Gêmeos no Divã escrita por Lady Black Swan


Capítulo 11
6° Consulta - parte 1


Notas iniciais do capítulo

Bem, não tenho muita coisa a dizer a respeito desse capitulo, eu acho.
Então espero que aproveitem.



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Depois de mais de um mês de consultas a Dra. Frank Lorret já havia se acostumado com a presença semanal alegre e descontraída de seus peculiares pacientes gêmeos, mas, naquela tarde em especial, eles chegaram como uma tempestade de nuvens escuras e um furacão, tudo ao mesmo tempo.

Eles, que geralmente eram tão alegres e comunicativos, naquele dia entraram batendo a porta e marchando calados consultório adentro, sentaram-se os dois no divã, pernas abertas, cotovelos nos joelhos e rosto entre as mãos.

Dra. Frank esperou, eles não disseram nada, ela suspirou.

—Aconteceu alguma coisa rapazes?

—Ayume. — responderam sem erguer os olhos.

—Vocês e Ayume brigaram? — eles balançaram a cabeça — Então o que houve?

—Ela foi beijada. — o primeiro irmão ergueu os olhos.

—Por um cara desconhecido de olhos “muito azuis” vestido de capitão América. — o segundo irmão também ergueu os olhos.

Dra. Frank matutou sobre aquilo por um minuto ou dois.

—E isso é tão ruim assim?

—É! — os dois responderam, e voltaram a afundar o rosto entre as mãos — Nunca mais vamos a deixar ir sozinha a outro evento.

—Achei que ela tivesse ido com Verônica.

—Isso é o mesmo que nada. — eles afirmaram.

A doutora cruzou as pernas e inclinou-se de lado.

—Querem falar disso?

Os gêmeos balançaram a cabeça.

—Não. — responderam — É melhor continuarmos falando de Verônica.

Frank Lorret já havia notado certo padrão nos rapazes: sempre que algum assunto os incomodava, eles preferiam falar de um que os incomodava, mas não os incomodava tanto quanto o outro: falar do evento ao qual Ayume os levara os incomodava, mas não tanto quanto falar de Verônica, então eles falavam do evento, falar de Verônica os incomodava, mas aparentemente não tanto quanto falar de Ayume ter sido beijada, então eles falavam de Verônica.

Certamente quando eles encontrassem algo que os incomodasse mais do que Ayume ter sido beijada, eles falariam de Ayume ter sido beijada.

O segundo irmão foi quem tomou a palavra:

♠. ♣. ♥. ♦

Doutora, se nos lembramos bem, em nossa primeira consulta a senhora nos disse que poderíamos falar tudo o que quiséssemos aqui, porque tudo ficaria em completo sigilo, não é?

Pois bem, pois é confiando na sua palavra, que vou lhe contar uma coisa com a plena certeza de que isso nunca chegará aos ouvidos de nossa mãe: se tivesse sido um de nós a pegar uma queda igual aquela que Ayume pegou, pode ter certeza que usaríamos isso para não aparecer na escola por, pelo menos, uma semana.

E quando aparecêssemos, mas essa parte tudo bem em contar para mamãe, estaríamos usando bandanas para as pessoas não saberem qual foi dos dois o que se machucou... E considerando que a Ayume ralou um pouco o braço também, nós provavelmente estaríamos de mangas compridas... Tá, agora deixando o “momento confissão neurótico” de lado, vamos à história.

No dia seguinte á queda, Ayume não apareceu na escola, o que não estranhamos porque, como já dissemos, nós mesmos não teríamos ido, mas então na parte da tarde, no horário de educação física, porque a aula de Ed. Física é num horário a parte das aulas normais, lá estava ela junto com suas duas amigas, nem sinal do garoto, fazendo os alongamentos para começar a aula, o que pessoalmente achamos um grande cinismo da parte dela, porque Ed. Física é outra aula que fazemos junto com ela além de espanhol, então sabemos que, pelo menos desde que entrou no ensino médio, Ayume não fez uma aula sequer de Ed. Física.

Na verdade, basicamente o que ela faz é ir para a aula, dizer “presente” na chamada, fazer os alongamentos — e temos que admitir que ela seja boa nisso — e depois vai se sentar em algum lugar para ver aqueles desenhos japoneses pelo celular ou ler seus quadrinhos monocromáticos.

