Ovelhas Negras escrita por Bianca Vivas


Capítulo 15
Pontes queimadas




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Maria de Lourdes

Os primeiros raios de sol pintavam o céu com uma cor alaranjada. Não havia nuvens naquele início de manhã. O carro de Luan estacionou na frente da casa de Lola e a menina desceu, segurando os sapatos nas mãos. Ela cambaleava e ria um pouco. Jogava beijos para Luan e fazia biquinho para Felipe, que dormia no banco de trás.

Subiu as escadas se apoiando na parede e levou alguns segundos para conseguir abrir a porta. Ela tentou entrar o mais silenciosamente possível. Foi andando nas pontas dos pés até o quarto. Abriu a porta e entrou. As luzes estavam desligadas e as cortinas, fechadas. Nenhuma luz entrava no cômodo. Ela abaixou-se para deixar os sapatos no chão. Quando se virou, ouviu uma voz.

— Isso são horas? — Ela ligou a luz e viu a mãe sentada na sua cama, de braços cruzados. As feições severas que ela nunca tinha visto em dezessete anos de vida agora apareciam no rosto de Catarina.

Lola fechou os olhos, se preparando para a bronca.

— Olha mãe, o trabalho era bem... Ele era realmente complicado e...

— Eu não quero saber! — Catarina gritou, se levantou e avançou para a filha. — Você está de castigo! Sabe o que significa isso?

— Considerando que você nunca tinha me colocado de castigo antes... — Lola começou, contudo Catarina a interrompeu:

— Cala a boca! — Então ela encostou mais perto de Lola. — Isso é cheiro de bebida, Maria de Lourdes? — Lola ficou quieta, então Catarina voltou a gritar: — Responda! Eu te fiz uma pergunta!

— Pensei que tinha me mandado calar a boca. — A menina abafou um risinho.

— Sem gracinhas! Eu estou cheia delas! — A mãe gritou de novo, dando as costas para a filha. — Então responda a minha pergunta.

— Desde quando você se importa se eu fumo, ou bebo ou chego tarde em casa? — Lola tentou desviar do assunto. Normalmente funcionava.

— Talvez se eu me importasse você não me envergonharia tanto na frente dos outros! — Catarina deu um tapa no criado mudo de Lola, fazendo um estrondoso barulho pelo quarto. — Ainda mais na frente dos pais de Lara e Gabriel Carvalho!

Lola olhou para ela sem acreditar que era realmente a sua mãe. Catarina não era assim. Reclamava quando Lola fazia algo e a reprimia, porém, aquilo já era demais. Aquela não era sua mãe.

Menina e mulher se encaravam. Lola claramente tentando ver até onde aquilo chegaria. Catarina respirava fundo, de olhos fechados, tentando se acalmar.

— Vai ficar mais uma semana de castigo — anunciou, já se preparando para sair do quarto.

— O quê? — Lola gritou, indignada. A menina então começou a rir e atirou para Catarina: — É sobre isso que se trata, não é? Sobre o que os outros vão pensar sobre você quando me virem!

Lola gritava, sem nem pensar no que falava. Estava com raiva porque sua mãe, sem nenhuma explicação, resolvera agir como todas as outras mães: deixando seus filhos de castigo quando eles faziam algo errado. Brigar, dar broncas e reclamar porque Lola era tudo aquilo que ela não gostaria que fosse eram atitudes típicas de Catarina. Colocar de castigo, não. Ou, pior, exigir o cumprimento do castigo.

— Mais duas semanas de castigo. — Dava para perceber que Catarina imprimia grande esforço para deixar a voz num tom controlado.

Os punhos da mulher haviam fechado enquanto ela dava sua sentença. Talvez para se impedir de bater na filha.

Quando ela saiu, fez questão de bater a porta atrás de si, sem dizer mais nada.

Maria de Lourdes soltou um grito de raiva dentro do quarto e jogou-se na cama. Não conseguia acreditar naquilo que estava acontecendo. Sua vida havia se transformado num pesadelo pior do que era antes. Para piorar, não existiam príncipes em cavalos brancos vindo resgatá-la. Não havia Eric vindo protegê-la dos surtos de sua mãe ou de suas próprias decisões ruins.

