Não era pra ser assim... escrita por Madreamer


Capítulo 5
Um recomeço?


Notas iniciais do capítulo

* Toc toc *
Tem alguém aí?
Boa noite, gente!
Eu demorei, eu sei, mas finalmente cheguei com o novo capítulo.
Desculpem-me pela demora e espero que gostem!



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            — O-O quê?! — minha voz vacilava. As lágrimas já ameaçavam cair.

            —Sim, filho. Ele chegou ao hospital tem uma hora, mais ou menos.

            — Ele tá bem? Vai ficar tudo bem com ele?

            Ouvi minha mãe respirar fundo e soltar o ar lentamente. Ela estava ponderando se deveria ser sincera ao responder.

            — Nós não sabemos — disse por fim. — Ele perdeu muito sangue e está instável. Não dá pra garantir nada.

            Não fui capaz de dizer mais nada. Estava difícil ver através das lágrimas que manchavam meus olhos. Larguei o celular e abracei o travesseiro. Aquele cheiro... O cheiro de Jean... Era tão bom. Não só seu cheiro, mas também sua companhia. Eu precisava vê-lo.

            Ergui-me e vesti um casaco. Não me dei ao trabalho de secar as lágrimas ou de estar com um rosto apresentável, nem mesmo de tirar o pijama. Apenas saí de casa com passos apressados.

            Estava chovendo. Era como se os céus chorassem por Jean. Mesmo assim, andei o mais rápido que pude.

            Encharcado, adentrei o hospital. As moças da recepção me dirigiram um olhar preocupado.

            — Senhor, está tudo bem? — perguntou uma delas.

            E foi quando eu vi Jean em uma maca sendo levado para algum lugar.

            — Jean! — gritei e corri em sua direção.

            Eu estava a alguns passos de distância de sua maca quando dois seguranças surgiram do inferno e me barraram.

            — Não! Jean! — gritei.

            — Senhor, você precisa se identificar — falou um dos seguranças.

            Tentei passar por eles, mas um deles me segurou fortemente pelo braço.

            — Me deixa vê-lo! Por favor! — implorei em vão.

            A maca já tinha sido levada. As lágrimas persistiam, por mais que eu tentasse controlá-las.

            — Senhor, se identifique na recepção, por favor.

            Assenti e me dirigi ao local. Levou um momento para a recepcionista entender minhas palavras em meio ao pranto.

            Quando finalmente consegui o adesivo de identificação fui correndo para o quarto que me fora indicado. Jean estava lá.

            — Jean! — aproximei-me dele. — Jean, por favor, fala comigo!

            Não consegui resposta alguma. Ele nem sequer se mexeu. Respirava por um tubo. Acariciei seus cabelos levemente.

            — Por favor, Jean, fique comigo — sussurrei. — Não me abandona.

            Já não me importava mais se ele era de uma gangue ou não. O que me importava é que ele podia morrer a qualquer momento. E que eu sentiria muita falta dele.

            Fiquei lá mais um tempo, observando seu rosto calmo. Se não fosse pelo tubo respiratório eu poderia dizer que ele estava dormindo.

            Saí do quarto e fui procurar minha mãe. Eu sabia que ela estava cuidando de Jean.

            — Mãe! Tem alguma novidade sobre Jean? — perguntei assim que a vi, correndo em sua direção.

            — Marco — ela secou minhas lágrimas —, não era pra você estar aqui. Eu sinto muito, mas ainda não podemos afirmar nada. Vem cá — e ela me envolveu num abraço.

            Marina não disse nada como "Vai dar tudo certo". Assim como eu, ela temia o pior.

            — Você sabe o que aconteceu com ele? — indaguei com a certeza de que foi algo relacionado a gangues.

            — Não. A polícia recebeu uma ligação anônima de alguém dizendo ter ouvido tiros. Quando eles chegaram ao local só encontraram Jean caído e sangrando.

            Passou-se um longo momento de silêncio.

            — Você sabe o número dos pais dele, pra eles serem avisados? — perguntou ela. — Não consegui encontrar nada nos registros do hospital.

            “Ele não tem pais", pensei sem me manifestar. Aquele não era um bom momento para ela saber da história de Jean, então, só dei de ombros.

            — Certo...

            Mais um momento de silêncio.

            — Filho, vai pra casa — ela me olhou nos olhos e, novamente, secou minhas lágrimas. — Qualquer novidade eu te aviso.

            Assenti fracamente e fui andando.

