Amor Perfeito escrita por Layla Glêz


Capítulo 1
Capítulo Único: Jane


Notas iniciais do capítulo

Olá! Como estão?
Essa história era para ter sido postada no dia dos namorados, mas eu não achei um título nem uma capa até agora.
Espero que gostem!
Boa leitura!



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Stephen chegou em seu apartamento. 19h em ponto, como sempre. Colocou as chaves sobre a mesa, a bolsa sobre o sofá. Tirou os sapatos ainda na entrada. Perguntou por Marlene e a viu assistindo televisão, com as luzes apagadas. Sorriu consigo. Ela sempre esquecia de acender as luzes quando ficava escuro, sempre ficava imersa na novela, no jornal, em qualquer programa que estivesse passando.

Deu-lhe um beijo na testa, perguntou-lhe sobre seu dia, ela respondeu sobre a vida dos vizinhos, sobre o barulho do novo morador do andar de cima. Os móveis eram sempre arrastados e isso a irritava. Ele deu um suspiro, falou que faria o jantar. Marlene disse que estava sem fome e o fez dar de ombros, supostamente desinteressado.

Já na cozinha, ele se pegou pensando em Jane — sua primeira namorada. Ela sempre dava um jeito de esbarrar os cotovelos com os dele, ria de um jeito esquisito, distraia-se com facilidade e foi por isso que terminaram. Bem, não exatamente por isso.

Conheceu-a em uma feira cultural, nem ele sabia se explicar o que fazia no evento, mas viu a garota de trejeito espontâneo e terminou se aproximando. Logo descobriram ser completamente opostos, ele tinha paixão pelos números; ela, pelas letras. Ele era direto, preciso, vivia caminhando por linhas retas, gostava de roteirizar a vida. Ela apreciava o improviso, se atrasava quase sempre, ria em momentos inoportunos e bebia no meio da semana, sem ter nenhum porquê.

Ela era romântica; ele, frio. Na verdade, certa vez ela viu romantismo nele, quando comentou que seu grande ídolo — também Stephen — tinha se casado com uma Jane. Mas dos Stephens, ela preferia King a Hawking e ele não entendia como alguém gostava mais de um escritor que de um físico. Contudo, para esse Stephen — o anônimo — o comentário tinha sido simplesmente aleatório, nada de romantismo. Uma mera coincidência.

E, é claro, eles brigavam todo dia. Ou melhor, Jane brigava com ele todos os dias e as reclamações o deixavam exausto. No fim de tudo, faziam as pazes, exatamente assim, na cozinha. Esbarrando cotovelos, rindo, beijando. Por vezes, terminavam na cama, noutras, no sofá. Ele sabia que bem no fundo gostava das expressões dela, das distraídas às irritadas. Gostava do modo como levava a vida sem preocupações e, como um bom devoto da física, acreditava na lei que dizia que os opostos se atraem.

Assim, todos os dias, a perdoava por suas expectativas, por seus devaneios, por seus atrasos. Dizia que se não estivesse com ela, com quem mais estaria? E ouvia por resposta de seus amigos aquelas velhas frases "vocês são tão diferentes", "não tem como isso dar certo por muito tempo".

Continuava insistindo, sem um motivo específico. Foi assim até que, certo dia, descobriu que seus amigos tinham razão. O namoro acabou. Durou três anos e dois meses, ignorando todos os términos e voltas, e no fim Jane desistiu de tentar, de sorrir. Sem aquele sorriso, desinibido, escandaloso, repleto de falhas e imperfeições, ele não conseguia encontrar um motivo pelo qual valesse a pena continuar com aquele relacionamento. Era como se uma luz tivesse se apagado, tudo pela falta de um mísero crispar de lábios.

Quando acabou, tinha de tomar nota, foi de um modo metódico. Duas frases ditas como se falassem sobre as horas, algo mais ou menos assim:

"Nos vemos amanhã?"

"Não, Steph."

No dia seguinte, ele a viu, mas com um outro amigo. Stephen observou os dois rindo, um riso largo e farto. O som que despertava nele algo além dos ciúmes. O que tinha feito de errado? Ela o encarou e seu sorriso não desmanchou por um segundo sequer. Era como se dissesse, sem palavras um "estou seguindo em frente". Assim, ele seguiu também, com um esquisito aperto no peito.

Desolado? Talvez. Nem ele sabia dizer. Tentou seguir aquelas dicas de superar um amor com outro, esquecer-se de Jane. Assim, encontrou Clara, sua segunda namorada, literalmente cara demais. Terminou não gostando dela. Tinha os cabelos cheios demais, claros demais, era muito tímida e insegura. Com três meses, ele a trocou com um amigo, recebendo Marlene.

Não tinha do que reclamar, Marlene era quieta e tinha um humor parecido com o seu próprio. Ficava em casa a maior parte do tempo, gostava da rotina. Não cozinhava, não brigava por sua atenção, não esbarrava os cotovelos com os dele na cozinha. Ela apenas estava presente, o tempo todo. Todos os dias. E a rotina se repetia: quando saía ele lhe dava um beijo na boca, quando voltava, a beijava na testa, ela jantava só, ele também. E à noite os dois assistiam a um filme policial qualquer ou ficavam no absoluto silêncio.

