Ovelhas Negras escrita por Bianca Vivas


Capítulo 7
Jantares em família sempre são desastrosos




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Felipe 

 

Estavam todos na sala da casa. Sentados no sofá, olhando um para o outro enquanto esperavam a campainha tocar. Aguardavam a vinda de Maria de Lourdes, a falsa namorada de Felipe. Ela havia dito que iria, mas já estava atrasada há um bom tempo. Alberto não parava de olhar o relógio e Elana, volta e meia, ia à cozinha, com a desculpa de ver se estava mesmo tudo pronto. Felipe, toda hora, dava uma olhada no celular, para ver se havia alguma mensagem da garota. Estavam todos muito impacientes e ansiosos com aquela situação. 

Felipe era o mais afetado pela tensão do momento. Apenas alguns dias antes, tentara beijar Lola e o resultado não havia sido muito legal. Ele tentou reverter as coisas no dia seguinte, contudo, ela estava fria. Felipe teve medo dela desistir do jantar. E, no fundo, sem querer admitir, também estava temeroso de Lola estar com tanta raiva que desistisse do namoro de mentirinha, sem nem pensar nas consequências. 

Desde que havia desabafado com Gabriel, seus sentimentos ficaram menos confusos. Agora, ele tinha quase certeza. Apesar da raiva, estava começando a gostar dela. Queria passar mais tempo com ela. Estava fascinado pela Maria de Lourdes que vira no quarto aquele dia e não queria que, por puro capricho, ela desistisse de tudo. 

Não aguentando a frieza, teve um momento, durante a semana, que Felipe foi lá falar com a menina. Não a jogou contra a parede, porém perguntou se ela ainda ia ao jantar. Lola pareceu ofendida e disse que havia dado a sua palavra. Ela iria. Felipe estava feliz por isso, mas não sabia quanto tempo o relacionamento falso duraria após o jantar.  

Naquele momento, ela estava atrasada. Felipe estava preocupado. E se Lola tivesse desistido? Era bem a cara dela mudar de ideia e não dar satisfações aos outros. Como se todo mundo tivesse a obrigação de estar sempre a sua disposição. Não. Não. Não. Felipe não poderia pensar nessa possibilidade. 

— Eu acho que sua namoradinha não vem mais — disse Alberto, tirando sarro.  

— Claro que ela vem. Deve estar um pouco atrasada, só isso. — Elana vinha da cozinha e se sentou entre pai e filho. — Vocês sabem como são as mulheres. 

Elana sorria simpaticamente e Alberto estava, mais uma vez, emburrado. Felipe levantou do sofá. 

— Vou ligar para ela — disse, indo em direção ao quarto, para que os pais não ouvissem sua conversa. 

Digitou o número de Lola e já estava chamando quando ouviu o barulho da campainha. Desligou imediatamente o celular e correu de volta à sala. 

— Boa noite, Maria de Lourdes! — Ouviu sua mãe dizer e chegou a tempo de ver as duas se cumprimentando com dois beijinhos no rosto. 

— Boa noite, senhora Elana — Lola respondeu, toda sorridente e polida. — Boa noite, senhor Alberto.  

— Boa noite, Lola — disse Felipe, com um sorriso nervoso no rosto, chamando a atenção da garota para si. 

Assim que Lola o viu, foi até ele. Enquanto ela vinha em sua direção, Felipe notou como estava linda. Não costumava reparar na roupa das pessoas. Todavia, era impossível não notar como aquele vestido roxo caía bem nela. A deixava com um ar real. 

— Oi, Felipe. — Ela lhe deu um beijo na bochecha e segurou sua mão. — Me desculpem pelo atraso, tive alguns imprevistos. 

— Sem problemas — disse Elana —, nós entendemos. Mas acho que temos que jantar logo, antes que a comida esfrie. 

Elana foi na frente, mostrando o caminho para a sala de jantar à Lola. Felipe ainda segurava sua mão. Ela era quente e macia, e as unhas dela arranhavam a palma dele, cravando-se na pele quente. Ela estava tão nervosa quanto ele. 

