As Máscaras de Sakura escrita por Siryen Blue


Capítulo 33
Primeira Fase: Agridoce


Notas iniciais do capítulo

VOCÊS PENSARAM QUE EU NÃO IA DAR AS CARAS HOJE?

Para compensar minha ausência extremamente prolongada, para pedir desculpas e para agradecer a quem ainda está aqui comigo, trago este capítulo MEGA GIGANTE (as definições de capítulo gigante foram atualizadas). Quem não tiver paciência (ou tempo) para ler um capítulo desse tamanho, aconselho a ir lendo por partes. Pensem que é como 10 capítulos de umas 2500 palavras juntos em um único.

Esse capítulo é dedicado a todas meus leitores antigos que estiverem lendo isso (porque se estão lendo, significa que mesmo depois desse tempo absurdo não desistiram da fic).

Obrigada por tudo e me desculpem fazê-los esperar tanto.

Enjoy!



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POV: Haruno Sakura

Eu não consigo me mexer — foi a primeira coisa que passou pela minha cabeça.

Nem ao menos conseguia abrir meus olhos. Havia uma dormência por toda a parte. Era como se meu corpo não fosse meu. Senti uma certa agonia.

Um sono incontrolável começou a me puxar rapidamente e eu não conseguia resistir.

Apaguei.

*

*

*

POV: Sabaku no Gaara

"Ela já deveria ter acordado." Repeti, pela milésima vez.

"Um pouco de paciência não te faria mal." Temari disse.

"Ela deveria ter acordado ontem." Insisti.

"O médico disse que ela poderia acordar ontem."

"Caralho, Temari! Eu já estou esperando ela acordar há uma semana! Essa agonia parece não ter fim!"

Minha irmã sentou ao meu lado, apoiando seu rosto em meu ombro.

"O pior já passou. Ela está fora de perigo, isso é o que importa." Temari disse.

Estávamos na sala de descanso dos residentes — eles já até estavam acostumados com nossa presença, era como se fôssemos parte da decoração.

Eu não conseguia mais conter minha impaciência com a demora de Sakura em acordar.

Merda! Aquela espera estava me matando!

"Sasori e Deidara serão levados de volta a Konoha amanhã." Temari comentou.

"Eu sei." Cerrei os punhos. "Tomara que morram."

"Eles são menores de idade, isso é o pior." Minha irmã continuou. "Vão ser levados pro centro de detenção, onde irão passar por mais uma avaliação médica e, enfim, o julgamento. Mas não devem pegar mais que alguns poucos anos de detenção."

Respirei fundo. A minha raiva deles só não era maior que minha preocupação com Sakura.

"Ah... Eu esqueci de te dizer..." Temari começou. "Sakura teve uma visita hoje mais cedo."

"Algum dos amigos?" Perguntei. Eles vinham de vez em quando. Dividiam-se entre os hospitais de Sakura e do Uchiha.

"Não... Era um tal de Kabuto."

Meus olhos saltaram.

Aquele Kabuto?

"Tsunade quase teve um infarto quando o viu. Ela se escondeu." Minha irmã disse.

E com razão. Kabuto era o médico que Tsunade levara ao meu apartamento no dia em que "atropelei" Sakura — sem dúvidas foi ela quem atropelou meu carro com a bicicleta.

O fato era que Kabuto sabia que Tsunade era minha assistente. Se os dois tivessem se encontrado, com certeza ele desconfiaria de algo.

Mas não era de todo estranho Kabuto ter vindo até Nova York ao saber da situação de Sakura. Pelo que ela havia me contado, o médico havia sido como uma figura paterna para ela, tratando-a com muito mais carinho e atenção que a própria mãe.

Falando nisso...

"A mãe da Sakura veio?" Perguntei.

"Não sei." Temari falou. "Pelo menos aqui no hospital ela não pisou."

Achava difícil que ela tivesse vindo... Pelo menos eu não tinha uma boa impressão da mãe de Sakura. Não a achava capaz de fazer algo pela filha.

Mas era bom. Kabuto era alguém importante para Sakura. Era bom que ela tivesse esse apoio extra.

Agora ela só precisava acordar. Havia muitas pessoas esperando por ela.

*

*

*

POV: Haruno Sakura

Eu tive um sonho.

Estava tudo numa escuridão total e eu sentia medo, encolhida no chão, abraçando meus próprios joelhos. De repente uma brilhante borboleta azul surgiu bem diante de meus olhos. Era tão linda!

A borboleta começou a se afastar de mim, mas eu resolvi segui-la. Quanto mais eu corria, mais distante ela ficava de mim.

Eu fui cansando. Meu esforço parecia inútil. Eu nunca iria alcançar aquela borboleta.

Então eu parei, mas, surpreendentemente, a borboleta parou de se afastar também.

Você está desistindo? — Escutei uma voz ressoando.

Eu conhecia aquela voz de algum lugar.

E então a borboleta voltou a se afastar.

Mesmo cansada, voltei a correr atrás dela. Corri, corri e corri.

Estando tão concentrada em minha missão de alcançar a borboleta, eu não percebi que já havia deixado a escuridão total para trás.

Foi com surpresa que eu percebi que quanto mais eu seguia aquela borboleta, mais eu me afastava da escuridão, mais eu ia em direção à claridade.

Senti que meu esforço estava valendo à pena.

A borboleta ficava mais lenta — ou eu estava sendo mais rápida, não sabia dizer ao certo — e eu quase podia alcançá-la. Estendi meus dedos e enfim, toquei-a.

A borboleta, instantaneamente, se tornou uma luz azul, brilhante demais para que eu mantivesse os olhos abertos. Quando os abri novamente, a visão que tive me tomou o fôlego.

Eu estava em um campo colorido com as mais diversas flores — as flores mais formosas e cheirosas que eu já vira.

O céu estava claro, colorido por um arco-íris e dezenas de borboletas azuis.

Eu me sentia feliz.

E então o som de um piano soou em meus ouvidos. Era a melodia mais linda e pura que eu já ouvira.

Eu segui o som. Ele estava vindo de algum lugar ali perto.

Avistei uma árvore de copa vultosa fazendo sombra para um homem no piano.

Perdi minha respiração quando o reconheci.

Papai.

Aproximei-me com olhos marejados.

Que saudade — pensei.

Mesmo que eu não tivesse falado, ele pareceu me ouvir.

Venha até aqui — seus lábios não se moveram, mas eu escutei suas palavras em minha mente.

Sentei-me ao seu lado, no banco em frente ao piano, e o escutei tocar. Era um momento único. Entendíamos um ao outro através da música, sem precisar de palavras.

A melodia era tão bonita que me fez chorar.

Que saudade — repeti em meu pensamento.

Eu estou sempre com você — ele sorriu.

Encostei minha cabeça em seu ombro desejando que aquele momento nunca acabasse.

Mas já está na hora de você voltar — ouvi as palavras de papai.

Eu não quero voltar — retruquei.

Quer sim.

Não quero! Quero ficar ao seu lado — insisti.

Mas eu estou sempre com você — ele sorriu novamente.

Papai parou de tocar, mas a melodia continuou a ressoar.

Ele beijou a minha testa e olhou em meus olhos, com um sorriso gentil. Ah... Como eu sentia falta daquele olhar amoroso.

Eu te amo, pai — sorri, enquanto uma lágrima singela descia por meu rosto.

 

Você foi o amor da minha vida, filha. Eu sempre vou te amar e estar com você. Numa dimensão diferente, onde você não pode me ver, mas pode me sentir, morando aí dentro do seu coração, até o dia em que estaremos juntos na mesma dimensão novamente. Mas esse dia não é hoje.

Papai enxugou minha lágrima e me abraçou. Fechei os olhos, sentindo a paz que só o abraço dele me trazia.

Mas quando voltei a abrir os olhos, seus braços já não me envolviam. Eu já não estava naquele campo florido. Já não havia mais árvore, piano ou música. Já não havia mais papai.

A claridade machucou meus olhos e eu desejei aquela escuridão que me amedrontara em meus sonhos novamente.

De repente, as memórias voltaram.

O cativeiro. Sasuke-kun. O tiro.

Todos aqueles momentos horríveis se embaralhavam na minha cabeça.

Quis levantar, mas meu corpo estava dormente demais.

Eu via fios ligados ao meu corpo e aquilo me agoniava. Era óbvio que eu estava em um hospital, mas não parecia haver ninguém por perto.

Então eu esperei alguém aparecer. Acordada, mas sem conseguir encontrar minhas forças. Revivi memórias dolorosas e me enchi de perguntas.

Onde estava Sasuke-kun? Será que ele estava bem?

O que acontecera com Deidara e Sasori? Foram presos?

O que diabos tinha acontecido depois do tiro?

Eram tantas perguntas agonizantes. Eu precisava de respostas.

Um homem desconhecido abriu a porta do quarto e pareceu um pouco surpreso ao se deparar com meu olhar.

"Oh! Você finalmente acordou." Ele disse. "Eu sou enfermeiro. Meu nome é Richard. Consegue falar?"

Resolvi testar minha voz. "A-acho... Que sim."

Minha garganta estava um pouco rouca.

O enfermeiro sorriu. "Que ótimo. Como se sente?"

"Dormente." Falei. "Grogue." Completei. Eu estava acordada, mas parte de mim não estava. Como se metade minha ainda estivesse fora de órbita.

"Isso é normal. Você está com bastante medicação correndo em suas veias, garotinha." O enfermeiro voltou a sorrir. "Vou chamar o médico plantonista pra ver você."

O enfermeiro saiu do quarto e logo retornou com o médico.

"Fico feliz que tenha acordado, Sakura." Ele disse.

"Como está o Sasuke-kun?" Foi a primeira coisa que perguntei.

"Seu amigo não está nesse hospital. Mas ele está bem, disso eu sei."

"Onde ele está?"

"Noutro hospital." Ele respondeu simplesmente. "Mas eu preciso saber é de você. Deu trabalho te manter viva, menina."

Minha cabeça estava uma confusão. Deus! Eu não conseguia nem pensar direito.

Mas havia o rosto de uma pessoa que saltava em minha mente e eu queria desesperadamente ver.

"Gaara." Falei simplesmente.

O médico sorriu. "Ele está aqui. Ele praticamente não saiu daqui."

As palavras dele foram como um afago no meu coração. Eu queria tanto ver Gaara.

"Eu estou bem." Disse. "Dormente, um pouco confusa, mas estou bem. E quero ver Gaara."

"Eu não acho muito bom você receber visitas neste momento."

"Por favor." Praticamente implorei. "Eu preciso vê-lo."

"Você precisa descansar."

"Eu já descansei demais!" Fiquei alterada.

Minha cabeça girou.

O médico se aproximou de mim, mas eu quase não conseguia mais enxergá-lo.

Acho que dormi.

*

*

*

Na semana que se seguiu, o médico não permitiu visitas para quem não era da família. O problema era que todos que queriam me visitar não tinham nenhuma ligação de sangue comigo, apesar de eu considerá-los mais família do que minha própria mãe. De qualquer jeito, o médico disse que eu não podia ter meu emocional alterado, ou minha recuperação podia ser comprometida. Talvez já até estivesse sendo... Porque mais irritada do que eu estava era impossível. Mas a verdade era que eu passava mais tempo dormindo do que acordada. Mesmo assim, não havia um segundo em que eu não desejasse ver meus amigos.

O enfermeiro Richard me confidenciou, no entanto, que enquanto eu estava dormindo, o médico deixava meus amigos virem me ver. Segundo ele, nos últimos quatro dias até Sasuke-kun estava vindo. Ele estava bem, segundo Richard — tanto que só saía da recepção do hospital de noite, por insistência dos nossos amigos.

Richard disse-me que quem não estava feliz com isso era Gaara, que agora com a permanência constante de meus amigos no hospital, tinha que tomar ainda mais cuidado ao sair e voltar da sala de descanso dos residentes — que já havia virado seu esconderijo. Gaara quase não saíra de lá, eu soube. Richard falou que todos que sabiam da estadia do Sabaku no hospital pensavam que éramos namorados. Quando o enfermeiro me perguntou se era verdade, eu não confirmei, mas também não consegui desmentir.

Mais uma vez eu me sentia sendo puxada para a realidade.

Tentei me mexer, mas ainda não conseguia ter total controle do meu corpo. Ainda estava dormente.

Senti um afago sendo feito em meus cabelos.

Quem seria?

Gaara?

Abri os olhos, esperando vê-lo. Mas quem eu vi me fez ter certeza de que eu ainda estava dormindo, de que eu estava sonhando.

"Kabuto?"

"Oi, pequena." Sua voz e seu olhar me fizeram bambear.

Eu não podia acreditar.

Quase doeu vê-lo. Eu tinha certeza que lágrimas estavam se formando em meus olhos.

"Kabuto?" Voltei a perguntar.

"Sou eu, criança." Ele respondeu.

E então eu desabei.

Minha visão ficou embaçada devido às lágrimas. Eu só conseguia sentir meu choro e meu coração doendo.

Kabuto se aproximou, descansando sua cabeça em meu peito e fazendo carinho em meus ombros. Admirava-me que com meu corpo dormente daquele jeito eu conseguisse sentir seu carinho.

"Eu senti tanta saudade de você." Ele falou.

Aquilo só fez tudo ficar pior.

Só naquele momento eu percebi o quanto sentia a falta dele. Eu não podia nem ao menos me controlar. Queria me esconder em seu abraço e não sair tão cedo. Lá eu sabia que estaria protegida.

"Está tudo bem." Ele disse. "Você precisa se acalmar ou vou precisar sair."

"Kabuto..." Choraminguei.

"Eu estou aqui."

E ele continuou me abraçando até que eu me tranquilizasse.

"Co-como... Você... Aqui..." Eu estava confusa.

"Eu não podia ficar em Konoha sabendo pelo o que você estava passando aqui em Nova York." Ele respondeu, desfazendo o abraço.

Meu coração parecia aquecido pela primeira vez em um bom tempo.

Kabuto era quase uma figura paterna na minha vida. Inclusive, ele gostava de mim muito mais que minha própria mãe. Falando nisso...

"A mamãe..."

Kabuto balançou a cabeça e não precisou de mais palavras para que eu entendesse... Ela não havia vindo.

"Ela ficou preocupada com você... Acho." Ele disse. "Ofereci-me para pagar a viagem, mas você sabe como sua mãe é orgulhosa."

Sim... Seu orgulho era maior do que a preocupação comigo.

Kabuto passou algum tempo tentando me convencer de que minha mãe se importava. Mas eu sabia que ele apenas estava tentando me consolar.

Não que eu estivesse me sentindo muito mal sobre isso... Não era como se eu não conhecesse a mãe que tenho.

"Você dormiu por uma semana." Kabuto disse, mudando de assunto. Eu já tinha conhecimento sobre isso pois o médico me contara. "Colocaram você num coma induzido por alguns dias, para que não sentisse muita dor nos primeiros momentos da sua recuperação e para que suas emoções não afetassem demais o seu físico, mantendo sua segurança."

E com essa outra semana que eu passara acordada já fazia duas semanas que eu estava acamada.

"E você está aqui desde quando?"

"Cheguei semana passada. Não pude largar o hospital de Konoha antes, infelizmente. Havia muitos pacientes sob a minha responsabilidade. Até que eu conseguisse transferir todos eles para os cuidados de outro médico demorou certo tempo." Ele respondeu. "Mas pensei em você o tempo inteiro."

Disso eu tinha certeza.

"E os outros?" Perguntei.

"Sasuke está bem. Recebeu alta no início da semana e tem vindo lhe visitar. Os machucados dele estão melhorando. Ele adquiriu uma infecção por bactéria, devido à água contaminada que vocês tiveram que tomar no cativeiro, mas não é nada grave. Você, incrivelmente, não foi contaminada."

"Acho que eu sou uma garota de sorte." Fui irônica.

"E você teve muita sorte mesmo, menina." Ele me deu um olhar de repreensão. "Alguém lá em cima deve gostar muito de você. Aquele tiro podia ter te matado. Uma complicação causada pela bactéria no seu corpo debilitado também podia ter te matado. E aqui está você... Viva. Fora de perigo. Recuperando-se."

Talvez Kabuto tivesse razão. Mas eu não queria admitir. Havia uma parte de mim amarga. Com raiva. Eu nem sabia se queria pensar em tudo que tinha acontecido. Era muita coisa... E teriam consequências, obviamente. E era nessas consequências que eu não queria pensar.

Mas precisava. Havia certas coisas que eu precisava saber.

"O que aconteceu depois... Você sabe?" Perguntei.

"Depois do tiro?"

"É..." Confirmei. Essa pergunta vinha inevitavelmente me incomodando nos últimos dias.

Kabuto suspirou. "Sim, eu sei o que aconteceu... Mas acho que não é uma boa hora pra falar sobre isso."

"Por favor." Insisti. "Eu preciso muito saber."

Kabuto pareceu considerar e, por fim, cedeu. "Bom... Prenderam Sasori, Deidara e os comparsas. Eles foram avaliados por psiquiatras e levados de volta a Konoha, onde irão receber a sentença. Mas não espere muitos anos de reclusão... Eles são menores de idade. Vão ficar em um centro de reabilitação."

Balancei a cabeça, inconformada. Eu queria gritar de raiva, espernear... Mas tudo que consegui foi engolir o choro.

Isso era muito injusto. Eles mereciam prisão perpétua.

"Inacreditável." Murmurei.

"Há mais uma coisa..." Kabuto disse.

"O quê?"

"Eles foram diagnosticados com Transtorno de Conduta."

"Quê?" Repeti. Eu não fazia ideia do que era isso.

"Os dois foram diagnosticados com Transtorno de Conduta, mas digamos que estão em níveis diferentes. Esse transtorno é diagnosticado em adolescentes. Caracterizado por comportamento agressivo, crueldade, falta de empatia com o próximo e ações que vão contra as regras e leis. Uma vez que o comportamento continue na vida adulta, tende a ficar mais grave e chamam de Transtorno da Personalidade Antissocial — mais conhecido como psicopatia." Ele explicou.

"Então basicamente é como chamam os psicopatas adolescentes?"

"Não é bem por aí... Psiquiatria não é minha especialidade, mas eu sei que a porcentagem de adolescentes com o Transtorno de Conduta que viram psicopatas não é grande. E é por isso que eu disse que Sasori e Deidara estão em níveis diferentes. Deidara tem grandes chances de ser psicopata, enquanto Sasori tem grandes chances de se recuperar. Deidara... Ele não se importa com ninguém... Não se importa de machucar ninguém, não cria laços. Ele gosta da crueldade e sente prazer nisso. Já o Sasori... Ele mais age impulsivamente, sem pensar nas consequências. Ele consegue criar laços, diferente do Deidara. O psiquiatra disse que mesmo inconscientemente o Sasori parece já lutar contra o Transtorno. A maior prova disso foi quando ele não apertou o gatilho e recuou, enquanto o Deidara quis ir até o fim. O que, segundo o psiquiatra, foi bem impressionante, já que Sasori havia acabado de perder a mãe e estava completamente fora de si. O médico ainda disse que naquele momento, mesmo com o agravante de ter perdido a mãe, ele conseguiu ser mais forte que seu Transtorno e provou que por trás da doença há alguém por quem vale a pena lutar. Enquanto Deidara... Bom... Ele basicamente falou que Deidara é um caso perdido. Não disse exatamente com essas palavras, mas foi o que deu a entender."

Para mim os dois eram casos perdidos.

Que porra era essa? Doença? Ha! Eu estava numa cama de hospital, mas eles eram os doentes?

Inacreditável.

Isso era só mais uma desculpa pra eles não pagarem como deveriam na justiça.

"Não é totalmente culpa dele, sabe? É uma doença, Sakura. Doenças mentais são tão graves quanto doenças físicas. Aliás... Transtorno de Conduta não é o único problema de Sasori. Ele também tem o Transtorno Narcisista."

