Ovelhas Negras escrita por Bianca Vivas


Capítulo 9
Lola não sabe dizer não




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/629483/chapter/9

Maria de Lourdes

Após o jantar, a cabeça de Lola girava. Primeiro, as perguntas sobre a sua família. Depois, sobre seus gostos. E a cada resposta que ela dava, um olhar de reprovação e desprezo. Ela não era boa o suficiente para o filhinho deles. Mal sabiam que o namoro era falso. Seria uma surpresa e tanto se descobrissem isso. Uma surpresa maravilhosa, diga-se de passagem.

Ela, contudo, não se importava. Precisava apenas dar um tempo. Ambientes como aquele da casa de Felipe a sufocavam. Mais até que a sua própria casa. Ela queria ar fresco. Um baseado. Algumas bebidas. Só assim para relaxar de verdade depois daquela tortura.

Num ato impulsivo, pegou o telefone. Queria telefonar para Eric, ele sempre a salvava naqueles momentos, mas lembrou-se que não podia. Nem deveria. Eric precisava viver a própria vida ao invés de segui-la, resolvendo todos os seus problemas. Então, ligou para Luan. Exigiu que ele fosse buscá-la na calçada da casa de Felipe — porque não, ela ainda não havia saído dali — e a levasse para algum lugar com muita bebida e muita maconha. E tinha que ser imediatamente. Quanto mais rápido ela ficasse chapada, mais rápido ia esquecer aquele jantar.

Alguns minutos após desligar o celular um carro prateado parou em frente a ela. Lola já tinha visto aquele carro antes. Era Luan quem  estava dirigindo. Saltou da calçada e abriu a porta da frente.

— Preciso beber alguma coisa — disse, colocando o cinto de segurança, sem nem olhar para o garoto.

— Às suas ordens, sol e estrelas.

Lola revirou os olhos e Luan acelerou o carro. As janelas estavam abertas e ela sentiu o vento bagunçando suas tranças. Era uma sensação boa aquela. Como se estivesse livre de todas as amarras que a prendiam. De todos os padrões que a obrigavam a seguir, mesmo quando ela era veementemente contra.

A menina recostou a cabeça no encosto da poltrona do carro e soltou um suspiro longo. Era bom estar longe de Felipe e da família dele. O colega e provável novo amigo era legal, porém a prendia demais. Lola se sentia limitada perto dele e de seus olhares reprovadores. E mesmo sabendo que ele fazia sem perceber e querer, era maçante.

Sair para beber, fumar e dançar e se divertir era tudo o que ela precisava. Ainda bem que tinha conhecido Luan, para acompanhá-la nessas farras fora de hora e sem aviso prévio. Ele foi sem questionar. Era uma de suas qualidades. A falta de curiosidade era uma benção em alguns momentos. Para Lola, era-o em todos eles.

— Chegamos — anunciou Luan, estacionando o carro prata frente a uma casa noturna.

Lola saltou do automóvel. Parou na frente do estabelecimento, observando-o. Por fora, era pequeno e estreito. Tinha uma placa em néon que dizia “Só para Maiores” e um segurança conferindo os documentos das pessoas — mas ele não era lá muito eficiente, porque muitos eram adolescentes, alguns até mais novos que Lola. As paredes estavam descascando e tinha um poste de luz bem na frente dele. Não era um lugar muito atraente.

— Eu não vou entrar aí nem morta — disse ela, batendo pé.

— Ah, qual é, Lolita? — Luan apertou a bochecha dela, inventando mais um apelido. — Você não confia em mim?

— Preciso mesmo responder? — Ela arqueou uma das sobrancelhas e Luan revirou os olhos, puxando-a pelo braço para dentro do estabelecimento.

Os dois nem ao menos entraram na fila. Luan apenas piscou para o segurança que fez um sinal de positivo, deixando eles entrarem. Lola nem estranhou. Ela conhecia vários seguranças e, por causa disso, entrava sem pagar e sem ter seus documentos conferidos em várias baladas.

Quando adentrou o local, entretanto, ficou muito surpresa. Lá dentro, havia um bar e várias mesas também, com sofás substituindo as cadeiras. Um DJ tocava no fundo do estabelecimento. No centro do local, um palco redondo com várias barras de ferro. Mulheres, todas elas seminuas, dançavam ao redor das barras. Algumas recebiam dinheiro de homens que bebiam como se não houvesse amanhã. Outras, desciam do palco e acompanhavam adolescentes na pista de dança.

Nas mesas ao redor, todos que estavam sentados tinham em sua companhia alguma prostituta. Homens e mulheres, adolescentes ou adultos. Não importava. Todos estavam se divertindo, bebendo, se drogando e animados com a promessa de sexo descompromissado com belas mulheres.

