Gêmeos no Divã escrita por Lady Black Swan


Capítulo 22
11° Consulta - parte 1


Notas iniciais do capítulo

E depois de um longo tempo de hiatus (quase dois anos, uau!) aqui estou eu novamente!
É isso mesmo, Gêmeos no Divã está de volta a ativa pessoal!
E já neste capitulo de retorno temos uma grande lição de babaquice por parte dos gêmeos e de auto estima por parte de Ayume, aproveitem. :x



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Quando os gêmeos retornaram às suas consultas no começo de agosto, eles não pareciam estar voltando das férias e sim... De algum campo de trabalhos forçados talvez?

Frank Lorret estava tentando prender o cabelo em um coque quando eles chegaram... E ficou realmente surpresa ao ver o quanto aqueles dois haviam perdido peso em apenas umas poucas semanas.

—M-meninos! — gaguejou surpresa.

—Eu sei doutora, estamos bem magros, não é? — sorriu o primeiro gêmeo, ainda fechando a porta.

—Mas isso não foi resultado de nenhuma dieta milagrosa não. — afirmou o segundo gêmeo, já se aproximando do divã.

A doutora notou que este segurava uma sacola plástica nas mãos.

—É apenas o resultado de nos colocarem em um barco. — completou o primeiro gêmeo seguindo o irmão.

—Oh sim... Vocês mencionaram que um de vocês costuma ficar enjoado em barcos. — relembrou observando-os se sentar.

—Yes! — confirmaram erguendo o polegar.

—E, em “solidariedade” o outro faz greve de fome. —A doutora cerrou os olhos. — Isso não é bom, meninos, não é saudável.

Nesse momento, ambos ficaram muito sério, como poucas vezes ficavam.

—Pelo bem da nossa simetria doutora. — falaram — Vale tudo.

Dra. Frank ficou surpresa com o tamanho da seriedade deles ao dizerem aquilo, mas, antes que pudesse se recompor, os gêmeos voltaram ao seu usual estado de bom humor, depositando a sacola plástica entre eles e começando a falar:

—Depois de todos aqueles dias na ida de balsa nós realmente perdemos muito peso. — afirmou o segundo, aquele que antes estava com a sacola.

—Até recuperamos algum durante a semana que ficamos na casa da tia... — comentou o primeiro.

—Mas perdemos tudo de novo na volta! — gargalhou o segundo, tirando de dentro da sacola uma lata de Coca Cola, mas então olhou hesitante para ela — Hã... Tudo bem se comermos durante a sessão doutora? A gente comprou aqui perto, e íamos comer na sala de espera, mas aí o Adam nos mandou entrar...

—Nem tínhamos visto a hora. — desculpou-se o primeiro irmão.

A doutora suspirou e concordou com um aceno de mão.

—Tudo bem, vão em frente, podem comer.

Afinal eles estavam realmente muito magros...

Os dois abriram sorrisos brilhantes.

—Então pega aí Vinicius! — disse aquele que segurava a lata de Coca-Cola entregando-a para o irmão.

—Valeu! — agradeceu Vinicius enfiando a mão na sacola, de onde tirou um hambúrguer — Pegue um pra você!

—Obrigado! — agradeceu Murilo dando uma mordida no hambúrguer — Cara, isso é bom!

De alguma forma... Parecia que eles já sabiam que a doutora daria permissão a eles.

—Com certeza! — concordou Vinicius pegando um hambúrguer para si mesmo de dentro da sacola.

Murilo voltou a enfiar a mão dentro da sacola e tirou de lá uma segunda lata de Coca-Cola.

—Ah bem melhor! — afirmou após um gole.

E ainda havia batatas fritas.

Cruzando os braços Frank Lorret pigarreou.

E só então eles pareceram se lembrar de que estavam no consultório.

Ambos a olharam.

—Foi... — engoliram — Mal.

Desistindo de prender o cabelo, ela perguntou:

—Será que podemos começar agora?

E, enquanto Vinicius continuou a comer, Murilo começou a falar:

—Só para a senhora ficar despreocupada doutora, depois dessa viagem mamãe disse ao papai que nunca mais ela vai nos deixar chegar sequer perto de um barco de novo. — ele fez uma pausa para comer mais um pedaço do hambúrguer e tomar mais um gole de Coca-Cola antes de continuar — Agora, onde foi que paramos da última vez...? Ah é.

♠. ♣. ♥. ♦

Então eu estava dizendo que nem sempre é tão bom assim quando dizemos as coisas ao mesmo tempo, na verdade ás vezes é realmente um problema e bem irritante até.

E naquele momento estávamos tão espantados que encarávamos um ao outro não como se fossemos gêmeos idênticos, mas sim como se fossemos pessoas que haviam acabado de se esbarrar com seu doppelganger e agora o encaravam de frente tendo a certeza da morte.

Ah... Eu dramatizei demais as coisas de novo, não é? Desculpe por isso.

E desculpe também por, de repente, começar a falar coisas sem sentido assim, acho que isso é influencia do nosso primo, sabe, o filho da tia Aline, ele parece gostar bastante de falar umas esquisitices assim, na verdade apesar das esquisitices dele e das esquisitices de Ayume serem bem diferentes Vinicius e eu somo unânimes em concordar que, caso esses dois se conhecesse, eles acabariam se dando muito bem.

Agora, voltando à história...

—O que foi que você disse?! — nós perguntamos um ao outro — Eu disse que vou chamar Verônica para ir ao baile comigo. — piscamos surpresos — Isso foi o que eu disse! — afirmamos — Não, foi o que eu disse!

Como eu disse, nem sempre falar tudo junto é um mar de rosas.

Agora doutora, esse negócio levou um bom tempo ainda, então vamos logo adiantando um pouco as coisas aqui.

—Maya. — chamei, porque mesmo com o antebraço cobrindo os olhos eu sabia que ela estava me encarando, seu total silêncio a denunciava — Dá pra parar de me olhar tanto? Até parece que eu sou um alien e não o seu irmão...

—Ah! — ela exclamou surpresa — Me desculpa mano, desculpa! Mas é que...

Eu tirei o braço de cima dos olhos e a olhei, Maya estava sentada no chão com uma boneca Barbie em cada mão e mais algumas espalhadas ao seu redor junto com algumas roupinhas.