"Combina com ele." Resmunguei.

"Sim. Faz a pessoa se achar melhor que todos e tratar com desdém os outros. Ele precisa de tratamento. Só que o tratamento geralmente é feito com o auxílio dos pais, já que esses distúrbios tendem a ser causados por problemas familiares. Mas o Sasori agora é órfão. Está sozinho no mundo. O psiquiatra diz que ele não fala sobre a infância. Pode haver algum trauma que foi a chave pros seus distúrbios surgirem e podem ser a chave pro seu tratamento." Kabuto disse, calmamente.

"Trauma quem tem sou eu." Ralhei, indignada. "Tudo bem, admito que eu não entendo nada de doenças mentais. Mas você não pode me pedir para que eu simplesmente apague tudo de ruim que ele fez. Todas as vezes que ele infernizou a minha vida e a de meus amigos em Konoha... As coisas horríveis que eu tive que ouvir dele... A sabotagem com a 3P... O sequestro... As surras que eu e Sasuke-kun recebemos... E ainda tem o que ele tentou fazer com Ino... Ele poderia de verdade ter destruído a vida dela de um jeito que seria impossível remendar. Eu não posso apenas esquecer tudo isso e deixar pra lá!"

"Eu entendo." O tom de voz de Kabuto era calmo. "Você precisa se acalmar. Não se altere."

"Ele tentou estuprar Ino!" Ignorei-o. "Se não fosse por Sasuke-kun impedi-lo... Eu não quero nem pensar nisso."

"É parte do transtorno." Ele falou.

"Como?"

"Abuso sexual é um sinal do transtorno." Explicou, só conseguindo me deixar ainda mais indignada. "Mas o que teria realmente acontecido... Você nunca poderá saber com toda a certeza. Talvez ele se desse conta e parasse. Talvez ele lutasse contra o impulso causado pelo distúrbio. Assim como ele estava prestes a puxar aquele gatilho mas parou. E ele parou porque por mais que o impulso fosse forte, algo dentro dele se deu conta de que aquele não era ele."

"E se aquele que tentou estuprar Ino for realmente ele?"

"Não acho..." Balançou a cabeça. "Sasuke contou o que aconteceu. Deidara tentou se aproveitar de você, mas Sasori o parou. Pelo que soube Sasori não tentou lhe fazer nada do tipo. Acredito que com Ino tenha sido um surto causado pelo Transtorno. A verdade é que nunca poderemos realmente saber."

"Mesmo se fosse por causa do Transtorno... Não é algo que possa ser perdoado. Agora só porque ele foi diagnosticado com isso merece ser isentado de tudo que fez? Ele ainda é culpado!" Afirmei com fervor. "Se for assim todo adolescente que faz coisa errada pode dizer que é a doença e se livra das consequências."

"Não é assim, Sakura. Não é porque alguém faz algo errado ou tem comportamentos tortos que é considerado doente. Pelo que me falaram, eles relutam muito em diagnosticar algum delinquente juvenil com esses tipos de Transtornos, já que podem ajudar a aliviar a pena... Mas o caso de Sasori foi avaliados por três psiquiatras renomadíssimos e o diagnóstico foi o mesmo, foi inegável. Ele realmente é doente, realmente tem Transtorno de Conduta e Transtorno Narcisista. O que estão tentando descobrir agora foi o que desencadeou esses distúrbios para que então lhe deem um tratamento mais eficaz. Tratamento este que será feito em Konoha." Suspirou. "Eu sei que dizer que é por causa da doença não vai fazer tudo ficar bem e nem tirar a culpa dele, eu sei que você não vai conseguir olhar pro Sasori e ver que por trás do Transtorno há uma pessoa melhor."

Eu não conseguia entender como que Kabuto — o meu Kabuto — estava aqui na minha frente tentando justificar os erros de quem me sequestrou e quase atirou em mim.

"Por que você defende tanto o Sasori?" Perguntei.

"Eu sinto compaixão por ele, apesar de tudo... Tive um amigo que já sofreu muito com uma doença mental." Contou. "Transtorno de Personalidade Limítrofe. Ou Síndrome de Boderline, como você preferir chamar. Os comportamentos de uma pessoa com doenças mentais assim não representam eles mesmo. Meu amigo disse que é como se você estivesse preso dentro da própria mente com uma pessoa diferente de você controlando suas ações. E você nem ao menos se dá conta disso até que passa dos limites."

"Não importa o que você diga... Eu não posso e não vou perdoar o inferno que ele me fez passar." Afirmei, convicta.

"Ter uma doença mental é mais difícil do que ter uma física, por que a física é geralmente de rápida identificação, as pessoas ao seu redor compreendem e ajudam. Mas a mental não. Ninguém entende. Alguns pensam que nem é realmente doença, porque a sua mente pode estar destruída, mas enquanto seu exterior estiver saudável, ninguém lhe vê como doente. Todo mundo se afasta, começa a te odiar e nenhuma mão lhe é estendida. Uma vez que você se vê sozinho... A doença só piora. Passei por todos os estágios com o meu amigo. Eu não entendia. Odiava-o tanto que às vezes até desejava que ele não existisse. Agora ele está melhor, mas diz que é como se houvesse uma sombra em cima de sua cabeça o tempo inteiro, e ele precisa se controlar pra que ela não o controle novamente. Não há uma cura definitiva. Ele vai ter que passar a vida lutando para não cair na escuridão de novo. E sabe... Acho isso um tanto triste. O limite do meu amigo... Foi matar uma pessoa. Não era realmente ele. Mas não é como se fosse o suficiente pra conseguir o perdão da família do homem que ele matou, porque afinal foram suas mãos que o mataram, mesmo que não fosse ele no controle de seus sentidos e mente. Essas são consequências e marcas da doença que ele vai carregar para sempre. Eu não digo para você esquecer o que Sasori fez. Mas se algum dia ele lhe pedir perdão... Perdoe. Vai fazer bem pros dois."

Pela primeira vez as palavras de Kabuto me fizeram parar por um segundo para pensar naquilo. Mas somente por um segundo mesmo, porque eu me recusava a aceitar que ele estivesse minimamente certo no que dizia.

"Você defende o Sasori, mas não diz nada sobre o Deidara." Comentei.

"Do jeito que eu vejo... Sasori está doente, enquanto Deidara é doente." Explicou. "Deidara é alguém de alma irremediavelmente corrompida, estragada e apodrecida, com grandes chances de se tornar psicopata... Eu o vejo como alguém que já se tornou a doença. Enquanto Sasori ainda pode ser salvo, pode vir a melhorar e se tornar alguém de bem. Ele mesmo já luta contra o Transtorno. Enfim... Eu só acho que ainda há esperança para Sasori... Ele ainda não cruzou a linha. Mesmo o meu amigo, que cruzou, conseguiu retomar seu caminho. Então acho que o Sasori também consegue."

"O que seria cruzar a linha pra você? Tudo que o Sasori fez já não basta?" Indaguei.

"Cruzar a linha é fazer algo tão terrível que achar o caminho de volta se torna quase impossível."

"Você não conhece o Sasori, Kabuto." Afirmei. "Você o defende porque é médico. É parte de você querer curar todo mundo. E ainda por cima ficou mexido com essa história que lhe lembrou a de seu amigo. Você sente pena do Sasori, porque você sim é uma boa pessoa. Mas o Sasori... Não é. Eu sei que não. Eu o conheço desde criança. Ele sempre teve uma personalidade ruim e atitudes piores ainda. Sempre. Pode me chamar de insensível, mas nada do que você diga vai mudar minha opinião."

"Tudo bem. Não vou discutir. Você está em seu total direito." Ele pareceu ceder e querer encerrar o assunto.

"Não me leve a mal." Pedi. "Eu queria sentir pena do Sasori, mas meu ódio não deixa."

"Não deixa esse ódio te consumir, Sakura" Kabuto segurou minha mão. "Você está viva. Isso é tudo o que importa."

"Eu não consigo nem explicar o que estou sentindo." Balancei a cabeça. "Injustiçada talvez. E com tudo isso que você falou, só me dá nojo pensar em Sasori como uma vítima. Ele não é!"

"Deidara é o maior culpado, Sakura." Ele disse. "Eu sei que não parece, mas Deidara é o grande culpado. Ele usava Sasori como sua marionete na linha de frente. Deixava todos pensarem que Sasori era quem mandava por sempre tomar a frente, mas a verdade era que Deidara estava atrás dele, puxando as cordas e controlando-o."

"Eu não me importo com quem mandava ou desmandava. Nada vai mudar o que aconteceu."

Kabuto não falou mais nada sobre o assunto. Ele sabia que minha opinião permaneceria a mesma.

"Sasuke e Neji estão aí agora. Ele avisou. "Querem te ver."

Um sorriso singelo surgiu em meu rosto.

Mas quando Kabuto disse que iria chamá-los, eu segurei sua mão com as forças que me restavam.

Ele sorriu pra mim, sempre me entendendo mais do que a maioria das pessoas, mais do que eu gostaria, na maioria das vezes.

"Eu volto depois, prometo." Falou. Deu um beijo em minha testa e saiu do quarto.

Suspirei, não sabendo o que pensar direito.

Como você age ao rever o garoto por quem quase deu a vida?

Parte de mim estava ansiosa e curiosa para vê-lo, porém outra — que talvez fosse maior — precisava de um tempo, distância. Eu nem havia parado para pensar em toda essa situação louca. Eu quase morri por ele. Meu Deus... Eu realmente quase morri por ele.

Isso era loucura... Por mais que eu o amasse... Amar alguém mais que a si mesmo a ponto de se sacrificar... Isso era algo bom? Saudável não era, definitivamente. E eu estava começando a pensar que não era certo.

Talvez fosse o fato de eu ter recebido uma chance dos Céus e ter sobrevivido, mas havia algo em mim que me recriminava por ter feito o que fiz. Havia tanto que eu ainda queria viver! Não que eu estivesse arrependida... Não, esse não era o caso. É só que havia surgido uma voz interior gritando pela vida, desesperada por viver. E era uma vi que eu não conseguia ignorar.

Interrompendo meus pensamentos, Sasuke-kun entrou em meu quarto lentamente, como se estivesse com receio. Ele olhou para meu corpo ligado aos fios, mas fugiu de meus olhos.

"Oi." Cumprimentou, simplesmente.

"Oi."

Sasuke-kun olhou para baixo e eu não consegui ler seu olhar. Ele parecia bem fisicamente. Um pouco mais magro e com olheiras, mas os machucados já estavam atenuados. Ele andava com um pouco de cuidado, no entanto.

"Fraturei duas costelas." Ele disse, quando percebeu meu olhar. "Mas foi leve e já estou bem melhor."

Assenti, apenas.

Sasuke-kun se aproximou ainda mais de mim, nunca me olhando nos olhos. "Eu não sei o que dizer." Admitiu.

"Nem eu."

"Obrigado e perdão são palavras usadas tantas e tantas vezes que não servem para serem usadas em situações dessa magnitude." Ele falou. "Eu preciso de novas palavras... Pra te agradecer, pra te pedir perdão... Não necessariamente nessa ordem. Então eu não sei o que dizer."

Sorri, sentindo a tensão ser aliviada.

"Você já disse o suficiente."

"E pra piorar eu estou furioso comigo mesmo." Ele disse, olhando-me pela primeira vez. "E quero brigar com você pra que nunca mais faça algo assim. Pra que nunca mais se arrisque por mim."

Foi só então que eu percebi que Sasuke-kun parecia estar bem no meio de um furacão de emoções. De um jeito que eu não havia visto antes.

Mas a minha cabeça girava, e eu não conseguia me concentrar direito.

"Será que a gente pode não falar disso agora?" Pedi. "Eu não consigo pensar direito." A conversa com Kabuto sobre Sasori e Deidara já havia me esgotado.

Sasuke-kun parou por um momento. "Desculpe."

"Tudo bem." Fechei os olhos por um momento, tentando clarear minha mente.

Senti a mão de Sasuke-kun fazer uma leve carícia em minha bochecha, e então eu abri os olhos novamente, olhando-o.

Dessa vez eu consegui distinguir um sentimento no meio daquele turbilhão ambulante de emoções que ele parecia ter se transformado: carinho.

"Eu estou muito — muito — aliviado por você ter acordado." Ele disse, e eu pude sentir sua sinceridade.

"Eu sei." Dei-lhe um pequeno sorriso.

"Você vai ficar bem..." Ele continuou. "Vai se recuperar totalmente."

Será? Fisicamente podia ser que sim, mas e psicologicamente? Havia muitas pessoas que ficavam traumatizadas por muito menos.

Sasuke-kun sentou na cadeira ao lado de minha cama e segurou minha mão com cuidado. Ele permaneceu em silêncio, apenas olhando para nossas mãos, mais uma vez fugindo de meu olhar. 

Era estranho. Esse não era exatamente o encontro que eu esperava depois de tudo que aconteceu — não que eu tivesse realmente pensado a respeito no pouco tempo que permaneci consciente na última semana —, mas acho que esperava mais emoção.

Claro, Sasuke-kun parecia uma confusão de sentimentos, mas eu parecia estar em outra sintonia. Não sabia o que pensar, muito menos o que sentir. Talvez a verdadeira confusão estivesse em mim. Lembro que quando eu era criança e estava estudando as cores na aula de artes, a professora fez um experimento em que colocávamos um disco colorido com as cores do arco íris para girar bem rápido, e enquanto o disco girava, as cores se misturavam e tínhamos a impressão que que elas tinham se transformado em branco.

Talvez fosse algo assim que estava acontecendo comigo. Todas as minhas emoções estavam girando rápido demais e então eu não podia ver nenhuma delas, só o branco, o neutro.

De qualquer forma, a visita de Sasuke-kun foi rápida e desprovida de fortes emoções. Nem ele e nem eu sabíamos como agir.

Neji viera logo depois que o Uchiha saíra.

"Você é estúpida." Foi o que ele disse.

Eu sorri, sem me importar com suas palavras. Estava absurdamente contente em vê-lo.

Chegava a ser engraçado pensar no vínculo que Neji e eu criamos em tão pouco tempo. Durante anos nós fomos como estranhos que frequentavam o mesmo meio e tinham os mesmos amigos. Mas agora ele era uma das minhas pessoas favoritas e ainda que não falasse muito, só sua presença já me trazia o conforto emocional que eu precisava.

Ele não perguntava nada, não exigia nada. Apenas estava lá, do meu lado — e isso bastava.

Neji e eu trocamos poucas palavras, evitando assuntos desgastantes — na verdade, ele basicamente ficou me ouvindo reclamar da rotina hospitalar até que logo o sono me abateu novamente e eu avisei que poderia dormir de uma hora pra outra. O que de fato aconteceu.

No dia seguinte, meus outros amigos vieram me visitar logo pela manhã.

Nenhum deles sabia direito como agir ao meu redor, mas pareciam genuinamente contentes em me ver.

Tenten me deu bronca o tempo inteiro de sua visita, mas eu sabia que esse era seu jeito de dizer que tinha ficado preocupada.

Hinata por sua vez, só sabia dizer que estava feliz por eu estar me recuperando e que logo estaríamos em casa.

Shikamaru me chamou de problemática e Naruto passou sua visita inteira tentando me fazer rir. Infelizmente ele só conhecia piadas sem graça — mas eu ria de qualquer maneira.

Ino foi a visita mais estranha de todas, entretanto. Ela não olhara em meus olhos nenhuma vez e não falava nada significativo. Porém, antes de sair ela perguntou se podia me abraçar, se não me machucaria, e eu disse apenas que bastava ela ter cuidado. E então Ino me abraçou. E chorou. Sem dizer uma palavra, ela se retirou do quarto.

Eu também não sabia como reagir. Não fazia ideia do que estava se passando pela cabeça de Ino.

Eu era uma de suas melhores amigas. E havia levado um tiro pelo namorado dela.

As coisas eram confusas e eu nem sabia em que passo andava minha relação com Ino.

Havia tantas coisas das quais não conversávamos, tantos segredos meus, tantas situações que ocorreram nos últimos tempos sem que sentássemos só nós duas para falar abertamente sobre. E agora tinha também toda essa situação do tiro.

Eu não sabia como lidar com Ino. Não sabia mais nem o que nós duas éramos uma pra outra. Só sabia que essa situação machucava. Só sabia que me trazia lágrimas aos olhos.

*

*

*

Gaara ainda não havia vindo me visitar. Richard dissera que ele mal saíra da sala dos residentes nas últimas duas semanas, então por que ele não vinha me ver agora que eu estava acordada? Eu já estava agoniada.

Os dias passaram. Eu já não estava mais dormente. Agora a dor do ferimento me incomodava — não mais que meus pensamentos. O que não pensei nos primeiros dias conscientes, pensei nos dias que se seguiram.

Era Gaara, Sasuke, Ino, Sasori, Deidara, mamãe, Soul Talent...

Eu queria gritar de frustração. Gritar pra tirar tudo aquilo da minha cabeça. Ainda mais agora que eu passava mais tempo acordada que dormindo.

Quem passava mais tempo comigo era Kabuto. Meus amigos vinham me visitar, mas nunca tinham muito a dizer. Sempre evitava o assunto 'sequestro-tiro'. Ino agora só vinha no meu quarto se fosse acompanhada de alguém — as visitas agora podiam ser em dupla —, mas calada entrava e calada saía.

Sasuke-kun interagia mais, só que ainda era um tanto quanto esquisito. Nós dois sabíamos que precisávamos de uma conversa séria, mas ainda não era a hora.

E Gaara. Que não vinha. Eu já estava a ponto de me levantar da cama e ir até a maldita sala dos residentes ver se ele estava lá.

Eu estava nervosa com sua reação, com o que ele estava pensando. E havia ainda o Soul Talent que doía em mim cada vez que eu pensava que acabara pra mim. Talvez Gaara estivesse chateado com isso. Por que diabos ele não vinha me ver?

Uma batida na porta me fez ficar alerta enquanto eu tinha esperança de ver Gaara entrar por ali. Mas não era ele.

Olhei surpresa enquanto o Uchiha entrava em meu quarto com olhar cauteloso.

Sai.

"Sakura." Ele falou, aproximando-se. "Como você está?"

"Bem." Respondi, automaticamente. "Melhorando." Corrigi-me. "E surpresa por ver você."

"Nós somos amigos, não somos?" Ele perguntou.

"Claro!" Respondi. "É só que..."

Sem surpresas, eu não sabia o que dizer. Vê-lo me lembrava do Soul Talent e isso de alguma maneira me fazia mal.

"Eu fiquei chocado quando soube do que aconteceu com você." Ele disse. "Konoha inteira já está sabendo. Meu pai me ligou pra avisar. Consegui o número de Gaara com a minha equipe assim que soube e ele me contou os detalhes."

"Você tem estado em contato com o Gaara?" Perguntei.

"Vez ou outra. Pra me informar do seu estado."

Bufei. "E ele ainda não veio me ver."

"Sério?" Sai pareceu confuso. "Do jeito que ele estava aflito, achei que ele seria o primeiro a vir te visitar."

Então eu acho que ele não estava tão aflito assim.

"Desculpa não ter vindo antes." Sai falou. "Foi uma luta conseguir escapar do John e do resto da minha equipe. Está tudo uma loucura. Mas tenho acompanhado as notícias de sua melhora através do Gaara."

"Então manda mensagem pra ele vir me ver."

Sai me deu um olhar compreensivo. "Depois de tudo, acho que ele precisa do tempo dele, Sakura. Se até eu, que cresci vendo você atrás do Sasuke, tive dificuldade em acreditar no que você fez, imagina o Gaara."

"Você fala como se eu tivesse feito alguma coisa errada." Rebati.

"Dependendo do ponto de vista, pode ter sido errada sim." Sai me deu um olhar sério.

