Ovelhas Negras escrita por Bianca Vivas


Capítulo 14
Foi a bebida




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/629483/chapter/14

Luan

Uma fina e repentina garoa começou a cair. O asfalto molhado refletia a luz dos faróis. Lola observava o brilho fraco com um sorriso no rosto. Vez ou outra, Luan olhava de esguelha para ela. Sempre se surpreendia com a beleza da garota. Era incomum, como se viesse de dentro, de um brilho pessoal e único.

— O que foi? — Ela perguntou, sem olhar para ele. Tinha abaixado o vidro da janela e agora girava a mão na chuva, observando os pingos molharem a pele negra.

— Nada — ele respondeu, dando um sorriso de canto e voltando a encarar a pista.

O carro ficou silencioso. Apesar da garota não dizer nada, Luan notou que ela estava inquieta. Mexia-se no banco com mais frequência e abria e fechava os lábios várias vezes. Então, ela virou o corpo completamente para ele.

— Por que não chamamos Felipe para vir conosco?

Luan teve que frear rapidamente o carro para não perder o controle da direção. Ele olhou para ela sem entender o pedido. Do que ela estava falando? Luan começou a rir, imaginando que aquilo seria uma brincadeira. Quando viu que o sorriso no rosto de Lola se transformava numa carranca, ele parou.

— Você não está falando sério, está? — Ele perguntou, enquanto colocava o carro em ponto morto, todavia, logo preferiu que não tivesse feito. Lola o fulminou com os olhos e levantou uma sobrancelha. — Sério que você quer chamar seu namorado de mentira pra gente comemorar o fato de vocês estarem namorando de mentira?

— Quero — ela respondeu. — Algum problema? Porque se você tiver, eu posso descer do carro agora e voltar para minha casa.

Luan suspirou e encostou a testa no volante. Se existia uma única mulher no mundo que era mais difícil, complicada e teimosa que Maria de Lourdes, ele fazia questão de nunca a conhecer. Ele encostou a cabeça no volante, sentindo o olhar fulminante de Lola, até alguns carros começarem a buzinar.

— Sai da frente, seu idiota! — Algum motorista gritou atrás deles.

Luan abaixou a janela e levantou o dedo do meio. Voltou a ligar o carro e saiu cantando pneus pelas ruas da cidadezinha.

— Nem acredito que vou fazer isso — ele começou —, mas passa o endereço daquele babaca.

Lola sorriu e deu as coordenadas para Luan. Enquanto seguiam pelas ruas paradas, ele pensava que os dois faziam uma bela dupla. Seria uma amizade duradoura se Lola não insistisse em andar com Felipe, um garoto certinho que não tinha nada a ver com ela. Será que Lola não entendia? Ela precisava andar com pessoas que a deixassem livre para ser a perfeita maluca irresponsável que sempre fora. Felipe era um cara tão errado para ela que chegava a doer. Não apenas como namorado, mas, principalmente e acima de tudo, como amigo.

Quando chegaram à casa dele, tiveram que inventar uma grande desculpa para conseguir tirá-lo de lá. A mãe de Felipe fez mil perguntas e só sossegou quando viu a carteira de habilitação de Luan, que já era maior de idade.

— Sabia que essa menina ia causar problemas... tirando meu filho de casa a essa hora... — Luan jurou tê-la ouvido resmungar, antes de arrancar com o carro.

— Onde estava seu pai? — Lola perguntou e Luan viu que era só para quebrar o silêncio incômodo que havia se instaurado.

— Trabalhando. É só isso que ele sabe fazer, agora — disse Felipe, abaixando a voz a cada palavra dita. — Acho que é porque não quer me ver.

— Nem imagino o motivo — Luan murmurou, porém Lola conseguiu ouvir e lhe deu um forte tapa no braço. — Aí! — Ele soltou.

— Bem, vamos esquecer seu pai e celebrar — ela disse, virando para trás e procurando pela mão de Felipe, sorrindo. — É pra isso que viemos te buscar.

— Celebrar o quê? — Perguntou Felipe, confuso.

— A juventude, meu amigo, a juventude — Luan respondeu estacionando o carro na frente de um toldo cercado.

Os três desceram do carro. Felipe segurava a mão de Lola e Luan passou o braço pela cintura da garota. Felipe olhou feio para ele. Luan apenas riu e puxou Lola ainda mais para ele. Felipe então a puxou de volta. Até que Lola se irritou.

— Me solta, me solta, me solta! — Ela ia aumentando a voz e se livrando dos meninos. — Eu sei muito bem andar sozinha.

Ela saiu andando na frente e foi comprar o próprio ingresso. Os dois meninos se encararam. Felipe estava com raiva e ciúme, enquanto Luan se divertia com aquilo. Era engraçado ver o garoto mimado achando que aquele namoro era real e que Lola realmente gostava dele.

Eles compraram o ingresso e entraram no toldo. Ele era usado para proteger a parte externa do bar do vento e da chuva.