            — E tome um banho quando chegar em casa. Não quero que você pegue um resfriado — ela me acompanhou e me deu um beijo na bochecha. — Faremos o possível — afirmou.

            Segui o caminho devagar. A chuva havia parado, porém, ainda estava frio. As lágrimas não deram trégua por um momento sequer.

            Cheguei em casa e fui direto para o banheiro tomar um banho quente. Mas nem mesmo um banho quente foi capaz de me aquecer. Eu ainda tremia sob uma pilha de cobertores, e não era só pelo frio. Eu estava com medo de perder Jean, apesar de já tê-lo perdido uma vez. Não perdido, desistido dele.

            Embrulhei-me na cama e lá fiquei, chorando. Eu não sabia por que meu coração pesava tanto. Eu não estava com raiva de Jean? Eu não tinha cortado nossa amizade? Ele não era um idiota que matava porque queria? Ele não era alguém sem coração? Eu não me diverti com ele? Eu não estava com saudade dele?

            — Sim, Marco, você tá com saudade dele. Aquele cara de cavalo realmente se tornou importante — falei para mim mesmo, começando a chorar mais intensamente.

            Só dormi quando meu corpo não aguentava mais chorar, quando a exaustão me venceu. Eu sonhei com Jean. Sonhei que estávamos bem, assistindo um filme na sala enquanto ele bagunçava meu cabelo e me beijava. Não me surpreendi ao acordar com lágrimas nos olhos. Ele parecia tão feliz. Nós parecíamos tão felizes...

            Levantei-me e tomei um rápido café da manhã. Vesti uma roupa e fui ao hospital.

            Para evitar o show da madrugada, cheguei e logo me identifiquei. Minha mãe me encontrou rapidamente.

            — Marco! — ela me abraçou. — Você não vai descansar enquanto não tiver notícias, não é? — Não esperou uma resposta. — Ele ainda está instável, mas descobrimos algo ótimo: nenhum órgão vital foi afetado. As balas quebraram cinco de suas costelas e uma delas está alojada. Será preciso cirurgia para retirá-la, caso contrário, ela pode se mover e acertar seu pulmão.

            — Isso quer dizer que ele vai ficar bem?

            — Isso quer dizer que ele teve sorte de não ter um pulmão perfurado. Por causa da perda de sangue ainda não dá pra afirmar nada.

            — Ele já acordou?

            Minha mãe negou com a cabeça.

            Fiquei um momento em silêncio.

            — Eu posso... Visitá-lo?

            Ela assentiu.

            Cheguei ao quarto e ele estava deitado, imóvel na cama. Sentei-me na beirada da mesma e peguei sua mão, acariciando-a com o polegar.

            — Por que você teve de se meter nessas idiotices de gangue? Eu não quero perder mais ninguém pra elas...

            Fiquei lá por um longo momento, até que fui expulso por uma enfermeira afirmando que eu “estava dificultando seu trabalho”.

           Voltei para casa e fiquei desenhando. Eram todos desenhos de Jean. Em cada um deles ele sorria e, sem que percebesse, eu o desenhei me beijando com uma de suas mãos acariciando meu rosto. Ele conseguiu o que queria: que eu me apaixonasse por ele. Agora era definitivo.

            — Em uma semana, Marco. Não acha que está se precipitando? — balbuciei.

            Mais um dia se passou sem eu ter feito nada de útil, nada mesmo. Eu mal tive coragem de me levantar para comer e tomar banho.

            À noite, eu estava quase dormindo quando minha mãe entrou no quarto.

            — Mama, você tá bem? — indagou. Ela estava com olheiras.

            — Vou ficar.

            — Filho, nós faremos o possível pra ele ficar bem.

            — Eu sei. Eu confio em vocês.

            Ela sorriu com o comentário.

            — Esteve bastante ocupado, não? — indicou os desenhos sobre minha escrivaninha.

            — Só um pouco — sorri fracamente.

            — Vamos, Mama! — ela estava me provocando. Minha mãe sabia melhor do que ninguém que eu odiava aquele apelido. — Você não vai deixar isso abalar você desse jeito, vai? Ainda há esperança!

            Eu não respondi. Foi quando ela percebeu o quanto Jean era importante para mim. Aquela aflição me corroía. A aflição de não saber se eu vou vê-lo sorrir outra vez. Com meu pai não teve isso. Não teve a tortura mental. Eu sabia que nunca mais o veria e que precisava continuar com minha vida. Com Jean é diferente. É como se essa aflição fosse uma parede que me cercava, me impedindo de ir para frente ou para qualquer outra direção.