Eu estava irritada. "Bom... Errada ou certa, você deve estar feliz com isso. Sou uma concorrente a menos."

Sai franziu as sobrancelhas. "E você acha que eu estou feliz com isso? Acha realmente?"

Dei de ombros.

"Falta uma semana pra final, e você claramente não vai participar." Sai falou. "Eu dei meu sangue no último mês pra criar uma apresentação perfeita, mas nada vai apagar o pensamento de que se eu ganhar foi só por que você não participou. E tudo porque você levou um tiro pelo meu primo estúpido."

Encarei Sai, com a irritação aumentando.

"Se você veio me criticar, era melhor nem ter vindo." Rosnei. "Acredite, você não está mais chateado com o fato de eu não participar da final do que eu mesma. Você vai fazer sua apresentação e ter sua chance de vencer o programa. Eu nem isso tenho mais. Pra completar, desde que acordei está tudo confuso e todo mundo parece com medo de falar comigo, com exceção do Kabuto e do Neji. E agora você vem aqui pra me criticar e me lembrar que eu perdi a chance da minha vida."

Sai pareceu afetado com minhas palavras. "Eu não quis dizer isso."

"Você já viu como eu estou." Virei o rosto. "Pode ir agora."

Sai ficou em silêncio por um momento. E então, ao invés de sair, ele sentou na cadeira ao lado da minha cama.

"Desculpa." Ele falou. "Eu só fiquei indignado com o que aconteceu... Com o tiro que você levou, com as atitudes de Sasori e Deidara... E com você não participar da final."

Fiquei calada.

"Eu queria que você participasse da final. Não pela competição, não porque você é minha grande rival... Mas porque você é minha amiga." Sai disse. "Nós começamos essa jornada juntos e eu queria concluí-la com você."

E então eu lhe dei um olhar tristonho. "Mas não vai ser possível."

E pela primeira vez, eu deixei que as lágrimas marejassem meus olhos por causa disso — pelo Soul Talent.

Sai sentou-se na beirada da minha cama e me abraçou com cuidado.

"Não é o fim." Ele disse. "O mundo não vai esquecer a Lümina. Tenho certeza que terão milhares de portas abertas para você, independente do concurso."

Prendi o choro na garganta, sentindo dor em meu ferimento. "A gravadora só iria renovar o contrato do Gaara se eu ganhasse. Agora eu o prejudiquei. Deve ser por isso que ele não vem me ver."

"Tenho certeza que esse não é o motivo." Sai desfez o abraço e me olhou nos olhos. "Gaara se importa demais com você pra ter ficado com raiva de algo assim. Não foi culpa sua nada disso. Foram deles: Deidara e Sasori."

"Eu estou tão triste, Sai." Confessei. "Eu queria tanto fazer minha apresentação."

Sai segurou minha mão. "Eu também queria isso." Ele suspirou. "Mas olha... Tenho certeza que alguma gravadora vai procurar você e o Gaara. Eles não são loucos de deixar de lado talentos como o de vocês. Talvez a própria Columbia Records reconsidere e lhes dê um contrato. Você só não pode desistir agora. Não quando chegou tão longe."

"Obrigada, Sai." Agradeci. "Tenho certeza que esse concurso vai ser seu.

Sai balançou a cabeça. "Não tem nada garantido. Mas seu apoio é importante pra mim. Com prêmio ou sem prêmio, quero que você saiba que eu vou te ajudar no que for preciso e até no que não for."

Sorri, agradecida. "Rivais ou não, eu sempre torço por você."

"Digo o mesmo." Ele apertou minha mão.

A conversa que se seguiu foi leve. Ele não podia me contar detalhes de sua apresentação, mas disse estar muito ansioso.

De alguma forma, falar com Sai aliviou um pouco o peso em meu coração.

*

*

*

Dois dias depois eu recebi alta.

Kabuto alugou um pequeno apartamento perto do hospital e eu me instalei lá com ele. Não podíamos retornar a Konoha enquanto eu não estivesse 100% recuperada.

Doía fazer alguns movimentos, mas o ferimento já estava bem melhor.

Eu estava deitada em minha nova cama, olhando para o teto de meu novo quarto, quando decidi que era hora de acabar com aquela agonia. Então eu tomei a iniciativa e liguei para Gaara.

Cada toque acompanhava uma batida forte de meu coração. Eu estava nervosa e ansiosa.

"Alô." Ele atendeu. Senti um frio na barriga quando ouvi sua voz.

"Oi, Gaara." Falei, nervosa. Ele não respondeu, e o silêncio permaneceu por alguns segundos enquanto eu pensava em algo para dizer. "Tudo bem?" Quis me socar quando isso foi tudo que consegui dizer.

"Tudo." Respondeu, seco.

Então era isso. Tinha tantas coisas que eu queria dizer mas não sabia como. E ele agindo dessa maneira fria não ajudava em nada.

"Ok." Foi só o que falei antes de desligar.

O choro se entalou em minha garganta, mas eu me recusei a chorar.

Nos dias que se seguiram, Kabuto percebeu meu mau humor. Eu passava metade do meu tempo xingando mentalmente o Gaara e a outra me culpando por tudo de errado que estava acontecendo em relação ao meu relacionamento com meus amigos e o Soul Talent.

Ainda mais hoje. Hoje seria o dia de minha apresentação final. Eu deveria ser a primeira dos oito finalistas a me apresentar, conforme o sorteio. Sai seria o último, fazendo sua apresentação no oitavo dia.

A mídia divulgava que hoje era o dia de Lümina se apresentar e havia muita expectativa do público. Eu tentei me fazer de forte durante o dia inteiro, mas a missão se tornava cada vez mais impossível.

Enquanto eu não conseguia evitar ficar olhando na internet as notícias do Soul Talent, surpreendi-me com a divulgação de que no horário da minha apresentação, Gaara daria um comunicado à imprensa.

A internet ficou em polvorosa, cheia de teorias e opiniões. Alguns achavam que seria alguma surpresa, um movimento para despistar o verdadeiro espetáculo, e outros sacavam havia algo errado.

Na hora do comunicado, tranquei-me em meu quarto e liguei a televisão, nervosa.

A imprensa já estava à postos, posicionando suas câmeras para uma mesa colocada em um pequeno palco.

Gaara surgiu com a expressão fechada — e absurdamente lindo, com blusa branca e calça e jaqueta pretas.

Os flashes se intensificaram quando ele assumiu sua posição em frente à mesa e aos microfones ali colocados.

"Todos vocês devem estar ansiosos esperando a apresentação de Lümina." Ele começou, com expressão neutra. "Infelizmente, Lümina não se apresentará."

Um confusão se abateu sobre o ambiente. Os repórteres jogavam perguntas avulsas em Gaara, que somente às ignorava.

"Por motivos de força maior, Lümina precisou retirar sua participação do Soul Talent. Ela gostaria que vocês soubessem que o programa significou muito na vida dela e que se estivesse em condições, realizaria a performance final. Infelizmente as coisas fugiram do controle de Lümina e ela precisou se retirar, mas agradece a todos o apoio que recebeu e pede desculpas a quem quer que possa ter decepcionado." Gaara disse. Eu queria chorar. Era o fim. Realmente o fim da minha carreira sem nem ao menos ter começado. Gaara dizia tudo que eu queria ter dito, mas de alguma forma nada parecia justificar ao público minha ausência.

"A volta de Lümina é incerta, porém não impossível. Ela sofreu traumas recentes dos quais precisará se curar. Isso é tudo que temos a dizer por enquanto. Obrigado." Ele finalizou.

E então Gaara se retirou, com a mesma expressão fechada com a qual entrou. Ele ignorou todas as inúmeras perguntas dirigidas a si.

Desliguei a televisão.

Eu não sabia o que pensar. Só sabia sentir uma profunda tristeza em mim. Eu queria poder gritar, fugir. Mas tudo que eu conseguia era me encolher em minha cama e chorar por todas as oportunidades perdidas.

*

*

*

Eu havia, literalmente passado a noite em claro.

Kabuto fez eu tomar meus remédios assim que o dia amanheceu e avisou que iria sair por um momento.

Segundo ele minha mãe tinha ligado para saber de meu estado, mas não quis falar diretamente comigo.

Às vezes eu me perguntava se ela ao menos se daria ao trabalho de ir ao meu enterro se eu morresse.

A campainha soou, e eu me vi obrigada a me arrastar até a porta. Podia ser um de meus amigos.

Minha respiração ficou presa na garganta quando eu abri a porta e o vi.

"Gaara." Murmurei, surpresa. Senti meu coração disparar só em vê-lo.

Deus, como eu estava com saudades!

O ruivo me olhou de cima abaixo, como se me checasse. "Você melhorou."

"Interessante você saber disso, já que não se deu trabalho de me ver durante todas essas semanas." Rebati, com uma pitada de ressentimento.

Gaara não respondeu. Ele apenas continuou me encarando daquele jeito que só ele fazia.

"Vai me deixar entrar?" Ele perguntou. Só então percebi que ainda estávamos parados na porta. Dei-lhe passagem e ele passou a observar o apartamento assim que entrou.

Ele olhava em volta, mas evitava meu olhar.

Por que depois do tiro as pessoas pareciam ter dificuldades em me olhar de verdade?

Eu estava frustrada, e me sentia sozinha — ainda que não estivesse.

Gaara era um dos grandes culpados. Do que adiantava gostar de mim se nem ao menos dava as caras quando eu estava precisando do apoio dele na cama de hospital?

Ele não tinha o maldito direito de agir dessa maneira depois de ter me feito deixá-lo se aproximar tanto de mim.

E eu estava com tanta saudade que queria gritar. Mesmo com ele na minha frente, eu estava com saudades.

"Idiota."

E então eu o abracei. Meu ferimento doeu um pouco quando apertei meu corpo ao dele. Mas isso não me importava. Escondi meu rosto em seu peitoral enquanto sentia-o se retesar.

Ele não me abraçou de volta, por um momento, mesmo assim, eu não o soltei. Eu precisava demais de seu abraço. E então, finalmente, senti-o relaxar e envolver-me em seus braços, com cuidado. Ele acariciou meus cabelos e descansou sua cabeça na minha.

"Idiota." Repeti.

"Eu sei." Ele falou. "Desculpe."

E por mais um momento eu não o soltei. Foi ele quem desfez o abraço.

Olhei em seus olhos buscando respostas, buscando conforto. Fazia-me extremamente mal vê-lo me tratar com frieza. Eu queria que tudo voltasse a ser como era antes.

"Por que você não foi me ver?" Perguntei.

Gaara se afastou mais de mim, dando um passo pra trás. "Eu fui. Várias vezes. Mas só quando você estava dormindo."

"Por quê?"

Gaara deu de ombros. "Eu precisava de um tempo pra engolir toda essa história. Eu não fazia ideia do que te dizer ou de como agir com você. Ainda não faço."

O que nessa história deixava Gaara tão irritado? O fato de eu ter levado um tiro por Sasuke-kun, ou o fato de eu ter perdido o Soul Talent?

"É pelo Soul Talent?" Perguntei.

Gaara me olhou com descrença. "Pelo amor de Deus, Sakura! É claro que não! O Soul Talent foi a última das minhas preocupações!"

"Então foi pelo que fiz por Sasuke-kun?"

E então Gaara ficou calado, dando-me um olhar indecifrável.

Quando eu pensava que ele não iria abrir a boca, ele soltou: "Você o ama tanto assim? Ao ponto de dar sua vida por ele?" Gaara tinha um olhar ressentido.

"Gaara..." Eu não sabia o que responder.

O ruivo assentiu com a cabeça, como se já soubesse a resposta. "Não tem como eu competir com isso."

Eu balancei a cabeça. "Não foi como se eu tivesse pensado antes de agir. E isso não se trata de uma competição—"

"Falando em competição..." Ele interrompeu. "Eu quero falar com você sobre o Soul Talent."

"O Soul Talent já era, Gaara!" Mas nós dois não, quis completar.

"Sim. O Soul Talent já era, mas não sua carreira." Ele falou. "E eu preciso saber se você quer ir em frente, ou se vai voltar pra sua meia vida em Konoha."

Meia vida.

De certa forma aquela definição soou extremamente certeira. Minha vida em Konoha estava longe de ser completa.

"Eu recebi algumas propostas de gravadoras." Gaara continuou. "Eles estão oferecendo bons contratos para nós dois. Até mesmo a Universal Music entrou em contato comigo."

Minha atenção foi completamente desviada quando ele falou Universal Music.

Universal Music?! A maior gravadora do mundo?!

"Eu preciso de uma resposta sua, Sakura." Gaara disse. "Preciso saber se você vai continuar com sua carreira ou se vai voltar para Konoha."

A minha cabeça girou. Ele estava exigindo demais de mim. Eu não podia nem absorver direito toda essa história, quanto mais dar uma resposta.

"Você precisa pensar." Ele disse, aparentemente lendo meus pensamentos. "Tudo bem. Só não demore muito a encontrar a resposta certa."

Havia tantas coisas que eu queria dizer, mas Gaara não me deu chances.

Ele se despediu rapidamente de mim com um aceno e saiu pela porta antes que eu pudesse impedi-lo.

Eu estava sozinha de novo.

*

*

*

Minha noite havia sido passada em claro.

Havia gravadoras interessadas em mim. Meu sonho não estava destruído.

Certo, quem eles queriam era a Lümina, a garota misteriosa da máscara. Talvez me chutassem assim que vissem quem eu realmente sou. Mas eu simplesmente não conseguia me ver jogando essa oportunidade fora. Assim como o Soul Talent, essa era uma oportunidade única.

E, Meu Deus! Universal Music?! Isso era insano.

Eu também não queria me afastar de Gaara. Tive a melhor época da minha vida enquanto estava no palco com ele.

E Konoha... Eu não queria voltar. Não agora, não por um tempo.

O fato era que quando o dia amanheceu, eu já tinha a resposta.

Eu não estava pronta para desistir da minha carreira. Ter sido obrigada a deixar o Soul Talent só me dava essa certeza mais do que nunca.

Só que essa não era uma decisão fácil de se tomar. Para tal, eu teria que ficar longe das pessoas que eu mais amava. E talvez nada desse certo. Talvez eu acabasse sendo uma daquelas promessas musicais que nunca vingam. Mas eu sabia que precisava tentar — caso contrário me arrependeria pro resto de minha vida.

Quando eu olhava para o futuro, não me via fazendo nada mais que não fosse música, e quanto mais eu pensava sobre isso, mas eu achava que isso era a única coisa e eu era boa em fazer.

Então eu decidi correr atrás do meu sonho, mesmo que tivesse que deixar pra trás uma parte de mim.

A decisão de continuar minha carreira musical trazia também outras decisões longe de serem fáceis. Como por exemplo a necessidade de contar meu segredo a Kabuto.

Com ele em Nova York, as chances de eu seguir em frente sem que ele soubesse da verdade eram literalmente iguais a zero.

Então eu tinha que contar.

A manhã inteira se passou enquanto eu tentava alguma maneira de abordar Kabuto, mas não obtinha sucesso em nenhuma delas. A minha garganta parecia travada.

Obviamente Kabuto percebeu que algo estava errado.

"Você está inquieta." Ele observou. Brinquei com meus dedos, nervosa. "Qual o problema, Sakura?"

Engoli em seco.

Meu Deus! Como isso era difícil!

"Eu tenho algo a dizer." Falei, sentando-me no sofá. Kabuto sentou na mesinha de sala à minha frente.

"Diga." Incentivou.

Limpei a garganta. Eu ia ter que falar uma hora ou outra.

"Uma vez você me perguntou o que eu gostaria de fazer quando crescesse." Lembrei.

"Sim. Você disse que queria abrir um restaurante ou algo do tipo."

"Foi..." Confirmei. "Então... Eu menti."

Kabuto franziu as sobrancelhas, estranhando minhas palavras.

Eu não sabia como dizer. As palavras se embaralhavam na minha cabeça e simplesmente não saíam pela minha boca.

"Por que você mentiu?" Kabuto perguntou.

Fechei os olhos, respirando fundo. Eu precisava contar a verdade de alguma maneira.

"Sakura?" Ele chamou.

Como num piscar de olhos, eu soube como revelar. Só havia um jeito de fazê-lo acreditar em mim.

Então, respirei fundo mais uma vez, permanecendo de olhos fechados, e comecei a cantar.

Eu quase posso ver

O sonho que estou sonhando, mas...

Há uma voz dentro da minha cabeça dizendo:

"Você nunca vai alcançá-lo"

Cada passo que eu estou dando

Cada movimento que eu faço

Parece perdido, sem direção

Minha fé está abalada

Mas eu... Eu tenho que continuar tentando

Tenho que manter minha cabeça erguida

Cantei a minha primeira canção que apresentei no Soul Talent, The Climb.

Abri meus olhos, olhando cautelosamente para Kabuto. Estava com medo de sua reação — e ansiosa.

O rosto dele não esboçava reação nenhuma, mas ele parecia petrificado, encarando-me fixamente.

Sempre haverá outra montanha

Eu sempre vou querer movê-la

Sempre será uma batalha trabalhosa

Às vezes eu terei que perder

Não é sobre o quão rápido eu chegarei lá

Não é sobre o que está esperando do outro lado

É a escalada

 

Parei de cantar, aguardando sua reação. Kabuto piscou, seu rosto em branco.

Eu estava nervosa. Sentia meu coração bater forte em meu peito.

"Você..." Ele começou. "Você... É a Lümina."

Ele estava afirmando, não era uma pergunta. Mesmo assim, confirmei com a cabeça, para não restar dúvidas.

Kabuto me dava um olhar duro como pedra.

Seu rosto finalmente demonstrou algo. Ele franziu levemente as sobrancelhas e apertou os lábios, desviando o olhar.

Kabuto balançou a cabeça.

"Muita coisa faz sentido agora." Ele disse. "Como peças do quebra cabeça se juntando."

"A música sempre foi algo forte em mim. Mas eu sempre escondi. É meu maior segredo." Contei. Meu coração estava realmente acelerado com a expectativa de sua reação.

"Teve um dia que eu vi Gaara saindo do seu quarto no hospital." Ele falou, pegando-me um pouco de surpresa. "Mas eu sabia que vocês tinham sido dupla em alguma matéria na escola, então não dei tanta atenção. Pensei que ele só estivesse visitando uma colega."

Fiquei calada quando percebi que ele falava mais consigo mesmo do que comigo.

"Você ter ido trabalhar e morar na casa de estranhos não fazia muito sentido. Ficava me perguntando por que você não tinha arranjado um emprego de meio período como os outros." Ele continuou. "E as despesas daquele hospital caro pagas pela tal Shizune de quem nunca tínhamos ouvido falar... Agora tudo faz todo o sentido." 

Kabuto me encarou.

A reação dele era diferente do que eu esperava. Ele não estava me enchendo de perguntas, colocando-me contra a parede e nem parecia chocado. Pelo contrário, ele parecia debater consigo mesmo.

"Você não está chocado?" Perguntei.

"Chocado? Não." Ele disse. "Surpreso, sim. Mas eu sempre esperei algo grande vindo de você."

"Bom, então isso faz de você o único." Rebati.

"E foi essa sua insegurança que te fez colocar uma máscara e criar a Lümina?"

Não consegui responder. Era incrível como Kabuto tinha a capacidade de me entender sem precisar de muito.

E então ele sorriu. "Você é incrível." Ele disse. "Mas isso não é novidade pra mim. Eu sempre soube que você era extraordinária, como uma flor que demora a desabrochar, mas que quando desabrocha se torna a mais bela de todas."

Aquelas palavras pareceram fazer carinho no meu coração. Me emocionaram.

"Você é inacreditável, Kabuto." Sorri, com olhos marejados. Aquela era a última reação que eu esperava — e a melhor.