— Eu não acredito nisso. — Lola olhou ao redor mais uma vez. — Você me trouxe num brega!

— Não qualquer brega — disse Luan — O melhor brega da cidade. De nada.

Ela encarou Luan com um olhar atravessado. Queria um lugar calmo para beber e dançar. Nada cheio de gente. Apenas uma festa íntima. Como um bar, com voz e violão. Não era tão difícil. A Passarela do Álcool era cheia de lugares assim. Luan tinha que contrariar.

— Vamos lá, se divertida, Lolita! — Luan sorriu quando duas mulheres chegaram.

As meninas vestiam roupas idênticas, na cor rosa. Os cabelos negros caiam em cachos pelas costas e elas tinham o tipo de sorriso que qualquer dentista iria admirar. As garotas também usavam máscara na cor prata, que cobria a face até a região do nariz.

Uma delas abraçou Luan e a outra foi direto para Lola.

Puxaram os amigos para uma das mesas do fundo, perto do DJ. Elas sorriam muito. Uma delas sentou no colo de Luan, beijando-lhe o pescoço. A outra, apenas colocou o cabelo de Lola atrás da orelha, mordiscando-lhe o lóbulo. Lola revirou os olhos. Ela não queria sexo. Não naquele momento.

Luan percebeu que Lola estava tentando afastar a garota. Imediatamente fez com que a mulher que beijava seu pescoço parasse.

— Qual é o problema, meu sol e estrelas? — Ele perguntou, usando um de seus apelidos ridículos. — Quer beber alguma coisa?

— Seria ótimo.

— Tragam uma bebida para minha amiga. A melhor que vocês tiverem. — Ele estalou os dedos e as garotas foram buscar o que ele pedia.

Quando elas saíram, Lola mudou sua postura. Ficou ereta e encarou Luan.

— Como consegue tratar uma pessoa desse jeito? — Ela fez cara de nojo. — Elas não são objetos sexuais e muito menos pedaços de carne!

Luan sorriu, como se não se importasse com nada daquilo.

— Apenas se divirta.

Logo depois, as mulheres chegaram com as bebidas. Lola pegou uma das garrafas que as meninas trouxeram e a virou em sua boca. Um gole generoso caiu em sua garganta. Ofereceu a bebida à garota que estava ao seu lado. Ela aceitou e imitou Lola. A menina, contudo, não era muito experiente em virar garrafas. Metade da bebida escorrera pelo rosto. Maria de Lourdes riu e foi limpar. Enquanto enxugava a boca da moça, parou, observando-a.

— Sabe, ajudaria muito se você tirasse a máscara — ela disse, enquanto tentava limpar a moça, sem sucesso.

— Você também — Luan falou para a garota que estava com ele. — Seria bem mais divertido.

As duas deram de ombros e tiraram o acessório. Tanto Lola quanto Luan tomaram um susto ao vê-las. Eram exatamente iguais. A cópia fiel uma da outra. O mesmo nariz fino e lábios volumosos. As sobrancelhas arqueadas que emolduravam os olhos sensuais também eram as mesmas. Até o jeito de inclinar a cabeça e sorrir era o mesmo. Uma era o espelho da outra.

Tempos depois, além de saber que eram gêmeas, ficaram sabendo seus nomes. Clarissa e Vanessa. Logo eram melhores amigos. Bebendo muito e indo para a pista de dança. Um se esfregando no outro, em danças que eram para ser sensuais, mas não passavam de passos desajeitados. As três garotas estavam bêbadas. Lola desconfiava que Luan havia drogado as gêmeas também.  Ela brigaria com ele, contudo, não conseguia falar uma frase inteira sem embolar a língua, quanto mais ter uma discussão.

Voltaram à mesa. Estavam cansados. Luan pediu mais uma rodada de bebida para as meninas — ele próprio estava bebendo bem pouco, a garota notou. Lola já estava solta demais. Quando deu por si, puxou uma das gêmeas. Enroscou uma das mãos nos cabelos cacheados dela e a beijou. Intensamente. Mordiam os lábios uma da outra. As mãos, passeavam pelos corpos. Exploravam. Descobriam. A gêmea já estava sem a parte de cima da roupa, deitada no sofá. Lola estava por cima dela, com as pernas da garota enlaçadas em sua cintura. Estava pronta para se livrar de seu vestido roxo também, quando Luan pigarreou.

— Acho que temos lugares mais propícios para isso. — Lola ficou vermelha e Luan riu, ele estava se divertindo.

