Ovelhas Negras escrita por Bianca Vivas


Capítulo 5
Lola é um mistério a ser desvendado




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Felipe

Ele pegou o casaco. Nem estava fazendo frio. Era mais por hábito. Quando já estava na porta, lembrou-se de avisar ao pai que estava saindo. Gritou, dali mesmo, algo sobre ir à casa de Maria de Lourdes. Não ouviu a resposta, porém sabia que Alberto não o impediria.

O pai de Felipe estava mais feliz desde que descobrira a existência da namorada do filho. Ele só não sabia que era tudo uma grande mentira. E era melhor que não soubesse mesmo. Felipe pressentia isso. Alberto não gostava de ser enganado. Ainda mais por uma garota — ele não admitia que mulheres fossem mais inteligentes que ele ⸺ e com a ajuda de seu próprio filho.

A confusão estaria armada caso Alberto desconfiasse do que realmente estava acontecendo.

Era para manter as aparências que Felipe estava indo à casa de Lola. Seu pai pedira, ou melhor, exigira conhecer oficialmente a garota. Felipe enrolou durante toda a manhã, na escola, e o resto do dia também. Contudo, uma hora teria que dizer isso à Maria de Lourdes. Conhecendo a menina, seria melhor antes.

Estava andando pelas ruas da cidadezinha, já deserta àquela hora, quando percebeu que não sabia direito para onde ia. Ao ligar para Gabriel, para descobrir, ele explicou de um jeito bastante complicado e confuso. Lara nem sabia e Juno se recusava a falar. Os outros colegas não faziam ideia de onde Lola morava. O que era bem estranho, já que viviam numa cidade pequena.

Quando chegou à praça do centro da cidade, teve certeza de que havia tomado o caminho errado. Na explicação maluca de Gabriel, em nenhum momento ele acabaria ali. Já se dando por vencido, Felipe ligou para Lola. Já que ela era a única que sabia onde morava, então nada mais justo que fosse ela a lhe dar essa informação.

— Pra quê você quer saber isso? — Lola perguntou, desconfiada, do outro lado da linha, após passar o endereço.

— Pra nada não. — Ele desligou o celular, imediatamente, para não precisar responder.

Com o endereço em mãos, percebeu que não estava muito distante do destino. Gabriel que havia explicado tudo da maneira mais difícil e longa. A praça era uma forma de cortar caminho que, por acaso, ele utilizou. Bastava atravessar a rua, descer uma ladeirinha e virar à direita. Pronto. Estaria na rua da casa de Lola.

E lá estava ele. Na esquina da casa dela. Às sete da noite. Parado. Sem coragem de prosseguir. O que iria fazer ali, naquela noite, era muito sério. Mesmo que aquele não fosse um relacionamento de verdade. Felipe nunca antes levara uma garota para conhecer seu pai. Se Lola aceitasse, seria a primeira vez.

Estranhamente, ele se viu desejando que ela aceitasse, apesar da raiva que ainda sentia.

Criou coragem e caminhou em direção ao sobrado azul. Tocou a campainha e esperou alguns minutos. Da varanda, surgiu uma mulher. Pele negra, rosto fino. Fazia Felipe se sentir ainda menor, ali embaixo.

— Quem é você? — A mulher perguntou, em um tom alto. Algo no modo como ela falou fez Felipe se lembrar de Lola.

— Felipe. Um amigo de Lola — ele gritou de volta.

A mulher ficou em silêncio, observando-o. Felipe sentia o olhar dela sendo cravado em cada parte de seu corpo. Por fim, ela entrou. Felipe pensou, por um momento, que sua entrada havia sido negada, mas ouviu a porta ser aberta e a mulher falar baixinho e em modo de aviso:

— Não demore com ela.

Felipe assentiu com a cabeça e entrou. A mulher passou a sua frente, para lhe mostrar onde Lola estava. Ela parou em frente a uma porta de madeira, um pouco arranhada. Lá de dentro saiam sons meio estranhos, de alguma banda de rock alternativo norte-americana. A mulher começou a bater na porta o mais forte que podia.

— Abra a porcaria dessa porta, Maria de Lourdes! Abra! Agora! — Ela gritava, tentando soar mais alto que a música.