            Antes que eu conseguisse impedir, as lágrimas escaparam. Marina me abraçou fortemente.

            — Eu preciso dele, mãe. Eu apenas... Preciso.

            — Marco, olha pra mim — fiz como fui mandado e ela secou as lágrimas com os polegares. — Ele vai ficar bem. Eu vou fazer dar tudo certo.

            Voltei a chorar. Puxei-a pra mais perto de mim e deitei minha cabeça em sua perna. Ela acariciava meus cabelos.

            — Eu prometo, Marco. Ele vai ficar bem.

            E eu adormeci. Adormeci com o cafuné. Adormeci com o fraco cheiro de Jean que se dissipava pouco a pouco. Adormeci com a esperança de que Jean ficasse bem.

***

            Segunda-feira. Mais um dia de aula. Mais um dia sem Jean.

            Levantei-me sem muita animação. Na verdade, sem animação alguma. Arrumei-me e fui para a escola.

            Sasha e Connie já estavam lá e conversavam animadamente. Acho que não sabiam da notícia. Optei por não preocupá-los. Ou talvez eu quisesse ter Jean só para mim.

            Aulas, aulas e mais aulas. A única vantagem disso é que pude me distrair um pouco, tirar os pensamentos de Jean.

            Assim que o sinal bateu, saí da sala às pressas. Mesma história de identificação e corri para o quarto de Jean. Ele estava lá, estático.

            Sentei-me na beirada da maca e acariciei seu rosto pálido. Examinei cada centímetro, cada milímetro de suas feições. Deslizei um dedo por seus lábios e, então, afaguei seus cabelos de dois tons. Fiquei lá por um bom tempo.

            Em determinado momento, comecei a desenhá-lo. Foram só quatro dias sem vê-lo sorrir e eu já sentia falta daquilo. Após terminar a ilustração, deixei-a sobre o criado ao lado da cama. Acariciando suas mechas claras uma última vez, eu saí do quarto como se aquilo fosse um "adeus".

***

            Os dias passaram sem sequer uma reação de Jean. Cada noite era um pesadelo, uma pior que a outra. Minha alma era consumida pela angústia, pelo medo. Às vezes eu desejava que Jean morresse logo. É egoísta, eu sei, mas assim eu teria que seguir em frente, esquecê-lo. Não haveria outra opção.

            Eu o visitava no hospital todos os dias e deixava-lhe alguns desenhos e mensagens como "Melhore logo".

            O resto da gangue ficou sabendo da situação de Jean por Sasha, que me perguntou do desaparecimento dele. A garota passou a me cumprimentar com um abraço todos os dias e sempre indagava se eu queria conversar sobre como eu me sentia. Eu simplesmente negava e segurava as lágrimas.

            Eu fui me aproximando aos poucos do grupo. Descobri que Jean já fora apaixonado por Mikasa e que Eren só entrou na gangue porque a morena (e também namorada) pediu. Aparentemente, o garoto de olhos verdes e o de cabelo de dois tons são rivais eternos (não sou o único que o chama de cara de cavalo). Contaram-me que os "Titãs" não eram só aquilo. Havia mais cinco pessoas que não estudavam na escola.

            Armin era bem tímido e parecia que só estava na gangue por pena, para tentar dar alguma esperança a Jean. Ele aparentava ser do tipo que treme ao ver uma arma. Sasha e Connie eram bem extrovertidos e estavam sempre fazendo besteiras juntos, como quando saíram de sala quando um professor disse "Quem não quer ter aula, dá o fora" e ficaram batendo na porta das outras salas para atrapalhar as aulas (e sem serem pegos).

            Na quinta-feira, todos fomos ao hospital depois da aula. Connie abraçava Sasha e Armin estava com os olhos marejados. Mikasa e Eren não demonstravam muito, mas era possível ver em seus olhos o que podia ser visto no olhar de todos nós: o medo de perder um amigo.

            — Vamos lá, cara de cavalo, não nos deixe aqui! Você sabe que o grupo não será o mesmo sem você! Com quem eu vou implicar se você não estiver mais aqui?! — Eren gritou depois de um tempo. Aquilo era tudo que eu precisava para desabar.

            Abaixei a cabeça para tentar controlar as lágrimas.

           — Boa, Yeager — repreendeu Sasha, aproximando-se e me abraçando. — Não se preocupe, Marco, ele vai ficar bem.

            — Mas já era pra ele ter acordado! — retruquei deixando escapar algumas lágrimas. — Já faz quase uma semana!

