Kuroo-san, me desculpe. Eu só queria pegar uma camiseta emprestada e achei que não teria problema pegar, e…”

Ele foi interrompido por uma risada.

“Não tem. Fique a vontade Tsukki, sinta-se em casa. Além disso, pare de me chamar de ‘Kuroo-san’ por favor… Faz eu me sentir ainda mais velho e acabado.”

O moreno andou até onde o mais novo estava e bagunçou seu cabelo, que ainda estava úmido.

“Você já tomou banho? Vou lá então, dá licença que preciso pegar uma roupa.”

Kuroo colocou uma mão em cada ombro de Tsukki e o puxou para o lado, tomando seu lugar e pegando umas roupas que estavam meio emboladas em seu armário.

O contato das mãos do rapaz com sua pele nua fez Tsukishima prender a respiração. Sentindo suas bochechas arderem, ele sentou na cama desajeitadamente e colocou uma mão na frente do rosto, torcendo para que o outro não olhasse para ele.

“Toma, usa essa.”

Quando Tsukki olhou, já era tarde demais. A camiseta colidiu com seu rosto e caiu em seu colo, derrubando seus óculos no processo.

“Ai.”

“Ah merda, foi mal Tsukki! Você ta bem?”

Uma fração de segundo depois, Kuroo estava agachado em sua frente, com as mãos nos joelhos do loiro e olhando para ele de forma tão intensa que a única coisa que Tsukki conseguiu fazer foi desviar o olhar enquanto ficava ainda mais vermelho.

“Estou sim.” respondeu o jovem, ainda sem olhar para o outro.

“Foi mal Tsukki.”

“Vai logo.”

Kuroo levantou-se e sorriu para ele, colocando a mão em seu ombro, que ainda estava descoberto, e fazendo uma leve pressão, como que para assegurar o outro que estava tudo bem.

Assim que o outro saiu do quarto, Tsukishima deixou o corpo cair para trás, deitando na cama para tentar assimilar o que acabara de acontecer.

Lá estava ele, semi nu, deitado na cama de seu amigo, morrendo de vergonha pela simplicidade com que o outro o tratara.

“Talvez as coisas não precisem ser tão complicadas”, ele pensou.

“Mas talvez ele não se importe com você”.

O segundo pensamento parecia mais plausível.

Recompondo-se, Tsukki olhou a camiseta que Kuroo havia jogado para ele.

Seu coração pulou em seu peito.

Era uma camiseta com estampa de dinossauro.

Tsukki não sabia se era algo planejado ou coincidência, pois aquela era a camiseta de dinossauro do museu que eles haviam visitado juntos. Ele não acreditava que Kuroo tinha guardado aquela camiseta.

A estampa estava ligeiramente desbotada, indicando que o jovem havia usado-a algumas vezes.

No mínimo algumas muitas vezes.

Ainda curioso com as ações do outro rapaz, Tsukki vestiu a camiseta e saiu do quarto, sentindo-se estranhamente confortável nas roupas do outro.

Agora era hora de colocar seu plano em ação.

Ao passar pelo corredor, pode ouvir Kuroo cantando no chuveiro e não conseguiu conter uma risada.

“Você canta muito mal, Kuroo, os vizinhos vão reclamar.”

Alguns segundos de silêncio ocorreram e Tsukki quase se sentiu compelido a pedir desculpas, mas assim que o pensamento cruzou sua mente Kuroo retomou a cantoria ainda mais alto.

Ele riu e ouviu o outro rir também, a voz abafada ecoando no banheiro.

Tsukki foi para a cozinha e começou a vasculhar os armários… quando a geladeira lhe chamou a atenção.

Várias fotos estavam grudadas na porta da geladeira. Curioso, o rapaz andou até ela e começou a examinar as fotos.

Por alguns instantes, sua respiração parou.

Boa parte das fotos tinham seu rosto nelas.

Ele reconheceu a camiseta que estava vestindo, a de dinossauro, em uma foto de Kuroo estava com Bokuto e Akaashi e Kenma em alguma festa aleatória.

Ele se lembrava de algumas fotos, mas de outras definitivamente não.

Principalmente aquela em que ele e Kuroo estavam lado a lado, vermelhos, o braço de Kuroo em seus ombros e o maior sorriso estampado na cara do mais velho.

“Gostou das fotos? Eu pensei em coloca-las aí porque olho pra elas sempre; são boas memórias.”

Kuroo estava entrando na cozinha, vestindo uma calça jeans escura e com a toalha jogada nos ombros, secando seu cabelo displicentemente.

“A minha favorita é essa aqui.”

Obviamente, era a mesma foto que ele estava olhando.

“Eu não me lembro de ter tirado essa foto.”

“Pra falar a verdade, nem eu. Mas é uma boa foto, não é?” Kuroo disse, sorrindo.

Tsukishima abriu a boca para responder mas não conseguiu formular uma resposta.

“Mas o que eu realmente queria saber, Tsukki, é por que você está parado na frente da geladeira.”

“Eu-”

Não.

