Ovelhas Negras escrita por Bianca Vivas


Capítulo 19
Um amontoado de pedaços de papel no chão




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Maria de Lourdes

— Felipe! Felipe! Volta aqui! — Lola saiu gritando atrás dele, contudo, o menino se misturou à multidão de alunos que abarrotava os corredores do colégio.

Sentiu as lágrimas queimarem seus olhos. Por mais que tentasse segurá-las, elas teimavam em cair. O gosto salgado salpicou seus lábios e ela cerrou os olhos. Ainda assim, elas grudavam nos cílios e continuavam a escorrer pelas bochechas. Alguns alunos passavam, olhando-a com curiosidade. Outros voltavam seu caminho e a encaravam descaradamente, sem acreditar que Maria de Lourdes estava chorando em público.

Ao perceber os olhares, ela sentiu algo dentro de si queimar. Uma sensação de raiva misturada com vergonha e orgulho ferido foi apoderando-se dela. Era tão forte que a sensação de náusea voltou. Junto, vinha uma vontade de gritar, berrar, bater em alguém. Todos esses sentimentos chegavam até ela em ondas e se misturavam. Lola não estava aguentando mais.

Passou a mão pelos olhos, limpando as lágrimas e, num impulso, saiu correndo. Não via para onde ia. Seus pés apenas a levavam cegamente para o lugar mais longe dali. Maria de Lourdes ainda sentia as lágrimas descendo pelos seus olhos. Elas embaçavam sua visão. Só percebeu onde estava quando escorregou para a grama no parque infantil da escola.

Ali, na solidão da parte infantil do seu colégio, ela desabou ainda mais. Chorava alto e sentia seu peito subir e descer. Não sabia o que estava acontecendo consigo. Sua mente estava uma confusão. Não sabia por que estava tão abalada com aquilo. Normalmente ela apenas daria de ombros e seguiria em frente. Afinal, não era isso que ela sempre quisera? Desde o início, não queria acabar com aquela palhaçada de namoro falso e todos os perigos que aquilo trazia? Especialmente depois de descobrir que o pai de Luan conhecia o pai de Felipe? Não estava mais se entendendo.

Não conseguia mais ser indiferente com Felipe. Quando isso havia acontecido? Deve ter sido quando percebeu que já havia perdido sua melhor amiga. Não queria perdê-lo também, talvez.

Aquele garoto foi o primeiro que a viu através de todos os seus defeitos, de toda aquela pose de menina independente. E ele gostou do que viu. Gostou até dos defeitos horrorosos que ela tinha. Desde Eric. Ou foi o que Gabriel a fez acreditar com aquela conversar boba, e mentirosa de que Felipe estava apaixonado por ela.

Provavelmente ela estava assim por conta disso. Talvez porque ninguém se apaixonara por ela desde Eric... Talvez, ela finalmente tivesse percebido que poderia ser amada e isso foi-lhe tirado. Talvez ela estivesse sendo apenas egoísta.

Ver Felipe saindo por aquela porta foi como perder parte de si — porque ela sabia, com absoluta certeza, que ele jamais voltaria a olhar na cara dela. Felipe foi embora com sua melhor parte. Do mesmo jeito que seu pai fora. Do mesmo jeito que Eric foi, quando ela teve que deixá-lo.

Será que era por isso, também, que ela se importava tanto? Por que criou uma expectativa inexistente que foi quebrada minutos depois de criada?

Claro que ela sempre teria Luan, porém seu relacionamento com Luan era diferente. Eles eram iguais. Felipe não a tornava melhor, apenas acentuava suas melhores partes. Luan a ajudava a brilhar, mas não era um brilho do qual ela se orgulhava. Era a parte dela que não se orgulhava mais. Lola chorou mais ainda.

— Você esqueceu lá em cima.

Ela olhou para cima para ver quem estava falando. Entretanto, antes que enxergasse o rosto de seu interlocutor, viu uma mochila estendida à sua frente. Era a sua mochila. Uma mão pálida e sem corpo a segurava. Ela puxou a mochila e fechou os olhos. Sua visão estava anuviada devido a todo aquele choro.

Antes de tornar a abri-los, ela sentiu o calor de um corpo que não era o seu. Também sentiu o cheiro do perfume do único amigo que lhe restara. Ela deitou a cabeça no ombro dele, ainda de olhos bem fechados. Luan passou o braço em volta de seu corpo e a puxou para mais perto.