            A garota não respondeu, continuou me embalando. Depois de mais alguns minutos de silêncio absoluto, eles disseram que precisavam ir e se despediram, deixando-me sozinho com Jean. Fiquei com ele por mais um longo tempo, até eu tomar vergonha na cara e decidir cuidar da vida.

            Minha rotina se seguiu: escola, hospital, casa, menos no fim de semana, quando meu dia começava com a visita a Jean.

***

            Terça-feira. Aula de artes. Entrega do trabalho. Para piorar minha situação, o professor inventou que teríamos de falar sobre nosso parceiro. E, para me ferrar ainda mais, eu fui o primeiro a apresentar. Eu sabia que não me manteria firme ao falar de Jean, ainda mais para uma turma inteira. Apresentei sua caricatura e o primeiro desenho que fiz dele, no qual ele lia.

            — Meu parceiro é Jean — falei timidamente e em voz baixa na frente da classe. — Eu pensava que ele fosse egoísta. Assim que o vi, eu senti que o odiaria por toda a eternidade. Mas isso foi antes de eu o conhecer — engoli em seco e respirei fundo. — Descobri que ele se irrita facilmente, embora seja uma pessoa tranquila. Seus ideais são meio complexos e ele lutará para obtê-los. Mesmo sendo agressivo em determinados momentos, ele é gentil e divertido. Tem inúmeros problemas e um passado difícil, mas eu tenho certeza que ele se tornará especial pra você como se tornou pra mim. Basta conhecê-lo. Apesar da mania de estar sempre carrancudo, ele é carismático e tem uma personalidade forte e impulsiva. Seu sorriso é maravilhoso e sua gargalhada gostosa — falei ainda mais baixo, de modo que apenas eu ouvisse. Eu estava perto de chorar. — Ele estará lá quando você precisar dele e fará o possível pra te ajudar — lembrei-me de quando contei para ele como perdi meu pai. — Ele cozinha maravilhosamente bem e eu sinto sua falta — foi quando eu saí da sala com lágrimas molhando meu rosto. Corri para o mesmo lugar para onde "fugi" de Jean depois de toda aquela história dele balear o assaltante. O mesmo lugar que eu passei a chamar de nosso. Sentei-me apoiado na parede, abracei minhas pernas e escondi meu rosto entre os joelhos, começando a chorar. Eu podia sentir seu cheiro, eu podia ouvir sua voz, eu podia vê-lo. Mas era tudo minha imaginação, minhas memórias. Como eu sentia saudade dele! De seu sorriso, de suas provocações, de nossos corpos abraçados enquanto dormíamos, de sua voz, de seu cheiro. Mesmo tendo perdido meu pai, aquilo era novo para mim. O receio de nunca mais ver uma pessoa. Ela estava viva, mas não naquele mundo de fato. Era apavorante.

            Sequei as lágrimas com as costas das mãos e me ergui. Eu precisava vê-lo. Talvez aquilo acalmasse meu coração inquieto. Deixei a escola sem absolutamente nada. Eu corri. Corri o mais rápido que pude para chegar ao hospital. Cheguei lá suado e ofegante e nem precisei me identificar, já que as recepcionistas estavam cansadas de ver minha cara.

            — Você recebeu minha mensagem, Marco? — perguntou minha mãe assim que me aproximei do quarto de Jean.

            — Que mensagem? — perguntei tentando esconder as lágrimas e me amaldiçoando por não ter pegado o aparelho celular.

            — Ele está cada vez mais instável. Na verdade, seu coração parou por breves segundos. As chances de ele sair dessa estão diminuindo.

            — Por quanto tempo você acha que ele vai aguentar? — perguntei com um medo tão grande que poderia me engolir.

            — Eu não sei, Marco. Não acho que será muito — respondeu com pesar na voz.

            Balancei a cabeça afirmativamente, mantendo o olhar fixo ao chão.

            — Você pode vê-lo agora, antes que qualquer coisa aconteça.

            Balancei a cabeça afirmativamente seguidas vezes. Aquela era minha maneira de aceitar alguma coisa quando o que eu mais queria era negá-la. Funcionou com meu pai. Tinha que funcionar com Jean.

            Segui para o quarto sem dizer mais nada. Seu corpo estava imóvel na maca, apenas o sobe e desce descompassado de seu peito. Sentei num cantinho da maca e acariciei seus cabelos. Não contive mais lágrima alguma.