Maria de Lourdes beijou mais uma vez a gêmea e se levantou. Virou-se para Luan e o encarou. Aproximou-se dele e olhou bem fundo nos olhos do garoto.

— Você é um babaca. — Ela deu um tapa na cara dele. Não sabia porque fez isso, já estava bêbada demais para medir suas ações, mas gostou da sensação.

Luan segurou o braço que ela usara para bater nele.

— Sua sorte — ele aproximou o rosto do dela — é que eu gosto de garotas assim.

— Seu azar — ela devolveu, quase cuspindo nele — é que eu tenho nojo de caras assim.

Os dois se encararam. A tensão era mútua. Nenhuma deles queria quebrar o contato visual. Sabiam que era importante mantê-lo, só não sabiam muito bem o motivo. Até Lola abaixar o olhar e mirar a boca de Luan. Carnuda e bem desenhada. Luan fez o mesmo, observando os lábios pintados de vermelho de Lola. Quando deram por si, ela estava sentada no colo dele e se beijavam.

A mão de Luan subia pelo vestido de Lola, acariciando a perna da menina. Lola arranhava as costas de Luan com uma mão, com a outra, puxava o cabelo dele. Era como se estivessem esperando a noite toda, talvez até desde o dia em que se conheceram, por aquele momento. Era o encaixe perfeito. Um encaixe bêbado, é verdade, mas perfeito mesmo assim.

— Acho que deveríamos sair daqui — disse Lola, levantando.

Luan gritou para uma das gêmeas que era para pôr tudo em sua conta. Seguiu Lola para o carro e dirigiu até a casa de sua avó. Estava sem cinto de segurança e tinha a sensação de que poderia voar dali a qualquer momento. Em breves momentos de lucidez, Lola pensava se aquilo não era ilegal. Deveria haver uma lei proibindo aquilo... Só não lembrava o nome dela. Talvez descobrisse depois.

Todos os pensamentos foram varridos de sua cabeça quando chegaram à casa da avó de Luan. Era uma mansão. A maior que a garota já vira. Entraram de fininho, para a avó dele não acordar. Foram direto para o quarto de Luan. Lola nem prestou atenção na decoração, estava muito ocupada beijando o dono do lugar.

Não se preocuparam em trancar a porta ou ligar a luz. Estavam impacientes para satisfazer o desejo que o álcool colocara neles.

Estavam tão alucinados que Luan quase caiu da cama quando viu Lola deitada ao seu lado, sem roupa, no dia seguinte. As peças estavam jogadas pelo chão. Também havia uma bagunça gigante pelo quarto — objetos que eles haviam derrubado no escuro. Eram os resquícios do que ocorrera na noite anterior.

— Por favor, me diga que não fizemos o que acho que fizemos ou eu vou te achar um babaca pelo resto da vida — Lola pediu, sem querer abrir os olhos, ao ouvir o grito de Luan.

— Tudo bem. Eu não digo.

— Você é um canalha, sabia disso? — Luan apenas riu.

Lola suspirou e abriu os olhos. Sua cabeça estava explodindo de dor.

— Que horas são?

— De manhã.

Diante da resposta do menino, ela pulou da cama. Saiu catando suas roupas pelo quarto e as vestindo. Em cinco minutos, estava exatamente igual a noite anterior.

— Por que a pressa? — A voz dele estava rouca e seus olhos espremidos, como se não aguentasse a claridade.

— Minha mãe vai me matar por chegar a essa hora duas vezes na mesma semana!

— Não apenas ela. — Luan estava com o celular de Lola na mão. — Têm umas vinte ligações perdidas de Felipe e de um número privado.

— Número privado? Como assim? — Lola perguntou e Luan apenas confirmou com a cabeça. — Me dá aí esse celular.

— Tudo bem — ele disse, mas antes de devolvê-lo, olhou para o celular de novo e perguntou: — Aliás, qual a desse cara? Vocês estão namorando, por acaso?

Lola revirou os olhos e começou a rolar o visor do celular, procurando por chamadas perdidas. Realmente, um número privado havia ligado para ela algumas vezes na noite anterior. Não deixou mensagem, nem nada. Então, ela só decidiu ignorar e pediu para Luan levá-la em casa. Para se livrarem da avó do menino, se esgueiraram pela saída de empregados. Ele pegou o carro da avó de novo e saíram em alta velocidade pelas ruas da cidade. Dessa vez, colocaram o cinto de segurança.

Quando chegou em casa, ela subiu as escadas da maneira mais silenciosa possível. Torcia para sua mãe não estar esperando por ela. Apenas porque fazia o que queria, não significava que Catarina permitisse.

