Primeiros Momentos escrita por Anny Andrade


Capítulo 1
Único




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Eu nunca tinha passado um verão tão ansiosa quanto estava naquele momento. Não que uma criança possa realmente saber o que é ansiedade, mas agora como adulta posso identificar perfeitamente os sintomas. Mesmo ansiosa e com as expectativas roendo meus nervos aquele foi o melhor verão de todos.

Quando fechos os olhos posso me lembrar de cada detalhe.

O céu azul sem nuvens, quase uma raridade, e a grama verde crescendo embaixo do meu corpo, o cheiro de sabonete que vinha sempre que o vento soprava. O cheiro do cabelo dele. Sempre que sinto aquele perfume me lembro de seus cabelos. Me sentia encantada com os fios tão negros quanto a noite, queria cortar um pedaço e guardar comigo. Nunca o fiz, nunca pedi para que ele me desse um tufo de cabelo, se pedisse tenho certeza que daria. Naquele verão se pedisse a lua ele teria dado um jeito de trazê-la, mas pedi algo menos complicado.

Quando temos onze anos não pensamos em coisas absurdas como roubar a lua ou pedir estrelas de presente, pensamos em coisas mais drásticas como fugir de casa e nunca mais voltar, se pendurar em arvores para mostrar que meninas podem tudo, entre outras atitudes engraçadas e inspiradoras.

Ele pensava em fugir de casa, ou melhor, ele pensava em nunca mais voltar para casa. Seria o nosso único e ultimo verão naquela grama. No auge da minha infância não sabia que sentiria tanta falta daqueles momentos, mas hoje escondida percebo que sempre senti falta dele, da pessoa que somente eu conseguia enxergar.

Enxerguei até ficar cega também.

Aquele dia tinha sido difícil em casa, Petúnia não queria falar comigo e sempre bufava com raiva quando acabava passando por ela. Eu queria abraça-la e dizer o quanto tinha orgulho de uma irmã tão bonita mesmo que ela não fosse bruxa, mas tudo que ela sentia por mim era raiva. Raiva da Lily perfeita. Nunca fui perfeita, será que ela percebeu isso antes de todos os outros?

E sempre que não conseguia me entender com minha irmã era com ele que acabava esquecendo o ressentimento. Ele e o jeito como falava da tal escola de bruxaria, as expectativas dele me enchiam por dentro, o sorriso que aparecia tão raramente quanto o céu sem nuvens, os cabelos escorridos encobrindo o rosto pálido.

Eu esperava pelo dia de ir para Hogwarts. Ele vivia para tal dia.

Eu fiquei feliz com a carta. Ele morreria se ela não houvesse chegado.

Eu cresci sendo a Lily Evans. Ele cresceu sendo filho de bruxo.

Então quando estava chateada, ele sempre me contava histórias. Das casas de Hogwarts, de dragões, de poções capazes de tudo. De fazer alguém se apaixonar. Gostei muito da ideia de uma poção de amor. Que menina não se encantaria com tal ideia? Poderia fazer qualquer um se apaixonar. Teria o príncipe encantado. Lembro que meus olhos brilharam com as palavras dele, mas quando percebeu meu amigo simplesmente me deu uma bronca.

— Não é uma boa poção. Não se pode brincar com os sentimentos das pessoas, alguém sempre sai machucado.

Não falei nada no momento.

Ele tinha razão, amor é algo que sempre machuca.

Naquele verão eu nem poderia imaginar tudo que aconteceria. Como meu amigo mudaria, como eu sentiria falta daquelas duas pessoas. Crianças deveriam crescer e continuar com os mesmo sentimentos de antes. A mudança dos sentimentos sempre é o maior problema.

Deveríamos ficar com aquele calor no coração. Acredito que o verão é a estação que mais define os sentimentos das crianças. A sensação de alegria, os sorrisos cheios de ternura, a vida escapando através de pés correndo pela grama, dos pulos no ar, o barulho dos balanços. Verão é vida. E nada mais vivo que crianças.

Seria nosso ultimo dia naquele parque. Lembro que apostamos corrida, ele me deixou ganhar. Enquanto recuperávamos o folego, pensei nas suas roupas pretas e em como deveria ser ainda mais quente dentro delas. Sempre soube que ele tinha vergonha de tudo que o cercava em casa, das roupas, dos cabelos escorridos, acho que naquele lugar só não tinha vergonha de mim.

Por um determinado período fomos melhores amigos.

Por um determinado período não sei exatamente o que fomos.

Naquele dia éramos apenas Lily Evans e Severus Snape. Duas crianças aproveitando o último dia de férias, se preparando para entrar na maior escola de magia e bruxaria do mundo, e querendo balançar nos balanços tão alto a ponto de voar.

O sol estava quase se pondo quando eu tive uma idéia. Idéias da Lily.

Queria me lembrar daquele dia para sempre, e acreditava que “primeiros momentos” eram os momentos que permaneciam com a gente mesmo depois de décadas, séculos e milênios. Eu sempre me lembrarei da minha primeira boneca, aos quatro anos. Sempre me lembrarei da primeira vez que andei de bicicleta, aos sete anos. Sempre lembrarei qual foi meu primeiro livro. Primeiros momentos são muito especiais.