            — Jean, por favor. Não me abandona. Por favor. Eu preciso de você, cara de cavalo. Fica comigo — mantive-me em silêncio por um tempo enquanto o pranto me dominava. — Então é isso? É aqui que nossa história termina? Mas ela mal começou, não é mesmo? O que tem pra acabar? — sorri melancólico. Percorri seu rosto delicadamente com a ponta dos dedos. Ele era tão perfeito...

            Em determinado momento, deitei minha cabeça em seu peito. Eu podia ouvir seu coração batendo. Era um ritmo acelerado, mas irregular. Contemplei seu rosto e imaginei seu sorriso. Repousei um beijo em sua testa e deixei o cômodo com a desesperança tomando meu coração e a quase certeza de que nunca mais admiraria seus olhos.

            Voltei à escola e peguei minhas coisas. Fui direto para casa e me embalei nas cobertas da cama. O cheiro de Jean tinha ido embora.

***

            Na manhã seguinte, recusei-me a levantar da cama. Uma grande parte de mim acreditava que Jean estava morto.

            Voltei a dormir e acordei horas mais tarde com meu celular gritando em meu ouvido. Era minha mãe. Não tive coragem de atender. Não tive coragem de receber a péssima notícia.

            Marina me ligou mais cinco vezes seguidas. Quando ela finalmente parou, os assobios incessantes do aparelho eletrônico indicavam inúmeras mensagens. Desisti e enviei-lhe um SMS dizendo que eu já sabia que o garoto estava morto. O aparelho continuou apitando e ela me ligou novamente. Resolvi atender logo de vez.

            — Marco Bodt! — sua voz repreensiva indicava que ela queria gritar, mas não podia porque estava em público. — Você sequer leu as mensagens? Ele tá bem! Ele acordou!

            Pulei da cama.

            — Sério?! — senti meu coração palpitar de alegria.

            — Sim. E se você não levantar a bunda da cama e vir pra cá imediatamente, eu vou te dar uma razão para não sair do hospital por uma semana!

            Sorri e desliguei o celular. De repente, no entanto, comecei a me preocupar. E se ele não quisesse me ver? Afinal, eu o ignorara.

Decidi me arrumar: tomei um banho rápido e vesti uma roupa decente. Se ele me odiasse, pelo menos minha aparência podia fazê-lo esquecer do ódio. Percebi o quão idiota aquilo soava, parei de frescura e fui para o hospital.

            Paralisei em frente da porta de seu quarto. Respirei fundo e adentrei-o.

            Os olhos castanhos do garoto me receberam no cômodo. Ao contrário do que eu esperava, ele sorriu.

            — Pensei que você não viesse — ele admitiu. Sua voz estava fraca. — Sabe, depois daquele dia...

            — Eu pensei o mesmo. Mas aí pensei no quanto você se tornou importante para mim — disse timidamente.

            Jean esboçou um sorriso.

            — Quer saber? — perguntei após alguns segundos de silêncio. — Foda-se — e, ao dizer isso, aproximei-me da maca e abracei-o da melhor maneira possível.

            Ficamos no embalo por alguns segundos e o silêncio perdurou.

            — Eu pensei... Eu pensei que fosse te perder! — falei por fim. — Jean, eu fiquei com tanto medo! — senti meus olhos marejarem.

            — Desculpa — ele sussurrou ao erguer meu rosto de modo que nossos olhares se encontrassem. — Eu tô aqui agora. Eu vou ficar bem — ronronou. — E saiba que eu nunca vou te deixar, Marco. Nunca.

            Sorri e sentei-me numa cadeira ao lado da maca. Segurei sua mão e levei-a aos meus lábios, depositando um beijo sobre ela.

            — Fiquei com saudade — assumi.

            — Eu também. Sua mãe falou que você estaria aqui a qualquer momento. Já estava pensando que você tinha mudado de ideia.

            Achei aquele pensamento engraçado. Se ele tivesse me visto nos dias anteriores...

            — Bem, já que você está aqui, devo acreditar que estou perdoado? — arriscou perguntar.

            — Sabe, eu me desesperei quando soube da notícia. Eu chorei e pensei que nunca mais poderia observar seus olhos ou ver seu sorriso. Eu percebi que você se tornou parte de mim. Não tô dizendo que te perdoei ou que vou conseguir esquecer, tô dizendo que eu preciso de você na minha vida, mas vou aceitar se você não mais precisar mais de mim na sua.

            — Não seja estúpido, Marco! — disse em tom severo. — É claro que eu te quero na minha vida!

            Sorri novamente e Jean me puxou pelo braço.

            — Deita aqui comigo — pediu com a voz manhosa.

            Não relutei. Vi o garoto chegar para um lado e deitei-me no que estava livre.