A música ficou imediatamente mais alta. Contudo, pressentindo algo, Lola desligou subitamente o som. Felipe ouviu alguns barulhos, como se algo estivesse caindo dentro do quarto, e logo depois a porta se abriu. Apareceu por ela uma Lola com as tranças desgrenhadas, roupas amassadas e meias de gatinho nos pés.

— Você entra. — A menina apontou para Felipe. — Você sai. — Apontou para a mulher.

A mulher encarou Lola por poucos segundos e deu as costas para os dois. Lola bateu a porta do quarto assim que Felipe entrou.

— Quem é ela? — Felipe perguntou, observando a bagunça do quarto. Cobertas emboladas sobre a cama, roupas atiradas ao chão, uma lixeira mais que lotada de papéis e vários livros espalhados.

— Minha mãe — Lola respondeu naturalmente, tirando algumas coisas do chão e jogando dentro do guarda-roupa.

— E você a trata desse jeito? — Felipe estava espantado. Sua raiva da garota estava prestes a crescer.

— Ela merece. — Lola pôs um ponto final na história. — Então, o que você quer? — Ela olhou para ele, de braços cruzados.

Felipe corou um pouco e abaixou a cabeça. Em seguida, sentou na beirada da cama de Lola. Era ele quem deveria dizer umas verdades para a garota e trata-la de forma bruta, não o contrário. O que estava acontecendo?

— Não sabia que você gostava desse tipo de música. — Ele pegou um CD que estava ao seu lado, jogado, e ficou girando entre os dedos, tentando se distrair.

— The Pretty Reckless — anunciou. — Não gosto muito. Mas irrita a mamãe, então eu ouço bastante.

Ela estendeu o braço e Felipe lhe entregou o objeto. Ela guardou o CD na capa e voltou a lhe perguntar:

— O que veio fazer aqui?

— Eu não vou poder fugir do assunto, não é? — Lola assentiu e então ele começou a falar: — Meu pai acreditou em tudo o que você... O que a gente disse e adorou saber que tenho uma namorada...

— E? — Ela o incentivou a continuar.

— E ele quer conhecer você oficialmente. Como era antigamente. — Quando terminou, estava vermelho e segurando a fronha da cama com muita força. Era uma mistura de nervosismo e ódio.

— Como era antigamente? — Lola levantou uma sobrancelha e suspirou. — Como é que é isso?

— Com um jantar. Um jantar oficial.

Lola olhou para Felipe e começou a rir. Felipe, porém, continuou sério.

— Espere. Espere. Espere. Isso é sério? — Felipe fez um sinal de afirmação com a cabeça. — Mas nós nem estamos namorando de verdade! — Ela quase gritou.

— Só que meu pai acha que sim e, se quisermos manter as aparências, vamos ter que fazer isso.

Felipe tentava parecer calmo, todavia, estava uma pilha. Ao mesmo tempo que queria Lola longe da vida dele, queria que ela aceitasse. Queria mostrar ao pai que era capaz de ter uma garota bonita ao seu lado. Porém, não podia forçá-la a ir.

⸺ Sim! Porque você disse isso a ele! ⸺ Dessa vez, ela gritou.

⸺ Porque você começou a inventar mentiras que não conseguia sustentar! ⸺ Ele gritou de volta.

Felipe estava decidido a não deixar Lola jogar a culpa daquela confusão nele.

— É o seguinte ⸺ ela começou ⸺ eu não vou conhecer os seus pais. Sem chances. — Ela andou até a porta, ficando de costas para ele. — Diga ao seu pai que terminamos ou qualquer outra coisa, mas isso não vai rolar. É a minha palavra final.

Felipe levantou e foi até ela. Ele precisava que ela fosse e teria de convencê-la a ir, pelo visto. O faria, então.

— Se eu disser ao meu pai que terminamos, ele vai desconfiar. Vai vir aqui tirar satisfações e logo vai descobrir o que aconteceu naquela noite — ele disse, colocando uma mão no ombro de Lola. — Vamos, vai ser divertido.

Ele sentiu Lola suspirando e hesitando. Ela não arriscaria ser descoberta. Perigoso demais, na cabeça dela. E pelo que ele tinha percebido, ou pelo menos queria acreditar que tinha percebido, ela também queria protegê-lo.

Lola se virou e olhou para ele, abaixou a cabeça e respondeu:

— Tudo bem. Por você.