Assim que a vimos começamos a ir até ela, mas quando percebemos que elas estavam falando do ocorrido no dia anterior nós paramos, porque talvez pudéssemos descobrir mais coisas sobre o assunto.

—No seu lugar eu não teria vindo. — estava dizendo uma de suas amigas, uma que era meio rechonchuda e tinha cabelos azuis e óculos enormes de armação também azul — Você nem sequer participa da aula...

Veja bem doutora, não é só Ayume que vai à aula de Ed. Física só para dar presença, são vários outros também... Na verdade, muitos nem aparece e ficam com falta mesmo, como o tal Renato — a menos que ele esteje em um  horário diferente do nosso, o que é bem possível também —, isso porque o professor não se importa com quem participa ou não da aula, ele não se importa nem em ministrar a aula, todo terça-feira e quinta-feira tudo o que ele faz é fazer a chamada e depois dar duas bolas para os alunos — uma para meninas e outra para os meninos — quem quiser vai jogar, quem não quiser pode ficar por ai de bobeira ou então ir pra casa mesmo, pois é, alguns professores são mais dedicados que outros...

—Eu sei, mas é que eu queria um momento de paz. — Ayume suspirou encostando no chão com as palmas das mãos sem dobrar os joelhos, mas deve ser fácil pra ela, já que ela está tão perto do chão... Opa, que ela nunca saiba que falei isso — JJ ainda estava na escola e Santiago na faculdade quando cheguei, mas Guilherme só tem cursinho à tarde, eu disse que só me arranhei e mamãe confirmou, mas ele insistiu em me levar a um pronto-socorro.

Ayume sempre nos diz que não é “cinismo” fazer alongamentos e depois ficar só de bobeira por lá, é que seria um desperdício do dinheiro da passagem se ela simplesmente fosse até lá, dissesse “presente” e fosse embora, então ela faz os alongamentos para sentir que fez alguma coisa, assim sua consciência não fica pesada, e depois fica por lá de bobeira porque sua consciência também não pesa tanto assim, porque ela realmente odeia exercícios físicos... O que nos deixa na dúvida de como ela consegue ser tão magra, talvez seja porque ela praticamente não come nada — às vezes a gente até fica imaginando se por acaso Ayume não se mantém viva através de fotossíntese.

—Isso é um pouco de exagero, não é? — perguntou a outra amiga, mais magra e baixa, negra e com olhos cor de mel, daquela cor de mel que às vezes parece verde dependendo da luz, assim como os nossos, se apoiando numa perna só enquanto puxava o calcanhar para trás.

—É, e lá eles só fizeram refazer o meu curativo, nem levei pontos nem nada. — Ayume começou a alongar a parte de cima do corpo.

Talvez ela goste dos alongamentos por que tem esperança que a deixem mais alta?

—Mas por que você não veio para as aulas de manhã, mas veio para a Ed. Física? — a mais magra perguntou tentando tocar as pontas dos pés sem dobrar os joelhos e falhando miseravelmente, provando que a nossa imagem dela de uma “corredora de rua” podia não ser tão verdadeira assim...

—Porque eu não queria vir pra aula, mas uso a aula de Ed. Física como um horário de descanso para por meus mangás e animes em dia. — ela respondeu agora alongando o corpo todo — Sabem como é difícil ter um pouco de paz na minha casa?

—E você sabe quem te empurrou ontem? — a de cabelos azuis perguntou parando com os alongamentos.

Ayume também parou com os alongamentos.

—Ninguém me empurrou. — Ela negou — Alguém esbarrou em mim, só isso.

—Sei. — fez a de cabelos azuis — E esse alguém, por acaso foi a Débora? Renato disse...

Ayume encolheu os ombros.

—Eu realmente não sei quem foi que esbarrou em mim.

—Não sabe ou é isso que você diz na sua casa para seus irmãos não aparecerem aqui? — alfinetou a de cabelos azuis.

—Ai Ayume. — a mais magra suspirou quando Ayume manteve-se calada — Você sabe que essas nojentas só vão te deixar em paz quando você...

—Acho que a partida já vai começar, parece que hoje vai ser vôlei de novo. — Ayume a interrompeu “inocentemente” — Vocês duas deviam ir logo, ou não vão conseguir entrar nos times, eu fico com as coisas de vocês.