            Ficamos um de frente para o outro e o silêncio perdurou. Aproveitei para admirar cada centímetro de Jean. Aparentemente, ele fez o mesmo. Nossos olhares estavam inquietos, percorrendo a feição do outro avidamente e, quando eles se encontraram, permitimo-nos sorrir. Vi o sorriso mais lindo do mundo.

            Após alguns minutos sorrindo como bobo, o garoto aproximou-se e aninhou-se em meus braços. Acariciei seus cabelos e inalei o que ainda restava de seu cheiro, já que ele era sobreposto pelo típico odor de hospital.

            — Você tá bem? — indaguei.

            —Sim. Só estou sentindo um pouco de dor...

            — Não é mais do que o esperado — comentei. — Você teve cinco costelas quebradas.

            Jean não deu muita importância a isso.

            — O que aconteceu? — perguntei sério.

            — Você quer mesmo falar sobre isso?

            Assenti e ele desviou o olhar.

            — A gangue de Stohess... De alguma forma, souberam que eu planejo atacá-los e decidiram me dar um recado. Devem ter achado que eu morri quando caí no chão...

            —Mas é claro! É óbvio que foi uma gangue! Sempre é! — bradei irritado. — Jean, desiste dessa gangue. Por favor.

            — Não! — afirmou quando eu mal havia terminado de falar. — Eu não vou desistir da minha irmã!

            — Por que você tem que ser tão teimoso! Você quase morreu! Não percebe que essa sua obsessão não vai machucar só você?! Armin, Mikasa, Eren, eu e todos os outros! Pare de alimentar falsas esperanças, porra!

            A essa altura eu já estava de pé, andando de lá para cá com passos pesados.

            — Devia ter pensado melhor antes de trazer outras pessoas pra sua vida. Afaste-se delas antes de realizar sua missão de suicídio! — gritei.

            Antes que eu dissesse mais alguma coisa, um enfermeiro apareceu no quarto com um ar de preocupado, provavelmente atraído pela minha voz alta.

            — Senhor, tenho que lhe pedir que se retire do quarto — afirmou.

            — Sem problema algum! — bufei. — Só mais uma coisa, Jean: o problema da vida é que não se vive sozinho. Se você morre, não é só você que sai perdendo.

            Saí do cômodo furioso. Dirigi-me à parte externa do hospital e comecei a desferir socos no ar. Foi preciso me controlar para não soltar todos os palavrões que conheço.

            Decidi ir embora. Não estava com vontade de lidar com Jean depois daquilo. No dia seguinte, talvez.

            Cheguei em casa frustrado. Já eram quatro da tarde. Joguei-me na cama e encarei o teto. Inúmeras perguntas bombardearam minha mente, todas com respeito a Jean e nossa relação, a qual se estreitava cada vez mais.

            Consegui fazer algumas atividades escolares e, antes que minha mãe voltasse do trabalho, fui dormir. Eu chego a ser patético com os métodos que uso para fugir de um assunto.

***

            Acordei absurdamente cedo. Enrolei o máximo possível e fui para a escola. A gangue me perguntou sobre Jean e, rudemente, respondi um mero “não sei”. Eu estava puto com ele e não estava a fim de falar sobre ele, muito menos vê-lo. Tanto que nem passei no hospital naquele dia. Nem no dia seguinte. Ou no que veio depois dele.

            Passou-se uma semana. Eu tentava — e às vezes conseguia — ser amigável com Sasha e os outros. Afinal, a maior parte da culpa naquela história de gangue definitivamente não era deles.

            Minha mãe se preocupou bastante, o que já era esperado. Simplesmente ignorar Jean de um dia para o outro era realmente estranho. Era claro que algo estava errado. No entanto, eu me mantive fechado sobre o assunto, não lhe falei nada. Não sei o motivo, só não queria contar para ninguém.

            Ao contrário das minhas expectativas, porém, não era fácil manter-me longe do garoto com cabelo de dois tons. Eu queria conversar com ele e resolver nossa situação, mas era difícil aceitar até onde aquela maluquice o controla, o quão estúpido ele ficou por causa disso.

            Mais uma semana se passou e finalmente desisti. Fui ao hospital numa sexta-feira à tarde. Bati na porta do quarto e pedi permissão para entrar. Jean concedeu-a.

            — Oi — falou num sussurro.

            Respondi-lhe sem muita animação.

            O garoto bufou e quebrou o silêncio que se instaurara:

            — Não vou mudar de ideia, se é isso que quer saber.