Felipe sorriu para Maria, tentando passar confiança. Arrastou uma das cadeiras e a indicou para que Lola sentasse ali. Ele foi para a sua frente e Alberto e Elana ocuparam as pontas.  Elana, entretanto, logo se levantou para buscar o jantar, que estava no forno. 

Depois de um tempo, Alberto decidiu dar uma pausa na refeição e pousou os talheres no prato. Ele olhou para Lola, pigarreando. 

— Então, Maria de Lourdes, por que sua mãe não veio? 

Lola ficou pálida. Olhou imediatamente para o macarrão quase que intocado no prato. Felipe percebeu que ela não sabia o que dizer. Sabia que haveria perguntas sobre a mãe dela, porém não havia conseguido prepará-la para aquele momento. 

— Er... Assim... Minha mãe... — Lola foi enrolando e no fim não disse nada. 

— Está em um compromisso profissional muito importante — Felipe tomou a frente —, mas adoraria estar aqui. 

Alberto assentiu e ignorou a resposta. Começou a fazer perguntas mais leves, que Lola não tinha medo de responder. Algumas, entretanto, eram feitas para testar a garota. Felipe viu que, pela feição de Alberto, Lola não estava passando no teste. 

Quando pensou que não podia ficar pior, Alberto perguntou como era a família dela.  

— Eles são... eles são... São ótimos. — Felipe notou que os olhos dela estavam cheios d'água e sua voz estava embaçada. 

— O que eles fazem da vida? ⸺ Perguntou. ⸺ Claro que como parentes dos Monteiro, vocês não devem trabalhar muito, não é? ⸺ Alberto dão uma risada, meio de deboche e meio de inveja. 

— O pai dela é jornalista e a mãe é enfermeira — disse Felipe, se intrometendo.  

Ele percebeu que Maria de Lourdes não gostava de falar sobre a família. Não iria deixá-la passar por isso. Falou as primeiras profissões que lhe vieram à cabeça, para livrá-la do trabalho de responder. 

Maria de Lourdes o olhou com gratidão e então se voltou para Alberto, muito mais segura de si que antes. 

— Podemos parar de falar da minha família e conversar sobre algo menos... íntimo? — Ela tinha um ar rebelde, quase ferino. 

Elana não conseguiu esconder o horror. Alberto coçou a barba quase grisalha. Felipe cerrou os olhos. Aquilo era tão Lola e tão contra tudo o que seus pais pregavam que chegava a ser gritante. Felipe já podia ver seu pai dando uma resposta mal-educada para a garota, mas Elana olhou para o homem com uma advertência não pronunciada em suas feições, e disse: 

— Como o quê, querida? 

— Futuro — ela respondeu sem hesitar. — O que Felipe quer fazer na universidade? 

— Engen... 

— Medicina. — Felipe interrompeu o pai. — Eu quero ser médico. 

Alberto olhou para ele. Não estava nada feliz. Já haviam discutido isso várias vezes. Seu pai havia decidido que Felipe iria seguir a tradição da família: iria se formar em Engenharia e, no futuro, presidir a pequena empreiteira que tinham. O menino, ao contrário, queria salvar vidas com a Cruz Vermelha. 

— E você, o que irá cursar, Maria de Lourdes? — Elana percebeu a tensão entre pai e filho e decidiu intervir. 

— Oh, eu não sei se irei fazer faculdade — disse Lola, chocando os pais de Felipe. — Se eu fizer, será Jornalismo. Ou Cinema. Talvez até História da Arte. 

Lola sorriu. Elana e Alberto encaravam a menina. Felipe tentava pensar numa maneira de acabar com o jantar. Se estava ruim antes, havia piorado. Um completo desastre.  Lola não se encaixava no mundo de seus pais.  

— E o que pretende fazer da vida sem faculdade? — Ela perguntou, boquiaberta. 

— Não sei... Ainda não sei como é o mercado de trabalho da Índia, mas talvez eu crie meu próprio blog ou canal no YouTube. — Ela respondeu, e ao ver a cara de espanto dos pais de Felipe aumentar, tratou de acrescentar: — Meu sonho é morar na Índia.  