As duas meninas olharam, viram que era verdade, entregaram as coisas delas para Ayume — a de cabelos azuis entregou os óculos também — e se foram.

Me diga doutora, a senhora já teve a impressão de que todo mundo sabe de alguma coisa menos você e seu irmão gêmeo? Nós já.

É como quando passamos nosso primeiro aniversário com nossos pais — cuja data nós mesmo escolhemos porque não sabemos a verdadeira — e achamos que eles estavam planejando nos devolver para o orfanato, mas na verdade só estavam planejando uma festa surpresa.

Agora, voltando à história...

Como Ayume sempre fica por ali na aula de Ed. Física sem participar realmente das aulas, as pessoas costumam dar as coisas delas para ela reparar — às vezes, só de zoeira, ela constrói um “forte” em volta de si com todas as bolsas e mochilas que lhe entregam.

Ayume ajeitou as bolsas das meninas nos ombros e se virou, foi quando ela nos viu.

—O quanto vocês ouviram? — perguntou surpresa.

—Um pouco. — respondi.

—Ou então tudo. — meu irmão completou.

—Há quanto tempo estão aí?

—Algum. — meu irmão respondeu.

—Não muito. — completei.

Ela balançou a cabeça e tentou passar por nós.

—Francamente, ninguém nunca ensinou á vocês que é feio ficar escutando a conversa dos outros?

Mas nós a pegamos antes que pudesse se afastar.

—Mas nós só estávamos ouvindo porque você é nossa melhor amiga pequena Ayume. — justificamos a abraçando — E nos importamos com você.

—Eu também me importo com vocês. — ela respondeu nos abraçando também.

Nós continuamos a abraçá-la esperando até o momento que ela ia começar a se irritar, isso levou mais ou menos uns dez segundos.

—Rapazes, vocês já podem me soltar. — nós não soltamos — Ei já chega... Larguem-me... Vocês estão me ouvindo? Eu disse para me soltarem... Ei!

Ela começou a se debater e sacudir os braços tentando se livrar de nós, enquanto tudo o que fazíamos era rir e apertá-la mais.

—Não resista ao nosso amor, pequena Ayume! — dissemos.

—Me larguem! — ela continuou lutando.

Por fim nós rimos e finalmente a soltamos, e Ayume começou a se afastar imediatamente após isso... Até parece que a gente não ia atrás dela.

—Ei Ayume, porque você nunca nos fala da sua família? — reclamamos.

—Uh? Acho que é porque não tem muita coisa pra falar.  — respondeu sem se virar, encaminhando-se para a arquibancada.

—Mesmo assim deve ter algo para se saber! — dissemos.

Ayume sentou-se na arquibancada e nos olhou.

—O que vocês querem saber?

—Bem...

Pra falar a verdade não tínhamos nada em mente.

—Minha mãe tem um irmão mai novo, que eu quase nunca vejo, e ele tem uma filha de uns três anos, mas eu nunca a conheci pessoalmente porque ela mora com a mãe, o pai deles, meu avô, veio do Japão há mais de cinquenta anos, eu acho, e mesmo assim nunca perdeu o sotaque. — Ayume começou a contar, antes que pudéssemos pensar em alguma coisa — Já meu Pai, é o mais velho de quatro irmãos, e somando os filhos dos três irmãos dele, eu tenho meia dúzia de primos e primas idiotas que há anos brincam de fazer a mesma piadinha sem graça de não saber qual de meus irmãos é o Santiago e qual é o Guilherme e qual de nós sou eu e qual é o JJ. Fora isso meus pais têm uns primos espalhados pelo Brasil, e acho que minha mãe também tem uns primos que nunca conheceu no Japão, filhos e netos de uma irmã mais nova e um irmão mais velho do vovô.

—Por que seus irmãos têm nomes assim? — Meu irmão perguntou.

—Assim como? — ela quis saber.

—É que, sabe, o seu nome é... — tentamos explicar.

—Oriental?

—Diferente. — dissemos. — E os nomes de seus irmãos são...

—Ocidentais?

—Normais.

—Ah, isso é porque meus irmãos, diferente de mim, preferem usar o segundo ao invés do primeiro nome.

—Como assim? — perguntei cruzando os braços.

