Ovelhas Negras escrita por Bianca Vivas


Capítulo 20
Eu fui o arqueiro, eu fui a caça




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Felipe

As notas ecoavam pelo quarto. Não faziam o menor sentido. Eram apenas um bando de notas aleatórias que não formavam música nenhuma. Toda vez que Felipe tentava tocar uma melodia, ele errava ou simplesmente desafinava. Decidiu então permanecer naquela bagunça de sons. Pelo menos se parecia com sua cabeça. Uma confusão sem tamanho.

Desde aquele dia, na boate, ele não tinha um único pensamento coerente. Tanta coisa vinha acontecendo. Às vezes, tinha a impressão de que sua cabeça poderia explodir. Vinha tomando tantas atitudes sem nenhum sentido. Agarrando Luan no banheiro masculino, tratando Lola mal e em seguida ignorando-a o tempo todo. No que ele estava pensando quando fez aquilo?

Se bem que Lola era a culpada de tudo. Talvez Maria de Lourdes merecesse seu desprezo. Ela o havia obrigado a sair com Luan naquela noite. Ela queria que os dois ficassem amiguinhos, porque ela era amiga de Luan. Mesmo assim, Felipe não se sentia bem. Sabia que Lola estava sofrendo e não gostava de vê-la sofrer. De algum jeito que não entendia, Felipe gostava muito daquela menina. Era completa e totalmente apaixonado por ela.

— Posso entrar? — Alguém perguntou.

Felipe levantou a cabeça e parou de tocar o violão. Viu seu melhor amigo parado na porta do quarto, metade do corpo dentro, metade fora. Tinha um sorriso amarelado no rosto e Felipe entendia o motivo. A relação deles não estava das melhores nesses últimos dias. Apesar de se falarem, não estavam conversando muito. A única pessoa para quem Felipe tinha sequer conseguido contar o que estava acontecendo foi o professor Álvarez. Aind assim, revelou-lhe apenas pequenas partes da trama que o cercava nos últimos dias.

— Já tá dentro — ele respondeu suspirando e tentando sorrir de volta, contudo pareceu mais um esgar.

Gabriel entrou e sentou de frente para o amigo, no chão. Segurou as pernas entre as mãos e permaneceu calado, olhando para Felipe.

— Então... — Felipe começou dizendo. Sabia que devia alguma explicação para seu melhor amigo.

— Então — Gabriel repetiu, esperando Felipe continuar.

— Eu não sei, Gabriel. Eu não sei... — Felipe suspirou e pousou o violão ao seu lado. — Eu não sei de mais nada, Gabriel.

Gabriel riu um pouco. Felipe franziu o cenho indignado.

— Estou falando sério!

— Tudo bem — disse Gabriel, parando de rir. — Já que você não sabe de nada, vou te dar umas dicas: Você. Luan. Banheiro.

Felipe suspirou. Sabia que uma hora ou outra chegariam naquele assunto. Esperava que, antes disso, Gabriel pudesse ajudá-lo a entender os próprios sentimentos. Queria desabafar sobre como estava confuso. Falar sobre tudo o que estava passando, todas aquelas sensações e sentimentos novos e dos quais ele tinha medo. Não apenas medo, como também vergonha.

— Ah, claro, o beijo — Felipe comentou displicente.

— O beijo? — Gabriel voltou a rir. — Você fala como se fosse um beijinho inocente de criança!

O garoto ficou completamente vermelho. Só de lembrar-se daquela cena no banheiro, ele sentia vergonha. Nem acreditava que tinha beijado um garoto. Duas vezes. E pior: ele queria e gostou! Especialmente no banheiro. Queria beijar Luan com todas as suas forças naquele banheiro. E não conseguia entender o motivo de jeito nenhum. Ele não podia gostar de garotos, podia? Afinal, era apaixonado por Lola.

— Não era minha intenção — Felipe falou tão baixo que quase não deu para ouvir. — Você sabe que sou apaixonado pela maluca da Lola.

— É, eu sei — Gabriel assentiu. — Por isso não tô entendendo nada.

— Eu gosto da Lola. Sou apaixonado por ela. Mas eu senti vontade de beijar Luan. Na verdade, toda vez que olho pra ele, sinto vontade de beijá-lo. — Felipe colocou a cabeça entre as mãos. — Isso é muito estranho?

— Sinceramente? Para a maior parte das pessoas que a gente conhece, é a coisa mais doida que existe — disse Gabriel, deixando Felipe aflito. — Mas, cara, você é meu melhor amigo, meu irmão. Eu tô aqui pra você. Você gostando de meninas, de meninos ou dos dois. Não importa o que os idiotas que a gente conhece digam.

