Vocal Harmony escrita por hrhbruna


Capítulo 5
04


Notas iniciais do capítulo

Ocorreu algum tipo de erro, não entendo o que houve. Mas precisei deletar o capítulo e postar outro.



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Ah, Berkshire! Perdoem-me aqueles que amam Londres, mas para mim não há nada como o interior da Inglaterra. Eu adoro essa vibração rural, com uma cidadezinha pequena, de ruelas apertadas e poucos comércios. Como já citei mais de uma vez, eu sou do interior, então aquele ritmo caótico de Londres era um pouco intimidador pra mim.

Sei que vai chegar uma hora que terei que abrir minhas asas e lançar meu voo para NYC, já que lá é provavelmente o único lugar no qual meu talento será reconhecido e devidamente apresentado ao mundo. Entretanto, enquanto eu ainda tinha dezesseis anos e minha maior preocupação no momento era ser descoberta em minha missão ultrassecreta, eu não iria me preocupar com toda a readaptação de rotina que eu teria que fazer quando me mudasse.

Vocês devem estar se perguntando: Missão ultrassecreta? Hã? Mas ela não queria cantar?

Não precisam se apavorar meus queridos, esta soprano aqui não está indo a lugar algum. Até porque depois de tropeçar três vezes nos meus próprios pés, eu duvido muito que a IB – Inteligência Britânica – tenha o menor interesse em meus serviços como agente.

Não, eu não vou me tornar uma espiã. Eu estou indo a um encontro no meio da semana e matando aula no processo, sem qualquer tipo de autorização dos meus pais. Sim, eu sei, eu me superei desta vez.

Não me olhem assim! Eu sou totalmente contra esse tipo de coisa, pra ser sincera o que eu precisava falar pretendia falar ao telefone, mas aquele burro, cretino, arrogante e metido disse que qualquer coisa que eu quisesse dizê-lo era necessário que fosse pessoalmente.

“De qualquer forma, eu estarei lá mesmo. Vou a loja de partituras e talvez você queira me ajudar a escolher alguma coisa bem horrível para nossa performance do fim de semana”.

Gemi por dentro. Eu não acredito ainda que nós seríamos submetidas aquele tipo de humilhação, imagine só, cantar com nossos maiores inimigos de palco. Respirei fundo e fiz uma contagem regressiva em três línguas diferentes, esperando que aquela meditação me acalmasse.

Não teve qualquer tipo de efeito, entretanto eu sabia que estava tomando a atitude certa ao ir até a loja de partituras para dizer a Potter que nós não podíamos boicotar a apresentação do fim de semana, porque eu precisava daquilo para impressionar os investidores e convencê-los a dar uma segunda chance as Rouxinóis.

Eu não sou uma pessoa orgulhosa!

(...)

Ok. Talvez um pouco.

Mas aquilo já havia ultrapassado um pouco o limite de humilhação, certo? Eu estava ali praticamente pedindo para que meu maior inimigo me ajudasse a não perder o orçamento do meu clube, sendo que quando ele recebeu a notícia – e ele com certeza recebeu a notícia, porque aqui as fofocas voam – deve ter até mesmo soltado foguetes! Eu juro! Não é exagero meu, até porque realmente quando a notícia vazou no colégio, escutei barulho de foguetes de longe!

Enfim, não pensem entretanto que eu não tentei buscar outras saídas. Pra ser honesta, eu mesma estava sentindo que aquele era o fim das Rouxinóis. Nem mesmo a recém agregada Marlene McKinnon conseguia me colocar pra cima. Nem mesmo Simon Cowell conseguia me colocar pra cima e olha que eu sempre dou boas gargalhadas dos comentários ardilosos que ele faz para os concorrentes.

Naquela manhã mesmo eu decidi que iria até o gabinete da diretora e iria dar um fim aquela besteira, porque era ridículo que continuássemos. Alice precisava procurar novas atividades extracurriculares e eu não podia continuar a prendê-la em reuniões sem propósito quando ela poderia muito bem estar fazendo campanha para se candidatar a presidente de turma, por exemplo.