Aquele verão tinha sido tão especial, eu queria que fosse tivesse um primeiro momento nele. Naquela época era apenas uma menina sonhadora. Hoje como mulher, preste a ser mãe, sentada sozinha e olhando pela janela ainda continuo me lembrando dos primeiros momentos.

Meu amigo fechou os olhos, e enquanto tomava a decisão de se despedir ou não eu fui mais rápida. Eu fiquei de olhos abertos e me aproximei o mais rápido possível. Seu rosto tão branco, era quase como neve derretendo ao sol.

Nossos lábios encostaram tão levemente, tão depressa. Um primeiro momento.

Meu primeiro beijo em um garoto. No meu garoto particular. No meu primeiro amigo bruxo.

Seus olhos arregalaram tanto que não consegui esperar nenhuma outra expressão.

Sai correndo para casa.

O sol ao fundo dele estava laranja, indo embora junto com as nossas férias, junto com meu primeiro beijos.

Quando estava suficientemente longe olhei para Severus. Ele estava parado no mesmo lugar, com os dedos sobre a boca, esboçando um sorriso surpreso, provavelmente tentando entender o que havia acontecido ali. Com o sol ao fundo ele era um borrão preto, o mais doce borrão preto que já cheguei a ver.

O sol estava levando com ele o melhor verão da minha infância.

Relembrar esse momento me faz ter a certeza de que eu não acredito no melhor das pessoas. Eu sei que existe um melhor em todos. Meu marido não gosta quando ainda hoje defendo Severus, quando tento explicar o quanto ele já teve problemas, o quanto já sofreu. E por isso sempre foi tão difícil me afastar dele.

Quando a gente é jovem acredita em amores eternos. É tudo ferro e fogo. Quando a gente amadurece sabe que as coisas não são Verão e Inverno, existem os meios termos, as Primaveras e Outonos.

Severus Snape pode parece inverno, mas ele foi meu melhor verão. James Potter pode parecer verão, mas ele é minha primavera, meu meio termo, meu novo nascer.

Não quero desiludir ninguém, mas o primeiro amor não vai ser o único da vida. Não para todas as pessoas, algumas têm sorte de amar e ficar junto para sempre, outras precisam amar mais de uma vez para encontrar a eternidade.

Meu Amigo foi meu primeiro amor. Meu Marido foi meu ultimo amor.

Verão. Primavera.

Meu filho vai nascer no verão. Ele vai ser sol. Vai ser vento. Vai ser tempestade. Vai ser meu verão particular. Esquentar os dias frios e nublados. Meu filho vai ser meu bem mais preciso. Um primeiro momento.

Mas nem mesmo ele, será capaz de desfazer os verões anteriores.

Principalmente aquele verão em especial.

Quando fecho os olhos e me lembro da época de criança ainda lembro das bonecas quebradas, dos sorvetes derretendo e dos joelhos doendo. Mas antes de qualquer uma dessas lembranças tomarem minha mente, me lembro de nós dois.

Lembro do verão de duas crianças. De como descobri o mundo em poucos dias. Descobri uma escola para bruxas e que assustadoramente eu era uma, descobri que eu iria para alguma casa e que faria amigos lá, descobri que existiam dragões e que as fadas não são tão boazinhas como os contos insistem em dizer. Descobri que algumas pessoas só conseguem pensar no futuro, o presente é pesado demais para elas.

Naquele verão...

Descobri que eu poderia fazer alguém sorrir com perguntas bobas, e que com perguntas sérias tudo poderia se tornar nebuloso. Descobri que primeiros momentos são importantes, eles fazem a gente esperar pelos segundos, terceiros e quartos momentos.

Penso que por mais que ame James, por mais que ele seja meu presente e meu coração diga que ele é meu futuro também. Eu tenho certeza de que meu passado pertence a outra pessoa. Que meu passado está marcado e que nada pode muda-lo e mesmo que pudesse eu não mudaria.

Meu passado pertence a um garoto pálido de cabelos escuros e escorridos, pertence a um garoto que usava roupas estranhas e precisava mais do que tudo ir para Hogwarts, pertence a Severus Snape.

Quando fecho meus olhos vejo duas crianças deitadas sobre o céu azul, sentindo a grama nas mãos e sentindo o vento morno do verão. Lembro-me de descobrir sentimentos, de deixar a infância e começar a entrar na adolescência, lembro de começar a entender a vida.

Espero que meu filho tenha verões assim. Não importa se ele vai nadar no lago, tomar sorvete, ou ter dias ensolarados, o que importa é que ele tenha amigos, que tenha uma garota especial que transforme qualquer verão no melhor. Que dê a ele um passado e que ele nunca se esqueça disso. Que dê a ele primeiros momentos.

E espero que ele também se lembre daquele verão.

Que ele se lembre dos momentos.

Que Severus se lembre do nosso primeiro momento.

Nunca do último.


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Notas finais do capítulo

Eu sei que existe muitas pessoas que amam James e Lily, mas eu tenho uma queda por Snape e Lily e na acredito que eles tiveram muitos momentos bons antes da amizade sofrer uma queda terrível. Espero que gostem, e me deixe recados do que acharam... Beijinhoss



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