Lola entrou no quarto. Sua cabeça ainda doía, e ela tentava reprimir a ressaca. Se trancou lá dentro. Trocou de roupa e mandou uma mensagem para Felipe. Pediu que ele fosse à sua casa para falar o que quer que tivesse de falar.

Ele chegou rápido. Apenas alguns minutos depois. Felipe não perguntou a Lola porque ela estava com a maquiagem do dia anterior, cheirava a álcool e parecia acabada. Também não quis saber o motivo dela não ter atendido suas ligações. Lola preferia assim. Não queria falar sobre nada da noite anterior naquele momento.

Infelizmente, Felipe não pensava o mesmo.

— Precisamos conversar sobre o jantar — ele anunciou, sentando na cama intocada de Lola.

A menina apenas fechou os olhos. Não bastava a enxaqueca, ainda teria de enfrentar aquilo.

— Manda ver. Vá direto ao ponto. Nada de enrolação. — Foi o melhor que ela conseguiu.

— Meus pais não querem que a gente namore. Eles acham que você não é a garota certa para mim.

Lola quase sorriu de tanto alívio ao ouvir aquilo. Primeiro, porque não iria ouvir sermões ou detalhes sobre o que os pais dele acharam dela. Segundo, porque não gostava de ter um namoro falso com Felipe. Terceiro, porque não estava com saco para conversar com ninguém. Só queria dormir até o Natal.

— Então vamos terminar — ela deu a sentença. Pelo menos uma notícia boa em sua vida. — Se seus pais não aprovam, melhor não insistir.

— É... Acontece que eu não posso fazer isso, não. — Felipe olhou para os próprios pés, parecia envergonhado. — Meu pai caiu na sua história de que você é parente dos Monteiro e agora ele quer que eu te use para que ele consiga fechar um negócio com essa família.

⸺ Tá ⸺ ela disse, fechando os olhos com força. No que fora se meter? ⸺ Acontece que eu não sou parente dessa galera, então vai ser bem inútil esse namoro e seu pai vai ficar com mais raiva ainda de você.

Felipe era o típico nerd que queria dar orgulho para a família. Lola esperava que a ameaça de sentir a ira do pai inibisse o garoto.

⸺ Ele vai ficar com raiva se não conseguir fechar o negócio. ⸺ Felipe suspirou. ⸺ Você é amiga de Luan, poderia falar com ele.

⸺ Vamos deixar claro que eu não sou amiga daquele ser humano desprezível ⸺ as imagens da noite anterior voltavam em flashs e a vontade que ela tinha era de matar Lua ⸺, mas eu posso falar com ele e dar um jeito nisso ⸺ e acrescentou: ⸺ e aí tu pode falar pra seu pai que a gente terminou.

Lola se sentia triunfante. Seria uma preocupação a menos em sua cabeça. Mas Felipe não queria desistir fácil assim.

⸺ Ainda assim, não sou fã dessa ideia.

⸺ Por que?

⸺ Se terminarmos por causa disso, vamos ser motivo de piada na escola toda ⸺ ele disse a primeira coisa que passou por sua cabeça.

— Ninguém sabe, Felipe!

— Isso é o que você pensa! — Ele rebateu, fazendo Lola se lembrar do número privado que havia lhe ligado. Contudo, mais uma vez, ela decidiu ignorar aquela ligação estranha. — Gabriel sabe. Lara e Juno também devem saber. E elas te odeiam! Já imaginou o que elas vão falar de você?

— Grande coisa! Eu não dou a mínima para o que elas falam ou deixam de falar. — Lola revirou seus olhos castanhos e se jogou na cama novamente. — Além do mais, elas devem me criticar por ficar com você, não o contrário.

— É... Você pode não dar, mas eu dou. Além do mais — Felipe deu uma pausa e Lola temeu o que viria a seguir —, eu não quero mais meus pais me dizendo o que tenho ou não que fazer. Ano que vem faço dezoito anos, tenho que me impor.

Lola suspirou. Não podia acreditar que ele usaria aquele truquezinho barato. Felipe não podia estar falando sério. Ela fechou os olhos com força. Só queria acabar com aquela conversa.

— O que a gente faz, então? — Ela se arrependeu no momento em que disse aquilo, mas não tinha nenhum controle sobre suas palavras.

— Bem, eu pensei que você podia conquistar meus pais. — Felipe sorriu, tentando encorajar Lola.

A menina sorriu de volta. Um sorriso forçado pelas circunstâncias. Ela fez que sim com a cabeça. Não queria, mas concordou. Sabia que iria se arrepender, porém já não tinha mais controle sobre seus pensamentos e palavras. Só queria se livrar logo de Felipe para finalmente descansar. Iria continuar com aquela mentira.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Ovelhas Negras" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.