Mas bem, eu recebi aquilo que chamo de ‘luz no fim do túnel’. O que vocês fazem quando estão muito tristes e quando nada te anima? Eu durmo! Durmo muito mesmo e quando acordo geralmente sempre me sinto melhor, mas dessa vez eu acordei consciente que aquela provavelmente era minha última chance e eu estava a jogando pela janela porque era fraca demais, porque era orgulhosa demais para dividir o palco com alguém como James Potter.

Os investidores, os membros da comissão de pais, o círculo, todos estariam lá! Todas as pessoas que garantiam a sobrevivência do meu grupo estavam lá e eu estava a choramingar pelos cantos por motivos de pirraça.

Não. Dane-se o meu orgulho, eu disse a mim mesma na hora e parecia bem mais fácil quinze minutos atrás quando eu não estava de frente para a loja de partituras, mas eu preciso salvar meu grupo!

Aquela gente ama os Troublemakers e eu confesso eles têm talento, gingado, charme e talvez se aquelas meninas nos virem cantando ao lado deles, talvez elas queiram se inscrever na mesma hora! E talvez se os investidores virem que somos tão boas quanto aqueles meninos, que talvez não tivéssemos ganhado nada ainda porque não havia chegado nossa hora, poxa!

Bem, eu não sei! Eu não sei o que me ocorreu exatamente, mas eu estava muito decidida a convencer James Potter a se aliar a mim e me ajudar a deixar aqueles arruaceiros e minhas lindas princesinhas em forma para cantarem juntos. Posso imaginar como serão os ensaios, mas não é hora para show de horrores. É hora de salvar as Rouxinóis!

Empurrei a porta e gemi quando escutei o sininho. Eu havia vindo disfarçada com óculos, chapéu e um lenço no pescoço. Além de também ter tirado meu uniforme para não ficar óbvio demais, mas a Madame Rosmerta me conhecia extremamente bem e ela não gostava nem um pouco de mim – resumindo, se me pegasse aqui muito provavelmente deduraria para a diretora e daí as coisas não ficariam nem um pouco bonitas.

Pode parecer exagerado o meu disfarce, mas eu não queria que ninguém me associasse a James Potter e eu imaginei que ele pensasse da mesma forma, porque ao localizá-lo perto das partituras de soul dos anos 80, eu percebi que ele perdera toda aquela pose engomadinho que era como normalmente se vestia e parecia ter dado um mergulho no closet do Bob Dylan.

Respire fundo Lily Evans. Ele já lhe viu. Agora vá até lá, de cabeça erguida e sem causar um tumulto.

– Sabe... – é claro que ele tinha que começar a dizer alguma coisa. – Quando eu li no meu visor Evans ligando, dei até mesmo uma conferida na janela. Nunca se sabe se o Apocalipse Zumbi começou e você decidiu que não poderia morrer sem reconhecer o grande artista que eu sou e admitir seu amor obsessivo pela minha pessoa.

Dei uma risada desdenhosa e cruzei os braços.

– Não dessa vez, Potter. – eu disse ainda o observando. Ele nem sequer parara de mexer nas partituras para me olhar. – Olha, o que eu precisava dizer eu poderia ter dito pelo celular. Eu não sei qual o objetivo deste encontro, eu posso me meter em problemas.

– Besteira Evans. O que é a vida sem viver aventuras?

– Ah eu concordo com você, mas não significa que eu queira lhe incluir nas minhas. – resmunguei, cruzando os braços. – Aqui, será que poderia parar de procurar partituras e olhar pra mim enquanto falo com você? Gostaria de ser rápida, porque quanto mais rápido eu lidar contigo, mais rápido estarei fora daqui e com menos chances de ser descoberta pela sua querida madrinha.

Ele riu e me olhou pela primeira vez. Senti-me tensa no mesmo instante, porque podia sentir que seus olhos castanhos me avaliavam.

Honestamente, eu acho que James Potter era meu Bicho Papão. Desde criança eu sentia que ele era a maior pedra no meu caminho, que ele era o diabinho no meu ombro e que eu precisava encontrar todas as formas de superá-lo, de ser melhor que ele. Bem, que ele era meu bicho papão eu não tinha dúvidas, entretanto ele era provavelmente o bicho papão mais gato que já cruzara a Inglaterra.