— Ele não merece suas lágrimas — Luan falou, passando a mão pelos fios do cabelo de Lola.

— Eu sei — ela respondeu, com a voz fraca de tanto chorar. — Eu só queria entender o que aconteceu.

— Provavelmente, ele percebeu que não tem chances reais com você e caiu fora. — Luan tentou sorrir. — Sabe aquela história? Machuque antes de ser machucado? Então...

— Talvez... — Lola concordou. —Mas ainda assim, Luan. — As lágrimas voltaram a descer. — Eu não consigo não me sentir vazia sabendo que ele nunca mais vai falar comigo.

— Nossa — disse Luan —, eu nem existo, não é mesmo?

Lola esboçou um sorriso e empurrou Luan. Ele sorriu de volta para ela. Maria de Lourdes nem acreditava que Luan havia conseguido tirar um sorriso dela tão fácil. Ela apenas olhou para ele, observando seus olhos castanhos. Eles ficaram se encarando por alguns segundos. Luan passou a mão pelo rosto dela e afastou uma de suas tranças, jogando-a para trás da orelha.

— Luan... — Lola começou, porém não terminou. O celular da garota tocou e ela puxou a mochila para o colo, para poder pegá-lo. — Droga. É minha mãe! — Ela gritou, quando viu o nome no visor.

Lola voltou a jogar a telefone na mochila e já a estava fechando, quando Luan perguntou:

— Não vai atender?

— Pra quê? Pra ouvir bronca? — Ela perguntou, sem nem sinal da garota chorosa de minutos antes. — Não, obrigada. Eu passo.

— Eu atendo, então.

Luan puxou a mochila do colo da moça e meteu a mão lá dentro. Voltou com um celular que ainda tocava. Ele atendeu ao telefone, sem se importar com as caretas de Lola e as tentativas da garota de recuperar o aparelho.

— Alô? Dona Catarina? — Ele perguntou. — É o Luan. Luan Monteiro. — Ele deu uma pausa e em seguida falou: — Sim, isso, o filho de Antônio Monteiro. Neto da dona Laura. — Outra pausa. Dessa vez mais longa — É... Ela está aqui comigo — ele acrescentou.

Lola fechou a cara. Não podia imaginar o que Luan poderia estar falando com sua mãe.

— Não, ele ainda está viajando — Luan continuava a conversa com Catarina, deixando Maria de Lourdes com mais raiva ainda. — Mas pode deixar que eu tomo conta dela. — Após mais uma longa pausa, Luan riu um pouco. — Você conhece muito bem os Monteiros mesmo. — E desligou o celular.

Devolveu o aparelho para uma Lola de olhos arregalados. A menina agora estava completamente incrédula.

— Como você fez isso? — Ela perguntou, jogando o telefone dentro da mochila.

— Sua mãe é uma velha amiga da família, cara Lolita. — Ele pegou a própria mochila e apertou a bochecha de Lola, se recusando a dizer qualquer outra coisa a mais. — E você vai almoçar comigo — Luan afirmou categoricamente, sem deixar espaços para reclamações.

***

O almoço na casa de Luan foi incrivelmente agradável. Dona Laura era uma senhora muito divertida. Contou várias histórias sobre a infância de Luan e sobre sua própria juventude. Ela falou sobre seus anos de rebeldia e até sobre quando fugiu para os Estados Unidos, para poder participar do Festival de Woodstock.

Ela também falou sobre o pai de Luan. Antônio era tão rebelde quanto Luan, até assumir os negócios da família e ficar completamente chato. E a cada ano, segundo ela, ele piorava. Chegaria uma hora que nem ela própria iria aguentá-lo.

Lola não se lembrava da última vez que havia rido tanto. Dona Laura e Luan quase a fizeram esquecer-se de Felipe. Entretanto, foi só ficar sozinha no seu quarto, que toda a dor voltou. Nem pensava mais em Eric e suas ligações misteriosas. Apenas Felipe importava. O que estava acontecendo com ela?

Ela chorou até dormir. Por sorte, sua mãe estava com um incrível bom humor e em nenhum momento a importunou. Então Lola pôde se esvair em lágrimas em paz.

Na escola, foi ainda mais difícil. Não importava qual lugar da sala ela sentasse, Felipe sempre estava em seu campo de visão. Gabriel, algumas vezes, virava a cabeça para trás e lançava olhares solidários à moça. Porém, a única coisa que não deixava Lola desabar na frente de toda a classe era Lara. Lola não queria deixar que o sorriso presunçoso da menina ficasse ainda maior.