Céus, como ele amava Marlene! Ela era perfeita. Extraordinária. Tinha um corpo de modelo e cílios longos, o rosto oval e simétrico. Seu cabelo estava sempre muito bem cuidado. Não usava saltos, não precisava. Cuidava da própria vida e nunca se atrasava.

Ela também falava pouco, mas quando o fazia era com uma voz melodiosa e não se importava com silêncios constrangedores. Também não era ciumenta, nem reclamava das horas que ele trabalhava a mais para ganhar um extra. Marlene não se importava se ele chegava tarde, ou se saía cedo demais para o trabalho. Ela era simplesmente o tipo de mulher que sonhava ter desde sempre.

Mas, ainda assim, ele não a tinha apresentado a seus amigos.

Todas as poucas vezes que Marlene perguntara quando ia conhecê-los, Stephen desconversava. Até que ela parou de perguntar. Não se sentia preparado para ouvir as comparações. Ou para supor os comentários de como sua ex era mais bonita e charmosa, ou como ele sorria mais frequentemente antes do término com Jane.

Verdade seja dita, ainda não tinha superado Jane. Cortou o dedo com o pensamento e resmungou um palavrão, pegou um pano de prato e pressionou o ferimento, com raiva de si mesmo por lembrar que, não muito tempo antes, havia trocado o nome das duas.

Chamou Marlene de Jane. A primeira não disse nada, apenas lhe perguntou quem era. Quando ele explicou, ela não ficou incomodada, não falou nada. Aliás, não falava mais nada desde então. Largando o tecido manchado, notou que jamais tinha escutado sua voz, ou tinha?

Correu de volta à sala, deixando a comida no fogo. Fez a Marlene uma dúzia de perguntas, algumas completamente triviais, e não ouviu nada.

Nada.

Sequer recebeu um olhar.

Quando se sentou ao seu lado e segurou sua mão, percebeu que ela era fria. Completamente gelada. Chamou de novo por ela, sacudiu, gritou.

E ela não se mexeu.

Aturdido, ligou para um amigo, sentindo que as batidas de seu coração eram mais altas que o som do celular. Andou de um lado a outro, exasperado, até que ouviu uma voz conhecida do outro lado:

— Stephen, estava tentando te ligar!

— Cara, você não vai acreditar... — tentou falar.

— Espera, depois tu me diz. Mas agora esconde a Marlene.

— Por quê?

— Jane me ligou, disse que queria falar contigo. Ela falou que ia passar por aí.

— Era justo sobre isso que queria falar, a Marlene não tá se mexendo!

— Claro que não, ela é uma boneca!

— Uma boneca?

— É, Steph! Cara, você tá bem?

Então ele lembrou. Da noite mal sucedida com uma prostituta, da brincadeira de seus amigos. Eles tinham lhe dado Marlene, uma dessas bonecas-humanas; ela era tão real que assustava. Ele a tinha largado no sofá desde então e aos poucos se acostumou a presença dela. Tanto que achou que ela fosse de carne e osso.

Passou a mão pela testa, limpando o suor frio que escorria.

— To, foi só... Deixa pra lá. Jane te ligou? Ela vem aqui de que horas?

— Disse que ia lá pelas oito. Mas sabe como ela é, né?

Stephen olhou para o relógio. 19h30. Respirou fundo.

— Sei. Sei. Valeu, cara.

Desligou. Olhou para a boneca, a pegou nos braços e se apressou a colocá-la em um armário. Escondida para que se livrasse dela depois, talvez devolvesse a brincadeira, passasse para um amigo necessitado.

Às 19h50 estava pronto. Ou pelo menos tinha tomado um banho e se vestia de maneira casual.

A campainha tocou, ele conferiu a hora.

— Steph? Pode abrir? Sou eu, Jane.

Ao passar pela sala, olhou de novo para o relógio. 19h50. Abriu a porta e não pode deixar de comentar surpreso:

— Chegou na hora.

— Que hora? O Lúcio te ligou, né? Eu falei que queria fazer uma surpresa e chegava às sete. — Ela riu, aquela risada tosca e nasalada. ­— Acho que me atrasei.

Stephen riu, abrindo a passagem para ela.

— Ele falou que chegava às oito.

Jane mordeu o próprio lábio, reprimindo um riso pequeno.

— Ah, então cheguei antes da hora.

— É... Chegou.

Ele se sentiu meio desconfortável. Ofereceu o sofá com um gesto de mão. Ela se sentou. Ficaram se encarando até que ela disse:

— Que cheiro é esse?

Stephen inalou o ar, mas nem precisava ter feito. O cheiro de queimado se espalhava pelo apartamento, junto a fumaça.

— Merda! — Saiu praguejando, em direção à cozinha. Jane o acompanhava, observando enquanto ele pegava a panela e jogava os restos de alguma coisa no lixo.

Foi ali, enquanto ele tentava limpar o estrago em no diminuto espaço entre o fogão e uma mesinha de canto, que ela tomou a panela de sua mão, oferecendo-se silenciosamente para ajudá-lo.

Os cotovelos se esbarraram. Os olhares se encontraram. Os dois riram.

E não disseram nada. Afinal, o que havia para ser dito?


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Notas finais do capítulo

Se chegou até aqui, deixe sua opinião! E, se achar que vale o esforço, recomende! Fazem esta autora feliz!
Espero que tenham gostado!
Até qualquer outra história!
Beijos!



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