—O que?

—É que nunca um de vocês tinha vindo sozinho ao meu quarto.

Então, só pra situar um pouco as coisas, naquele momento eu estava no quarto de Maya deitado na cama dela, e, considerando que desde que nasceu Maya nunca recebeu uma visita individual nossa em seu quarto, — quer dizer, uma vez ou outra um de nós podia aparece por lá sem o outro, mas geralmente só para dar algum recado — era natural que agora ela estivesse me olhando como se eu realmente fosse um alien.

—Bem, eu percebi que eu não tenho só um irmão e que às vezes é necessário dar atenção à minha irmãzinha também. — afirmei.

Ela franziu o cenho.

—Onde... Está o outro irmão?

—Deve tá lá no quarto. — respondi distraído — Ou na sala... Ou na cozinha... Sei lá.

Agora sim ela estava me olhando como se além de ser um alien eu também tivesse criado uma segunda cabeça..

—Aconteceu alguma coisa?

—Não, nada demais, por quê? — e antes que ela pudesse responder comentei — Paredes verde bebê, foi uma boa escolha.

No inicio as paredes do quarto de Maya eram brancas, porque mamãe e papai queriam deixar que ela escolhesse as cores do próprio quarto quando ela já tivesse idade, aos cinco anos de idade ela escolheu a cor amarela, aos sete trocou por verde-bebê.

Maya levantou-se com as bonecas nas mãos.

—Eu já volto! — e saiu correndo sem mais nem menos.

Eu achei que ela tinha ido ao banheiro... Até que a mamãe apareceu.

—Querido? — ela chamou — Está tudo bem?

Diferente do papai a mamãe nem tenta chutar quem é quem, ela nos chama de “Murilo e Vinicius” quando estamos juntos, e de “Querido” quando estamos separados.

—Tá mãe. — sentei — Por quê?

Ela me olhou com cara de quem estava pensando “porque você está aqui deitado na cama da sua irmã e não grudado com seu irmão como sempre”, mas não disse nada, só sorriu e foi embora.

♠. ♣. ♥. ♦

Murilo olhou para o irmão quando o ouviu dando uma risadinha.

—O que foi?

—Nada. — Vinicius sorriu — É só que acabei de lembrar que nesse dia Maya e mamãe também andaram rondando o nosso quarto para me perguntar se estava tudo bem, e quando eu respondi que não havia nada de errado ela me olhou, mais ou menos, com essa mesma expressão.

—Ah... Verdade?

Murilo ficou pensativo.

♠. ♣. ♥. ♦

Então pensando bem... Considerando-se as reações daquelas duas, eu acho que nem foi tão estranho assim quando algum tempo depois Ayume apareceu lá em casa com Ayu-chan, não é?

Então estranho não foi, mas que foi constrangedor, com certeza foi... Isso porque quando Vinicius chegou com Ayume ao quarto de Maya eu estava, naquele momento, brincando de Barbie com ela.

—Catarina eu só estou dizendo... — eu estava dizendo com uma voz fininha para imitar a boneca quando Ayume chegou.

Nossa, fico vermelho só de lembrar, claro que Vinicius e eu sempre brincamos com Maya, afinal ela não tem uma irmã gêmea para lhe fazer companhia — ou mesmo outras crianças da idade dela que morem na rua — geralmente nós três jogamos videogame ou algum tipo de faz de conta sem sentido — como quando fingimos que ela era uma fada que tinha sido seqüestrada por um pirara (Vinicius), mas foi salva graças a um padeiro que lutava karatê (eu), e no final todos comeram bolo (e estava uma delicia) —, mas ás vezes ela nos convence a brincarmos de casinha ou de boneca com ela... E Ayume chegou justo em um desses momentos.

—O que...? — ela piscou.

—Ayume! — Maya gritou largando sua Barbie e pulando para abraçá-la.

E Ayume se desviou tão rápido para o lado que se não fosse por Vinicius tê-la segurado ela com certeza tinha batido de cara na parede.

—Opa, cuidado! — exclamou meu irmão quando a pegou.

—Desculpe Maya. — Ouvi Ayume dizer — É que se você pulasse assim em mim poderia ter machucado a Ayu-chan.

—Pra que você trouxe a Ayu-chan? — Vinicius a olhou.

—Pra não ficar em pé no ônibus, é claro. — ela respondeu.

Claro, o mesmo golpe baixo de sempre... E sim, isso foi um trocadilho infame com a altura dela.

—E o que você está fazendo aqui? — eu perguntei saindo do quarto como se nada tivesse acontecido, tipo, como se ela não tivesse acabado de me ver brincando de Barbie com minha irmã e eu não estivesse pensando em quão fundo será que iria ter de ser o buraco para eu me enterrar depois.

—Eu vim porque a Maya me chamou, vamos brincar juntas.

Você já teve a impressão de que alguém está mentindo na cara dura para você? Pois é.

—Quem é Ayu-chan? — Maya perguntou se virando.

Ayume sorriu.

—Ah claro, Maya deixa eu te apresentar... — Ayume inclinou-se de lado para dar à Maya uma vista melhor do pequeno pacotinho embrulhado que tinha nos braços — Ayu-chan!

Maya aproximou-se com um pulinho, e quando viu Ayu-chan fez aquele barulho engraçado que as meninas fazem quando vem um bebê ou algum filhotinho fofo.

—Um bebê! — exclamou — É sua irmãzinha?

—Eu não tenho irmãs Maya, só irmãos. — Ayume sorriu.

—E isso aí que ela tem nos braços é uma boneca. — nós avisamos.

E olhamos um para o outro com cara de “vai me imitar nisso também?!”.

Detalhe, nós nunca brigamos antes.

Os olhos de nossa irmã se arregalaram, e a boca abriu-se e se fechou várias vezes, como se ela fosse um peixinho dourado fora do aquário.

—Isso é uma boneca?

—É. — Ayume confirmou.

—Mas parece um bebê de verdade! — afirmou.

—É que Ayu-chan é especial. — é bizarro doutora, mas, além de tratá-la quase como um bebê de verdade Ayume realmente parece com uma mãe orgulhosa quando apresenta aquela boneca hiper realista dela aos outros — Você pode tocar se quiser.