— Acabou o tempo, turma — disse o professor de Literatura na última aula da semana. — Podem deixar a lista em minha mesa e estão liberados.

Lola suspirou. Havia acabado a dela há muito tempo, todavia ficou enrolando, na esperança de ver Felipe saindo cedo também, para tentar falar com ele. Não tivera nenhuma oportunidade durante toda a semana. Ele sempre a evitava. Sem alternativa, ela levantou, segurando sua folha completamente respondida.

— Quero conversar com você depois, Maria de Lourdes — disse o professor, enquanto pegava a atividade dela.

A menina assentiu lentamente. Não fazia ideia sobre o quê o professor queria falar com ela e não se importava. Ultimamente, não estava se importando com muita coisa. Nem sabia porque estava daquele jeito. Era um sentimento completamente novo para ela. A única coisa que poderia fazer era senti-lo, na esperança de que passasse logo. Ou que Felipe voltasse a, pelo menos, falar com ela esporadicamente.

Lola voltou ao seu lugar e se sentou. Apoiou o rosto na mão, enquanto esperava toda a sala entregar as atividades e sair. Alguns ainda se demoraram, observando a garota ainda parada ali. Entretanto, quase ninguém se importava. Já estavam acostumados com algumas coisas esquisitas que Lola fazia, vez ou outra.

Quando a sala ficou vazia, o professor guardou todas as folhas em um classificador. Colocou-o em sua pasta, junto com as cadernetas. Em seguida, saiu de sua mesa e sentou na cadeira ao lado da aluna. Lola o observava atentamente, esperando que ele começasse a falar logo e acabasse com aquilo bem rápido. O professor, contudo, decepcionou-a, ficando calado por alguns minutos.

— Tenho notado que você está mais quieta e cabisbaixa esta semana. — Ele finalmente quebrou o silêncio. — Aconteceu alguma coisa?

— O que poderia ter acontecido? — Ela perguntou de volta, esquiva.

— Tem razão — ele concordou abaixando a cabeça. — Melhor eu ir direto ao ponto. — O professor fitou Lola nos olhos. Ela sustentou o olhar. — Soube que você e Felipe romperam.

Lola franziu o cenho diante da revelação. Abriu a boca para falar alguma coisa, porém a voz não saiu. Ela estava sem palavras. Como seu professor de Literatura sabia de seu namoro falso? E pior: como sabia que tudo tinha chegado ao fim?

— Felipe me contou tudo — disse o professor, como se tivesse lido os pensamentos dela. — E ele está bem chateado com isso tudo.

Ao ouvir aquelas palavras, Lola riu amargamente.

— Ah, ele está chateado? — Ela perguntou ironicamente. De repente, toda a dor que estava sentindo voltou, porém em forma de raiva. Muita raiva. Ela não aguentou mais e levantou, pegando a mochila. — E eu? Como ele acha que eu me senti com o jeito que ele me tratou? Como ele está me tratando? Hein? — Ela gritou, já se dirigindo para a saída. — Ele não faz ideia de como eu estou me sentindo! — Ela sentiu sua voz falhar e cerrou os olhos para impedir qualquer lágrima de descer.

O professor também se levantou e foi até ela. Então, sem dizer nada, ele a abraçou. Lola começou a chorar. Tudo aquilo que sentira no dia em que Felipe parara de falar com ela sem motivo aparente, voltou. Lola não conseguiu segurar seus sentimentos.

— Ele era meu amigo — ela disse por entre o choro. — E eu não queria perdê-lo.

Ela enterrou o rosto no peito do professor. Sabia que aquilo provavelmente deveria ser proibido por alguma das muitas regras da escola, mas não estava pensando direito. Precisava de consolo. Precisava extravasar.

— Quer que eu ligue para sua mãe vir te buscar? — O professor perguntou, meio sem jeito.

— Ela está viajando — Lola mentiu, enxugando as lágrimas e tentando se recompor.

— Seu pai? — Ele tentou novamente.

— Fora de cogitação — a menina respondeu novamente, já saindo da sala de aula e correndo para chorar ainda mais no banheiro feminino.

O professor só pôde ficar olhando enquanto sua aluna mais controversa ia embora. 

 


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