"Olha só quem fala." Ele me sorriu de volta. Kabuto passou alguns segundos me olhando com carinho. "Independentemente do que você queira ser, de quem você seja pro resto do mundo ou até do que você se torne... Pra mim, você ainda é — e sempre vai ser — minha pequena Sakura. Minha pequena garota especial."

Deixei uma lágrima escorrer. Recriminei-me por ter me sentido sozinha mais cedo. Eu não estava. Enquanto eu tivesse Kabuto eu nunca estaria sozinha e isso era uma certeza que eu tinha.

Sentei-me ao lado de Kabuto, encostando minha cabeça em seu ombro.

"Eu te amo." Falei, com todo meu coração.

E dessa vez Kabuto me olhou parecendo chocado. Era como se o fato de eu amá-lo fosse mais inacreditável pra ele que a descoberta de eu ser uma cantora famosa disfarçada.

"Achei que você devia saber." Completei.

Sasuke-kun havia me dito que essas eram palavras que eu nunca havia lhe dito. Passou pela minha cabeça q eram palavras que eu nunca tinha dito a Kabuto também — por mais que fossem uma verdade irrefutável.

Se aquele tiro tivesse me matado, eu nunca teria dito isto a Kabuto. Talvez ele nunca fosse saber — e não seria justo com ele.

"Eu também amo você." Ele falou com a voz embargada.

Dei-lhe um olhar de relance e vi que seus olhos estavam marejados.

Aconcheguei-me mais em seu ombro.

"Eu sei." Sorri.

Não me importava que não tivéssemos o mesmo sangue. Kabuto era minha família.

*

*

*

Kabuto apoiou completamente minha decisão de permanecer em Nova York para ir atrás do meu sonho. Ele, inclusive, prontificou-se a conseguir todos os documentos com mamãe para garantir minha permanecia definitiva nos Estados Unidos.

Eu me sentia incrivelmente aliviada por não ter que contar mais nenhuma mentira para ele. Parecia que eu tinha tirado o peso do mundo de meus ombros.

Gaara também já sabia da minha decisão.

Ele não falava muito comigo, e quando falava, era somente em tom profissional. Segundo ele, nós iríamos nos reunir depois que acabasse o Soul Talent — o que seria em breve.

Hoje era a apresentação final do último concorrente — no caso, Sai.

Ainda me doía as notícias sobre o Soul Talent, por isso eu havia evitado ver as apresentações dos outros finalistas. Mas a de Sai eu não podia perder. Ele era meu amigo, acima de tudo, e eu queria muito que ele vencesse.

Apesar de não estar acompanhando as apresentações finais, eu sabia que o local em que elas iriam ocorrer era divulgado antes, para que os fãs comprassem os ingressos e a mídia se preparasse. O intrigante sobre Sai, era que a hora da apresentação já estava chegando, mas até o momento ninguém sabia onde ele iria se apresentar — somente a produção do Soul Talent, óbvio.

Então, não havia tido venda de ingressos e os fãs estavam loucos, ocupando a porta dos principais locais de show em Nova York.

Até eu estava curiosa.

Kabuto era meu parceiro de sofá. Ele estava assistindo ao pré-show comigo — no qual Ryan Seacrest mostrava os melhores momentos de Sai no programa e a expectativa dos fãs — e seu apoio me fortalecia, tornando menos difícil acompanhar o Soul Talent.

Quando o começo da apresentação foi anunciado, comecei a roer minha unha de ansiedade — e acabei recebendo um tapa em minha mão por Kabuto.

A filmagem cortou para uma praça levemente movimentada, iluminada pela lua e alguns postes de luz.

"Acho que cortaram pra câmera errada." Kabuto comentou.

Mas então a câmera focou em um garoto tocando violão sentado nas escadas de uma grande fonte de água.

Logo reconheci a figura de Sai.

Ele começou a cantar uma canção calma e bonita — de composição própria, eu apostava.

Ele parecia um garoto normal tocando violão na praça.

Algumas pessoas começaram a prestar atenção em Sai, mas provavelmente achavam que era apenas mais um músico de rua talentoso.

Até que reconhecimento passou pelo rosto de alguns. Alguém gritou o nome de Sai e mais gente parou para assisti-lo.

Apesar de ele estar se apresentando aparentemente sem microfone, sua cantoria era bem audível, mesmo com o barulho que as pessoas começavam a fazer. Quando a câmera se aproximou foi que eu notei que havia sim microfones acoplados em sua roupa e violão.

As pessoas sacavam seus celulares, tirando fotos. Uma certa multidão se aglomerava ali.

Havia grandes homens vestidos de com roupas normais, mas que ficavam em volta da escada, meio que contendo a multidão.

Mas Sai chamou uma dúzia de pessoas para perto dele, que se sentaram na escada ouvindo seu som.

Então a fonte de água se iluminou de azul e o jorro d'água se intensificou.

A multidão — sim, já era uma multidão mesmo — parecia maravilhada.

Na música seguinte aquilo tinha se transformado num verdadeiro espetáculo.

Músicos surgiram da multidão com seus instrumentos e se juntaram a Sai, acompanhando-o. A imprensa parecia ter chegado ali em tempo recorde. Havia gritos e fashes pra todo lado.

Sai fez das escadas da fonte seu palco. A praça estava lotada. As ruas estavam lotadas. As pessoas se esticavam nas varandas de seus apartamentos tentando vê-lo melhor.

Sai havia parado aquele lugar.

Cada música, cada letra, composição e arranjo era incrível.

Eu não havia visto as outras apresentações, mas esse concurso já era do Sai. Não tinha como não ser. Era um momento mágico.

No final do show, ele se despediu do público com seu maior sorriso. E então se jogou na fonte, desaparecendo na água.

Os seguranças deixaram o público passar.

Pessoas se jogaram na água da fonte atrás de Sai, mas ele não estava mais ali.

Sumiu como mágica.

Eu estava bestificada, maravilhada e orgulhosa.

Sai havia sido perfeito.

Senti um sorriso se formando em meu rosto. Meu amigo tinha conseguido.

Eu estava realmente — realmente mesmo — feliz por ele.

Eu podia não estar mais no concurso que eu tanto tinha aprendido a gostar, mas eu sabia que o Soul Talent teria seu campeão à altura.

*

*

*

Eu evitava a internet, com medo do que leria sobre mim — sobre Lümina —, mas eu tive que pesquisar sobre Sai.

No dia seguinte à apresentação só se falava dele, do espetáculo surpresa, gratuito e lindo.

Sai havia roubado a cena.

Mais uma vez eu liguei a televisão no Soul Talent, dessa vez sem nenhum ressentimento profundo — apenas torcida por Sai. Eu queria demais que ele ganhasse.

Mas quando fizeram a retrospectiva de tudo que havia acontecido no programa, não pude evitar o sentimento amargo quando mostraram os melhores momentos de Lümina. Eles me chamaram de promessa que não foi cumprida. Doeu.

Kabuto segurou minha mão e me deu apoio.

Senti raiva quando mostraram os momentos de Sasori — e vergonha alheia com a cena histórica do escândalo que ele fez ao ser eliminado.

Finalmente, passaram para o anúncio do vencedor.

A disputa final tinha ficado entre Sai e Bia Lewis, a indicada de Adele. Eles tinham sido os dois mais votados.

No fim, a disputa tinha ficado mesmo entre um indicado e um audicionado.

John Mayer e Adele assistiam lado a lado enquanto seus pupilos estavam no palco, nervosos.

Os dois deram as mãos e Ryan avisou que era hora do grande anúncio.

"E o vencedor do Soul Talent é..." Ryan fez uma pausa.

Meu Deus! Ryan e seus suspenses ainda iriam me matar.

Dessa vez ele parecia demorar mais que o comum para anunciar o nome.

"SAI UCHIHA!" Ele gritou e os confetes explodiram no palco.

Sai arregalou os olhos, respirando rápido. Ele parecia descrente.

Estampei um grande sorriso e senti as lágrimas em meus olhos. Kabuto envolveu seu braço em meus ombros, me apertando.

Sai passou as mãos pelo cabelo, trêmulo.

Tudo que eu conseguia pensar era que ele merecia aquilo mais do que ninguém — mais do que eu, inclusive. Ele havia se dedicado totalmente desde o primeiro dia.

Eu chorei junto com ele quando seus olhos marejaram, e sorri ainda mais quando ele sorriu.

Sai parecia incrivelmente feliz e aliviado. Ele, na verdade, parecia fora de órbita. Nas nuvens. Quis lhe dar um abraço apertado.

"Menino Sai." Kabuto falou. "Quem diria."

"Ele merece." Comentei.

Kabuto só assentiu e nós dois continuamos a assistir o momento de triunfo do Sai.

*

*

*

Uma semana depois eu já me sentia bem. Meu ferimento estava cicatrizado e eu já não sentia dores.

A cicatriz não estava bonita, mas Kabuto dizia que a aparência ainda iria melhorar. De qualquer forma, não me incomodava tanto assim. Agora essa marca representava uma parte importante de quem eu era.

Meus amigos vinham me visitar de vez em quando, mas as coisas ainda não haviam voltado ao normal com eles. Nós evitávamos conversar olhando no olho e não tocávamos em assuntos delicados.

De qualquer forma, eu sabia que eles já estavam com o dinheiro das passagens e voltariam pra Konoha em breve.

Então já estava mais do que na hora de enfrentar meus assuntos pendentes. E eu não era a única a pensar assim, já que esta manhã Sasuke-kun havia mandado uma mensagem pedindo para se encontrar comigo. Nós dois ainda não havíamos ficado sozinhos. Ele sempre trazia mais alguém quando vinha me visitar.

O horário do encontro já estava chegando, então eu fui me arrumar.

Combinamos de nos encontrar na praça em frente ao apartamento em que eu e Kabuto estávamos ficando.

Sasuke-kun já estava à minha espera, quando cheguei no ponto de encontro. Ele me cumprimentou desajeitadamente. O clima entre nós dois era esquisito.

Sentamos lado a lado no banco da praça, num silêncio desconfortável. Era como se não soubéssemos nem por onde começar a falar.

"Nós passamos por maus bocados." Sasuke-kun começou.

"Sim." Concordei. "Mas sobrevivemos."

"Por um momento achei que você..." Ele não completou.

"Morreria?" Sorri de lado quando ele confirmou com a cabeça. "Pode não parecer, mas eu sou dura na queda."

"Você não sabe como eu agradeço por isso." Disse, com seriedade. "Eu tive muito medo de te perder."

Engoli em seco, sem conseguir responder. Não estava acostumada a ouvir Sasuke-kun falar esse tipo de coisa para mim.

"Por que você fez aquilo, Sakura?" Ele perguntou. "Por que recebeu aquele tiro em meu lugar?"

Sasuke-kun me olhou fervorosamente, mas não consegui encará-lo em retribuição. Eu não tinha a resposta para tal pergunta.

"Não sei." Dei de ombros, olhando fixamente para minhas mãos. "Eu só... Fiz. Não pensei, nem planejei. Meu corpo se moveu automaticamente e quando me dei conta já estava sangrando."

E o silêncio voltou a reinar. Podia sentir o olhar de Sasuke-kun queimar em minha pele, mas não me atrevi a olhá-lo.

"Obrigado." Ele disse, com voz baixa, porém firme. "Muito obrigado, Sakura. Nunca vou esquecer o que você fez por mim."

E então eu virei meu olhar para ele, com meu coração aumentando as batidas gradativamente.

"Eu vou sentir tanto a sua falta." Falei, com lágrimas começando a se formar.

"Como assim?" Sua expressão ficou confusa.

"Eu não vou voltar, Sasuke-kun." Falei de uma vez. "Não vou voltar para Konoha."

Surpresa reluziu em seu rosto.

"Que história é essa, Sakura?" Sua voz era exigente.

"Eu precisava te contar." Permaneci firme. "Resolvi ficar em Nova York."

"Você não pode!" Seu tom subiu.

"Não só posso, como vou." Ergui o queixo. "Minha decisão já está tomada."

"Sakura..." Ele balançou a cabeça. "O médico disse que você não teve sequelas, mas deve ter sim, porque definitivamente você não está pensando com clareza."

"Sasuke-kun... Eu nunca pensei tão claro em minha vida. E nunca fiz uma decisão tão certa quanto essa." Falei.

"Por que você está dizendo essas bobagens? Sakura, sua vida é em Konoha! O que há pra você em Nova York?"

Um mundo inteiro. Uma vida nova, muitas portas abertas e oportunidades. Mas Sasuke-kun não sabia disso, e eu não me achava capaz de lhe contar.

Então respondi uma meia verdade: "Eu só sei do que não há: você."

Ele franziu o cenho, permanecendo calado.

"Preciso me afastar de você, Sasuke-kun. Nós dois sabemos disso." Segurei o nó em minha garganta.

O Uchiha balançou a cabeça. "Você não precisa ficar em Nova York por isso. Nós podemos dar um jeito... Nós vamos dar um jeito."

"Quantas vezes eu não ouvi dizerem que o que eu sentia por você não era saudável?" Olhei em seus olhos. "Mas eu nunca me importei ou achei que eles estavam certos. Até o dia em que eu quase morri por causa desse sentimento."

"Sakura..."

"Eu estou cansada disso. Cansada demais. Desgastada demais. Cheguei no meu limite. Já chega. Eu não quero mais chorar por você, sofrer por você, viver minha vida em função de você... Já fui longe demais." Desabafei.

Sasuke-kun abaixou o olhar e pude identificar tristeza presente neles.

"Mas você precisa se mudar pro outro lado do mundo por isso?" Ele perguntou. "Se você quiser eu posso manter distância até que—"

"Até o quê, Sasuke-kun?" Interrompi-lhe. "Até o próximo tiro?" Bufei. "Você não entende! Eu preciso mudar minha vida. E eu quero ficar em Nova York."

"Você acha que é fácil assim decidir ficar em Nova York?" Ele perguntou.

E essa era a parte em que a mentira era inevitável.

"Eu vou continuar na casa em que estava trabalhando. Eles me fizeram uma proposta. Vou receber bem e estudar em uma boa escola." Menti deslavadamente. "Mamãe já concordou com tudo e toda burocracia já está sendo arranjada. Eu não vou mesmo voltar."

O Uchiha parecia incrédulo. "Você vai fazer isso só para ficar longe de mim?"

Não. Claro que havia mais.

Enquanto eu caminhava para longe de Sasuke-kun, eu me aproximava de meu sonho. E eu seria a pessoa mais estúpida do mundo se deixasse a oportunidade passar.

"Eu estou fazendo isso, principalmente, por mim." Afirmei. "Acho que essa é a primeira vez que eu me coloco em primeiro lugar, que eu me priorizo. Ao invés de considerar o que você vai achar, ou se vai te fazer bem, dessa vez eu considerei apenas o que irá me fazer bem."

Sasuke-kun mantinha um olhar indecifrável. Era como se ele quisesse me dizer algo que eu não pudesse captar.

"Que engraçado, Sakura..." Ele começou, dando um sorriso irônico. "Porque eu sempre achei que suas decisões eram baseadas apenas nos seus próprios sentimentos."

A surpresa e indignação com o que ele falou foi tanta, que eu não pude conter meu olhar chocado.

O que, por Deus, esse cara estava dizendo?

A minha vida inteira girou ao redor dele. Como ele podia dizer um absurdo desses?

"Você perdeu a cabeça?" Perguntei, irritada e incrédula. "Depois de tudo... Depois de eu ter me dedicado incondicionalmente—"

"Você não entendeu o que eu quis dizer." Ele me interrompeu. "Sim, eu sei que você só olhou pra mim durante todo esse tempo. Eu sei. Mas Sakura... As coisas que você costumava fazer... As decisões que costumava tomar... Não era por mim. Era por você."

Eu juro que a minha mão latejou com vontade de dar um tapa nele. Era inacreditável!

"Eu absolutamente não aceito que você diga algo assim!" Falei, furiosa. "Eu passei a merda da minha vida inteira tentando chamar a sua atenção... E sofrendo com a falta dela. Foram anos sendo ignorada e tendo meus sentimentos subestimados e desvalorizados. Anos!" Desabafei, com mágoa na voz. Era difícil e doloroso admitir tais coisas. "Você já me fez sangrar muito mais do que aquele tiro que levei em seu lugar e ainda não reconhece meus sentimentos."

Sasuke-kun me deu um olhar ferido.

"Como você pode dizer algo assim, Sakura?" Perguntou, com tom incrédulo.

"Porque é a verdade. Você simplesmente presumiu que meu amor era banal e infantil, assim era mais fácil lidar com eles, certo?" Despejei as palavras nele. Eu já havia as segurado por tempo demais. "Você nunca se importou realmente com meus sentimentos."

Sasuke-kun nem ao menos respirava, de tão incrédulo que parecia estar. "Eu não me importava com seus sentimentos?" Sua voz subiu uma oitava. "Eu que não me importava com seus sentimentos?" Repetiu.

"Sim." Ergui o queixo. "Você sabe que é verdade."

"Você é quem nunca se importou com o que eu sentia!" Falou, com indignação.

Meu queixo praticamente caiu.

"Eu não posso acreditar que você disse um absurdo desse!" Balancei a cabeça. "Não depois de tudo! Não depois de ter vivido minha vida olhando só para você."

"Você olhou mas nunca me viu."

Eu não podia acreditar no que ele dizia! Aquela frase era minha! Eu não consegui nem responder nada, tamanha era minha indignação.

"Sakura..." Começou. "Você lembra de ter perguntado como eu me sentia, em alguma das vezes em que disse querer namorar comigo?"

"Claro!" Respondi, prontamente. "Todas as vezes."

"Tem certeza disso? Para e pensa."

Aquilo estava me irritando profundamente.

"Você nunca perguntou o que eu sentia. Nunca. Nem uma vez sequer." Falou, com voz dura. "Você me tratava como se eu fosse seu, como se eu fosse sua propriedade. Ainda por cima agia como se eu não tivesse o direito de não querer ficar com você."

"Você não sabe o que está falando!" Apertei os punhos.

"Em nenhum momento você quis saber como eu me sentia. E quer saber? Nem agora você parece se importar. É sempre sobre as suas mágoas, os seus sentimentos, as suas dores. Você só se importa com o que você sente."

"Isso não é verdade!" Contestei. Meu corpo tremia.

"Não é?! Tem certeza que não é? Em algum momento te passou pela cabeça perguntar como eu estava agora? Ou sequer se importou com o que eu sentiria ao saber que você não vai voltar pra Konoha? Tenho certeza que não, Sakura! Porque sempre foi assim! Só te importa o que você sente! Agora mesmo você sentou aqui comigo e jogou um monte de palavras duras sem se importar com o quanto elas me machucam. Mas se você quer falar sem filtro algum, então que seja! Mas você não vai ser a única a falar."

Meu coração perdeu uma batida.

"Eu só me importo com o que eu sinto?" Bufei. "Eu levei. A porra. De um tiro. POR VOCÊ!" Falei, entredentes. Tentei não perder o controle.

O olhar de Sasuke-kun tremeu.

"Eu sei..." Ele baixou os olhos. "E agora nada faz sentido. A minha cabeça está uma bagunça, porque isso foi algo que eu nunca imaginei que você faria."

"Você, ao menos uma vez, levou a sério meus sentimentos?" Perguntei, magoada.

Sasuke-kun olhou-me profundamente. "Eu acho que não estou sendo claro com o que eu quero dizer." Ele segurou minhas mãos, mas eu estava tão chateada que quase o rechacei. "O que você fez por mim... O tiro que levou por mim... Foi provavelmente a maior prova de amor que eu vou receber em toda minha vida. E acho que mais ninguém fará algo tão grandioso e nobre por mim. Mas eu não vou mentir, Sakura... Eu nunca imaginei que você faria isso. Ou que seu amor fosse tão profundo." Ele baixou os olhos. "Na verdade, nunca achei que alguém me amasse a esse ponto."