Se possível os olhos de Maya arregalaram-se um pouco mais.

—Eu posso?!

—Claro. — permitiu a japinha — Vá em frente.

Com as pontas dos dedos Maya tocou as bochechas e os cabelos de Ayu-chan.

—Mas parece mesmo um bebê de verdade! — reafirmou — Tem certeza que é uma boneca?

—Tenho. — Riu Ayume.

—Mas parece tanto que é de verdade... — murmurou encostando o ouvido ao peito do bebê para ouvir-lhe o coração. — Oh! É mesmo uma boneca! Eu posso levá-la para mostrar para mamãe?!

Agora entenda doutora, Ayu-chan é sem sombra de dúvida o maior tesouro que Ayume tem, portanto é natural que nós tenhamos ficado agitados enquanto procurávamos uma maneira de explicar à Maya — sem fazê-la chorar — que não havia como Ayume deixá-la carregar algo tão frágil quanto Ayu-chan — especialmente porque sabíamos o quanto custava uma boneca como aquela.

Mas então, Ayume respondeu:

—Claro que sim, mas cuidado Maya, Ayu-chan pode ser uma boneca, mas ainda continua sendo frágil como um bebê recém nascido de verdade, e pesa tanto quanto um também... Aqui, você tem que segurá-la desse jeito... Isso... E apóie bem a cabecinha dela... É, assim mesmo, muito bem...

E continuou ensinando a Maya como ela deveria fazer para segurar Ayu-chan corretamente, enquanto nós observávamos em choque.

Doutora, se eu te contar que até hoje estamos surpresos com isso a senhora acredita?

Maya fez de novo aquele barulho que as meninas fazem quando vêem algo fofo e só faltam vomitarem arco-íris.

—Ela é tão pequenininha! — exclamou encantada — Mamãe já a viu?

—Já. — respondeu — Mas eu ainda não disse a ela que é apenas uma boneca.

—E eu posso dizer? — perguntou se animando toda.

—Claro que sim, vai lá mostrar pra ela. — Ayume concordou sorrindo — Mas vá com cuidado... Ayu-chan é muito delicada.

—Tá! — concordou.

O mais surpreendente foi que ela realmente estava se afastando cuidadosamente, e estamos falando de Maya, uma criança tão energética que não para de correr com a tesoura na mão nem quando papai grita com ela — o que levou a todas as tesouras da casa terem tido de serem estrategicamente escondidas e/ou tiradas do alcance dela.

—E vou pedir para mamãe fazer um lanche também. — completou... E até falando cuidadosamente ela estava.

—E eu vou com ela... — Vinicius começou a se afastar.

Mas Ayume agarrou sua camisa.

—Você. Fica. — sentenciou. — Murilo feche a porta.

Ordenou-me entrando no quarto de Maya passando por mim e arrastando Vinicius junto consigo, e não tinha em sua voz nem rastro da gentileza com a qual ela estava falando com Maya antes.

Sentando-se na cama da nossa irmãzinha ela apoiou os cotovelos nas coxas e o rosto entre as mãos.

—Muito bem. — disse — Agora vocês dois... Desembuchem! O que há de errado com vocês?!

Eu sabia que ela estava mentindo quando disse que tinha vindo para brincar com a Maya!

—Do que você está falando? — Vinicius perguntou se escorando ao lado da porta com os braços cruzados.

—É. Nós estamos bem. — afirmei me sentando e me escorando a parede do outro lado da porta.

—Tá bom. — Ayume tinha a expressão do mais absoluto tédio — Então por que Maya me ligou do celular de um de vocês para me dizer que “seus irmãos estavam estranhos” e depois, quando eu cheguei, a tia já foi me sorrindo e me convidando para entrar e nem perguntou sobre a Ayu-chan? — Porque nível de amizade a gente mede assim doutora: quando o amigo já vem chamando a sua mãe de tia. — Essa é a primeira vez que eu venho ao quarto de Maya, ele é bem bonito... — comentou olhando em volta — Deve ser bom ter um quarto só para si, sem ter que dividi-lo com irmãos que bagunçam e tiram tudo do lugar...

—Queremos levar Verônica ao baile. — a interrompemos.

Endireitando as costas Ayume nos olhou por alguns segundos.

—Então é isso. — uma pausa — Achei que não gostassem dessas coisas...

—Esse não é o ponto! — reclamamos.

—Então qual é?

—Nós. Dois. Queremos. Levar. Verônica. — repetimos pausadamente, só para deixar a mensagem bem clara.

Ayume inclinou a cabeça de lado.

—É eu ouvi, mas e daí?

—Não queremos dividi-la. — E essa talvez tenha sido a primeira vez em toda nossa vida que dissemos algo parecido com aquilo.

Agora doutora, sabe quando se está em uma chamada de vídeo com uma conexão ruim e de repente a imagem congela? Foi mais ou menos isso que aconteceu com Ayume naquela hora, e pareceu ainda demorar bastante para ela voltar a sí, como se precisasse de tempo para reiniciar.

—Então é isso. — repetiu suspirando alto e afundando o rosto entre as mãos. — Eu sabia que isso ia acontecer... — ela respirou fundo e endireitou-se — Mas como vão os estudos de vocês? Eu olhei os horários, parece que a prova de recuperação já é...

Piscamos.

—Espere, espere, espere! — pedi repetidas vezes, erguendo as mãos.

—Por que você está mudando de assunto assim tão de repente? — meu irmão questionou.

Nossa amiga deitou a cabeça de lado, com expressão entediada.

—Porque infelizmente isso não é algo em que eu possa ajudar vocês, isso é entre vocês e a minha prima, por isso eu prefiro falar de algo em que eu possa ajudar. — respondeu-nos — E então? Já que estou aqui, querem que eu os ajude ou não?

Devo dizer doutora que Maya e mamãe ficaram completamente fascinadas com Ayu-chan, tanto que quando Ayume a levou embora — depois de nós termos recusado sua ajuda — Maya começou a implorar para mamãe por uma bonequinha igual à Ayu-chan.

Horas mais tarde eu entrei na cozinha para pegar alguma coisa para comer e encontrei Vinicius estudando lá.