Ele não ia conseguir falar aquilo.

Ele não ia conseguir falar que estava pensando em cozinhar a janta para Kuroo como forma de desculpas por ter ficado bravo pelo atraso do mais velho. Ele não ia conseguir falar que não entendia as atitudes do outro, que não conseguia ver um motivo pelo qual Kuroo se esforçaria tanto para agradá-lo mesmo quando ele havia sido horrível. Ele não ia conseguir falar que se sentia sufocado por seus próprios sentimentos, que estava confuso e que não deveria existir.

Ele simplesmente ficou em silêncio e Kuroo o observou por um instante.

Seu peito doía.

Ele podia ouvir seu coração batendo desesperadamente em seu peito, e isso doía.

Kuroo ainda o observava, preocupado. Tsukki abria e fechava a boca, incapaz de falar o que estava pensando e sentindo.

Kur- Tetsurou, eu acho que -

Kuroo suspirou e colocou as duas mãos nos ombros do rapaz, abrindo um sorriso.

“Não precisa se sentir obrigado a me falar o que você está pensando, Tsukki. Relaxa.”

Ainda sorrindo, ele apertou de leve os ombros do mais alto antes de soltá-lo.

“Mas ainda quero saber por que você ta vasculhando os armários, eu comprei snacks!”

“Eu-”

A voz de Tsukki o traiu no meio da frase, saindo aguda e rouca.

Ele pigarreou e continuou a frase, olhando para baixo.

“Erm. Eu achei que seria melhor comer algo mais parecido com comida.”

“Realmente é uma boa ideia, onde você quer ir? Aqui não tem nada pronto e-”

“Por isso que eu ia fazer uma coisa rápida pra comermos.”

Kuroo arregalou os olhos de uma forma que o outro jovem teve medo de que seus olhos saíssem das órbitas.

“Ahhh Tsukki, que gracinha! Deixa comigo, vou te mostrar meus super dotes culinários.”

Com uma piscadela, Kuroo puxou o outro pelos braços para abrir a geladeira, suas mãos se demorando um instante a mais do que o que o movimento exigia. Foi o suficiente para fazer o coração de Tsukki disparar.

O fato de que Kuroo havia jogado a toalha no balcão e agora estava usando um avental sobre seu torso nu não estava colaborando também.

Depois de pegar uma frigideira e alguns outros utensílios, o moreno se virou para o outro, com as duas mãos na cintura.

"O que você quer comer?"

Tsukki deu de ombros, ignorando seu coração que parecia querer sair pela boca.

“Tanto faz, contanto que você não bote fogo na cozinha... Você tem certeza que sabe cozinhar?”

“Tsukki, meu calouro querido, eu moro sozinho, sei me virar!”

“... Sua mãe te manda comida sempre e você leva as roupas pra ela lavar. Isso quando você não come fora, sua geladeira ta sempre vaz-”

Kuroo riu, virando-se novamente para o fogão.

“Jaaaa entendiiiiii... Chega de detalhes!”

“Detalhes?! Você tem certeza que não ta tentando matar a gente?”

“Da última vez que eu chequei não estava nos meus planos…”

Os dois riram.

“Fico mais tranquilo então. Mas pode deixar que eu faço a comida, você pode me ajudar se quiser.”

Kuroo fez cara de ofendido.

“Você não confia em mim?’

“Pra cozinhar não. ”

“Ahhh então pra outras coisas você confia?”

“Obviamente, se não eu não viria de outra cidade pra sair com você.”

A resposta foi tão sincera e natural que o jovem só percebeu o que tinha falado quando Kuroo ficou em silêncio e realmente surpreso, talvez até um pouco corado.

Mas isso era só a imaginação de Tsukki, certamente, e ele quebrou o silêncio.

“Vamos fazer isso logo antes que a gente comece a ficar atrasado.“

“... Claro, Tsukki.” Kuroo falou, abrindo um enorme sorriso.

Em pouco tempo eles conseguiram fazer uma refeição decente sem quebrar nada e nem botar fogo no apartamento. Tsukki tinha prática na cozinha, era algo que ele gostava de fazer e praticava em casa as vezes.

Kuroo era um bom ajudante, apesar do outro duvidar de suas habilidades culinárias.

Quando os dois estavam com seus devidos pratos, Kuroo pegou a mão do outro rapaz e o guiou para a sala.

“Vamos comer vendo TV!”

A mão dele segurava a mão de Tsukki com firmeza, quente, calejada pelos treinos e ao mesmo tempo delicada e suave ao toque.

O loiro tinha certeza de que estava vermelho. Já ia começar a se xingar mentalmente quando viu que Kuroo também estava com as bochechas mais rosadas do que de costume.

Os dez passos entre a cozinha e a sala pareceram durar uma eternidade, uma eternidade que pareceu ter durado pouco quando Kuroo soltou a mão de Tsukki.

“Ei Tsukki…”

O tom das palavras de Kuroo era urgente e ao mesmo tempo suave, como se tivesse algo que ele precisava falar mas não sabia como.