—Todos nós temos o nome composto por um nome oriental seguido de um ocidental, por isso meus irmãos, na verdade, se chamam: Takanori Santiago, Keijiro Guilherme, e Jun Jorge.

—Ah. Como você que se chama Ayume G...

Íamos dizendo quando percebemos o olhar sinistro de Ayume sobre nós.

—Digam meu segundo nome em voz alta e eu juro que nossa amizade acaba aqui. — e ela falava sério, eu juro! Essa garota sabe ser assustadora quando quer — Em fim, meus irmãos não gostam muito de seus nomes orientais, então os chamamos só de Santiago e Guilherme, exceto por JJ, ele também não gosta muito de “Jorge”, porque diz que isso é nome de velho, aliás esse era o nome do pai de nosso pai, então nós o chamamos de JJ. Ah! Uma curiosidade interessante: Na verdade meu nome seria “Ayumi”, com “i”, mas houve um erro no cartório e acabou sendo “Ayume”.

—E quanto à Verônica? — perguntamos de repente.

Ayume estava mexendo em sua bolsa marrom — que como já dissemos, é horrorosa — que ela usa tanto para ir ao evento quanto à Ed. Física, porque vai ver que essa é a única bolsa dela.

—Verônica se chama Verônica Dantas Félix, e é só isso, ela tem o nome que deveria ter, e não tem nenhum nome estranho do qual se envergonhe...

—Não. — falei.

—Não é isso. — meu irmão completou.

Ayume nos olhou.

—Então é o que?

—Ela tem namorado? — perguntamos.

Naquela hora a pergunta foi inocente doutora, bom, pelo menos do nosso ponto de vista, eu juro.

Mas Ayume ficou visivelmente chateada com essa pergunta.

—Por que querem saber algo assim?

Nós nos movemos desconfortáveis com a reação dela.

—Por... — meu irmão tentou dizer.

—Curiosidade. — completei.

—É! — ele confirmou.

—Curiosidade. Sei. — Ayume resmungou mexendo em sua horrível bolsa marrom, e tirando de lá um notebook — Não, Verônica não tem namorado, e pelo que sei, ela nunca teve também, Verônica prefere sair e se divertir com os rapazes do que ter um relacionamento sério com qualquer um deles, e não acho que isso seja errado. — e aí Ayume entrou em “modo automático” e começou a responder às perguntas que nós ainda nem tínhamos feito, mas que ela certamente já tinha ouvido muitas vezes, como nós quando respondíamos perguntas sobre gêmeos, só que de um jeito mais frio e assustador: — Eu não tenho idéia de que tipo de cara Verônica gosta ou desgosta, mas, pelo que eu saiba, ela nunca saiu com alguém de óculos, mais baixo que ela, ou gordo, nem mesmo levemente cheinho, a cor favorita dela é azul claro, suas flores favoritas são as margaridas, mas ela detesta ganhar flores, e chocolate engorda, e não, eu não posso dar o número de telefone dela... Eu confesso meninos, nunca esperei que entre todos, justo vocês viriam até mim por curiosidade a respeito de Verônica... Mas acho que é natural, todos os garotos se sentem “curiosos” quando o assunto é Verônica.

Então colocou os fones de ouvido e passou a ignorar o mundo exterior, como sempre fazia quando começava a ver seus desenhos japoneses durante a aula de Ed. Física, só que dessa vez ela parecia um tanto triste, nós nos sentamos com ela na arquibancada, um de cada lado seu, e ficamos assistindo a falha tentativa das meninas de jogar vôlei, e que geralmente resultava em boladas na cabeça, e dos meninos, do outro lado da quadra, chutar as canelas — e às vezes costelas — uns dos outros enquanto perseguiam a bola e se sentiam jogadores profissionais... Ah iludidos.

Sabe doutora, nós achávamos que Ayume tinha ciúmes da prima, mas na verdade ela só estava cansada de ver o mesmo filme toda vez.

—Se vocês tiverem mais alguma dúvida. — ela voltou a falar, depois do que pareceu uma eternidade inteira — Perguntem para a própria Verônica, peçam o número dela.


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Notas finais do capítulo

Então é isso, até a próxima semana, e não se esqueçam: Podem se sentir a vontade para escrever comentários com perguntas, hipóteses e teorias, eu lerei e responderei a todas carinhosamente, mas sem spoilers. :D



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