—Oi. — falei seco abrindo a geladeira.

—Oi. — ele me respondeu da mesma forma, sem sequer erguer os olhos do livro.

Dizer que no final a visita de Ayume não adiantou em nada é desnecessário, certo?

—Me digam uma coisa. — disse mamãe entrando na cozinha também — Aquela amiguinha de vocês já está de férias ou também ficou para recuperação?

E devo acrescentar que o tom com o qual ela disse “amiguinha” deixa bem claro que para ela Ayume não é só uma amiga nossa.

E ela ainda não entende quando nós dizemos que ela leva muito a sério as nossas brincadeiras...

—Ayume já está de férias, mãe. — Vinicius respondeu.

—Por quê? — Eu me virei.

—Hum. — fez mamãe — Então aquela menina já está de férias, e mesmo assim, se deu ao trabalho de vir até aqui só para ajudar vocês, quando poderia muito bem estar em casa... Fazendo sabe-se lá o que ela faz em casa, e vocês recusaram a ajuda dela.

Mães, ninguém sabe fazer você se sentir culpado como elas sabem.

—Hum... Não foi bem assim. — dissemos meio constrangidos.

Mas foi exatamente assim sim.

Mamãe olhou a volta.

—E onde está aquela outra amiga de vocês, a que pensa que água oxigenada te faz ser loiro natural? — perguntou — Por que ela não veio ajudá-los?

Talvez porque ela fosse o nosso problema...

—O nome dela é Verônica, mãe. — afirmei.

—E ela está em casa estudando para as próprias provas. — Vinicius acrescentou.

Há! Duvido!

—É mesmo? Espero que dessa vez ela não esqueça os livros.

E essa é a nossa mamãe, sempre sendo tão sutil quando não gosta de alguém...

Então no dia da prova de recuperação, quando nós dois chegamos à sala, o professor já foi logo dizendo:

—Bem, bem, bem, agora que estamos todos aqui, creio que nós já podemos começar. — É um pouco vergonhoso que nós dois tenhamos sido os únicos a ficar para recuperação em artes, mas isso aqui é uma consulta, então que não saia daqui, ok doutora? — Muito bem, eu quero que um de vocês se sente aqui e o outro...

Ele parou surpreso quando viu que nós estávamos nos encaminhando para nossos respectivos lugares — que ficavam em cantos opostos da sala — em silêncio sem nem sequer reclamar ou relutar.

E a surpresa do professor se deve ao seguinte doutora: por sermos gêmeos, desde pequenos sempre houve uma paranóia maior por parte dos professores conosco de que vamos colar na prova — e o fato de nós geralmente terminamos a prova ao mesmo tempo e tirarmos notas iguais com certeza não ajuda — o que sempre os leva a nos fazer sentar o mais distante possível um do outro em dia de prova, e nós sempre relutamos contra isso e fazemos até o impossível para tentarmos permanecer juntos, não que nós realmente tenhamos intenção de colarmos um do outro — afinal qual seria o propósito nisso? Pois tudo o que um sabe o outro sabe também... — é só que, como a senhora já deve ter notado, nós gostamos de ficar juntos.

Claro que no final, de um jeito ou de outro, nós sempre acabamos sendo separados.

Agora algo que Verônica só contou há pouco tempo é que, enquanto fazíamos a prova, Ayume estava lá fora sentada no pátio esperando por ela.

—Verônica! — chamou se aproximando.

Porque ao que parece Verônica odeia que gritem por ela em local público — sei lá, parece que ela acha que é mico.

—Ayume. — Verônica sorriu se virando... — Mas por que você está com essa boneca aqui na escola?!

Acontece que Ayume estava com Ayu-chan pendurada em seu “bebê passeio”, é, nossa amiga japa é meio sem noção. Coisinha normal.

Ayume encolheu os ombros.

—Você sabe por que eu ando com Ayu-chan: praticidade.

Verônica girou os olhos.

—É ridículo.

—Sabe como é... Pra sentar vale tudo, algumas usam um bebê falso... Outras fingem que desmaiam.

Verônica não admitiu doutora, mas isso com certeza a deixou bem desconcertada, mas pelo menos agora sabemos que se alguém tiver dúvidas sobre o parentesco daquelas duas, basta dar uma olhada nas artimanhas que elas têm para não ficar em pé nos transportes públicos — Ô família pra não gostar de ficar em pé, nunca vi!

—Mas afinal o que você está fazendo aqui? — Verônica cruzou os braços — Não me diga que também ficou para recuperação, porque você não pode fazer a prova com essa boneca...

—Não, não, eu não vim aqui para fazer recuperação. — Ayume acenou displicentemente com a mão — Essa honra eu deixo só para você.

—Ai meu Deus Ayume, diz logo de uma vez o que você veio fazer aqui, que eu já estou atrasada! — Verônica se estressou.

Como já dissemos uma vez, doutora, essas duas podem até se bicarem e dizerem uma a outra de vez em quando brincadeiras que são cruéis — a Verônica mais que a Ayume, com certeza —, mas nem por isso significa que aquelas duas não se gostem.

—Ok, então eu vou direto ao ponto. — uma pausa — O que houve entre você e os meninos?

É isso ai, doutora! Porque mesmo que Ayume tenha dito que não iria se envolver por ser algo que devia ser resolvido entre Verônica e nós, ela ainda se importava demais para simplesmente conseguir deixar pra lá!

E a senhora quer uma prova maior de amizade do que agüentar amigo apaixonado? Pois é, não tem.

—Nada... Por quê? — eu tenho certeza de que Verônica já até tinha se esquecido de que estava atrasada — Eles disseram algo sobre mim? É isso?

Eu até posso imaginar, doutora, nesse momento Verônica jogando os cabelos para trás, daquele jeito que ela sempre faz — Meu Deus, por que as mulheres amam tanto o cabelo? — e dando aquele sorriso fácil dela de sempre.

Sério, eu posso imaginar isso com tanta clareza que é quase como se eu estivesse vendo.

Como você também é o mesmo, não é, Vinicius?

É eu sabia.

—O que eles disseram ou não, não vem ao caso agora. — Ayume desconversou — Só... Não brinque com os meus amigos. O.K Verônica?