Não me olhe assim, eu o odeio, mas não sou cega. James Potter acabou se tornando um rapaz muito bonito! Ele nem sempre foi assim, ele era meio magrelo, meio baixo, tinha o cabelo terrível e dentes extremamente feios. Seja lá quem for o ortodontista de Pottter, ele é O cara! Porque meu Deus, eu ainda me lembro daqueles dentes tortíssimos e dos óculos fundo de garrafa.

Ele estava usando lentes de contato, eu imaginava, mas de vez em quando eu via Potter de óculos. Combinava com ele, mas não era prático para performances.

Nós costumávamos nos encontrar na capela geralmente. Aos domingos íamos a capela da Eton, porque era maior e acomodava a todos. Algumas meninas achavam um absurdo que tivéssemos que acordar mais cedo, porque tínhamos que ir andando até lá, mas eu gostava. Era bom respirar um pouco sem me sentir presa pelos muros da St. Mary School.

Ele se sentava bem no fundo, acompanhado de seus amigos Troublemakers. Vez ou outra eles roubavam a cena do coro da capela, mas eu não acho que Potter era realmente do tipo religioso. Não se levado em conta as maldades que ele faz na vida das pessoas.

– Você não queria que eu olhasse pra você enquanto falasse, Evans? Pois então, estou olhando pra você há mais de três minutos e você ainda não disse nada.

Revirei os olhos e soltei um longo suspiro. Ele pegou uma partitura e então caminhou na direção do piano e eu o segui.

– É o seguinte Potter...

– Não.

– Mas eu nem disse nada ainda!

Ele riu e se sentou, apontou então o lugar vazio ao seu lado. Eu gemi e me sentei, vendo-o abrir e colocar a partitura sobre o piano e começar a dedilhar as teclas.

– Lionel Richie... – eu comentei. – Você é fã de blues, soul, não é mesmo?

– O que lhe deu a dica? – ele revirou os olhos. – Meus solos ou o fato que tenho a discografia inteira do Billy Joel?

– Olha, você não precisa ser rude. Potter, eu estou tentando dizer uma coisa...

– Seja lá o que você tem a dizer, pode ser dito depois que cantar comigo. – ele disse meio mal humorado, provavelmente com minha tagarelice e insistência. – Conhece a música?

Ele continuava a dedilhar as teclas, na verdade, em momento algum parou. Eu conhecia a música e parte de mim estava se segurando muito para não ter puxado o coro. Entretanto, eu me limitei a acenar com a cabeça.

– Ótimo. Acho que faz uns cinco anos desde que cantamos juntos Evans. – ele riu. – Só não vá sair chorando de novo, ok?

Revirei os olhos e senti minhas bochechas avermelharem. Potter então parou de dedilhar as teclas e retomou a música do início.

(n/a https://www.youtube.com/watch?v=xd-xLHUPuTY deem play na canção)

– I've been alone with you inside my mind

And in my dreams I've kissed your lips a thousand times

I sometimes see you pass outside my door

Hello, is it me you're looking for?

Naquele momento, assim que James Potter havia começado a cantar, eu senti um grande sentimento de fascinação. O mesmo sentimento que provavelmente maioria das pessoas sentia quando ele o fazia – era simplesmente lindo, a voz dele era forte, perfeita para encher os teatros.

Eu o odiava com todas minhas forças, mas eu não era hipócrita para dizer que tudo o que os Troublemakers haviam conquistado até agora não era merecido. Eles eram bons, realmente bons, mas James era o melhor deles.

Inicialmente eu pretendia não cantar com ele, porque só de ter vindo até aqui eu estava quebrando um dos mil juramentos que eu fizera com relação aos Troublemakers, mas quando dei por mim, eu estava me juntando a Potter.

– I can see it in your eyes

I can see it in your smile

You're all I've ever wanted, and my arms are open wide

'Cause you know just what to say

And you know just what to do

And I want to tell you so much, I love you...

Ele sorria pra mim, enquanto cantava. O cretino era tão arrogante que parecia gostar e estar se divertindo com toda a briga interior que eu estava tendo naquele momento. Eu não espero que entendam, mas eu joguei todo meu orgulho pela janela hoje e ainda por cima estou aqui, cantando um dueto romântico com James Potter!