Tsukki prendeu a respiração.

“Ah... deixa pra lá. Vamos comer ~” Kuroo disse, sentando-se no sofá novo e ligando a TV. Ao ver que o mais jovem ainda estava em pé, desconcertado e com cara de quem não estava entendendo nada, ele deu dois tapinhas a seu lado, como que indicando para que o rapaz se sentasse ali.

Estar tão perto do outro definitivamente não estava fazendo bem para Tsukki, que tinha certeza que era possível ouvir seu coração batendo num raio de 3km.

Comeram rapidamente, com a TV preenchendo o silêncio. Kuroo terminou seu prato e largou o corpo no sofá, bocejando. Tsukki pegou os pratos e levou-os para a cozinha. Depois algum deles lidaria com a louça.

Voltando para a sala, ele percebeu que o ambiente estava mais limpo e arrumado do que das outras vezes, a grande janela estava coberta com cortinas e o tapete estava em seu lugar (das outras vezes, ele estava enrolado num canto). Kuroo agora tinha até umas plantas no canto, mas nenhuma delas em flor. Depois ele perguntaria para o mais velho quais eram aquelas plantas.

Ele olhou desinteressado para a TV, que agora mostrava as notícias da semana. Estranhou o silêncio, e, para sua surpresa, viu que Kuroo ainda estava na sala.

No sofá.

Dormindo.

O dia deve ter sido cansativo pra ele também.

Tomando cuidado para não acordar o outro, Tsukishima agachou-se do lado do sofá. Olhando por cima do braço do móvel, ele podia ver Tetsurou esticado, ocupando todo o espaço, com um semblante de calma e o peito (ainda nu) subindo e descendo lentamente. O cabelo continuava como sempre: um desastre, e a franja estava caindo sobre o rosto dele.

Kei esticou a mão e, instintivamente, afastou a franja para o lado. Percebendo o que estava fazendo, ele ficou paralisado enquanto observava o outro rapaz se mexendo.

Por sorte, ele não acordou.

Novamente sentindo seu coração bater absurdamente rápido, Tsukki levantou-se e foi trocar de camiseta e arrumar as coisas para o show.

--

Kuroo acordou meio desnorteado, o calor do sofá permanecendo em seu corpo mesmo depois de se sentar. A sala estava escura, a única luz parecia vir do final do corredor.

A TV não estava ligada?

Levantou-se devagar e estranhou quando viu o cobertor caindo no chão.

Acho que eu dormi, mas de onde veio esse cob- ah merda, o Tsukki tá aqui em casa!

Subitamente alerta, ele andou até o quarto em passos rápidos e suspirou aliviado ao ver Tsukki sentado em sua cama, com os fones de ouvido na cabeça e abraçando as pernas.

“Tsukki! Desculpa, eu apaguei.”

“Não tem problema, Kuroo, você estava cansado.”

“Mas não é justo deixar você aí, sozinho, sem fazer nada.”

A essa altura, ele já estava em cima da cama, ajoelhado na frente do outro rapaz e com a testa no colchão, em uma reverência, pedindo desculpas.

“Eu sei que você não gosta de ficar sozinho aqui em casa.”

“Kuroo.”

Kei colocou uma mão no ombro do jovem, que ainda estava debruçado, e suspirou, dividido entre achar graça na situação ou dar um tapa no outro.

“Kuroo, sério, ta tudo bem. Eu vim pra cá pra não te atrapalhar, estava só ouvindo música e esperando a hora para te acordar.”

Tetsurou levantou a cabeça e se sentou na frente de Kei, olhando-o intensamente, como que analisando se o rapaz estava bravo.

“Mesmo?”

“Sim, Kuroo. Mesmo. Inclusive,” Tsukki mudou de posição, sentando-se com as pernas cruzadas “já ia te acordar. Está quase na hora de irmos e você ainda não ta pronto.”

Kuroo se jogou na cama e se espreguiçou, involuntariamente fazendo Tsukishima se levantar.

“Tsukkiiiiiiiiiiiii~”

Mas o outro jovem já estava na porta, com a mochila nas costas.

“Vamos logo, idoso. Não quero me atrasar por sua causa.”

“... Como você é cruel!”

Kuroo pegou a primeira camiseta que encontrou e vestiu, jogando uma jaqueta por cima e calçando os tênis e saindo apressado do quarto.

Encontrou Tsukki em pé do lado da porta da sala.

“Vamos?”

O outro não respondeu. Apenas olhou para ele e saiu apressadamente do apartamento, ajeitando os óculos.

Ele não entendeu o motivo do outro ter ficado tão vermelho e envergonhado até um bom tempo depois, quando percebeu que estava usando a camiseta de dinossauro que havia emprestado para Kei mais cedo.


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Notas finais do capítulo

Obrigada por lerem! :D

Pretendo postar o próximo capítulo na semana que vem (๑̀ㅂ́)و✧

Comentários aquecem a alma e me fazem feliz ♥
Críticas são muito bem vindas também!