Quer dizer, até havia, mas ela havia jurado para si mesma que não o envolveria mais em seus problemas ou em sua vida. Ela não arruinaria o futuro de Eric.

A menina adormeceu pensando nisso.

Quando acordou, era quase meio dia. A primeira coisa que fez foi pegar o celular. Ela passou o dedo pela tela. Várias mensagens de Luan, a maior parte em forma de áudios que ela nunca ouviria — e que ele provavelmente não se lembrava de ter gravado. Os grupos não paravam, como sempre. Todavia, para sua surpresa, havia uma mensagem de Felipe. Ela abriu imediatamente a conversa.

"Vem almoçar comigo hoje? ", era tudo o que o dizia. Lola se viu sorrindo para a tela gelada do celular. O convite de Felipe era tudo o que ela precisava para sair de casa e irritar a mãe, como estava pensando em fazer desde o momento da briga. Então, ela digitou um "claro" bem rápido e abriu o guarda-roupa para se vestir.

A melhor parte de almoçar com Felipe, entretanto, seria não ter que aturar sua mãe o resto do dia. Era nisso que ela pensava enquanto saía do quarto com a sua bolsa favorita a tiracolo. Todavia, Catarina ouviu a porta do quarto da garota abrir e saiu para ver o que era.

— Aonde pensa que vai? — Ela perguntou, quando viu a filha toda arrumada.

— Almoçar com Felipe — Lola respondeu de má vontade.

— Quem é Felipe? — Catarina não obteve resposta. Lola não queria perder tempo explicando à mãe a situação completa. — Ah, não importa. Você não vai.

— Por que não? — Ela fingiu espanto com a negativa.

— Porque, caso a senhorita tenha esquecido, está de castigo pelas próximas duas semanas — Catarina teve o discurso interrompido pela buzina teimosa de um carro. — Quem é? — Ela perguntou, olhando para Lola.

— Felipe — a menina respondeu e abriu a porta de casa. — Tchau! — Ela gritou, já descendo as escadas.

— Ei! Aonde você pensa que vai? Você está de castigo, Maria de Lourdes! — Catarina ia gritando atrás dela, mas a menina fingia não ouvir.

Quando alcançou o carro dos pais de Felipe, sua mãe desistiu. Lola cumprimentou os falsos sogros e, ao olhar melhor para o banco traseiro do carro, viu Gabriel. Ele era o melhor amigo de Felipe. Era um menino, pelo que diziam, engraçado. Lola se perguntava se a fama era realmente devida ao senso de humor do garoto ou ao cabelo que fazia uma franjinha ridícula e enrolava na testa, contrastando com a pinta que ele tinha no queixo.

Os dois foram oficialmente apresentados — apesar de estudarem na mesma sala, nunca tinham se falado direito — e Lola decidiu que gostava dele, apesar de toda a aparência de nerd. Gabriel era educado e gentil, e em nenhum momento olhou feio para Lola por causa de sua blusa de oncinha que mostrava mais pele do que deveria.

Quando chegaram à casa de Felipe, Elana os conduziu para a sala de jantar, a mesma que Lola conheceu em sua desastrosa visita. A família possuía uma empregada doméstica, porque foi ela quem serviu o almoço. Dessa vez, para a alegria de Lola e sorte de Felipe, o assunto não girou em torno da garota. Ou quase.

— Fiquei sabendo que sua irmã foi suspensa na escola — comentou Elana, em tom informal, com Gabriel. — Por brigar com outra aluna.

Lola quase engasgou com o suco ao ouvir a menção ao ocorrido. Olhou para Felipe. Ele estava pálido. Todavia, Gabriel continuava com o humor de sempre.

— Ah, foi — ele respondeu, como se aquilo não fosse nada. — Acho que foi ciúme ou algo do tipo. Mamãe ficou furiosa.

— E com razão — disse o pai de Felipe. — Manchar todo o histórico escolar por uma bobagem dessas!

— Pois é. Papai foi à escola tentar reverter a situação, mas a diretora estava irredutível.

Enquanto ouvia a conversa, Lola não conseguiu evitar sorrir um pouquinho. Apesar de sempre receber broncas da diretora do colégio, Lola sentia certa simpatia pela mulher. Agora, gostava ainda mais dela, já que sabia o quão incorruptível era. A mãe e o pai de Felipe, entretanto, reclamaram da injustiça do que haviam feito com Lara. Compararam a situação com o tempo em que eram estudantes, mudando logo de assunto.