Havia uma banda tocando e várias pessoas dançavam. Algumas mesinhas ocupavam o passeio. Os três passaram por elas e entraram na parte interna do bar. Era um lugar rústico. Todo em madeira. Apesar de já ter ido ali antes, Luan sempre ficava impressionado com a aparência acolhedora do local. Às vezes, quando entrava ali, ele se sentia no litoral, em outras, num lugar frio. Sempre dependia do seu humor. Naquele dia, estava animado como se estivesse num lual à beira-mar.

Sentaram em uma das mesas lá dentro, perto de uma ponte feita de tábuas de madeira. Abaixo da ponte, passava um pequeno lago artificial, com luzes verdes no fundo. A cor refletia nas paredes próximas a ele e deixava um tom esverdeado no rosto pálido de Luan.

— Vocês querem beber alguma coisa? — Luan perguntou, levantando-se.

— Budweiser — Lola respondeu sem nem pensar e olhando o cardápio.

— E você...? — Luan perguntou, apontando para Felipe.

— Hã, er, eu não bebo — Felipe respondeu, ficando vermelho.

Lola passou a mão nos cabelos de Felipe, bagunçando os fios do garoto.

— Ele vai beber o mesmo que eu — a garota falou.

Felipe tentou protestar, contudo, Lola pôs a mão na nuca dele. Encostou seu rosto ao dele e o beijou, impedindo-o de falar algo. Mesmo à meia luz, dava para ver o rosto de Felipe ficar corado. Luan, que estava parado na frente deles, tentou chamar a atenção com um pigarro. Os dois pareceram não ouvir.

— É, continuem se agarrando, eu não estou aqui — ele resmungou, indo até o bar, tendo a plena consciência de que a atitude de Lola fora para irritá-lo.

Ele demorou um tempo na fila, até conseguir as bebidas. Pediu três Budweiser e voltou para a mesa. Lola e Felipe já tinham parado de se beijar, para seu prazer. Ela tentava conversar com ele, contudo Felipe apenas concordava, com o rosto ainda corado. Provavelmente nunca tinha beijado uma garota antes, ou não sentiria tanta vergonha.

Ele colocou as bebidas na mesa e puxou uma cadeira. Lola abriu a dela e deu um grande gole. Felipe mal molhou a boca com a cerveja, e já a deixou de lado. Luan ficou observando os dois, girando a boca da garrafa no dedo sem, entretanto, abri-la. Ele olhou para a parte externa do bar. Havia muitas pessoas lá, dançando.

— Parece animado — ele apontou para a aglomeração de pessoas. — Vamos dançar?

— Opa! — Lola deu um pulo da cadeira e puxou Felipe pela mão, porém ele sentou-se novamente

— Eu não danço, mas podem ir se quiserem.

— Como se ela precisasse da sua permissão para isso — Luan riu e saiu.

Lola revirou os olhos e seguiu o garoto.

— Namoro de mentira, né? — Ele perguntou, se referindo à cena do beijo minutos antes.

— Ah, cala a boca. — Lola revirou os olhos outra vez e puxou Luan para a pista de dança. — Só estava me divertindo. Você deveria experimentar também.

Os dois procuraram um lugar um pouco mais vazio e começaram a se mexer. A música era animada e a banda, muito boa. Tocava as músicas do momento e os dois se pegaram cantando enquanto dançavam e bebiam. À medida que bebia, Lola ousava mais nos passos, se tornando mais sensual a cada momento. Logo os dois se esfregavam um no outro, numa dança que nada tinha a ver com a música que tocava.

Lola rebolava e Luan a segurava pela cintura. Ele beijava o pescoço dela toda vez que ele ficava à mostra. Então começou a tocar uma música lenta, e eles se abraçaram. Iam de um lado para o outro, dançando, sem se soltarem. Lola podia sentir o perfume de Luan se grudando à sua roupa. Luan podia ver os pontos de luz que iluminavam os olhos dela e, mais uma vez, a viu como uma força incontrolável e fantástica. Lola era única.

— Estou cansada, vamos voltar? — Ela perguntou, soltando-se dele.

O rosto dela estava vermelho e dava para ver que estava suada. Os pés dele também doíam. Luan pensou que uma pausa seria boa e concordou. Voltaram para a mesma mesa que estavam antes. Na frente de Felipe, havia duas garrafas de cerveja abertas e mais uma que ele bebia. Luan riu de canto, sem acreditar, e Lola ergueu a sobrancelha.

— Vocês demoraram — o garoto tentou se justificar.

Luan deu de ombros e desabou na primeira cadeira que viu. Lola continuou de pé.

— Vou ao banheiro — ela anunciou. — Querem que eu traga alguma bebida quando voltar?

— O de sempre — Luan informou, porém Felipe negou com a cabeça.

Lola saiu e os dois ficaram observando-a se afastar. Andava decidida, dona de si. Era isso que Luan mais gostava nela e o que mais o atraía: ela era independente e segura. Luan achava isso muito sexy.