O pouco que sobrara da minha dignidade iria ficar no banco daquele piano. E James Potter faria piada de mim pelo resto da nossa vida acadêmica.

I long to see the sunlight in your hair – ele cantou sozinho, ainda dedilhando as teclas do piano brilhante e glamourosamente, só como um bom filhinho de papai, conde sei lá das quantas e que fez aulas particulares com Elton John, poderia fazer.

– And tell you time and time again how much I care

Sometimes I feel my heart will overflow

Cantamos juntos então.

– Hello, I've just got to let you know

Eu tinha quase certeza que o piano já não era mais o único suporte musical que estávamos tendo, tanto quanto também tinha quase certeza que as pessoas nos olhavam, mas eu não pararia de cantar para me certificar daquilo, especialmente quando a música chegava a suas últimas estrofes e, surpreendentemente, minha voz e a dele não estavam competindo uma com a outra enquanto cantávamos.

Não, não estavam. Eu podia sentir que não e eu acho que ele também. Nós competíamos entre nós enquanto estávamos em palco, mas naquele momento nossas vozes apenas se completavam.

– 'Cause I wonder where you are

And I wonder what you do

Are you somewhere feeling lonely, or is someone loving you?

Tell me how to win your heart

For I haven't got a clue

But let me start by saying, I love you...

–x-

Os aplausos seguintes após o fim da música, eram a confirmação que eu precisava e embora eu estivesse lisonjeada por ter atraído a atenção de tantas pessoas, tanto Potter quanto eu concordamos que toda aquela atenção não podia ser algo bom. Eu saí da loja rapidamente, enquanto Potter pagava por sua partitura e pelo uso do piano. Pelo vidro, eu pude vê-lo flertar com Rosmerta abertamente e fiz uma careta. Ela não tinha, sei lá, uns trinta já?

Surpreendentemente, Potter sugeriu que fôssemos até o café do outro lado da rua, porque ele era bem vazio. Nós adentramos e rapidamente seguimos para uma mesa dos fundos.

– O que vão querer? – o garçom perguntou com uma péssima cara.

– Chá e um bolinho blueberry. – disse Potter enquanto tirava sua jaqueta. Ele então fez sinal pra mim. – Você, Evans?

– Chá e biscoitos, por favor.

Se isso estivesse acontecendo no ano passado, eu provavelmente estaria rindo. Em que mundo eu iria me sujeitar a um dueto com Potter e logo em seguida a tomar chá ao lado dele?

Ah, Rouxinóis, vocês devem um quadro com uma bela fotografia minha para honrar tudo aquilo que eu faço por vocês.

– Evans, se quiser chorar de emoção ou pedir um autógrafo, este é o momento ok? Estamos sozinhos.

– Não seja ridículo, Potter. – reclamei. – Quer saber de uma coisa? Eu não suporto quando começa a tirar sarro de mim pelo que aconteceu naquele ano, porque foi tudo culpa sua!

E foi mesmo! Eu ainda me contorcia no meu assento só de me lembrar.

Potter riu, por outro lado.

– Culpa minha? – replicou, arqueando sua sobrancelha grossa. – Evans, pelo amor de Deus, eu mal sabia o seu nome. Como pode ser culpa minha se você se desesperou e saiu correndo e chorando do palco?

– Não é o ponto agora, Potter! – eu disse cerrando meus punhos e sentindo que toda a minha calma estava indo para o espaço. Eu meteria um bofetão na cara do Potter a qualquer minuto. – Olhe aqui, será que dá pra você fechar a matraca e me deixar falar? Eu até agora estou tentando descobrir por que diabos você me fez vir até aqui hoje, quando o que eu precisava falar poderia muito bem ser dito pelo telefone. Inclusive, você não ficaria me interrompendo o tempo todo!

Ele riu outra vez e eu estava começando a me cansar. Aquilo não era suposto para ser engraçado, mas Potter estava se divertindo horrores nas minhas custas hoje, porque ele já havia gargalhado de mim umas dez vezes, pelo menos! Argh, eu odeio o Potter. Odeio-o com todas minhas força.