— Então vamos manter o namoro de fachada? — Ele perguntou, só para confirmar. Ela disse sim.

Felipe sorriu. Ele deveria ir embora agora, mas queria aproveitar um pouco a companhia de Lola. Precisava saber um pouco mais sobre a garota que agora era sua namorada, ou seu pai iria desconfiar do esquema deles.

O menino sentou na cama dela de novo e começou a mexer na escrivaninha. Achou alguns caderninhos e levantou-os para que ela visse.

— Meus diários — ela disse. — Escrevo desde os sete anos. É bom para relaxar.

— Não sabia que gostava de escrever... — observou, colocando os cadernos de volta no lugar.

— E de ler. E de desenhar. E de cantar — ela anunciou sorrindo — e de tudo que é arte. — Ela girou pelo quarto como uma menininha. Felipe nunca tinha visto Maria de Lourdes ser tão espontânea e duvidava que ela mesma já se vira desse jeito.

— Você é estranha.

Ela riu para ele e esticou o braço. Ele segurou sua mão. Porém, ao invés de levantar e girar com ela, Felipe a puxou para a cama. Maria caiu ao seu lado e o observou. Estava sorrindo e sonhando acordada. Felipe queria muito ler seus pensamentos naquele momento. E queria dizer isso a ela também.

— Você é muito estranha — Felipe repetiu, aproximando seu rosto do dela.

— Não sou conhecida por ser normal.

Enquanto Lola sorria, Felipe segurou sua mão e se aproximou mais ainda dela.

Ele a beijou.

Mal seus lábios se tocaram e Lola o empurrou.

— O que você pensa que está fazendo?! — Ela gritou. A Maria de Lourdes de segundos atrás havia desaparecido.

— B-bem... Eu pensei... — Felipe gaguejou. Não sabia como explicaria aquilo.

— Isso aqui é só fachada, ok? Uma fachada que você inventou. — Ela falou, levantando da cama. — Nada de beijos, de programas de casais e outras coisas. Andar de mãos dadas, abraçar e dar beijinho no rosto? Só na frente dos seus pais. E por tempo limitado. Entendeu?

Felipe tentou abrir a boca e falar, mas sua voz não saia. Seu rosto estava todo vermelho. Agora que o calor do momento passara, ele se sentia envergonhado. Lola nunca tinha dado sinais de querer algo com ele, e ele também não queria nada com ela.  Não deveria ter feito aquilo. Não deveria.

— Entendeu? — Lola repetiu, para ter certeza de que ele ouviu.

— Sim — respondeu baixinho e de cabeça baixa.

— Ótimo. — Lola caminhou até a porta e abriu-a. — Vá pra casa. Agora. Te vejo na escola, amanhã.

Felipe assentiu mais uma vez e levantou da cama. Saiu do quarto e ouviu Lola colocar o CD barulhento para tocar de novo. Não demorou muito e tudo o que ouvia era a música da banda que ela não gostava muito, mas ouvia bastante. Ela estava com raiva.

Ele foi andando para a frente da casa. Não estava feliz com o que tinha feito e Lola tinha todo o direito de agir daquela maneira. Talvez, se tivesse se segurado, ainda estaria conversando com ela. Estava tendo a sensação, dentro daquele quarto, que pela primeira vez entrava em contato com a Lola de verdade, não aquela inalcançável que todos viam diariamente e de quem ele não gostava nenhum pouco.

— Eu te avisei para não demorar com ela — disse a mãe de Lola.

Ela estava sentada no sofá da sala de braços cruzados. Encarava a parede branca a sua frente e parecia estar esperando por ele. Felipe lhe lançou um sorriso triste e ela revirou os olhos.

— Me poupe. — Levantou do sofá e foi em direção ao cômodo da frente. — A porta está destrancada.

Felipe assentiu sem dizer nada. Apenas desceu as escadas, abriu a porta e saiu o mais rápido possível da rua de Lola. Enquanto virava a esquina, sentia os olhos da mãe de sua falsa namorada cravados em suas costas. Ela deveria querer saber quem era ele.

Será que Lola recebia a visita de muitos garotos? Ou será que era a primeira vez? Ele se fazia essas perguntas e ia percebendo que não sabia nada sobre ela. Estranhamente, percebeu que queria descobrir. Ela era um mistério a ser desvendado.


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