— Valeu — foi tudo o que Felipe conseguiu dizer antes de abraçar Gabriel.

De alguma forma, ouvir aquilo de Gabriel o deixou melhor. Era como se estivesse um pouco mais livre para sentir todas aquelas coisas. Ele não precisaria enfrentar tudo aquilo sozinho. Ainda tinha seu melhor amigo para apoiá-lo.

— Eu não acredito que você ainda tem coragem de abraçar esse cara!

Felipe ouviu a voz fina e estridente antes de ver o seu rosto. Ao ouvir o tom de nojo e desprezo que ela usara para proferir a frase, Felipe finalmente entendeu porque Lola detestava tanto aquela garota. Ele soltou Gabriel apenas para olhar nos olhos incrivelmente negros de Lara.

— Qual o problema? — Felipe perguntou. Não se sentia tão agressivo desde o dia em que dissera aquelas coisas horríveis para Lola.

Felipe viu o olhar da menina vacilar. Lara olhou para o irmão, em busca de apoio. Uma ajuda que não chegou. Então, ela apenas disse:

— Isso é nojento. — E desceu as escadas correndo.

Felipe olhou para Gabriel prestes a perguntar o que exatamente a irmã dele estava fazendo ali. Não precisou, entretanto, dizer nada. Gabriel deu de ombros assim que viu o olhar do amigo. Felipe suspirou e desceu as escadas atrás de Lara. Queria saber o que ela iria fazer. Gabriel o seguiu.

Ao chegarem ao andar de baixo, os dois deram de cara com os pais de Gabriel e os pais de Felipe tendo uma conversa animada. Lara estava sentada num dos sofás e lançava olhares ressentidos para o irmão. Felipe revirou os olhos. Não estava com paciência para aquilo. Já tinha coisas demais na sua cabeça.

— Ah, aí estão vocês dois. — Elana bateu uma mão na outra, com um sorriso no rosto. — Os pais de Gabriel apareceram aqui atrás dele e eu os convidei para jantar — ela explicou para o filho. — Vamos para a outra sala?

A outra sala era a de jantar. Eles tinham uma mesa grande lá e sua mãe adorava usá-la. Todos foram se dirigindo para o cômodo e tudo o que Felipe conseguia fazer era suspirar. Não sabia se ia aguentar todos os possíveis olhares de reprovação, desprezo e nojo de Lara para ele. Com quase toda certeza a resposta seria não.

— Se você continuar próximo do meu irmão, eu conto seu segredinho pra escola toda — ela cantarolou para que apenas ele pudesse ouvir quando os dois se cruzaram a caminho da sala de jantar.

Felipe revirou os olhos e só respirou novamente quando viu Lara entrando no carro e distanciando-se de sua casa. Durante todo o jantar, ela lhe jogou indiretas e perguntou várias vezes o que seu pai achava sobre homossexualidade. Como se ele fosse gay! E mesmo que fosse, ela não tinha o direito de importuná-lo daquele jeito! Estava aprendendo a odiar a irmã gêmea de seu melhor amigo. E num tempo demasiadamente curto.

Agradeceu aos céus quando os pais de Lara decidiram que estava na hora de ir. Pelo menos agora estava livre da horrível presença da menina. Quando foram se despedir, Gabriel até pediu desculpas pelo comportamento da irmã. Felipe assentiu, mas porque sabia que não era culpa dele as atitudes de Lara.

Felipe usou o resto do final de semana para voltar a sua rotina de sofrimento. Não comia direito, não estudava, não conversava muito com os amigos. Tudo o que fazia era tirar notas aleatórias no violão e pensar em Lola e em Luan. Ele tentava descobrir quando sua vida acabara se tornando aquela confusão. Gostava de culpar Lola. Não sabia o motivo, mas lhe parecia apropriado.

Culpar Lola, entretanto, não o fazia gostar menos dela. Ou parar de se culpar pelo que dissera a ela. Na verdade, esses sentimentos apenas aumentavam. Era bem estranho. Às vezes, ele sentia um impulso enorme de ligar para Maria de Lourdes. Para pedir desculpas e tentar ajeitar as coisas entre eles. Porém, sempre que isso acontecia, Felipe também era inundado com as lembranças do que havia acontecido no banheiro e de como havia se sentido confuso quando ela o beijou na escola nesse mesmo dia. Precisava de um tempo só para si. Precisava pensar sobre tudo o que estava acontecendo. E, mais importante: se afastar de Maria de Lourdes.

Talvez a confusão que estava sua mente se fosse junto com ela. 

 


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