Só pra constar, saber que Ayume disse algo assim só nos fez sentirmo-nos mais cretinos ainda.

Verônica sorriu colocando a mão no ombro de Ayume.

—Eu tenho que ir prima. — e tenho certeza que ela voltou a jogar os cabelos para trás quando se virou e foi embora.

Enquanto isso, na sala de aula, Vinicius e eu estávamos passando por um verdadeiro dilema: cada um de nós queria sair primeiro para procurar por Verônica — afinal é como diz o ditado: no amor e na guerra valem tudo —, mas não podíamos nos apressar e fazermos a prova de qualquer jeito, já havia sido ruim o bastante termos ficado para recuperação em artes, se nós ainda ficássemos para a dependência seria a morte.

Por isso graças a Deus que essa matéria só é lecionada no primeiro ano para nunca mais e assim podemos ocupar o tempo, que era gasto nela, pensando em coisas mais importantes como, por exemplo, se os pães de queijo que são vendidos na cantina são mesmo frescos como eles dizem ou não.

E o resultado não podia ser outro: nós terminamos juntos, assim como acontece toda vez que fazemos uma prova, o que resultou num final no qual nós dois saímos correndo em busca de Verônica, competindo no maior estilo “Corrida Maluca” (com nós dois fazendo o papel de Dick Vigarista e tentando passar a perna no outro) para achá-la antes do outro.

Ainda bem que ninguém filmou, porque com certeza ia dar um ótimo vídeo no youtube.

Mas de repente, bem antes de uma curva, Vinicius me pegou pelos ombros e puxou-me para trás, e ficamos os dois de costas contra a parede. Dobrando o corredor pudemos ouvir alguém dizer:

— Então Verônica, eu, você, o baile...

—Não. — Verônica respondeu categórica.

Não sei quanto ao Vinicius, mas aquela resposta tão seca e direta doeu como se tivesse sido para mim.

—Ah... — O pobre estava com certeza bem desconcertado com aquela negativa imediata de Verônica — Desculpe, você... Já tem par?

—Não. — de novo direta — Só que estou esperando o convite certo, mas olha, por que você não me dá o seu número? Daí se nada rolar eu te ligo pra você ir me buscar.

—Você acha que eu sou um estepe, é? — agora o cara parecia ter começado a se irritar — Quer saber de uma coisa Verônica? Você é mesmo uma completa v...!

—“Uma completa...” o que? — nos intrometemos saindo de nosso “esconderijo”.

O cara nos olhou, estalou a língua, soltou um “que seja” e foi embora.

Verônica pôs as mãos nos quadris, o vendo ir embora.

—Ora, mas por que é que ele ficou tão zangado? Eu ainda dei a ele a chance de ser um reserva meu! Bob Espinha não teve a mesma sorte! — Só a titulo de comentário, Bob espinha é, diga-se de passagem, um apelido bem cruel e olha que o nome do garoto nem é Bob...  — Mas obrigada pessoal. — ela agradeceu virando-se para nós com um sorriso — Só que eu acho que não precisava.

—Claro que precisava! — respondemos — Nunca se deve irritar e/ou ofender uma mulher. Elas são perigosas e vingativas.

—Oh... Sério? — ela sorriu.

—Meu Deus! — nós levamos a mão ao peito. — Será que a irritamos e/ou ofendemos?!

—Seus bobos! — Riu indo embora.

Nós começamos a segui-la.

—Ei Verônica. — chamamos ao mesmo tempo.

O que nos lembrou de que estávamos com raiva um do outro e nos fez encaramo-nos de forma nada amistosa por trás de Verônica.

—Sim? — respondeu a falsa loira, que não tinha percebido nada ainda, ou se tinha estava se deliciando com aquele momento.

—Com quem você quer ir ao baile exatamente? — perguntamos, novamente, ao mesmo tempo.

—Oras... Isso é se-gre-do. — respondeu-nos pondo o indicador sobre os lábios.

—E que tal comigo? — perguntamos.

Nunca antes nosso sincronismo havia parecido tão irritante e estressante quanto naquele momento.

E, de novo, aquela mesma troca de olhares nada amistosos de antes.

—Ir ao baile com vocês? — Verônica virou-se, como sempre, jogando os cabelos — Desculpa rapazes, eu sei que sou sensacional, mas nem mesmo eu posso levar dois pares ao mesmo tempo para o baile.

—Não. — dissemos, ignorando simultaneamente um ao outro. — Não ir ao baile conosco, mas sim ir ao baile comigo.

E batemos em nossos próprios peitos com a mão espalmada para deixar clara a mensagem, algo que nunca pensamos que seria possível acontecer havia acabado de acontecer: Nós havíamos exigido que alguém escolhesse entre nós.

Verônica piscou... E então sorriu lentamente.

Um sorriso muito perigoso.

Ela não nos respondeu diretamente, como fez com todos os outros, mas sim nos prometeu que pensaria no assunto.

Será que se ela tivesse nos dito “não” de uma vez a nossa recém-nascida rivalidade teria tido logo um fim prematuro de uma vez? Ou só teria se agravado ainda mais, com nós nos acusando com coisas do tipo: “Se nós não fossemos dois, talvez eu tivesse uma chance! Se não fosse por você...!”.

Uma vez dissemos à Ayume que ter, simultaneamente, o amor de dois gêmeos idênticos só para si seria o sonho de muitas garotas o que não sabíamos, no entanto, é que ter esses mesmos gêmeos idênticos brigando entre si pelo seu amor seria um sonho ainda maior.

E mulheres são realmente perigosas doutora, porque eram justamente essas as intenções de Verônica: Ver-nos brigando um com o outro por ela.

O que — e eu não me orgulho de dizer isso, acredite — de fato aconteceu.

Aqueles dias foram tensos.

—Desista de Verônica. — Vinicius me ordenou, batendo a porta do quarto ao entrar.

Eu, que estava sentado numa das camas, ergui os olhos do notebook.

—Como é que é?

—Desista de Verônica! — ele repetiu — Eu a vi primeiro!

—Há! Grande coisa! — ri irônico — Desista você dela!

Ele me olhou como se estivesse realmente chocado com uma sugestão dessas.

—Por que eu desistiria?!

—Porque eu estou mandando e sou o mais velho! — nem sei da onde eu tirei essa.