Puxei minhas mãos das dele. "Viu? Você só está confirmando o que eu dizia. Meus sentimentos nunca valeram nada pra você. Sempre foram subestimados."

"Até aquele dia no cativeiro... Você nunca havia dito que me amava. Nunca." Falou. "Eu fiquei tão surpreso, que meu coração quase sai pela boca."

Eu ainda não conseguia acreditar que nunca havia dito que o amava. Em minha cabeça eu já havia dito um milhão de vezes.

"Tem certeza que não foi você quem nunca prestou atenção no que eu dizia?" Perguntei.

"Não. Você nunca disse." Afirmou. "Você sempre dizia que gostava de mim, que estava apaixonada, que queria namorar comigo... Mas nunca usou a palavra amor."

Eu pensava que, diferente de como sou com todas as outras coisas, sobre o que eu sentia por Sasuke-kun eu conseguia ser honesta. Mas talvez esse meu bloqueio emocional estúpido tivesse erguido uma certa barreira em relação a esse sentimento, que nem mesmo eu percebi.

"Ainda assim... Como você tem coragem de dizer que eu me importo só com meus sentimentos?" Balancei a cabeça, magoada. "Droga, Sasuke... Depois de tudo." Abandonei o sufixo em seu nome, de tão irritada que estava.

Ele ficou calado por um momento.

"Você se lembra de quando eu terminei com a Kara?" Ele perguntou.

Kara. A primeira e única namorada dele, antes de Ino. Eles eram o clichê jogador do time de futebol+líder de torcida. Eu havia tentado um monte de leseiras pra tentar fazê-los terminar — e falhei em cada tentativa. Eles só terminaram quando enfim Sasuke-kun percebeu que só estava com ela pela ilusão do clichê. Parando para pensar nas minhas ações infantis, eu era bem tola naquela época. Provavelmente era disso que o Uchiha estava falando.

"Lembro. E por isso eu peço desculpas." Falei. "Eu era bem irritante fazendo pirraça pra vocês terminarem. Reconheço isso." Não que eu realmente tivesse feito algo grave, era tudo birra de criança.

"Você sempre agia daquele jeito. E apesar de saber que você sempre tentava impedir meu interesse em alguém, não foi isso que me magoou naquela época. Foi a sua falta de preocupação com meus sentimentos."

Franzi o cenho às palavras de Sasuke-kun.

"Eu sempre me importei." Insisti. É claro que eu me importava com o que ele sentia. Sempre me importei! Como não me importaria?

O Uchiha passou a mão pelos cabelos. "No dia em que eu terminei com a Kara, foi o dia que eu mais me decepcionei com você." Confessou.

Meu coração falhou uma batida às suas palavras. Tudo bem que eu era irritante naquela época, mas decepcionado? Eu não havia feito nada de diferente das outras vezes.

"Por quê?" Exigi uma resposta.

Sasuke-kun não me olhava. Ele parecia bem chateado. "Até agora você não sabe? Não lembra do que aconteceu naquele dia?"

Ele meio que estava falando grego comigo. Eu não entendia o que ele queria dizer.

Parei para pensar sobre o que poderia ter acontecido naquele dia para deixar Sasuke-kun tão irritado.

As memórias inundaram minha mente, claras como a água.

Flashback

 

As notícias já tinham se espalhado por todo o colégio. Sasuke-kun e Kara haviam terminado! Eu estava tão feliz que saltitava pelos corredores vestindo o meu melhor sorriso. Onde estaria Sasuke-kun?

 

Minha busca por ele terminou quando eu o encontrei no telhado da escola. Eu sabia que ele gostava de ir ali de vez em quando, apesar de ser proibido pela coordenação. Ele gostava de ir ao telhado quando queria ficar sozinho, mas eu estava tão ansiosa pra vê-lo que não me aguentei e interrompi seu momento de silêncio.

 

"Sasuke-kun!" Chamei, me colocando ao seu lado.

 

Ele olhava para o horizonte, encostado na borda do muro do telhado. O vento balançava seu cabelo e o deixava mais bonito do que nunca. Ele não se incomodou em virar seu olhar para mim.

 

"Eu quero ficar sozinho, Sakura." Ele falou.

 

Apenas o ignorei. "Soube que você e a Kara terminaram, é verdade?"

 

"Sim." Respondeu, apenas.

 

Não contive meu sorriso de orelha a orelha. "Finalmente!" Soltei um riso alegre.

 

Sasuke-kun enfim me olhou. Torto.

 

"Então você finalmente percebeu a mocreia que ela é!" Joguei os braços para cima. "Isso merece uma festa!"

 

Eu não podia conter minha alegria.

 

Sasuke-kun se virou, andando em direção às escadas, sem dizer uma palavra.

 

"Ei!" Chamei, seguindo-o. "Devemos ir no Old Arcade hoje e estourar nosso dinheiro em jogos? Seria uma boa comemoração, não acha?"

 

Mas Sasuke-kun não respondeu. Ele apenas continuou andando como se eu não estivesse ali. Eu, no entanto, não conseguia parar de tagarelar.

 

No corredor, Kara surgiu, vindo em nossa direção. Segurei no braço de Sasuke-kun dando um olhar mortal para a líder de torcida. Os dois passaram um do lado do outro como se não se conhecessem. Sorri, contente. Sasuke-kun puxou seu braço de mim.

 

Olhei para trás vendo a mocreia desaparecer pelo corredor.

 

No fim, quem sempre ficava ao lado de Sasuke-kun era eu. Eu.

 

Em meu peito, havia uma sensação de vitória. Sentia como se tivesse derrotado Kara com minhas próprias forças.

 

Sorri. Menos uma.

A lembrança do que ocorrera no dia do término de Sasuke-kun e Kara enviou uma certa inquietação ao meu peito. Naquele dia eu estava tão contente, mas agora, lembrando de tudo, senti-me estranhamente mal com aquilo.

"O que aconteceu naquele dia foi inacreditável pra mim." Sasuke-kun começou. "Porque quando eu deitei na minha cama e as lembranças do dia me inundaram, o que mais doeu, o que mais me incomodou e tirou o sono não foi o término do meu primeiro relacionamento. Foi a decepção que eu tive com você."

Eu paralisei por um momento, absorvendo as palavras dele. As coisas, no entanto, não faziam muito sentido.

Ok. Eu não havia sido muito legal. Mas na minha cabeça não havia realmente algo para fazer Sasuke-kun se decepcionar. Afinal, aquele era o jeito que eu sempre agia. Não era como se eu tivesse feito algo de diferente naquele dia.

"Eu admito que era um pouco sem noção, na maior parte de tempo... Mas você sabe que a maior parte daquilo era imaturidade." Tentei me defender. "O que te decepcionou tanto? O que eu fiz de diferente das outras vezes?"

"Kara foi a minha primeira namorada, meu primeiro término." Ele falou. "Eu sabia que você era contra, sabia que torcia pra que terminássemos. Mas foi o seu jeito de reagir que me magoou."

"O garoto que eu gostava tinha ficado livre novamente. É claro que eu fiquei feliz! Você queria que eu chorasse?"

"Eu queria que você se importasse comigo!" Ele me encarou, com um olhar intenso. "Eu queria que você agisse como minha amiga!" Continuou. "Não que eu e Kara tivéssemos tido um relacionamento apaixonado, mas ainda assim foi meu primeiro término! Eu não queria muito, Sakura. Bastava perguntar como eu estava. Um simples 'você está bem?' já ia servir!" Sasuke-kun desviou o olhar. "Mas ao invés disso você sugeriu uma festa, uma comemoração. Porque enquanto você estivesse feliz, que diferença fazia se eu estava triste?" Ele balançou a cabeça. "E foi ali que eu percebi que você não se importava com o que eu sentia. Você só se importava e notava os próprios sentimentos." Ele fez uma breve pausa. "Não foi a Kara que me fez perder o sono naquele dia. Foi você."

O peso das palavras de Sasuke-kun me atingiram bruscamente. Realização acordava minha mente enquanto eu finalmente entendia o que ele queria dizer.

Custei a aceitar.

Minha mente negava tudo.

Não, eu não era assim, ela dizia.

Sasuke-kun era tudo com o que eu me importava. Meus dias giravam ao redor dele, como eu poderia não me importar com seus sentimentos?

Não fazia sentido nenhum!

Mas então... A lembrança de como eu só queria saber de comemorar o término dele com Kara cutucou minha mente e uma realização assustadora me pegou desprevenida: em nenhum momento havia me passado pela cabeça perguntar como ele estava.

Um aperto incomodou meu peito.

Cadê o sentido disso?

Parando para lembrar minhas ações passadas, eu até ficava bem constrangida. Era como se aquela garota que perseguia Sasuke-kun tentando afastar todas as garotas de perto dele, com atitudes infantis, não existisse mais. De fato, era como se eu não conseguisse criar uma conexão com ela, como se não fôssemos a mesma pessoa.

Aquela garota parecia fazer parte de um passado muito distante, quando na verdade, não fazia tanto tempo que eu agia daquele jeito.

O tempo parecia ter avançado muito rápido. Eu parecia ter mudado muito rápido. Uma verdadeira transformação interna, que ocorreu de maneira que eu nem cheguei a perceber.

Mas ainda assim eu não encontrava sentido naquilo.

Custava a aceitar que Sasuke-kun pudesse ter razão. Custava a aceitar que eu me importava só com meus sentimentos.

Para ser sincera, eu me via com alguém que tinha sido injustiçada. Eu acreditava que meu amor por Sasuke-kun era perfeito, sem falhas e completamente abnegado, sem um pingo de egoísmo nele. Era assim que eu me sentia.

Mas parando para pensar... Meu amor estava longe de ser assim

Sendo bem sincera, que amor não é egoísta? Quem não quer ter seu amor só para si?

Todo amor vem acompanhado com uma porção de egoísmo.

Eu havia tentado como louca ter Sasuke-kun só para mim.

Mas até aquele momento eu não havia notado o quão egoísta havia sido.

Não. Eu nunca nem pensei em perguntar se Sasuke-kun estava realmente afim de alguma daquelas garotas por quem ele mostrava interesse. Muito menos me importei em saber como ele estava após o término com Kara.

Remorso me atingiu.

No fim das contas, Sasuke-kun podia estar certo.

"Eu... Não tinha parado pra ver as coisas por essa perspectiva." Admiti.

"Claro. A única perspectiva que lhe interessava era a sua própria."

Suas palavras me irritaram.

"Ei, você pode ter razão no fato de que talvez eu tenha sido mesmo egoísta, mas isso não muda tudo que eu sofri por você."

"Mas quando foi que você chegou em mim e disse que estava sofrendo?" Sasuke-kun me olhou.

Eu não sabia responder.

"Você me deixou no escuro, Sakura." Ele continuou. "Não me falava o que realmente sentia e não queria saber o eu sentia. Foram muitas coisas não ditas... Tantas que já nem dá pra saber o quanto cada um de nós se machucou em silêncio."

"Eu fui a mais machucada nessa história, disso eu sei." Afirmei. "Meu coração foi partido, enquanto o seu se apaixonou por outra. Tudo que eu conheci foi um amor unilateral, não correspondido. Já você nem ao menos sabe o que é isso."

"Você se considera tão pouco na minha vida?" Sasuke-kun me perguntou.

"Você fala de mim, mas não é como se alguma vez tenha me dito o que eu represento na sua vida." Falei, com um nó na garganta.

Ele me olhou intensamente. "Eu te conheço desde os cinco anos. Durante uma década você não esteve ausente um dia sequer. Desde que viemos pra Nova York e passamos tanto tempo afastados foi que eu percebi o impacto disso na minha vida. É como se você fosse parte de mim. Foi então que percebi: eu não preciso estar apaixonado por você pra te amar."

Meu coração perdeu uma batida. O mundo parecia girar num compasso extremamente lento. As palavras dele ecoavam na minha cabeça fazendo meus olhos marejarem.

Sorri, emocionada. Saber que eu significava tanto na vida dele era algo que eu precisava ouvir. Foi como se ele tivesse feito carinho no me coração.

"Me perdoa por ter te machucado." Sasuke-kun falou.

Balancei a cabeça. "Eu que tenho que pedir perdão. Você está certo. Eu realmente fui bem egoísta e só me importei com meus próprios sentimentos."

"Você levou um tiro por mim, Sakura." Disse. "Isso foi o completo oposto de egoísmo. Só esse ato derruba todos os meus argumentos, pra falar a verdade." Ele deu um meio sorriso. "Foi puro altruísmo."

"Eu não pensei, só fiz." Afirmei. "Não anula as vezes que eu fui egoísta com você, mas prova que o que sinto é forte e verdadeiro. E isso me basta."

"Se fôssemos sinceros desde o princípio, então talvez não tivéssemos machucado um ao outro." Ele falou.

"Teríamos sim, Sasuke-kun." Afirmei. "Porque eu continuaria num amor de via única. E amores não correspondidos sempre machucam muito."

Sasuke-kun não respondeu.

Nem tinha como. Nós dois sabíamos que eu estava certa.

"Mas acho que faz parte da vida." Continuei. "Essas experiências, digo. Nós somos muito novos e não é como se tivéssemos alguém nos orientando nesses assuntos do coração. Se até os adultos se complicam e fazem besteira, o que dirá de nós que mal começamos a viver?" Sorri. "Por isso eu acho que não tem problema cometer alguns erros. Dizem que a gente aprende com eles."

Sasuke-kun me olhou como se eu fosse de outro mundo. Sua expressão ganhou um brilho brincalhão. "Quem é você e o que fez com a minha amiga?"

Dei um tapinha em seu braço.

Nós dois então ficamos em silêncio por um tempo, mas já não era desconfortável.

Meu coração se sentia estranhamente mais leve e eu gostei da sensação.

"Mas sobre você ficar em Nova York..." Ele começou.

"Eu queria que você me apoiasse nisso." Falei, imediatamente. "Por favor."

Ele evitava meu olhar.

Foi quando me passou pela cabeça que Sasuke-kun havia dito que eu não perguntara se ele estava bem com o fato de eu não retornar a Konoha.

"Como você se sente sobre isso?" Perguntei.

"Credo, Sakura." Ele deu um riso seco, ainda sem me olhar. "Pereceu uma psicóloga perguntando."

Eu ri. "Mas foi você quem reclamou de eu nunca perguntar como você se sente."

Ele assentiu, permanecendo calado por um tempo. Mas então falou: "Eu não gosto da sua ausência. Ela deixa um vazio que me incomoda, irrita. Eu não gosto de você querer ficar aqui. Eu não gosto do sabe-se-lá-quanto-tempo que eu vou passar sem te ver. Eu estou me sentindo mal com isso, porque eu te vejo cada vez mais mudada e distante de mim. Se quer saber, isso me assusta. Eu não quero que você fique em Nova York. É isso que eu estou sentindo."

Meu coração tremeu. Eu quase já podia me ver largando tudo e voltando pra Konoha com ele. Por um momento eu quis voltar atrás na minha decisão.

Mas não. Eu não podia.

Sasuke-kun não sabia das oportunidades que eu estaria tendo em Nova York. Se ele soubesse, me incentivaria a ficar. Agarrei-me a esse pensamento antes de desistir de tudo.

"Pela primeira vez na minha vida eu sei que estou tomando a decisão certa." Falei. "Eu tenho meus motivos para ficar. Motivos que você pode até não entender agora, mas que algum dia irá. Eu preciso ficar, Sasuke-kun."

Ele olhou em meus olhos como se procurasse por algo. Tentei passar toda a minha sinceridade para ele. Queria fazê-lo entender que eu não mudaria minha decisão.

O Uchiha assentiu, desviando o olhar. "Se você está tão certa disso, quem sou eu pra te impedir."

"Você é o meu Sasuke-kun." Falei, com carinho. "E o seu apoio significaria o mundo pra mim."

Ele sorriu de lado, bagunçando meu cabelo com uma mão. "Apoiada." Dei-lhe meu melhor sorriso. "Desde que você não se esqueça de mim."

"Isso é impossível." Afirmei, tendo absoluta certeza do que falava. "Obrigada."

"Depois do que você fez por mim, o mínimo que eu posso fazer é atender todas as suas vontades." Afirmou, com um sorriso.

"Ah é?" Ergui as sobrancelhas. "E se eu te pedir para realizar três desejos meus hoje, você realizaria?"

Ele franziu os lábios. "Se não for nada absurdo ou impossível..." Parou por um segundo. "Na verdade, desde que não seja nada caro, a gente pode dar um jeito de realizar."

Sorri abertamente. "Você não pode voltar atrás, hein?"

"Já estou começando a me arrepender." Falou em tom de brincadeira. Dei-lhe um tapa no braço. "Tudo bem. Hoje eu sou o seu gênio. Qual o primeiro pedido, senhorita?"

A verdade era que nem eu sabia o que queria. A ideia dos três pedidos surgiu inesperadamente. Mas já que eu tinha esse trunfo, precisaria fazer bom uso dele.

Lembrei da música que compus há um tempo atrás.

Tudo que peço é

Na nossa despedida

Me abrace como se eu fosse mais que apenas uma amiga

Me dê uma lembrança que eu possa usar

Me leve pela mão enquanto nós fazemos o que os apaixonados fazem

Importa como isso vai terminar

Por que e se eu nunca amar de novo?

Sorri, tristemente.

"O que foi?" Sasuke-kun perguntou.

"Nada." Balancei a cabeça. "Bom... Deixa eu pensar no que eu quero. Não posso desperdiçar!"

Sasuke-kun esperou pacientemente.

"Já sei meu primeiro pedido." Disse, por fim.

"Manda."

"Vamos sair juntos. Agora. Eu e você." Tomei coragem para pedir. Seria como uma despedida.

Sasuke-kun apenas me encarou com uma leve surpresa no olhar.

"Pra onde?" Perguntou.

"Eu não sei." Dei de ombros. "Você escolhe."

"Você precisa me dar uma ideia do que quer fazer, Sakura."

"Seja criativo."

Ele passou um minuto parecendo refletir. "Deixa eu mandar uma mensagem aqui." Falou.

Sasuke-kun mexeu por um momento no celular. Assim que colocou o aparelho de volta no bolso, disse: "Tudo certo."

E então ele se levantou e fez sinal para que eu o acompanhasse.

"Onde vamos?" Perguntei, seguindo-o.

"Você vai ver." Respondeu, apenas.

*

*

*

Sasuke-kun e eu desembarcamos do metrô numa estação pouco movimentada.

Enquanto caminhávamos para fora, avistei um pôster bem grande de Sai, pregado numa das paredes.

O próximo superstar, dizia o cartaz.

Parei meus passos para admirá-lo. Não podia negar a pontada de ciúmes que eu senti ao pensar que poderia ser eu ali. Mesmo assim, não poderia deixar de ficar feliz por Sai. Ele era completamente merecedor do lugar que havia conquistado.

"Quem diria, hein?" Sasuke-kun disse, também olhando para o pôster. "Sai foi o grande vencedor. Parece mentira."

"Ele mereceu a vitória. É muito talentoso e trabalhou duro por isso." Afirmei.

"Eu sei. Não estou negando o talento dele." Sasuke-kun disse. "Só que é estranho ver o rosto do meu primo espalhado em tudo quanto é cartaz dessa cidade. Ele nunca tinha mostrado interesse pela música, e de repente... Boom! É o próximo superstar mundial. É bem louco, pra falar a verdade."

Eu podia imaginar como Sasuke-kun se sentia. Eu mesma havia ficado surpresa quando soube que Sai ia participar do Soul Talent. Nunca imaginei que ele tivesse aquele talento.

Levando em conta a rivalidade entre os primos e o fato de que a 3P nem ao menos teve chance de competir, eu podia apostar que Sasuke-kun também estava sentindo uma pontinha de ciúmes.

"Vamos." Ele disse, voltando a caminhar.