            — Por que não?

            — Porque a vida da minha irmã está em jogo.

            — Você nem sabe se ela tá viva! Ainda não percebeu que a sua vida que está em jogo? A sua e a dos seus amigos! Para de ser tão idiota! Eu não quero te perder, Jean.

            Ele nada respondeu.

            — Tanto faz! A vida é sua mesmo! — gritei e saí.

            Encontrei um canto sem muita gente por perto. Sentei-me e encolhi-me numa cadeira, logo sentindo as lágrimas escorrendo pela minha face. Eu ia perdê-lo. Eu veria seu corpo ensanguentado e seus olhos sem brilho. Seria apenas a História se repetindo.

            Acalmei-me, limpei meu rosto e voltei para casa.

            Três dias se passaram. Logo na segunda-feira Eren me avisou que Jean queria falar comigo. Recusei-me a visitá-lo de imediato e só fui ao hospital na terça.

            Adentrei o quarto e vi o garoto com um de meus desenhos na mão. Parei em frente dele com os braços cruzados e encarei-o seriamente.

            — São lindos — falou apontando as ilustrações.

            Não disse nada, continuei esperando-o falar algo relevante.

            — Você ganhou — declarou com um suspiro. — A gangue vai acabar. Por você.

            — Não! Não é por mim que tem que acabar. É por você e pelos outros. Essa maluquice tem que chegar ao fim para o bem de vocês! Se é por mim, continua com ela!

            — Porra, Marco! Não dá pra você se decidir?

            — Jean, o problema é que você tomou a decisão certa por razões erradas.

            — Você não vê que eu decidi isso pensando em você?

            — E aí que está o porém: se você não tá fazendo isso por si mesmo, não faça.

            Jean olhou para baixo com olhar pensativo.

            — Você tá certo — disse por fim.

            Observei-o erguer-se da cama com certa dificuldade e andar em minha direção. Fui surpreendido ao vê-lo se aproximar cada vez mais e sentir seus lábios nos meus. Quase não pude recusar, mas acabei repousando uma mão em seu peito e empurrando-o levemente.

             — O-O que você tá fazendo? — perguntei em tom vacilante.

            — Algo por mim — respondeu com um sorriso.

            — Não é assim que funciona, Jean! Você não pode— fui interrompido.

            — Cala a boca! Você pode só calar a maldita boca e me escutar? — ele não falou mais alto nem demonstrou raiva na voz. Parecia mais uma súplica do que uma ordem. Calei-me. — Você abriu meus olhos, Marco. Todas as suas palavras eram verdade: não sou só eu que saio perdendo. Meus amigos têm família e outros amigos. Eu já sou um assassino. Se eles morressem por minha culpa eu nunca me perdoaria. Eu não fiz isso só pra te agradar. Foi por todos vocês que eu resolvi acabar com a gangue. Finalmente senti que estava fazendo alguma coisa certa. Ou alguma coisa nem tão errada... Talvez seja uma formar de me redimir: impedir mais mortes desnecessárias. Enfim, eu não sei o que vai acontecer entre nós a partir daqui, mas eu quero te agradecer por aquelas palavras, então, obrigado.

             — De nada — foi a única coisa que fui capaz de dizer. Acho que meu cérebro ainda não tinha compreendido a situação. Apesar disso, senti alívio ao saber que não perderia Jean para gangues. Bem, se eu já não o tivesse perdido até aquele momento.

            Tomei coragem e abracei-o.

            — Quer fazer parte da minha vida? — indaguei.

            — Nem precisa perguntar. Você já sabe a resposta.

            Sorri. Nosso relacionamento seria um pouco complicado, contudo, sei que nos esforçaríamos para fazê-lo funcionar.

            Nos embalamos por alguns segundos e Jean voltou para a maca fazendo caretas pela dor.

            — Como foi a cirurgia?

            O garoto respondeu com um resmungo.

            Depois de alguns segundos de silêncio, resolvi perguntar:

            — Quantos você... matou?

            Jean me dirigiu um olhar severo e suspirou.

            — Foram seis. A maioria era da Guarnição. Teve um cara que tentou "coisas" com uma de nossas amigas. Não é como se eles fossem pessoas boas, mas eu me arrependo. Eu voltaria no tempo se pudesse... Se eu pudesse mudar isso, Marco — sua voz falhou. É como se ele se engasgasse com as próprias palavras. O garoto levou uma das mãos à cabeça e segurou seu cabelo com força. O desespero era claramente visto em seus olhos e feições. — Eu gostaria tanto de mudar isso, de nunca ter tocado numa arma. Eu sei que me redimir não altera absolutamente nada, mas... Eu queria tanto que isso mudasse algo. Às vezes eu imagino que seria melhor se tivessem me matado junto com meus pais. É como você disse, Marco: eu destruí famílias, eu... Eu sou um monstro! — lágrimas deslizaram por suas bochechas. — Eu já machuquei tanta gente!