—Como se algum de nós realmente soubesse quem é o mais velho! — respondeu-me irritado.

Isso foi mais tarde naquele mesmo dia em que chamamos Verônica para ir ao baile, ou foi no dia seguinte, francamente não lembro mais.

E não parou por ai.

Nós brigávamos na hora em que acordávamos até a hora em que íamos dormir, e brigávamos por tudo, brigávamos por quem ia comer o que — tínhamos os mesmos gostos, mas um não queria comer o que o outro estava comendo — por quem ia assistir o que — mesmo principio da comida — por quem ia dormir em que cama, ou ficar com qual celular e por tantas outras bobagens mais.

Havíamos passado toda a vida compartilhando e agora que não queríamos mais isso a ruptura não estava sendo nada pacifica.

Isso fez Maya ficar permanentemente trancada em seu quarto sem querer sair para nada, e deixou mamãe muito estressada e se mamãe fica estressada papai fica estressado.

Em resumo nossa casa virou quase um campo de batalha só por causa de uma falsa loura... Ok, a culpa não foi completamente de Verônica, não é? Foi mais nossa por sermos tão estúpidos.

Mas o ponto é: nós estávamos completamente fora de controle.

E claro, o fato de Verônica ter nos dispensado, poucos dias antes do baile no dia em que fomos receber os resultados das recuperações — E nós passamos, por pouco, mas passamos! — não ajudou em muita coisa.

—Desculpe meninos, não são vocês sou eu, entendem? É que é muito difícil pra mim escolher um de vocês, e eu jamais poderia ir com os dois ao mesmo tempo...

Melhor dizendo, isso foi o estopim para explodirmos de vez um com o outro.

—Entendi. — nós respondemos, forçando os sorrisos — Não se preocupe Verônica, nós entendemos.

—M-mesmo? — ela piscou.

Mais tarde nós ficamos sabendo que, naquele momento, o plano de Verônica era que insistíssemos para ir os dois para ir com ela ao baile, até que ela não pudesse mais recusar e “pelo bem de nossa amizade” acabasse tendo que aceitar ir com nós dois ao mesmo tempo.

Mas, para o azar dela, nós estávamos presos além do que ela esperava ao seu feitiço e não queríamos compartilhá-la de forma alguma.

—Claro. — respondemos — Não se preocupe conosco.

—O-ok. — ela parecia não acreditar no que estava ouvindo — Então eu já vou... Mas... Se vocês ainda quiserem falar comigo ou... Qualquer coisa, apenas... Entrem em contato.

—Certo. — concordamos e os sorrisos forçados já estavam doendo em nossos rostos.

Quando ela se foi nós encaramos um ao outro.

—A culpa é sua. — afirmamos com tom morbidamente sério.

Acho que devemos agradecer por ninguém ter dado um tiro em ninguém, não é?

Eu não sei quem socou quem primeiro e nem como chegamos a isso, mas o fato é que, em pouco tempo, já estávamos trocando socos, chutes e cotoveladas no pátio da escola rodeados por um coro de “Briga! Briga! Briga” que simplesmente se manifestou ali, sabe aquele típico coro escolar que parece sempre ser invocado em situações assim.

Até hoje não sabemos por que nenhum professor veio intervir naquela hora.

Nós só paramos quando de repente fomos atingidos por um jato de refrigerante vindo sabe-se lá da onde.

—Parem! Parem! Mas o que está acontecendo aqui?! — Quem gritava era Ayume, segurando aquela sua bolsa horrorosa numa mão, com a alça bem enrolada em volta do punho, e uma lata de Coca Cola ainda espumando e pingando na outra — O que deu em vocês?! Enlouqueceram?! O Vinicius e o Murilo que eu conheci nunca se agrediriam assim! Por que estão brigando?! O que é que aconteceu?!

Na verdade, como Ayume não ficou para recuperação em nenhuma matéria, ela não devia estar ali, mas um — ou dois, sei lá — de seus amigos tinha ficado, então ela tinha combinado de se encontrar com todos ali para comemorarem por eles terem conseguido passar sem ficar de dependência ― ou então para servir de ombro amigo caso algum deles tivesse ficado de dependência, nunca se sabe.

Se não fossemos tão imbecis ela estaria ali para comemorar conosco não com eles.

—Não aconteceu nada... — Vinicius resmungou limpando o sangue do canto da boca.

—Ah, “não aconteceu nada”? Sério? Porque acho que ainda tenho refrigerante aqui. — ameaçou-nos — Não, pensando bem. — e virando-se para trás gritou para as pessoas ali: — Renato! Dá-me essa lata de refrigerante de laranja que ainda está cheia!

Automaticamente nós erguemos os braços para nos proteger.

—Não é nada com o que você tenha que se preocupar! — afirmamos de imediato.

Ayume virou-se novamente.

—O que querem dizer?

—É que você não tem nada haver com i... — comecei a dizer.

—O primeiro que falar que eu não tenho nada haver com isso vai levar essa lata entre os olhos! — interrompeu-me irritada.

E nisso, fazendo juiz àquele ditado que diz que “toda baixinha é invocada” — algo que até então nunca havia se encaixado para Ayume — ela olhou em volta para o pessoal que, percebendo a deixa, começou a se dispersar dali.

Talvez não tanto pela ameaça de levar aquela lata entre os olhos — embora isso ainda não fosse uma hipótese totalmente descartada, aquela altura, óbvio —, mas mais pela falta de interesse, visto que a briga estava acabada porque ela obviamente não ia deixar mais nenhum soco ser dado ali.

E só ficaram um pouco mais lá para trás, o trio — Renato e as duas garotas — com quem Ayume sempre andava quando não estava conosco.

E não é que aquele alpinista de degraus tinha mesmo uma lata de Fanta Laranja na mão?

Ayume apontou, com a mão que segurava a lata de refrigerante, para nós.