Naquele momento o garçom havia chegado e eu estava considerando seriamente jogar meu chá quentíssimo na cara do Potter.

– Ah Evans, se você vai me implorar pra ajudar a salvar seu grupinho de desafinadas no final de semana, receio dizer que eu precisava me privilegiar da situação e ter o prazer de assisti-la implorar. – dizia ele, dispensando o garçom e colocando leite em seu chá. – Com um pouco de sorte, permitirá que eu a filme e mostre aos meus amigos.

Fiquei calada e fechei os olhos com força, tornando a fazer minhas contagens regressivas em três línguas diferentes.

– Pensou que eu não imaginasse, é? Ah Evans, tão inocente. Enquanto você está indo, eu estou voltando. – prosseguiu ele, provavelmente não se sentindo nem um pouco abatido. – Não me entenda mal, eu gosto de ajudar aqueles que precisam, inclusive, não sei se você sabe, mas eu costumo fazer performances em asilos, orfanatos e abrigos em geral. Você sabe, eu me sinto bem levando alegria e música para as pessoas, mas Evans, ajudar você e seu bando de desafinadas cruza uma coisinha chamada limite e também ofende aos meus princípios. Portanto, não, eu não vou te ajudar. Sim, eu vou boicotar a apresentação de domingo.

Lá estava ele, o ser mais detestável da face da Terra. Potter tinha que sempre fazer aquele papel ridículo. Era provavelmente mais forte que ele, presumi.

Eu não estava imaginando que fosse ser fácil, mas honestamente pensei que Potter ao menos estivesse disposto a escutar o que eu dizia. Não era só eu quem estava com problemas ali, ele também estava! Como eu disse, as fofocas voam e eu sei que os Troublemakers não tinham um número suficiente de alunos para competirem nos show choir. Bem, nós também não, mas aquilo já era esperado pelos demais! Entretanto a ideia dos Troublemakers não competirem nos show choir por falta de integrantes era quase um absurdo!

Sorri ao me dar conta que de fato eu tinha uma forma de convencer Potter a colaborar com as Rouxinóis.

– Permita-me lembra-lo que Sua Graça... – eu frisei bem o título dele, apenas para deixá-lo irritado. Nada como lembrar ao Potter suas verdadeiras raízes e que apesar de ele gostar de fingir que era um Billy Joel da vida, não passava de mais um playboyzinho. – Também não está no melhor dos lençóis neste momento. Potter, você não tem integrantes o bastante no seu grupinho de arruaceiros.

– Nem você tem no seu grupinho de desafinadas. – rancorosamente, retrucou-me. – Pode esquecer Evans, eu não estou disposto a desperdiçar os próximos três dias colocando você e aquelas marmotas em forma.

– Em forma?! – eu guinchei. – Desculpe, mas você consegue se ouvir?! Eu acabei de cantar com você e acho que você percebeu que...

– Foda-se! Ok, você canta bem, mas as suas desafinadas não. – eu ainda estava ultrajada, embora Potter tivesse assumido que me achava uma boa cantora. As minhas Rouxinóis não eram desafinadas! Elas cantavam como anjos! – E eu não vou me humilhar e sujar o nome dos Troublemakers cantando algo com vocês.

– Isso é tão ofensivo, Potter! Até mesmo pra você! – eu disse batendo sobre a mesa e fazendo as xícaras tremerem. Potter me olhou feio, mas eu não dava a mínima. – Como pode dizer uma coisa dessas? Não somos desafinadas!

– Você é surda?! – exasperou-se, abrindo os braços. – Pelo amor de Deus, lembra-se do ano passado quando deu o solo pra Alice? Eu não sabia se ria ou se ficava preocupado. Como capitã Evans, você deixa muito a desejar, porque você nunca dá vez a nenhuma delas e quando decide finalmente deixar alguma daquelas pobre coitadas cantarem, escolhe logo a pior delas! Foi humilhação pública aquilo, até mesmo a Alice deve saber! Ela é uma péssima cantora! Só você e o Frank, aquele idiota, que não veem isso.