Por sorte, Lola pôde passar o almoço todo calada. Gabriel sempre tinha algo para conversar com os pais do melhor amigo, poupando a menina de ter que responder alguma pergunta constrangedora ou pessoal e ser julgada por isso. A refeição, assim, foi bem mais tranquila que aquele desastroso jantar feito para Lola conhecer Elana e Alberto Alcântara.

Quando terminaram de comer, os três adolescentes subiram as escadas que levavam ao andar superior e foram para o quarto de Felipe. Lola o achou muito organizado. Completamente diferente do dela, que era uma bagunça completa. No quarto de Felipe, tudo estava em seu devido lugar. Exceto um violão, jogado displicentemente na cama.

— Aquilo é um violão? — Ela perguntou animada, correndo para percorrer os dedos pela madeira do instrumento. — Você toca?

— Estou aprendendo — Felipe respondeu envergonhado, pegando o violão e o guardando.

— Aprendendo há quantos anos? Cinco? Seis? — Gabriel riu. — Ele manda super bem, Lola — o menino acrescentou.

— Sério? Você poderia tocar...

— Está desafinado — Felipe cortou. Lola franziu o cenho.

— Então, o que vamos fazer? — Ela sentou na cama de Felipe.

O menino apenas deu de ombros. Gabriel hesitou. Lola achou a atitude de Felipe bem estranha. Parecia que algo havia acontecido. Ele estava todo estranho. Ela foi até Felipe e começou a mexer em seu cabelo, ajeitando a parte da frente.

— E se a gente fosse dar uma volta por aí? — Ela perguntou sorrindo.

— Eu apoio — Gabriel gritou atrás dos dois.

Felipe assentiu e os três desceram as escadas. O menino gritou um aviso para a mãe, que nada disse. Depois do almoço, o sol ainda estava quente. Brilhava com toda sua intensidade. Uma brisa movimentava as folhas das árvores e fazia as tranças de Lola voarem. Contudo, ela não era suficiente para fazer o calor ceder.

Encontraram uma pracinha pelo caminho. Estava deserta. Sentaram ali, à sombra de uma árvore. Como não tinham nada para fazer, ficaram conversando. Logo, porém, surgiu o tédio.

— Por que a gente não chama o Luan? — Perguntou Lola, do nada. — Ele sempre transforma tudo numa festa!

— Por mim — Gabriel deu de ombros, ele mexia no celular e nem prestava atenção no que Lola falava. Contudo, o mesmo não se podia dizer de Felipe.

— Acho melhor não — falou o menino. — Luan não é muito meu amigo e nem de Gabriel — ele tentou se justificar.

— Mas ele é meu amigo. — Lola estava achando a reação de Felipe muito estranha.

Os dois haviam se dado tão bem na noite anterior. Tudo bem que Luan vivia implicando com Felipe, mas era o jeito do rapaz. Não era porque se desgostavam. Além do mais, ela havia usado Felipe para irritar Luan, então era compreensível um pouquinho de confusão. Ainda assim, a noite havia sido divertida. E agora Felipe tinha essa reação, totalmente fria frente a menção de Luan, como se nunca mais quisesse ver o colega.

— Então vai ficar com ele! — Ele quase gritou. Estava vermelho e havia fechado um dos punhos.

Ela se assustou. Pelo canto do olho, viu Gabriel fazer uma careta e se afundar ainda mais no próprio celular. Felipe estava com raiva, parecia pronto para começar uma discussão. Lola achava aquilo absurdo e já estava prestes a xingar Felipe, quando seu celular tocou.

O visor mostrava, mais uma vez, um número privado. Ela já sabia que era Eric ligando. Decidiu que ia acabar com aquilo. Então, olhou para Felipe e falou de forma enérgica:

— Talvez eu vá mesmo!

E saiu andando, para longe dos dois meninos, enquanto desligava o telefone. Porque também não queria falar com Eric. Estava bastante irritada e não iria descontar seu humor no garoto que tanto amava. Ela havia prometido a si mesma que nunca mais faria nada para machucar Eric. Não iria dar pra trás agora. 


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