—Vocês dois se autonomearam meus melhores amigos e me nomearam a melhor amiga de vocês, portanto não ousem me dizer que se eu vejo vocês se matando eu não tenho que me meter porque isso não tem nada haver comigo! Então nem pensem que eu vou ficar simplesmente parada enquanto duas pessoas que eu amo estão aqui trocando socos e chutes como dois trogloditas! — lá atrás o pequeno trio murmurava nervoso entre si, diante do sermão de Ayume — Então me digam logo de uma vez o que está havendo com vocês, ou eu juro que...! — sua voz foi sumindo gradativamente, conforme o rosto empalidecia e os braços caiam inertes, ao lado do corpo — Por favor, por favor, não me digam que é por causa da Verônica!

Implorou-nos.

Acho que, lá no fundo, ela tinha esperanças de nós ríssemos da cara dela e respondêssemos “O que? Não! Que viagem Ayume!”, porque ficou tão chocada com o nosso silêncio que nem percebeu quando aquelas duas amigas dela, se aproximaram de fininho por trás, pegaram sorrateiramente a lata de refrigerante que ela ainda tinha na mão — antes que ela realmente decidisse mesmo atacar alguém com ela — e depois voltaram para o lado do motorista de carrinho da hotweels que ainda estava parado lá atrás.

♠. ♣. ♥. ♦

Frank Lorret ergueu a mão pedindo por uma pausa.

—O que foi doutora? — Murilo perguntou.

—Não... É apenas uma dúvida.

—Pode dizer. — incentivou Vinicius.

A doutora olhou de um para o outro como cenho franzido.

—De onde vocês tiram tantos apelidos para o amigo de Ayume?

Os gêmeos piscaram.

—Como é?

—Os apelidos. — repetiu — De onde conseguem tirar tantos apelidos com referência à altura dele?

—Ah isso. — Murilo sorriu — Na verdade é meio que um passatempo nosso.

—Sim. — confirmou Vinicius — Quando estamos entediados porque Ayume está com seus outros amigos ao invés de nós, nós costumamos passar o tempo pesando em novos apelidos para o Tarzan de Samambaia lá.

Ambos sorriram.

—Dúvida esclarecida, doutora?

—Sim. — a doutora suspirou — Prossigam.

♠. ♣. ♥. ♦

—Ai não, não, não, não, não! — doutora, ainda bem que os cabelos de Ayume são tão curtos, porque se não eu posso jurar que ela teria arrancado uns bons bocados naquele momento — Vocês não podem ficar desse jeito por causa dela!

Nós a encaramos.

—“Só por causa dela”?

Nossa amiga balançou a cabeça, e começou a falar devagar, como se explicasse algo a duas crianças pequenas:

—Eu gosto da Verônica, realmente, embora ela me tire do sério, afinal ela é da família e tudo, mas... Realmente não vale a pena vocês brigarem assim por causa dela, nem por causa dela nem de ninguém. A relação de vocês é bizarra e anormal? É. Mas vocês têm certeza que querem realmente jogá-la fora só por causa de uma garota de umbigo de fora?

Ayume só estava tentando nos ajudar? Estava.

E ela tinha toda a razão do mundo? Óbvio que sim!

Mas, na época, estávamos cegos demais para enxergar isso.

Por isso nossa reação não foi outra, se não a de ficar extremamente irritados e ofendidos com o que ela disse da própria prima.

—Não deveríamos brigar por causa de Verônica é o que você está dizendo.

Por um momento ela sorriu aliviada.

—Isso, então vocês entenderam, certo? Não briguem por alguém...

—E por quem deveríamos brigar então, Ayume? — perguntei me levantando.

—Por alguém como você, talvez? — meu irmão perguntou irônico também se levantando.

Os olhos de Ayume ficaram semi cerrados.

—“Alguém como eu”? O que vocês querem dizer com “Alguém como eu”?

Alerta de spoiler doutora, a narrativa a seguir contém altos níveis de babaquice, e nem que nós reencarnássemos mais três vezes conseguiríamos a proeza de ser tão babacas quanto fomos naquela vez.

Ah, e só a título de comentário, se eu reencarnasse mais três vezes, ia querer ter o Vinicius como meu gêmeo nessas três vezes.

Ok, agora voltando com a história...

—Vamos lá, Ayume, admita. — pressionamos — Você tem inveja da sua prima.

A frase seguinte de Ayume saiu num tom que era perigosamente calmo:

—O que foi que vocês disseram?

—Não se faça de desentendida. — repliquei — Você tem inveja da Verônica, sempre teve, porque ela é mais bonita, mais alta e sabe se arrumar melhor que você.

—Enquanto você é essa esquisitona anormal e sem graça com aparência quase de menino que ainda brinca de boneca. — meu irmão completou

E diante do olhar chocado de Ayume, nós pegamos ainda mais pesado:

—E quer saber de mais uma coisa? — Vinicius continuou — Eu estou farto, entendeu? Estou farto de ser sempre arrastado para essas suas esquisitices, como eventos onde temos que ficar fantasiados como uns retardados e essas lojas de quadrinhos cheias de caras que nunca vão sair da casa das mães, eu odeio tudo isso.

—Eu também odeio. — concordei — Odeio ter que ficar metido no meio de todos aqueles esquisitões fantasiados que gostam de brincar com bonequinhos só por causa de uma japa nanica e infantil que nem você. É um saco.

Nós não queríamos ter nada haver com aquele “mundo nipônico” de Ayume, porque Verônica e as amigas sempre falavam do quanto ela era estranha e anormal por, mesmo já tendo quinze anos, ainda gostar de ver desenhos, usar roupas de personagens e brincar de boneca — não que alguma vez ela já tenha levado Ayu-chan para as aulas, e nós ainda custamos a pensar nela como uma simples boneca, mas é que Verônica meio que havia comentado por alto sobre a “bonequinha bebê” que a prima carregava para cima e para baixo — e nós não queríamos que Verônica achasse que nós éramos “anormais” também.

—Então é isso o que vocês realmente pensam de mim? — a voz dela saiu trêmula.

Agora doutora, é de se imaginar que depois de termos dito tudo aquilo para ela, Ayume tenha começado a chorar, certo?

Errado.

Quer dizer, a voz dela realmente ficou trêmula, por um instante, os olhos até começaram a ficar vermelhos, e nós achamos mesmo que ela ia chorar...

—E-ei Ayume... — gaguejei.

—Espere Ayume, nós não queríamos... — Vinicius começou a dizer.