            Levei um tempo para absorver a informação. Suspirei pesado. O máximo que posso fazer é imaginar o quão difícil é tirar uma vida.

            — Eu sei que eu devo parar com isso. Eu já parei, na verdade. Agora eu penso e repenso antes de pegar na arma com a intenção de realmente usá-la. Naquele dia, com os assaltantes, foi mero impulso. Eu não admitiria te perder — continuou com a voz embargada e fincou as unhas no próprio braço. Abracei-o.

            O garoto chorou em meus braços por alguns minutos enquanto eu tentava acalmá-lo. Ele era um assassino, de fato. Mas eu o amava demais e poderia esquecer isso. Eu poderia manter os erros do passado no passado apenas para ficar com ele.

            — Você sabe quando vai ser liberado? — questionei após longos minutos de silêncio absoluto.

            — Talvez daqui a três dias. Não tenho certeza.

            — Ok...

            — Posso te fazer uma pergunta?

            Assenti.

            — O que você espera da nossa relação?

            Aquilo me pegou de surpresa. Pensei um pouco antes de falar.

            — Eu não sei, mas não posso negar que meus sentimentos por você ficaram mais fortes — assumi.

            Vi um sorriso se esboçar nos lábios de Jean.

            O silêncio se instaurou em seguida.

            — Bem... Acho melhor eu ir...

            — É... Você tem aula amanhã, certo?

            Assenti.

            — Boa aula.

            Agradeci e saí. Como eu previra: clima estranho.

***

            No dia seguinte, voltei da escola e tomei um banho. Depois de almoçar, dirigi-me ao hospital. Ao contrário do que eu esperava, não encontrei Jean em seu quarto. Liguei para minha mãe desesperado.

            — Cadê o Jean? — Perguntei assim que ela atendeu sem nem cumprimentá-la.

            — Está em casa. Na nossa casa — especificou.

            — Por que?

            — Porque ele recebeu alta. Não é óbvio?

            — Não! Pensei que ele fosse ser liberado daqui a dois dias! — respondi frustrado.

            — Pensei que você soubesse. Como ele não pode se esforçar muito, deixei-o em casa e acabei de sair pra voltar pro hospital.

            — Ok. Obrigado, mãe! — e desliguei.

            Fui para casa e deparei-me com Jean no sofá.

            — Eu queria te fazer uma surpresa — ele admitiu timidamente. — Desculpa se te preocupei.

            — Sem problemas — respondi. — Está se sentindo bem?

            — Sim. Só tô com um pouco de dor.

            — Hum.

            — Quer assistir um filme? — ofertou. Assenti.

            Ligamos a TV e nem prestamos muita atenção no filme. Ficamos fazendo piadas das vozes que não tinham nada a ver com o personagem e da péssima tradução que todo programa de TV aberta tem.

            Passamos o resto da tarde estudando. Eu explicava os conteúdos que Jean perdera e ele tentava compreendê-los. A melhor parte disso foi que não falamos sobre nós. Foi bom passar um tempo com ele sem nossos problemas no meio.

            Não dormimos juntos. Apesar disso, saber que Jean estava ao meu lado me proporcionou uma ótima noite de sono. Poder inalar seu cheiro também contribuiu para tal coisa.


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Notas finais do capítulo

Primeiro: motivos pela demora:
— Alguns problemas pessoais tiraram minha criatividade. Para mim, tornou-se quase impossível escrever por uns bons meses.
— Escrevo as estórias no celular e eu perdi os textos que tinha. Ainda estou tentando recuperá-los.
Segundo:
Vocês realmente querem lemon na estória? Minha mãe descobriu que escrevo *coff coff* indecências *coff coff* e acabei levando bronca. Como esperado, ela me proibiu de escrever tal gênero, mas acho que consigo "negociar" com ela.
Terceiro:
Os próximos capítulos provavelmente vão demorar. Ainda tenho alguns problemas para resolver, tenho que recuperar a estória e comecei a pensar em outro final.
Vou tentar resolver tudo o mais rápido possível e prometo que vou tentar não enrolar tanto assim.
Peço desculpas novamente e agradeço a paciência.



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