Lola se misturou na multidão de garotas que iam ao banheiro e eles não puderam mais vê-la. Então Luan voltou sua atenção para Felipe.

— Divide? — Perguntou, apontando para a garrafa que o menino segurava.

Felipe entregou a bebida a Luan, que deu um grande gole. Felipe o observava enquanto virava a garrafa de vez, sem nem piscar ou fazer cara feia para o gosto da bebida. Então Luan colocou a long neck na mesa de novo e a empurrou para Felipe. Olhou o garoto nos olhos e jogou o corpo para frente, como fazia sempre que queria conquistar uma garota.

— Pensei que você não bebia, playboy — ele ironizou.

Felipe ficou vermelho.

— Eu não bebo, mas... estava nervoso — Felipe falou tão baixo que Luan quase não escutou.

— Aquele foi seu primeiro beijo, não foi?

— Hã? O quê? Não, não — Felipe ficou vermelho novamente. Luan já o imaginava ficando com o rosto vermelho para o resto da vida de tanto que corara nas últimas horas. — É só que...

— É só que...?

— Eu acho que gosto da Lola. De verdade.

Luan não soube porque Felipe confessou aquilo a ele, todavia desconfiava que houvesse sido a bebida. As palavras do menino o atingiram como um soco bem forte no estômago. Era estranho imaginar aquele garoto realmente namorando Maria de Lourdes. Seria estranho.

Lola era dominadora e livre. Independente. Alguém a quem o mundo se curvava. E o que era Felipe? Um garoto ingênuo, que podia ser facilmente seduzido. Felipe e Lola não tinham nada a ver. Eles eram tão diferentes quanto duas pessoas podiam ser. Como Felipe podia ter se apaixonado por aquela garota tão diferente? Tão longe de sua realidade toda certinha e estruturada? Quer dizer, Felipe tinha um futuro todo planejado pela frente — bastava olhar para ele que era possível ver isso —, enquanto Lola possuía um despenhadeiro de linhas brancas a serem escritas. Ela era uma força incontrolável da natureza e ele era um experimento de laboratório cuidadosamente planejado. Totalmente incompatíveis.

— Estranho isso, não é? — Felipe passou as mãos pelo cabelo ondulado. — Olha para mim, somos tão diferentes... — A voz dele morreu e seus lábios esboçaram um sorriso.

Luan não sabia se era a bebida ou outra coisa, contudo notou que o sorriso de Felipe era bonito. Ele fez uma careta e pegou a garrafa, e a virou de vez na boca.

— Muito — foi a única coisa que disse.

— Ela é linda, não é? A Maria de Lourdes. — De repente, um fluxo de confissões começou a jorrar de Felipe. — E independente. Ela sabe cuidar dela, não precisa que as outras pessoas digam a ela o que fazer, adoro isso nela. Acho que ela é quem eu gostaria de ser e...

Felipe falava sem parar. Luan olhava para todos os lados, para ver se Lola vinha, entretanto não havia sinal das longas e negras tranças dela. Ele não aguentava mais ouvir a voz melodiosa de Felipe descrevendo Lola, descrevendo tudo o que ele achava de sua atual melhor amiga. Então, sem saber se por força da cerveja que terminara de virar ou porque queria fazer Felipe calar a boca, ele se aproximou do menino e o beijou.

Luan percebeu a surpresa de Felipe quando suas línguas se tocaram.

Felipe tentou empurrar o menino que o estava beijando, porém Luan não cedeu. Muito pelo contrário. Forçou sua língua para dentro da boca de Felipe e colou seu corpo ao dele. Logo, pôde sentir o calor das mãos de Felipe segurando seu rosto, indo para sua nuca, se enroscando em seu cabelo liso. Para um garoto tão certinho, ele até que beijava bem.

Luan desceu sua mão para as costas de Felipe e dali, escorregou-a para dentro da blusa do garoto. As costas dele estavam em brasa e, quando sentiu o toque frio de Luan contra sua pele, Felipe o empurrou. Luan o observava enquanto ele arfava, fitando os próprios joelhos. Luan percebeu que os olhos de Felipe estavam arregalados, como se não acreditasse no que acabara de acontecer. Nem o próprio Luan estava acreditando.

Passou a mão pelos cabelos, fechando os olhos. Nem sabia o que tinha dado nele. Pelo menos, Felipe tinha calado a boca. Não pôde, entretanto, dizer nada. Quando estava prestes a chamar Felipe, Lola apareceu, segurando duas garrafas de Budweiser na mão e com um sorriso no rosto que ia se desfazendo à medida que percebia o desconforto dos dois.

— O que aconteceu? — Ela perguntou, franzindo o cenho.

— Nada, nada — os dois responderam em uníssono sem se olharem.

Se Lola estranhou a atitude, nada disse. Apenas ficou observando enquanto Luan abria sua bebida e a virava de uma vez só e Felipe se levantava correndo para ir ao banheiro.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Ovelhas Negras" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.