"Onde estamos indo, afinal?" Perguntei, novamente.

"À praia." Ele respondeu.

"Nesse frio?" Arregalei os olhos.

Ele deu um sorriso de lado, enquanto deixávamos a estação. Havia realmente uma praia ali perto — eu podia vê-la. Andamos em sua direção.

"Você disse que eu podia escolher."

"Bom, só que eu já tive a minha experiência com água gelada. E não é agradável." Comentei, lembrando do dia em que entrei na piscina do hotel, pouco depois de ver Sasuke-kun e Ino juntos. "Quase morri congelada."

O Uchiha me olhou de lado, provavelmente estranhando a história. "Quando foi isso?"

Dei de ombros. "Faz um tempinho. Enfim... Não importa." Quis evitar o assunto. "Só sei que não quero mais virar sorvete de Sakura."

Sasuke-kun sorriu. "Relaxa. Ninguém vai se molhar."

Ao chegar na areia, pensei em tirar meus sapatos, mas provavelmente meus pés iriam congelar.

Caminhamos em silêncio por um tempo. Ao longe, pude avistar um grupo consideravelmente grande de pessoas, já que, à primeira vista, a praia parecia quase deserta.

"Um colega do trabalho me contou sobre esse lugar." Sasuke-kun falou. "Ele disse que todo sábado havia um luau aqui. É a primeira vez que eu venho, então não sei se é realmente legal, mas..."

Sorri em resposta.

Na verdade não me importava muito o lugar, desde que estivéssemos juntos. Obviamente não fui capaz de falar isso em voz alta.

À medida que nos aproximávamos do grupo comecei a ouvir uma música acústica, porém animada. 

Deveria ter umas trinta pessoas reunidas naquele lugar, contando por alto.

Era um ambiente tranquilo e relaxante. Havia uma fogueira, mesmo que ainda fosse de tarde e não estivesse escuro. Provavelmente era para afugentar o frio. Funcionava. Eu já podia até sentir o meu corpo mais aquecido.

Algumas pessoas conversavam sentadas na areia, bebendo e comendo, outras dançavam e cantavam ao som da música animada que três garotos tocavam juntos em seus respectivos violões. Havia casais também. Eles se beijavam e abraçavam como se estivessem sozinhos, fazendo com que eu desviasse o olhar, envergonhada. Ah, as demonstrações públicas americanas! Será que algum dia eu me acostumaria?

"Sasuke!" Um garoto chamou. Ele parecia ter uns vinte anos, era forte, negro e tinha um dos sorrisos mais bonitos e brilhantes que eu já vira em minha vida. Por um momento até fiquei meio boba, encantada. "Finalmente resolveu aparecer, não é, cara?"

Os dois se cumprimentaram com um toque de mãos.

"Essa é a Sakura." Sasuke-kun me apresentou. "Sakura, esse é o Jay. Ele trabalha comigo na loja de tênis."

"Sakura! Famosa Sakura!" O garoto estendeu a mão, que eu prontamente apertei. "É um prazer te conhecer!"

"O prazer é meu." Respondi, educadamente.

Será que Sasuke-kun falava de mim para ele? Era o que parecia.

"Todo mundo lá na loja sabe o que você fez pelo Sasuke." Jay explicou, antes que eu pudesse perguntar. "Torcemos muito pela sua recuperação. Fico feliz por ver que você está se recuperando bem."

"Ah... Muito obrigada." Sorri, um tanto sem jeito.

Jay piscou um olho e abriu um grande sorriso. Meu Deus! Esse menino ficava absurdamente lindo quando sorria.

"Venham! Vou apresentar vocês para o pessoal!" O garoto falou.

E então ele nos guiou até um grupo de pessoas que nos receberam com rostos sorridentes.

Sasuke-kun e eu sentamos na areia e conversamos assunto aleatórios com o grupo. Eram todos muito receptivos e divertidos. Apesar de até então não os conhecer, senti-me muito bem ao lado deles.

Jay nos ofereceu cerveja.

"Sakura não pode beber." Sasuke-kun lhe avisou. "Ela ainda está tomando remédios."

E então Jay nos deu suco de laranja. Eu disse a Sasuke-kun que ele podia beber cerveja, se quisesse, mas ele preferiu me acompanhar no suco.

"Vocês estão namorando?" Louisa, uma das meninas com quem conversávamos, perguntou.

Pela primeira vez eu me senti extremamente desconfortável ali, e Sasuke-kun não parecia diferente de mim.

"Deixa de fazer pergunta inconveniente, Louisa!" Jay se apressou a dizer. "Os japoneses têm formas de se relacionar um pouco diferente das nossas."

"Que eu saiba, aqui ou no Japão, namoro é namoro." Louisa rebateu.

E então Jay conduziu a conversa para as diferenças culturais entre o Japão e os Estados Unidos, que Sasuke-kun havia lhe contado.

Passou pela minha cabeça, então, que Jay sabia sobre Ino e apenas não perguntara por ela, ou questionara o fato de ser eu a estar acompanhando Sasuke-kun, para não causar uma situação desconfortável. Fiquei grata.

Até aquele momento eu não havia realmente parado para pensar em Ino. Sendo bem sincera, não era algo que eu queria lembrar no momento. Eu estava dizendo adeus a Sasuke-kun, e aquele dia deveria ser só sobre nós dois.

Minha atenção foi desviada quando os garotos dos violões começaram a cantar uma das músicas de Sai, The Motions.

Isso pode machucar

Isso não é seguro

Mas eu sei que eu tenho que fazer uma mudança

Eu não me importo

Se eu quebrar

Pelo menos eu vou estar sentindo alguma coisa

Porque apenas ficar bem

Não é o suficiente

Ajude-me a lutar contra o vazio desta vida

Sai havia cantado essa música numa de suas apresentações e eu lembro de como senti inspirada ao ouvi-la. Foi como um tapa na minha cara, mostrando-me que se eu quisesse algo, tinha que fazer acontecer. E então eu dei o meu sangue pra fazer com que a minha próxima apresentação fosse incrível. E foi. A minha performance de We Found Love foi, na minha opinião, o meu melhor momento no Soul Talent.

Sorri com certa melancolia ao lembrar da competição.

Eu não quero deixar a vida rolar

Eu não quero seguir nem mais um dia sem ter dentro de mim a paixão que consome tudo

Eu não quero passar minha vida inteira perguntando: E se eu tivesse dado tudo de mim?

Ao invés de apenas deixar a vida rolar

Havia um sentimento agridoce em meu peito. Eu, definitivamente, tive bons momentos no Soul Talent. As amizades que criei, as performances que realizei... O quanto cresci como artista e como pessoa enquanto estava lá... Aquilo era imensurável. Havia sido uma experiência única de vida. Ah, como eu queria que os garotos da 3P tivessem vivido aquilo também.

 

Um sentimento de orgulho se apossou de mim quando eu percebi que a maioria ali cantava junto a música de Sai. Alguns até pararam de conversar apenas para cantar. Até Sasuke-kun parecia envolvido com a música.

Eu não quero deixar a vida rolar

Eu não quero seguir nem mais um dia sem ter dentro de mim a paixão que consome tudo

Eu não quero passar minha vida inteira perguntando: E se eu tivesse dado tudo de mim?

Ao invés de apenas deixar a vida rolar

"Essa música é maravilhosa!" Mariah, uma das meninas do grupo, comentou.

"É do Sai." Eu lhe disse, orgulhosa.

"Eu sei!" Ela sorriu. "Eu tenho uma queda gigantesca por ele! Fiquei tão feliz quando ele venceu o concurso! Torci tanto! Desde a primeira vez que o vi no palco"

Ri, achando tudo aquilo muito engraçado. Era quase como se corações estivessem saindo dos olhos de Mariah.

"Eu também torci pelo Sai!" Dave, um dos garotos, disse. "O cara mereceu demais ganhar! O que foi aquela apresentação final dele? Arrasou demais!"

"Eu, por outro lado, torci pela Lümina." Jay comentou, eu dei um pequeno sorriso. "Pena que ela desistiu."

"Eu não gosto da Lümina." Louisa disse, torcendo os lábios.

Franzi a testa. "Por quê?" Ousei perguntar.

"A menina é talentosa, mas pouco profissional." Louisa disse. "Todo mundo sabe que quem merecia ganhar de verdade era o Sai. Ele se esforçava pra caramba, desde o início. Dava pra ver no olhar dele o quanto ele queria aquilo, o quanto aquela oportunidade significava pra ele. Já Lümina... Ela sempre fazia ótimas apresentações, mas a única vez que eu vi alguma determinação nela foi naquela última que ela fez, com We Found Love."

Senti-me extremamente incomodada. Não que a menina estivesse errada... Droga! O pior é que ela não estava errada.

"Concordo. Lümina é ótima, mas não estava pronta." Dave afirmou. "Ela precisa amadurecer. Sai, por outro lado, estava mais que preparado. Essa é a diferença."

"Talvez seja porque ela teve o apoio do Gaara desde o início e pensou que não precisava trabalhar duro. Por isso prefiro o Sai. Não foi nenhum famoso, nenhuma conexão que o colocou ali. Ele entrou com as próprias forças. Ele venceu com as próprias forças, sem a ajuda de ninguém." Louise continuou. "Confesso que eu fiquei bem ansiosa pra apresentação final da Lümina, quando a vi toda determinada na performance de We Found Love. Mas aí ela vai e desiste." A garota bufou. "Só fez provar o meu ponto. Talentosa, porém sem profissionalismo."

Quis rebater. Fiquei com raiva. Eu trabalhei duro no musical, pelo menos no tempo que tive antes de toda aquela bagunça de sequestro e tiro acontecer. Eu estava realmente me esforçando, determinada a vencer. Quis rebater Louisa dizendo que só se eu fizesse o musical da cama de hospital eu poderia ter me apresentado. Quis dizer-lhe que eu tinha meus motivos para ter desistido, que não foi falta de profissionalismo.

Convivendo com Gaara eu tinha aprendido que as pessoas julgam e apontam o dedo sem sequer procurar conhecer os fatos, mas era a primeira vez que aquilo acontecia comigo. Fiquei irritada.

"Ninguém sabe o que aconteceu para ela desistir." Sasuke-kun falou. "Sai realmente mereceu ganhar, todo mundo sabe disse. Mas Lümina era a mais talentosa da competição, todo mundo sabe disso também."

Olhei um tanto quanto comovida para Sasuke-kun.

"Isso é contestável!" Mariah se apressou a dizer. "Quem é Lümina, afinal de contas?" Ela questionou. "Ninguém sabe! A garota se escondeu atrás de uma máscara bonita a competição inteira. Ela não teve nem sequer coragem que mostrar o rosto, e, no final, acabou desistindo. Lümina tinha claramente problemas de confiança e estava despreparada pros holofotes. Já Sai deu a cara a tapa, entrou de cabeça no jogo. Ele transbordava verdade."

"Lümina transbordava muito mais verdade na minha opinião." Sasuke-kun rebateu. "Acho que esse era o encanto, o que me fez torcer por ela... Mesmo com uma máscara, eu podia ver a alma dela em cada nota cantada. Eu sentia a música dela. E pelo sucesso da garota, tenho certeza que eu não era o único."

Olhei encantada para Sasuke-kun. Estava agradecida por minha música tê-lo tocado. Lembrei do dia no cativeiro, em que ele cantou All I Ask pra mim, mesmo sem saber que a música era minha e que eu a tinha escrito para ele. De alguma maneira, com a minha máscara e através de uma TV, Sasuke-kun havia entendido meu coração mais do quando eu estava de rosto exposto e ao seu lado.

"Você que estava muito obcecada com o Sai pra perceber o quão incrível Lümina era." Jay falou. "Realmente espero que ela consiga algum contrato."

"Já deu desse assunto de Lümina e Sai." Dave bufou. "Os dois são amigos e já estão com a carreira feita. De nada adianta a gente ficar aqui discutindo quem é o melhor."

"Verdade." Louisa concordou. "Mas gente, e o Sasori preso? Meu Deus! Quem diria!"

Sasuke-kun e eu ficamos tensos com o assunto.

Jay deu um olhar significativo para mim e Sasuke-kun. Ele provavelmente sabia que Sasori havia sido o mandante do nosso sequestro.

Os outros do grupo, no entanto, nem deviam imaginar que era a mim e Sasuke-kun que Sasori sequestrara.

"Gente, eu adorava o Sasori!" Mariah disse. "Depois do Sai, era o meu preferido! Mas o menino é louco!"

"Eu ainda duvido que os artigos sobre a prisão dele sejam verdadeiros." Dave comentou. "É surreal. O cara era tão talentoso."

"Mas é verdade!" Louisa afirmou. "A própria polícia soltou uma nota pra imprensa dizendo que Sasori tinha sequestrado e atentando contra a vida de dois jovens, mas não entraram em detalhes. Apenas disseram que ele seria transferido de volta à sua cidade natal."

"Agora, quem eram os dois sequestrados, os motivos do Sasori, como ele fez, o que realmente aconteceu... Isso ninguém sabe." Mariah completou.

"É muito louco..." Dave balançou a cabeça. "Vocês sabiam que ele é da mesma cidade que o Sai?"

"Sim... O Sai disse numa entrevista que ele e Sasori frequentaram a mesma escola, mas que os dois não tinham muito contato." Louise contou. "Mas também foi a única coisa que ele disse... Não quis comentar mais nada."

"Mundo pequeno..." Mariah riu. "O Soul Talent foi dos japoneses mesmo! Mas sendo Sai e Lümina amigos, como parecem ser... Será que ela também é da mesma cidade que ele?"

Eu congelei no lugar.

"Seria bem louco!" Louisa afirmou. "Mas eu não duvidaria. A cidade do Sai é a mesma pra qual o Gaara foi mandado. Ele pode ter conhecido a Lümina lá."

Eu não conseguia nem respirar.

"Essa cidade deve ter feito algum acordo com o Soul Talent, porque não é possível!" Dave disse, fazendo o grupo rir.

"Mas Gaara disse várias vezes, em entrevista, que conheceu Lümina em Tokyo.

"Será?" Louisa levantou uma sobrancelha. "Porque no perfil online dela, na página oficial do Soul Talent, aparece só uma interrogação na cidade de origem."

"Ela não é de Konoha." Sasuke-kun falou. "Se houvesse alguém como Lümina naquela cidade todo mundo saberia. É uma cidade pequena... Todo mundo se conhece."

Fiquei um pouco mais aliviada com a fala de Sasuke-kun.

"Você conhece Konoha?" Os olhos de Louisa saltaram.

"Ele é de Konoha." Jay respondeu no lugar do Uchiha.

"Mentira!" Louisa gargalhou. "Essa cidade vai conquistar o mundo, não é possível! Agora todo mundo tem relação com ela?"

"Você conheceu o Gaara?" Mariah ficou animada. "Ou o Sai? E o Sasori?"

Sasuke-kun deu um sorriso de lado, levantando-se. "Vocês vão me desculpar, mas agora eu e a Sakura vamos dar um passeio."

Ele estendeu a mão, que eu prontamente peguei, e me ajudou a levantar. Quando eu já estava de pé, no entanto, ele não a soltou.

"Uh-hu..." Louisa deu um sorriso carregado de malícia. "Não façam nada que eu não faria."

"E existe alguma coisa que você não faria?" Dave provocou.

"Ficar novamente com você." Louisa piscou um olho. "Isso é algo que eu nunca faria."

"Não era isso que parecia ontem à noite, enquanto você gemia o meu nome." Dave sorriu de lado, recebendo um tapa de Louisa no braço.

Senti meu rosto ficar quente. Eu não sabia onde me enfiar com tanta vergonha.

"Hora de ir." Sasuke-kun me puxou.

"Vocês voltam?" Jay perguntou.

"Acho que sim." Sasuke-kun respondeu.

Olhei para trás, recebendo um aceno de mão e um sorriso amigável — lindo — de Jay.

Acenei de volta, pensando que aquele era realmente um bom amigo que Sasuke-kun havia feito em Nova York.

"São bem diferentes da gente, mas são legais." Sasuke-kun comentou.

"Sim." Sorri. "Eu me diverti com eles." Tirando a parte em que começaram a falar do Soul Talent. Obviamente, não mencionei isso.

Sasuke-kun ainda segurava a minha mão e me passou pela cabeça que aquela provavelmente seria a única vez na vida em que ele faria isso. Nós dois sabíamos que era uma despedida.

Quando o Uchiha voltasse para Konoha, e eu seguisse buscando meus sonhos em Nova York, nossas vidas se separariam.

Eu sempre seguira a trajetória de Sasuke-kun. Aonde quer que ele fosse eu estava lá, acompanhando-o, mas permanecendo sempre alguns passos atrás, vendo suas costas. E agora era como se chegássemos numa bifurcação, onde eu escolhera seguir o caminho oposto ao dele.

Era uma libertação, mas ao mesmo tempo parecia que eu estava golpeando o meu próprio coração.

Sasuke-kun e eu paramos de andar por um momento, para ver o sol se pondo.

Era uma linda paisagem, laranja e azul, e eu senti que precisava guardar aquele momento, fazer daquilo uma lembrança.

"Vamos tirar uma foto." Falei, soltando a mão de Sasuke-kun e pegando meu celular do bolso.

Ele sorriu, aproximando-se de mim e envolvendo meus ombros com um de seus braços. Posicionei a câmera de modo que pudesse capturar também o pôr-do-sol lá atrás. Nós dois sorrimos. E então eu tirei a foto.

"Ficou bonita." Ele falou, quando eu lhe mostrei a imagem.

"Eu sempre te disse que nós dois ficávamos bem juntos, você que não quis acreditar em mim." Provoquei, em tom zombeteiro. Sasuke-kun sorriu, sem graça e eu o achei fofo. "Eu estou brincando." Completei, sorrindo.

"Eu sei." Ele voltou a olhar o pôr-do-sol. "Envia pra mim essa foto, ok?"

E eu enviei imediatamente, antes que esquecesse. "Pronto."

Ele checou o celular. "Obrigado. A foto ficou realmente boa."

Eu apenas assenti.

O sol já estava quase sumindo por completo quando eu avistei dois barcos no mar. Mesmo à distância eles pareciam tão grandes que eu fiquei impressionada.

"Eu vi no gps que tem um porto aqui perto." Sasuke-kun falou. "Você quer ir ver?"

"Quero." Assenti.

Sasuke-kun pegou minha mão novamente e guiou o caminho.

Olhei para nossas mãos unidas. Ele sabe que é uma despedida, pensei.

Já tinha ficado escuro e estava frio, mas ao lado de Sasuke-kun nada daquilo me incomodava de verdade.

Não demorou muito para que avistássemos o porto. Navios luxuosos, barcos simples, iates e lanchas dividiam espaço lado a lado.

Apesar do céu escuro, o lugar estava muito bem iluminado com postes de luz e a iluminação que vinha dos navios. Contei três, ao todo. Claro, havia lanchas e iates bonitos, mas nada se comparava com a grandiosidade dos navios. Pareciam ter saído de um filme.

"Uau!" Exclamei. "Aqui está cheio de Titanics!"

Sasuke-kun sorriu, também parecendo encantado com o que via.

Era um porto um tanto quanto movimentado. Pessoas passavam apressadas por nós. Algumas estavam vestidas de maneira simples, tirando e levando cargas para os barcos, e outras pareciam que estavam indo para alguma festa.

Um dos navios desancorou e começou a partir. Eu me senti extremamente pequena perto dele.

Enquanto um navio partia, o outro — igualmente luxuoso e grande — abriu uma de suas portas e uma escada forrada com tapete vermelho pousou na plataforma do porto. Alguns homens vestidos elegantemente desceram as escadas. Um deles carregava um IPad e as pessoas vestidas para festa — cheirando a riqueza, vale ressaltar — dirigiram-se até ele. Elas falavam seu nome para ele, que checava no IPad e se curvava enquanto permitia a passagem.