Só que a vermelhidão nos olhos dela não era porque ela estava prestes a começar a chorar, e sim porque estava irritada, muito irritada mesmo, e isso ficou especialmente claro quando ela nos acertou na cara com aquela bolsa dela que o que tem de feia tem de dura também.

Doutora até hoje nós não sabemos o que Ayume tinha naquela bolsa, mas a nossa hipótese é de que talvez ela estivesse cheia de latas de refrigerantes recheadas de moedas e pedras, porque aquilo doeu como o diabo!

♠. ♣. ♥. ♦

—E doeu mesmo não foi? — Murilo virou-se para o irmão massageando o maxilar como se ainda pudesse sentir a dor. — Eu achei que tinha deslocado a mandíbula.

Vinicius concordou, também levando a mão ao maxilar.

—Eu também, juro que naquela hora ouvi um estalo... Pensei que tinha quebrado. — franziu o cenho — Um dia ainda temos que perguntar para Ayume o que é que ela tinha dentro da bolsa naquele dia.

—Com certeza. — Murilo acenou.

—Parece que ela realmente acertou vocês com força. — Frank Lorret comentou quase com pena.

—Com certeza. — Vinicius concordou. ― Mas nós merecemos.

—Mas mais do que nos acertar com a bolsa, naquele dia ela explodiu totalmente conosco, como nunca tinha explodido antes. — afirmou Murilo.

A doutora o olhou.

—Como assim?

♠. ♣. ♥. ♦

Bom...  É que, ao contrário do que parece — por causa dos cabelos curtos, a recusa em usar maquiagem, saias e vestidos, e as roupas que, ou são “exóticas” (como o casaco de panda com o qual ela anda em dias frios¹) ou um pouco largas demais para alguém do tamanho dela — a Ayume, na verdade, tem uma alto-estima bem alta... Além de uma força incrível no braço direito.

—Aparência quase de menino?! Sem graça?! Esquisitona e anormal?! Inveja de Verônica? Inveja de Verônica?! Mas o que por acaso vocês têm nessas cabeças de vocês seus pedaços de asnos?! Eu nunca, em toda minha vida, tive inveja de Verônica ou de qualquer outra prima minha, nem quis ser igual a qualquer uma delas! Pelo amor de Deus! Se eu realmente quisesse ser minimamente parecida com qualquer uma delas, não acham que eu faria alguma coisa em relação a isso?! Como, por exemplo, deixar os cabelos crescerem e jogar água oxigenada em cima deles?!

—Nós... — tentamos dizer.

Só que Ayume nem quis saber, e com razão.

—Querem saber por que eu não faço nada a respeito disso?! É porque eu gosto do jeito que sou, não, eu amo o jeito que sou! Ok, meus cabelos podem ser lisos demais e é difícil prendê-los de qualquer jeito, mas isso não é problema porque eu os mantenho curtos, e gosto deles assim! Se eu gostaria de ser um pouco mais alta? É, gostaria, às vezes, e daí? Meu corpo não tem tantas curvas quanto os das outras garotas? Não, não tem, mas quem disse que eu me incomodo com isso? Ou que tenho que invejar as outras garotas ou querer ser como elas por causa disso?! Por que eu faria isso se eu gosto do meu corpo, não, eu simplesmente o amo! E ás vezes é difícil comprar roupas que me sirvam? É, é sim! Mas isso é problema meu, entenderam? E nem é tão problemático assim, porque eu posso comprar camisas e sandálias de personagens na sessão infantil, e sim eu gosto de usar coisas de personagens, mas quem não gosta?! Eu não tenho paciência para usar maquiagem, nem para agüentar ter que andar de salto alto, ou para usar uma saia ou vestido e ter que tomar cuidado com cada mínimo movimento meu para não acabar mostrando demais, nem quero sair por aí mostrando o umbigo, eu tenho espelho em casa, então eu já sei que sou bonita e não preciso dessas coisas para me auto afirmar, mas se um dia me der uma doida ou, o que é mais provável, eu for fazer algum cosplay que precise disso eu posso acabar usando, e não estou dizendo que as outras garotas são superficiais e inseguras por usarem isso, embora algumas realmente sejam, se elas gostam de usar e se sentem bem com isso, então que usem, mas eu não gosto, então não uso.

Compará-la com Verônica, e pior, não apenas insinuar, mas afirmar com todas as letras que ela tinha inveja da prima a fez, definitivamente, perder de vez as estribeiras conosco:

—E se vocês acham. — ela apontou o dedo para nós com um olhar mortífero — Que eu tenho que mudar meu jeito de ser, ou deixar de gostar das coisas de que gosto para poder andar com vocês, porque vocês me acham estranha demais e se envergonham de mim...!

—Nós não nos envergonhamos de você... — tentamos dizer já arrependido de tudo que tínhamos dito.

—Então vocês não são os amigos que me disseram ser.

Ela completou nos dando as costas e indo embora, sendo seguida por seus três amigos — a de cabelos azuis ainda teve tempo para dar uma parada nos olhar e cuspir um “idiotas” antes de realmente ir embora.

Dizer que nós “pisamos no calo” de Ayume é pouco, doutora, porque nós pisamos mesmo foi na mina terrestre dela.

Depois disso nós não voltamos a ver ou falar com Ayume pelo resto das férias, porque ela não apareceu mais lá em casa e nos bloqueou de seu celular, não atendendo mais nossas ligações nem recebeu nossas mensagens, conseguimos com Maya um dos facebook dela — ela tem dois: um para a família e um para os amigos (virtuais ou não) — mas nem assim conseguimos falar com ela, porque ela recusou nossos pedidos de amizade e ignorou todas as nossas mensagens, que, se lembro bem, chegaram quase a 200.

Ela nunca ficou, e esperamos que nunca mais fique, tão irritada conosco quando nessa vez, imagine então o nosso choque quando, na vez seguinte em que a vimos, o ano letivo recomeçou e Ayume apareceu na escola carregando uma espada nas costas.

Mulheres são mesmo perigosas, doutora, de várias formas possíveis.

 

 


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Notas finais do capítulo

¹ Referência ao capitulo 13.
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Caso alguém tenha interesse eu criei um Twitter especificamente para divulgar minhas estórias.
Quem quiser é só me seguir lá.
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