Eu grunhi e cerrei os punhos. Eu sabia que Alice não tinha a voz mais potente de todas, eu sabia que todas as outras meninas conseguiam ofusca-la um pouco, mas em todos seus anos de Rouxinol ela só havia cantado no fundo e eu não queria que ela se sentisse mal. Hoje quando estamos por um fio, fico feliz por tê-la dado aquele solo, embora tivéssemos perdido, porque se acabássemos Alice ao menos teria cantado alguma coisa.

– Eu não sei se você sabe, mas em St. Mary School não há um monte de meninas empolgadas querendo participar do meu glee club.

– E por que haveria? Vocês aceitam qualquer um que consiga ficar balançando atrás de você e dando apoio vocal no refrão.

– Ah! Olha só quem fala!

– Sim, eu posso falar de você. – ele cruzou os braços sobre o peito. – Eu fiz sessenta audições de rapazes interessados em entrar para os Troublemakers e todos eles estão em fila de espera, porque eu tenho fé em encontrar alguns talentos para preencherem as vagas que preciso. Eu escolho os melhores Evans, escolho os melhores para que eles não façam o papel ridículo que sua Rouxinol desafinada fez no ano passado. Todos no meu grupo têm vez, apesar de eu ser o capitão, todos têm vez porque eu confio neles. Confio no potencial dos meus rapazes e sei que eles jamais me desapontariam. Mas e você? Confia nas suas garotas?

– É claro que confio!

Confiava mesmo?

Eu não estou certa se confio cegamente – e surdamente – nas meninas. Potter estava certo, embora eu nunca fosse admitir aquilo em voz alta, há várias falhas na minha liderança que eu não gostava de assumir, mas muitas delas como eu já disse mil vezes foram porque eu não tive opção.

Eu não tinha sessenta audições. Eu mal tive uma audição esse ano! E ainda assim, Marlene fez sua audição no chuveiro cantando Girl on Fire.

– Está vendo? Nem você confia nelas. Por que eu deveria confiar? Por que eu deveria arriscar sujar o meu grupo? Nah, muito obrigado Evans, mas receio precisar declinar ao seu convite. Até porque, eu já tenho problemas o bastante com meu próprio grupo, ok?

Respirei profundamente. Aquele era o meu maior drama, o fato que todos nos viam como um bando de fracassadas e não éramos! Éramos moças talentosas, mas nossa vez parecia nunca chegar. Restavam-se apenas cinco de nós e eu estava oficialmente desesperada para salvar meu grupo.

O que eu estava prestes a fazer era um pacto com o diabo, mas na hora do desespero não é isso que as pessoas fazem? Bem, dizem que grandes estrelas fizeram! Eu ainda não era uma, mas viria a ser e pra isso acontecer eu precisava do meu glee club.

– E se eu afinasse seus rapazes? – sugeri.

Potter que estava tomando seu chá, arregalou os olhos. Senti que eu talvez tivesse alcançado uma vantagem naquela situação toda – imaginava eu que Potter não tinha paciência para afinar os meninos, porque justamente ele só aceitava os melhores. Aqueles que já tinha técnica e pretendiam seguir carreira.

Nas Rouxinóis, como eu já disse centena de vezes, eu sou obrigada a aceitar todas que quiserem agregar e por isso eu tenho uma vantagem: tenho uma grande experiência em afinar meninas superdesafinadas! Elas não se tornam nenhuma Celine Dion da vida, mas alcançam um timbre agradável e formam coros bem bonitos.

Observei Potter e mantive meu olhar firme, para que ele visse que eu não estava brincando quanto a minha proposta. Fazer uma grande performance talvez fosse a chance das Rouxinóis e pra isso acontecer eu precisaria de Potter. Infelizmente, como ele mesmo disse, precisaríamos colocar todos em forma. Não cantávamos juntos, não tínhamos harmonia e nos detestávamos! Mas não era impossível, só seria extremamente trabalhoso.

Bem, àquela altura eu já não tinha muita opção, não é mesmo?

Lentamente, Potter tornou a colocar a xícara sobre o pires esquecido na mesa e eu ainda não tinha vacilado no meu olhar. Cruzando os braços, encarou-me e fez sinal para que eu prosseguisse com o que eu precisava dizer.