"Como será lá dentro?" Questionei, não esperando uma resposta. Sasuke-kun sabia tanto quanto eu.

"Um mundo diferente do nosso, aposto." Ele respondeu.

"Seria legal viver nesse mundo apenas um dia, não seria?"

"Quem sabe..." Ele deu de ombros.

"Admita!" Cutuquei-lhe. "Você também morre de curiosidade para saber como é lá dentro."

"Você queria ir nesse cruzeiro tanto assim?"

"Claro! Quem não iria querer? Olha pra esse navio!"

Sasuke-kun me deu um olhar significativo, sorrindo de lado. "Isso é um desejo?"

Bufei. "Nem se eu desejasse mil vezes... Não chegaríamos perto de entrar ali."

"Tenha um pouco de fé." Ele parecia divertido. "Nós já estamos perto da entrada."

Ri, sarcástica. "Acho que alguém precisa acordar pra realidade. Olha essas pessoas." Apontei para os convidados elegantemente vestidos que adentravam o navio. "São de outro nível. Acho que nem vendendo um rim conseguiríamos pagar a entrada."

"E se eu fosse capaz de nos colocar lá dentro?" Ele perguntou. "Você usaria um desejo com isso?"

"Está brincando?!" Levantei as sobrancelhas. "Usaria os dois restantes sem pestanejar! Mas eu sou realista, Sasuke-kun."

Ele deu um sorriso satisfeito. "Seu desejo é uma ordem."

Uau. Essa coisa de gênio dos desejos deve ter subido à cabeça do Uchiha, porque definitivamente ele não estava pensando com clareza.

Sasuke-kun mexeu no celular por um momento.

"O que você está fazendo?" Perguntei.

"Chamando ajuda." Ele respondeu, simplesmente.

Questionei sobre o que ele queria dizer sobre aquilo, mas ele simplesmente me pedia para esperar e voltava a mexer no celular. Ele conversava por mensagens com alguém, concentradíssimo.

"Com quem você está falando? Perguntei mais uma vez.

"Espera." Respondeu a mesma coisa pela milésima vez.

Bufei. Eu estava desconfiada e ansiosa por sentir que ele estava prestes a fazer uma besteira.

"Tudo resolvido." Sasuke-kun disse, guardando o celular no bolso. "Eles já sabem o que fazer, agora é só esperar."

"Pelo quê?"

"Pro seu desejo se realizar, óbvio." Ele sorriu de lado. "Eu não garanto que vai dar certo, mas caso não dê, só corremos o risco de sermos presos, nada demais."

"Sasuke-kun!" Exclamei, descrente. Eu estava ansiosa e na defensiva, como se algo estivesse prestes a acontecer. O pior de tudo era não saber pelo que esperar.

O Uchiha sorriu para mim como uma criança levada, fazendo as malditas borboletas em meu estômago acordarem. "Eles chegaram." Avisou, olhando para algo atrás de mim.

Virei-me e avistei Jay, Dave, Mariah, Louisa e alguns de seus amigos do luau — havia uns quinze deles.

Ao invés de ir ao encontro deles, Sasuke-kun me puxou para mais longe.

Eu nem conseguia pensar direito, ansiosa. Apenas sabia que algo estava para acontecer.

Jay e seus amigos andaram para perto do homem do IPad como se fossem uma gangue. Logo os seguranças que estavam tanto no começo da escada, como no final, ficaram alerta. Os convidados na fila também pareciam incomodados com a proximidade.

Eles conversavam entre si, mas, de repente, Jay e Dave começaram a alterar a voz um com o outro, como se estivessem brigando. Suas expressões pareciam raivosas também.

Com surpresa eu assisti enquanto eles partiam um para cima do outro, brigando. Eles puxavam um a camisa do outro e se empurravam. Dave foi jogado em cima dos convidados, derrubando dois deles. Os seguranças logo tentaram conter a situação.

Mas, de repente, o resto do grupo começou a brigar entre si também, causando uma confusão inacreditável.

O homem do IPad foi tragado para o meio do grupo, sendo empurrado de um lado pro outro. Metade dos convidados na fila estava no chão e a outra tentava se desviar da briga, sem sucesso. Era tudo uma mistura de gritos, puxões e empurrões. Os guardas na porta do navio desceram para ajudar os companheiros que estavam tendo dificuldades em parar aquela bagunça, mas acabaram sendo arrastados para dentro dela também. Os próprios convidados se empurravam entre si. Era uma loucura.

"É agora ou nunca." Sasuke-kun me puxou e começou a correr.

Meu coração batia acelerado enquanto nos dirigíamos para as escadas.

Todo mundo estava tão envolvido naquela absurda confusão que não pareceram perceber quando nós subimos apressados e entramos pela porta do navio.

Nem eu, nem Sasuke-kun nos atrevemos a olhar para trás.

Dentro do navio havia outro lance de escadas com tapete vermelho para subir, e nós findamos no que parecia uma sala fechada de tamanho gigante, mas eu não consegui prestar atenção direito ao lugar. No entanto, não deixei de perceber algumas pessoas nos notando por um momento — mas logo voltando a atenção para a confusão.

Eu e Sasuke-kun nos imprensamos junto àqueles que observavam o que acontecia do lado de fora por uma grande janela, estreita em largura, mas enorme em comprimento — ia de uma ponta à outra da parede. Não demorou e o grupo do luau se desvencilhou da confusão e saiu correndo dali. Jay ria feito uma criança com Dave ao seu encalço.

Os seguranças não foram atrás deles. Provavelmente a função deles era apenas no navio. Eles trataram de separar alguns convidados que realmente haviam aderido à briga e continuaram atracados. O coitado do homem do IPad estava descabelado e com roupa amassada, mas agarrava o tablet como se sua vida — ou o emprego — dependesse daquilo.

Ri por nervosismo, descrença e fascinação. Eu não conseguia acreditar naquilo.

"Bem... Aqui estamos." Sasuke-kun falou.

Olhei para ele, maravilhada. "Você é louco."

Ele sorriu. "Só de vez em quando."

Olhei ao meu redor. O lugar era bem grande e iluminado. Havia sofás, poltronas e bares. A decoração, branca e vermelha, era mais simples do que eu esperava — porém não menos bonita. Parecia como uma sala de recepção. Não havia tantas pessoas assim. Quer dizer, sim, havia. Porém o lugar era bem grande e espaçoso, dando a impressão contrária.

Havia diversas portas, algumas abertas e outras fechadas, dois elevadores de vidro e três escadas — uma do lado da outra — na ponta de trás da sala que devia levar ao outro nível.

"Vamos subir." Sasuke-kun falou, já me puxando para as escadas.

Algumas pessoas nos observaram — não sei se por saberem que éramos penetras ou se era pelo jeito que estávamos vestidos.

O nível superior já era diferente. Era um grande restaurante. Havia uma mesa central tão grande que parecia ter saído de Hogwarts. Outras mais normais se espalhavam ao redor. Havia garçons e comidas variadas nos pratos dos clientes, algumas que eu nem sequer conhecia, mas que com certeza me abriram o apetite.

O que me deixou curiosa, foi que ali havia tanto pessoas vestidas para festa como outras vestidas de maneira mais casual.

Eu quis pegar o elevador de vidro para subir ao próximo nível, não por estar cansada, e sim por querer andar naquilo. Achava um luxo.

O próximo nível era parecido com um hotel, cheio de quartos.

Subimos mais um pouco e havia mais quartos.

O nível seguinte me deixou extremamente animada. Era um lugar de lazer. Havia inúmeras máquinas de jogos, bares, lugares para comer e outros para descansar.

Não quis sair dali. O problema era que para jogar precisava de um cartão com créditos e esse cartão só se conseguia comprando. Mas eu e Sasuke-kun não tínhamos muito.

No entanto, a medida que se vencia nos jogos, créditos eram adicionados ao cartão. Então Sasuke-kun e eu gastamos um pouco de nosso dinheiro para comprar alguns créditos.

O Uchiha era bom nos jogos de corrida, então conseguimos bastante créditos com eles. Na máquina da moto eu montava numa de brinquedo com tamanho real e o personagem do jogo se mexia na tela conforme meus movimentos — por conta disso o coitado bateu e caiu diversas vezes. Como eu disse, Sasuke-kun era bom em corridas, não eu.

Assim como o jogo da moto, havia jogos de carros, e os brinquedos eram grandes o suficiente para caber nós dois lá dentro.

Enquanto jogávamos, foi avisado que o navio ia desancorar e logo pudemos sentir o navio em movimento. Era minha primeira vez em alto mar.

Sasuke-kun e eu continuamos a jogar e ele ganhou de mim algumas vezes numa máquina em que era preciso apagar com as mãos as luzes azuis que iam piscando em pontos diversos de um painel. Era de velocidade. Quem apagasse mais luzes vencia.

Tinha um jogo de sorte, em que puxávamos a alavanca e as figuras na tela giravam. Se parasse três figuras iguais na horizontal vencíamos. Jogamos — e perdemos — só uma vez. Aquilo só fora feito pra irritar e fazer perder créditos.

Ainda jogamos na máquina de basquete, tentando acertar cestas. Pra cada uma que eu acertava, Sasuke-kun acertava três. Mas eu fui melhor no boliche. Fiz dois strikes e ele nenhum.

Passamos longe dos jogos de atirar. As armas de brinquedo eram bem realistas e não me traziam uma boa lembrança. Ainda era tudo recente e talvez eu estivesse um pouco traumatizada.

Sasuke-kun e eu entramos numa cabine do terror. Era escuro e tínhamos que jogar um jogo que ficava dando susto. Se um monstro aparecesse e gritasse, por exemplo, a cabine tremia. Se ele tivesse poder de gelo, a temperatura baixava, se o poder fosse de fogo, então ficava quente. Levamos alguns bons sustos, eu demonstrava mais que o Uchiha, e isso fazia com que ele risse de mim. Acabei rindo junto.

Foi tudo extremamente divertido, mas havia uma sensação agridoce no ar. Aquilo lembrava do tempo em que passávamos horas no Old Arcade com nossos amigos, torrando nossas míseras mesadas com joguinhos. Óbvio que esse lugar era bem mais sofisticado e tecnológico que nosso Old Arcade, mas não substituía. Senti saudades. Era como se uma eternidade tivesse se passado desde aquela época, quando na verdade não fazia tanto tempo assim.

Sasuke-kun e eu então subimos para o próximo nível. Era o nível dos jogos para adultos, por assim dizer. Um cassino, para ser mais precisa. Havia máquinas de caça-níqueis e mesas de poker. Lá as pessoas estavam todas não só vestida como se fosse para uma festa, mas como se fosse a uma festa de gala.

Completamente deslocados, pegamos o elevador. O andar seguinte era como uma outra sala de recepção, mas havia um telão bem grande e algumas portas de serviços diversos. As placas nas portas diziam qual o serviço prestado. Havia desde massagistas até cartomantes. Todos pagos, então fomos logo esperar o elevador.

Três mulheres, vestidas casualmente, também estavam esperando.

"Já devemos ter perdido umas quatro músicas." Uma delas disse.

"Não é todo dia que temos uma banda dessa qualidade tocando aqui." Outra completou.

Olhei para Sasuke-kun curiosa, que me devolveu o olhar.

"Com licença." Ele se virou para as mulheres. "Quem está tocando?"

"Você não sabe?" Uma delas disse, erguendo a sobrancelha. "No convés. Matchbox Twenty. É uma ótima banda."

Os olhos de Sasuke-kun cresceram, enquanto eu o olhava de boca aberta.

Matchbox Twenty era uma banda que nós dois gostávamos bastante. Podíamos até dizer que inspirava a 3P.

"Sakura!" Ele sorriu.

Ri, animada.

"Qualquer pode ir?" Sasuke-kun perguntou às mulheres, claramente animado.

"Claro!" Ela nos olhou como se fosse óbvio. "Está incluso no pacote de qualquer um nesse cruzeiro. Tem gente inclusive que subiu no navio hoje só para o show. Nós, por outro lado, já estamos aqui há três dias. E vocês?"

"Um dia." Sasuke-kun mentiu.

Então tinha pessoas que vinham só para o show e outras que passavam dias aqui. Explicava por que uns estavam tão bem arrumados e outros mais desleixados.

"Seus pais estão aqui também?"

"Sim." Mentiu mais uma vez. Ele tossiu, desconfortável. "Mas se tem gente que veio só para o show, então o navio vai voltar assim que acabar?"

"Sim. Vamos voltar para o último porto que paramos, para deixar de volta quem veio para o show."

Sasuke-kun pareceu aliviado.

Eu estava tão encantada com aquilo tudo que não havia pensado na saída.

Meu Deus. Entramos nesse cruzeiro sem saber onde iríamos parar ou quando iríamos parar.

Que. Loucura.

O elevador chegou e dessa vez pulamos os andares restantes e nos dirigimos ao nono — e último — andar.

Eu estou falando comigo mesmo em público, esquivando-me de olhares no trem

E eu sei, eu sei que todos eles estão falando de mim

Eu posso ouvi-los sussurrar

E me faz pensar que deve ter alguma coisa errada... Comigo

E dentre todas as horas que fiquei pensando, de alguma forma, eu perdi minha mente

O som de Unwell, uma das minhas músicas preferidas da banda, era bem alto. Eu mal podia acreditar que eles estavam tocando-a agora. Desejei ter chegado um pouco mais cedo para ouvi-la desde o começo.

As três mulheres desapareceram no meio das pessoas e eu e Sasuke-kun ficamos parados na frente do elevador por um tempo tentando nos encontrar.

Mas eu não estou louco, só não estou muito bem

Eu sei que agora você não pode notar

Mas fique um pouco e talvez então você vá ver um outro lado meu

Eu não estou louco, só estou um pouco debilitado

Eu sei que agora você não se importa

Mas em breve você irá pensar em mim

E em como eu costumava ser

O convés era enorme e a iluminação era tipicamente festeira. Muitas pessoas estavam ali, alguns tão bem vestidos quanto o pessoal do cassino e outros mais desleixados que Sasuke-kun e eu.

Tinha também uma piscina bem grande. Apesar do frio, havia muita gente na água — não com roupa de banho, usavam roupas normais. O que me fez pensar que com certeza a água devia estar aquecida, de outro modo não seriam capazes de suportar.

O palco da banda ficava numa das pontas do convés. Não era um palco alto. Daria facilmente para alguém subir sem grandes esforços. 

Fiquei maravilhada ao ver os músicos. Eles eram realmente incríveis e eu nunca pensei que veria um show deles. Especialmente dessa maneira.

Sasuke-kun parecia tão animado quanto eu. Ele segurou minha mão e seguimos para mais perto da banda.

"Eu nunca pensei que veria um show deles!" Sasuke-kun falou perto do meu ouvido, por causa da música alta.

"Eu estava pensando a mesma coisa!" Comentei.

Nós dois nos misturamos na plateia para assistir o show mais de perto. Não conseguiríamos ficar tão próximos da banda porque tinha muita gente reunida na frente do palco, mas ainda assim eu apostava que era melhor do que a área vip de um show comum.

Os quatro integrantes tinham uma sincronia perfeita. A voz do vocalista era ainda mais incrível ao vivo e ele tinha uma presença de palco absurda.

"Qual o nome do vocalista?" Perguntei a Sasuke-kun. Ele devia saber mais que eu.

"É Rob Thomas." Ele respondeu.

Quando a música chegou ao fim gritos e palmas encheram o ambiente.

"Vocês estão se divertindo?" O vocalista, Rob, perguntou.

"Sim!" A plateia respondeu, em coro.

"Nós também estamos." Ele sorriu. "Bom, a próxima música eu escrevi com um cara que todos vocês conhecem... Mick Jagger." O público gritou em resposta. "Essa é Disease."

Fiquei animada. Eu conhecia essa música! Era uma das minhas preferidas também.

Parece que você cometeu um erro

Você fez o coração de alguém quebrar

Mas agora eu tenho que te deixar ir

Eu tenho que te deixar ir

Sasuke-kun e eu cantávamos junto com o vocalista, misturando nossas vozes com o resto da plateia, em coro. Eu não precisava me preocupar com a possibilidade de ele ouvir minha voz, porque o barulho era alto o suficiente para que não nos escutássemos ao menos que estivéssemos cantando um no ouvido do outro.

Você deixou uma mancha

Em cada um dos meus dias bons

Mas sou mais forte do que você sabe

Eu tenho que te deixar ir

 

Ninguém nunca te recusou

Ninguém nunca tentou te deixar pra baixo

Garota bonita, abençoo seu coração

Eu definitivamente adorava aquela música. Parecia fazer o meu corpo vibrar e eu não podia evitar mexe-lo, acompanhando o som.

Eu tenho uma doença bem dentro de mim

Faz eu me sentir inquieto, baby

Não posso viver sem você

Me diga, o que eu devo fazer sobre isso?

Mantenha distância de mim

Não preste atenção em mim

Eu tenho uma doença

A plateia pulava, cantando a plenos pulmões o refrão. Sasuke-kun e eu jogamos nossos braços para cima, balançando a cabeça. Éramos dois típicos adolescentes em um show de rock e eu adorava aquilo.

Parece que você está fazendo uma bagunça

Você é um inferno ambulante num vestido preto

Você me conduziu ao fogo

E me deixou lá queimando

 

Cada pequena coisa que você faz é trágica

Toda a minha vida antes era mágica

Garota bonita, não posso respirar

A iluminação piscava conforme as batidas do rock, criando uma atmosfera ainda mais envolvente. Eu dividia meu olhar entre o palco à minha frente e Sasuke-kun ao meu lado. Ele sorria enquanto cantava e quando percebeu que eu o olhava colocou um dos braços em volta de meus ombros e nós pulamos e cantamos como se não houvesse amanhã.

Eu tenho uma doença bem dentro de mim

Faz eu me sentir inquieto, baby

Não posso viver sem você

Me diga, o que eu devo fazer sobre isso?

Mantenha distância de mim

Não preste atenção em mim

Eu tenho uma doença

 

Sim... Bem, eu acho que estou doente

Mas me deixe assim

Enquanto meu mundo desaba sobre mim

Você tem gosto de mel, querida

Me diga se posso ser sua abelha

Seja forte

Continuo dizendo a mim mesmo que não vai demorar até...

Eu estar livre de minha doença

Sim... Eu estar livre de minha doença

Livre de minha doença

Eu me sentia num daqueles momentos que você sabe que não vai esquecer. Enquanto eu me entregava ao som uma alegria genuína se instalava em mim, como se eu não tivesse problema nenhum no mundo. Esse era o poder da música.

Oh, oh..

Sim... Bem, eu tenho uma doença bem dentro de mim

Faz eu me sentir inquieto, baby

Não posso viver sem você

Me diga, o que eu devo fazer sobre isso?

Mantenha distância de mim

Não preste atenção em mim

Eu tenho uma doença

 

Sim... Bem, eu acho que estou doente

Mas me deixe assim

Enquanto meu mundo desaba sobre mim

Você tem gosto de mel, querida

Me diga se posso ser sua abelha

Seja forte

Continuo dizendo a mim mesmo que não vai demorar até

Eu estar livre de minha doença

Sim... Livre de minha doença

Me liberte de minha doença

Oh-oh, yeah-yeah

Nós não queríamos que a música acabasse. Nós não queríamos que aquele momento acabasse. Mas quando a canção chegou em suas notas finais a plateia — eu e Sasuke-kun inclusos — explodiu em gritos e palmas, ovacionando a banda.

"Esse lugar pegou fogo, vocês não acham?" O vocalista perguntou. O público confirmou gritando. "Que tal se agora diminuirmos o ritmo?" Ele sorriu. "Essa é Hand Me Down."

E então uma melodia mais calma tomou conta do lugar.