— Que horas são? — Felipe perguntou subitamente. A tendência daquele jantar era ficar cada vez pior. Era melhor acabar logo com aquilo.  — A mãe da Maria de Lourdes disse que ela não podia chegar muito tarde em casa... — mentiu, rezando para Lola não o desmentir. Ela só olhou feio para ele.  

— É... Tem razão — ela disse, olhando para Felipe. — É melhor eu ir. — Ela se levantou e Elana a seguiu. 

— Eu insistiria para ficar, mas ordem de mãe é ordem de mãe. — Elana abraçou Lola pela cintura e a levou até porta, numa gentileza fingida. Felipe tinha certeza que ela estava amando a interrupção do filho. 

— Obrigada pelo jantar — Lola se despediu.  

Ela abraçou Elana e sorriu para Alberto. Quando foi abraçar Felipe, o menino a puxou para um beijo. Ele sentiu que ela queria empurrá-lo novamente, mas não faria isso na frente dos pais dele. Quando se separaram, entretanto, ela olhou para ele com muita raiva, apesar de Felipe jurar ter visto um sorriso no canto dos lábios vermelhos dela.  

— Boa noite e obrigada pelo jantar, de novo. — Lola saiu o mais rápido que pôde. 

Assim que a porta bateu, seus pais olharam diretamente para ele. A expressão deles não era nada amigável, com uma pitada de descrença. 

— Precisamos conversar — disse Alberto e foi direto para cozinha. 

Felipe os seguiu, imaginando o que viria. Ou eles amaram Lola ou a odiaram. Ele apostava na segunda opção. Lola era muito independente e diferente deles. Alberto não gostava nem de ouvir as sugestões de uma mulher, menos ainda de receber ordens dela. Elana achava que seu filho tinha que ser bem-sucedido e não gostava que ele andasse com pessoas que tiravam notas abaixo da média na escola e nem sequer se importavam com isso. 

Lola quase gritara para eles que não concordava com nada daquilo e que fora criada de um jeito totalmente diferente. Com certeza eles odiavam a garota. Felipe não sabia o que fazer. 

— Só um aviso, garoto — Alberto levantou o dedo — todo mundo aqui concorda que essa menina não é a ideal para você, mas ela é parente dos Monteiro e eu preciso fechar um negócio com eles. Você vai conseguir e depois terminar com essa garota. 

Não gostar de Maria de Lourdes era uma coisa. Exigir que ele usasse o relacionamento para obter vantagens para a empreiteira e, após isso, obriga-lo a terminar o relacionamento — mesmo que fosse um relacionamento de fachada — era outra. Não iria concordar com aquilo. Seus pais queriam decidir seu futuro, quem eram seus amigos e até com quem ele iria namorar e os motivos. Ele não podia permitir aquilo. 

— Você não pode me pedir pra fazer isso — ele disse. 

— Não é um pedido. É uma ordem! — Alberto gritou para ele. 

— Uma ordem que eu não vou cumprir — Felipe contestou. 

Ele viu o rosto de seu pai ficar incrivelmente vermelho. Sua mãe olhava com súplica nos olhos. Enquanto pai e filho se encaravam, a mulher não resistiu. 

— Ah, querido — ela começou —, você tem que se cercar de pessoas que queiram alguma coisa. Que queiram algo do futuro. Não alguém como essa menina — ela disse, achando que o maior problema de todos era Alberto querer o fim do relacionamento. 

— Alguém como essa menina? — Felipe repetiu incrédulo. 

— É! Ela não quer nem fazer faculdade, Felipe! — Elana falou, em um tom mais agudo que o seu. 

— Vocês são inacreditáveis — foi tudo o que Felipe disse antes de subir as escadas para seu quarto.  

Estava começando a gostar de Lola e não queria afastá-la assim. Além do mais, ele estava cansado de cumprir todas as ordens de Alberto. Dessa vez, pelo menos dessa vez, ele iria contrariar o próprio pai. 


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