Sorri satisfeita e assim o fiz.

– Disse que tem vários na lista de espera, certo? Escolha os menos catastróficos e eu irei afinar todos eles pra você. – eu prometi. – Tenho experiência com isso, deixo as meninas afinadas. Não estou dizendo que eles vão cantar como o Hugh Jackman, mas você terá seus arruaceiros em forma. Eles farão um belo apoio vocal para você, é uma promessa.

– Hum.... Tentador, Evans. Porque na verdade há alguns que têm um bom alcance vocal, mas nenhuma técnica. Eu sou um professor terrível, sabe como é, eu tendo a ofender aqueles rapazes para incentivá-los a melhorar, mas a maioria deles acaba entrando em depressão e tentando se enforcar com as próprias garrafas. – Potter dizia pensativo e mexendo em seu cabelo.

Revirei os olhos. Ele era uma Rainha do Drama pior que eu!

– Em troca, você não poderá sabotar a competição de sábado. De fato, precisa ser uma das melhores de todas! – eu disse e o forcei a me encarar. – Falo sério, Potter. Eu... Eu realmente preciso da sua ajuda.

– Ah, Deus, diga de novo.

Bufei. Fechei os olhos com força e disse pausadamente.

Eu. Preciso. Da. Sua. Ajuda.

Juro que doeu tanto quanto uma facada no meu coração. Meu Deus do céu, que diabo eu estava propondo ali?

– Bem, bem... – respirou Potter, sorrindo largamente. – Já que você pediu com tanto jeitinho, Evans. Tudo bem, nós faremos uma bela performance no domingo. Eu posso prometer isso pra você. Não irei sabotar a performance dos dois grupos, desde que cumpra sua parte do acordo Lily, eu também falo sério.

– Eu cumpro minha palavra, não tem que se preocupar com isso. – garanti. – Todos os finais de semana até que eles estejam afinados e prontos para as seletivas, prometo treinar seus meninos. Daí em diante, é com você.

– É justo. – Potter acenou com a cabeça e finalizou seu chá. Lembrei-me do meu e também levei a xícara aos lábios, bebericando o líquido morno e adocicado. – Vocês já têm seu número?

– Eu ainda não discuti com as meninas, mas eu estive pensando em Maybe This Time...

– Liza Minnelli? – ele arqueou as sobrancelhas. – Evans, vai mesmo desperdiçar uma canção desse porte com um bando de adolescentes que não sabem apreciar a boa música ou o significado por trás desse nome? Até porque, se seu objetivo é atrair meninas para seu grupo, deveria parar de cantar músicas velhas e começar a abraçar um pouco do pop atual.

Arqueei a sobrancelha e abri bem os ouvidos. Ele tomou aquilo como um incentivo para prosseguir.

– Não me entenda mal, Evans, eu adoro essa canção e pode ter certeza que eu sou um dos que a aplaudiria de pé, mas ela não vai ter significado algum para as alunas do seu colégio...

– O que você vai cantar, afinal?

– Uma música da boyband mais aclamada no momento. One Direction. – ele revirou os olhos. – Não é o meu favorito, mas vai ter que servir.

– Eu não entendo... – balancei a cabeça. – E como One Direction pode ser atrativo para os meninos?

– Não, não, não. – ele riu. – As meninas vão enlouquecer quando estivermos cantando e dançando as músicas dos primos dos Backstreet Boys. Eu não preciso de mais interessados no meu grupo, isso já tenho de sobra! O que eu preciso é que os investidores vejam o tanto de potencial que nós temos e também presenciar o grande efeito que um bom corte de cabelo e músicas sobre ficarmos loucos e curtir a juventude pode ter sobre meninas, principalmente as virgens e inocentes como você, Evans.

Minha mão estava coçando para jogar aquele chá na cara do Potter e reviver o momento de cinco anos atrás, entretanto eu precisava dele. Por mais que eu odiasse admitir, Potter estava certo! Eu precisava dar uma nova cara as Rouxinóis e infelizmente Liza Minnelli teria que ficar para depois.

Eu já sabia exatamente o que cantaríamos.


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