Sasuke-kun permanecia com o braço em volta de meus ombros, enquanto nosso olhar permanecia fixado no palco.

Algum dia eles encontrarão o seu mundo de cidade pequena na avenida de uma cidade grande

Farão você gostar do jeito que eles falam quando estiverem falando com você

Farão você sair da concha, porque te disseram para sair

Farão você gostar mais do jeito que eles mentem do que da verdade

Eles irão te dizer tudo que você sempre quis que alguém dissesse

Eles irão quebrar seu coração

"Vamos dançar." Sasuke-kun disse, em meu ouvido.

Sorri em resposta e ele me virou para si, envolvendo minha cintura com seus braços. Coloquei minhas mãos, delicadamente em seus ombros e nós começamos a nos balançar no ritmo da música.

Pelo que tenho visto

Você é só mais um item de segunda mão

Porque ninguém tentou te dar o que você precisa

Então coloque todos os seus problemas para fora

Eu estou com você agora

Eu evitava olhar nos olhos de Sasuke-kun, concentrando-me na nossa diferença de altura. Eu não passava dos ombros dele. Houve um tempo em que éramos do mesmo tamanho, mas agora Sasuke-kun parecia crescer numa proporção bem maior que a minha. Levando em conta a altura de seu pai e irmão, deduzi que ele ainda ficaria bem mais alto.

Alguém deveria te receber

Tentar fazer você amar de novo

Tentar fazer você gostar do que eles sentem quando estão na sua pele

Nenhuma vez você achou que eles mentiriam enquanto estão te abraçando?

Você se pergunta por que não te ligaram quando eles disseram que iriam ligar

Você começa a se questionar se alguma vez sairá dessa

Você começa a pensar que nasceu cega

Pensei em todas as vezes em que eu havia desejado dançar daquele jeito com Sasuke-kun. Eu achava que seria a garota mais feliz do mundo quando acontecesse. Mas agora com a nuvem da despedida pairando sobre nós, havia um sentimento agridoce e até mesmo triste.

Pelo que tenho visto

Você é só mais um item de segunda mão

Porque ninguém tentou te dar o que você precisa

Então coloque todos os seus problemas para fora

Eu estou com você agora

Meu olhar se encontrou com o de Sasuke-kun e por um momento foi como se conversássemos em silêncio, sem precisar de nenhuma palavra pra entender os sentimentos um do outro. Seus olhos me diziam que ele não queria me deixar partir. Os meus diziam que eu sentiria sua falta.

Estou aqui para os tempos difíceis

A direção do seu coração

Quando as coisas não estiverem fácil

Você pode se apoiar em mim

E talvez depender de mim

E chore em mim, sim

Oh no, no, no

Quebrei o contato de nosso olhar, encostando minha cabeça em seu peito e envolvendo meus braços em torno de seu pescoço. Sasuke-kun, então, recostou sua cabeça na minha.

Algum dia eles abrirão o seu mundo

Irão adaptá-lo numa prancheta de desenho

Farão seu melhor para mudar você

Ainda assim eles não podem te apagar

Foi como se estivéssemos sincronizados. Como se nossos corações batessem no mesmo ritmo. Era outro daqueles momentos que você simplesmente sabia que não poderia esquecer.

Pelo que tenho visto

Você é só mais um item de segunda mão

Porque ninguém tentou te dar o que você precisa

Então coloque todos os seus problemas para fora

Eu estou com você agora

Já não sabia se dançávamos no ritmo da música, porque era como se dançássemos num ritmo próprio. Só meu e dele.

Coloque seus problemas em cima de mim

Oh, sim

Você é só mais um item de segunda mão

E todas aquelas noites não te dão o que você precisa

Então coloque todos os seus problemas em cima... De mim

De mim

Quando a música terminou, eu não soltei Sasuke-kun e nem ele fez movimento para se afastar.

Continuamos abraçados mesmo quando a próxima música começou a tocar. Ela era animada e com presença marcante do som da guitarra, mas continuamos dançando no nosso próprio ritmo. Eu percebia as pessoas ao nosso redor pulando enérgicas, mas nós dois estávamos em outro compasso, noutra frequência.

Eventualmente, no entanto, eu tive que soltá-lo. Às vezes eu ainda esquecia que ele não era meu.

Curtimos o resto do show sem trocar palavras, mas jogando olhares furtivos um para o outro.

E então a banda se despediu, agradecendo a plateia. Os integrantes desceram do palco e seguranças os acompanharam enquanto eles faziam o caminho para o elevador.

"Acho que agora o navio vai voltar para o porto." Comentei.

Sasuke-kun não falou nada. Ele olhava concentrado para o palco onde uma equipe começara a retirar os equipamentos e instrumentos da banda.

"Sasuke-kun?" Chamei.

Ele me olhou brevemente e então me puxou pela mão em direção ao palco. Com a saída da banda, as pessoas haviam se dispersado e uma música eletrônica começara a tocar.

Sasuke-kun parou bem em frente ao palco.

"Você fica aqui." Ele disse.

E então ele subiu no palco.

Arregalei os olhos, surpresa. Ele iria cantar agora?

Sasuke-kun correu até o microfone no suporte e o ligou.

"Boa noite." Ele falou atraindo a atenção das pessoas para si. Um dos homens da equipe que mexia numa caixa de som se aproximou de Sasuke-kun, claramente dizendo para ele sair dali. "Só um momento, por favor. Eu gostaria de cantar uma música."

As pessoas da festa pareceram aprovar e algumas até se aproximaram novamente do palco.

A música eletrônica parou. Sasuke-kun olhou para a equipe que retirava os instrumentos. Todos eles lhe encaravam com desagrado.

"Vocês podem me emprestar um violão?" Ele pediu. A equipe claramente negou, fazendo sinal para ele descer do palco e acabou vaiada pelas pessoas da festa.

"Parem de frescura e deixem o menino cantar!" Um homem próximo de mim gritou para a equipe e foi apoiado pelas pessoas que lhe escutaram.

Um dos membros da equipe pegou o violão, religou-o à caixa de som e entregou a Sasuke-kun com um sorriso gentil. Eu não o tinha notado antes, mas pelo jeito ele era o único da equipe que parecia apoiar meu amigo.

"Obrigado." Sasuke-kun agradeceu. "Eu escrevi essa música pra você, Sakura." Ele disse, pegando-me totalmente de surpresa e fazendo meu coração arrancar numa batida descompassada. "Essa é Broken Kingdom."

E então ele começou a tocar.

 

 

Cinco anos, somos duas crianças imprudentes

O futuro é brilhante no nosso reino de infância

Você e eu podemos governar essa vizinhança

Eu me lembro do que pensei quando nos conhecemos

Você tinha os olhos mais bonitos do mundo

Ainda tem, você ainda tem

Meu coração permanecia acelerado e eu não sabia como reagir. Sasuke-kun escrevera uma canção para mim.

Ele. Escrevera. Uma. Canção. Para. Mim.

Não conseguia acreditar. Tantas vezes havia desejado aquilo, mas parecia ser algo impossível. E agora ele estava aqui, dizendo que meus olhos eram os mais bonitos do mundo e relembrando nossa infância que eu achei ter sido apagada de sua memória. Aquilo me tirou de órbita.

 

 

É uma areia movediça e estamos afundando

Você tem o tipo de amor que eu não entendo

Mas eu comecei a senti-lo em minhas veias

Estamos nos afastando

Eu deveria levar um tiro por você também?

Diga-me como consertar nosso reino quebrado

A melodia parecia carregar consigo o peso da tristeza, mas foram as palavras cantadas por Sasuke-kun me entristeceram.

Reino quebrado. Sim. Era o que parecia. Quando éramos crianças brincávamos na rua em frente de casa e fingíamos ser o rei e a rainha daquele lugar. Os vizinhos eram nossos súditos e nossas casas, palácios. Ele ainda lembrava. Mas agora era como se tivéssemos deixado tudo aquilo para trás. O pensamento fez meus olhos marejarem.

 

 

Doze anos, estamos crescendo agora

Quem está governando esse reino trágico?

Minha família está uma bagunça, a sua desmoronou

Então você diz que quer ser mais que amiga

Foi quando eu quebrei seu coração

Foi quando construímos nosso primeiro muro

Meus doze anos. Meu pai morreu, minha relação com mamãe piorou ainda mais, Sasuke-kun me rejeitou... Foi de longe a pior época da minha vida. Também não foi a melhor época de Sasuke-kun. Pelo que me lembro, foi naquele tempo que seus problemas com Fugaku-san e Itachi começaram. Mas ele nunca falou muito sobre. Eu também nunca falei muito sobre mamãe. Ele estava certo. Aos doze anos nós já não éramos as crianças inseparáveis que costumávamos ser. Já havia um muro erguendo-se crescentemente entre nós.

 

 

É uma areia movediça e estamos afundando

Você tem o tipo de amor que eu não entendo

Mas eu comecei a senti-lo em minhas veias

Estamos nos afastando

Eu deveria levar um tiro por você também?

Diga-me como consertar nosso reino quebrado

Uma lágrima singela desceu por meu rosto e um nó se instaurou em minha garganta. Sasuke-kun cantava olhando diretamente para mim e era como se estivéssemos só nós dois ali e as outras pessoas não existissem.

 

 

Quinze anos, estamos nos afastando

Estamos trocando nosso reino por uma ruína

Há algo diferente em cada movimento seu

E há verdades que tentamos esconder

Ainda assim, você é a única que levaria um tiro por mim

Você levou um tiro por mim

O tiro. Ainda que estivéssemos afastados, ainda que não fôssemos mais os mesmos, ainda que as coisas tivessem mudado entre a gente — e que eu tivesse mudado... Ainda assim eu me joguei na frente de uma bala por ele. Foi tanto assim que eu o amei.

 

 

É uma areia movediça e estamos afundando

Você tem o tipo de amor que eu não entendo

Mas eu comecei a senti-lo em minhas veias

Estamos nos afastando

Eu deveria levar um tiro por você também?

Diga-me como consertar nosso reino quebrado

Meu coração doía com a letra daquela canção, porque nem eu via conserto para aquele nosso reino quebrado. Mas de nada adiantaria que ele levasse um tiro por mim. Aquilo só traria mais dor e sangue.

 

 

Eu estou te segurando em meus braços

Seu sangue está escorrendo

Não feche os olhos

Eles são os mais bonitos do mundo

Aquele momento deve ter sido realmente doloroso para ele também — o momento que sangrei em seus braços. Eu não consigo nem ao menos imaginar como lidaria com a situação se fosse eu em seu lugar, assistindo-o sangrar sem poder fazer nada.

 

 

Ninguém se preocupa com o coração, até ele causar dor

Ninguém se lembra dos pulmões, até ser difícil respirar

Eu não sabia o quanto precisava de você, até te ver sangrar

Você é como um dos meus vitais, agora eu sei

Agora eu sei

Há um ditado popular, ensinado de geração em geração, que diz que as pessoas só percebem o valor do que tinham quando perdem. É um ditado cruel, se você for parar pra pensar. Mas Sasuke-kun não era o único a perceber as coisas um pouco tarde. Também demorei a perceber as coisas erradas que eu fazia. Nossa história não consistia em erros unilaterais.

 

 

É uma areia movediça e estamos afundando

Você tem o tipo de amor que eu não entendo

Mas eu comecei a senti-lo em minhas veias

Estamos nos afastando

Eu deveria levar um tiro por você também?

Diga-me como consertar nosso reino quebrado

Sasuke-kun terminou de cantar e a multidão de pessoas explodiu em aplausos.

Nossos olhares estavam conectados, nenhum dos dois quebrando o contato. Sasuke-kun, então, largou o violão e desceu do palco, andando em minha direção.

Eu lhe sorri, sem saber exatamente o que dizer. Talvez as palavras nem sequer fossem necessárias.

Quando Sasuke-kun chegou perto suficiente, eu o abracei.

Senti que ele ficou um pouco surpreso, mas logo senti seus braços me envolverem. Uma de suas mãos repousou em minha cabeça, acariciando meus cabelos.

Era um momento que não precisava de palavras. Não havia nada a ser dito.

Eu não podia concertar as coisas entre a gente, por mais que quisesse, desesperadamente. Tudo havia mudado. Eu havia mudado. E até mesmo o próprio Sasuke-kun já não era o mesmo. Tanto havia acontecido. Olhando para trás eu via o quanto havíamos crescido — e este era só o começo de nosso amadurecimento.

Agora eu iria começar uma nova vida, onde precisaria mais do que nunca ser capaz de me virar sozinha.

A dor que eu não podia apagar, no entanto, era a de saber que precisaria deixar Sasuke-kun para trás por conta disto.

*

*

*

Descemos do navio assim que ele aportou.

Sasuke-kun e eu permanecemos em silêncio durante todo o caminho de volta.

Quando estávamos de volta à praça em frente ao apartamento, sabíamos que era hora da despedida.

"Foi uma noite inesquecível." Eu quebrei o silêncio.

Sasuke-kun confirmou com a cabeça. "Eu nunca vou esquecer."

Eu já sentia meu coração gritando, implorando para que eu não o deixasse. Era como um término. Era pior que um término, na verdade — porque havia tantas coisas que poderiam ter sido.

O amor que eu sentia por Sasuke-kun era real. Ele havia sido meu primeiro amor. Ele havia sido inatingível, inalcançável, platônico. Talvez isso tenha aumentado a intensidade de tudo.

Quem sabe se ele me correspondesse eu não teria o desejado tanto.

"Você ainda tem o seu terceiro pedido." Sasuke-Kun falou.

"Eu sei."

O Uchiha esperou que eu revelasse o que eu queria.

Pouco depois de pedir que ele me concedesse três desejos, eu decidi qual seria o terceiro.

Meu terceiro pedido era que ele me desse o adeus perfeito, para que assim eu conseguisse seguir meu caminho sem arrependimentos.

Mas meu primeiro amor nunca seria superado se houvesse para sempre esse sentimento amargo de amor impossível, não vivido.

Eu não conseguiria deixar meu primeiro amor partir desse jeito.

Então eu não me importava com mais nada, nem ninguém. Só com nosso adeus — meu e dele.

E foi por essa razão eu pedi: "Me beije."

Eu devia estar tremendo da cabeça aos pés, mas pra quem já havia sido rejeitada por aquele garoto tantas vezes, não era um sentimento novo.

No entanto, dessa vez Sasuke-kun não me olhava com rejeição. Ele parecia um pouco surpreso, mas não havia rejeição nele.

Ele não falou uma palavra, ao invés, deu um passo para perto de mim. Eu congelei no lugar.

Ele iria mesmo fazer isso?

Meu coração começou a bater insanamente. Eu achei que iria explodir.

Sasuke-kun se aproximou mais.

Seu olhar negro estava preso ao meu como um ímã. Eu o via chegar cada vez mais perto de mim em câmera lenta.

Uma de suas mãos segurou meu rosto e a outra envolveu minha cintura puxando-me para junto dele.

Nossas respirações se misturaram. Estávamos tão perto. Eu podia jurar que o coração dele batia tão acelerado quanto o meu, mas podia ser só ilusão.

Segurei em seus braços, sentindo minhas pernas fraquejarem.

Sasuke-kun encostou o nariz no meu e eu fechei os olhos.

Nós dois permanecemos sentindo um ao outro por alguns poucos segundos. Eu me senti um pouco hesitante, mas então, ele encostou a boca na minha. Levemente, como o toque de uma pena.

Tremi.

Sua boca acariciou a minha, com delicadeza. E então ele pressionou de verdade os lábios nos meus e eu me senti explodindo.

Ele me beijou com paixão.

Sasuke-kun me puxou para ainda mais perto e de repente eu sentia como se fôssemos um só.

Eu sentia como se eu tivesse me transformado em fogos de artifícios, com meu corpo e mente explodindo juntos, ao mesmo tempo.

Nossas línguas eram como duas chamas que dançavam juntas, na mesma sintonia.

Eu envolvi seu pescoço e segurei seus cabelos, puxando-o para mim.

Nossas bocas pareciam encontrar uma na outra o encaixe perfeito.

Sasuke-kun estava me consumindo. E ele estava sendo consumido por mim. Por mim. Eu podia sentir. Eu sentia seu desejo, sua paixão. Tudo recíproco, tudo correspondido, pela primeira vez.

Não havia nenhuma outra pessoa no mundo entre nós dois naquele momento.

Não havia terceiros e não havia corações partidos. Era nosso momento.

Mas era hora de voltar pra realidade.

E então afastei meus lábios dos dele. Estávamos arquejantes e nossas respirações ardiam quentes uma com a outra.

Sasuke-kun estava com os olhos mais negros que nunca. Havia paixão ali, eu pude ver.

Nem que fosse por um momento único, ímpar, Sasuke-kun queimou de paixão por mim.

"Obrigada." Eu disse.

Eu fiz movimento para me afastar, mas Sasuke-kun me segurou.

Nós nos encaramos por um segundo, dizendo palavras mudas.

Eu precisava ir embora.

Por mais que doesse eu precisava dar adeus.

Sasuke-kun entendia minhas palavras mudas, assim como eu entendia as dele — que me pediam pra ficar. Mas nós dois sabíamos que não eu não podia.

Tinha mágoa demais, dor demais.

Eu precisava seguir um caminho diferente.

E então, quando eu me afastei novamente, deixando uma lágrima cair, Sasuke-kun me deixou ir.

Eu dei as costas para ele e me afastei.

Meu primeiro amor. Meu primeiro beijo. Meu primeiro fim.

Sim. O ciclo estava completo. O capítulo tinha sido encerrado de maneira triste, porém linda.

Na verdade, era mais que isso. Sasuke-kun não havia sido um capítulo na minha vida, ele havia sido um livro inteiro.

E o livro tinha chegado ao fim.

O final não havia sido de contos de fadas. O príncipe e a princesa não ficaram juntos e viveram felizes para sempre.

O príncipe e a princesa estavam apenas começando a viver. Sim, eles seguiriam caminhos diferentes, mas levariam consigo as lembranças e as marcas que um deixou na vida do outro.

Eles não precisavam ficar juntos para se amarem.

Mas os dois sabiam que o livro tinha que chegar ao fim.

Eu e Sasuke-kun sabíamos que tínhamos que dar adeus.

Estava na hora de fechar o livro e guardá-lo na minha prateleira de memórias, onde ele teria um lugar especial e só dele. Mas era lá onde ele permaneceria.

Sim, com certeza eu planejava reencontrar Sasuke-kun no futuro, mas não seríamos os mesmos e ele não seria mais o protagonista do meu livro. Seríamos um para o outro apenas a lembrança de um livro triste e bonito que foi guardado na prateleira das memórias. Seríamos um para o outro passado.

Era meu grito de libertação.

Meu coração estava quebrando a cada passo que eu dava para longe de Sasuke-kun, mas eu mesmo tempo, eu me sentia livre.

Era como se eu tivesse criado asas e estivesse pronta para voar. Eu estava me libertando.

E ao mesmo tempo que doía, eu estava aliviada — realmente aliviada. Era um sentimento ambíguo, controverso... Agridoce.

Eu estava livre.

E estava na hora de começar um novo livro em minha vida.


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Notas finais do capítulo

*A música que eu imaginei o pai da Sakura tocando é Kiss The Rain do Yiruma.

*As músicas Unwell, Disease e Hand Me Down pertencem mesmo à banda Matchbox Twenty.

*Broken Kingdom é de minha autoria. Escrevi-a em inglês mas tive que cortar a parte em inglês porque o Nyah só permite até 25.000 palavras. Não consegui encontrar uma música que dissesse pra Sakura o que Sasuke queria dizer, então eu criei uma. Quem quiser ver a letra em inglês, passa lá no capítulo postado no Social Spirit.

P.S.: Pessoinha que postou “As Máscaras de Sakura” sem meu consentimento no Wattpad e como se fosse sua: eu não estou morta e estou vendo.