Não era pra ser assim... escrita por Madreamer


Capítulo 4
Problemas


Notas iniciais do capítulo

Oi, pessoas "lindjas"! Esse capítulo tem treta!
Espero que gostem!



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Acordei antes que o despertador fizesse seu trabalho. Jean estava encostado na parede e me olhava fixamente, seus orbes castanhos repousando atenciosamente sobre mim. Quando viu que acordei, suas bochechas coraram.

— Bom dia! — disse sorridente.

— Bom dia! — respondi esfregando os olhos. — O que está fazendo?

— Te observando. Sabia que suas sardas te dão um charme especial?

— Sabia que você deveria ter feito outra coisa e não ter me observado?

— Sim, eu sabia! — falou com voz retardada.

— E então, conseguiu dormir?

— Consegui. Foi a minha melhor noite de sono em muito tempo.

— Algum pesadelo?

— Nope. Nenhum. Só quando você se deitou na sua cama. Eu não sei... Me sinto seguro perto de você. Seu cheiro me acalma. Não, você me acalma — afirmou convicto.

Sim, eu definitivamente precisava cuidar dele. É como eu disse, ele ainda era sensível, apesar de tudo. Como uma boneca de porcelana...

— Estamos atrasados? — perguntei sem saber o que dizer.

— Não. Ainda faltam dez minutos pras seis.

— Certo...

Levantei-me e fui ao banheiro. Lavei meu rosto. Eu não sabia se devia estar feliz por saber que Jean conseguiu dormir ou frustrado por eu ser seu "anestésico".

Tomamos o café da manhã em um silêncio quase absoluto e saímos quando estávamos prontos. No meio do caminho, faltando menos de um quilômetro para chegarmos à escola, fomos abordados por dois assaltantes:

— Vocês dois, passem os celulares! — ordenou um mostrando a arma que tinha sob a blusa.

Jean começou a gargalhar. Os assaltantes nos olharam incrédulos.

— Aí! Não tem medo não? — perguntou o outro.

— Eu? Por que eu deveria? — retrucou Jean.

— J-Jean — murmurei com a voz vacilante —, acho que essa não é uma boa ideia.

O garoto me ignorou completamente e desafiava um dos assaltantes com o olhar. Decidi mostrar que não queríamos encrenca e tirava meu celular da mochila quando o garoto armado me puxou pela roupa, prendeu-me junto de si e pressionou a arma contra meu peito com o dedo no gatilho.

— Vai continuar brincando? — perguntou.

O semblante de Jean se tencionou e ele travou a mandíbula. Em questão de segundos, pegou a própria arma e apontou-a para o outro assaltante.

— Quem está brincando agora? — falou.

— Você não ousaria. Aposto que isso é de brinquedo!

— Quer apostar? — antes de obter uma resposta, Jean atirou na perna daquele que me mantinha refém.

O ferido me empurrou no chão enquanto o outro corria para ajudá-lo. Eles se afastaram assim que os dois conseguiram manter-se em pé.

— Marco — Jean me estendeu a mão —, você tá bem?

Olhei para sua mão com desprezo. A imagem de todo aquele sangue jorrando me veio em mente e não pude acreditar que Jean fizera tal coisa sem demonstrar nenhum sentimento.

— Marco? — seu tom expressava preocupação.

Não obtendo resposta, ele se ajoelhou ao meu lado e tocou meu ombro. Um frio percorreu minha espinha e, por mais que eu quisesse, controlei minha vontade de tirar sua mão de mim e me afastar dele. Ele tinha uma arma e a usava sem medo de nada.

— Marco?! Está tudo bem? Ele te machucou?

Fiquei estático. Eu cheguei a esquecer de que Jean era de uma gangue e portava armas. Como fui capaz de esquecer isso?! Quer dizer, uma arma! Como alguém esquece um "detalhe" como esse?

— Marco? — ele virou meu rosto de forma que eu olhasse para o dele. — Algum problema?

— Algum problema?! Você acabou de usar uma arma sem pensar duas vezes! Você acha que isso é um problema?! — gritei e o empurrei brutalmente.

Ele não teria coragem de usar a arma contra mim. Ou teria?

— Marco, você sabe o porquê disso. Eu pensei que você me entendesse já que você também perdeu sua família pra gangues.

— Te entender?! Entender o quê?! Que você mata porque quer?! Que você comanda essa cidade pelo medo?! Que você gosta de destruir famílias?! Você tem ideia de quantas pessoas você já matou? Você... — hesitei — Você gosta de vê-los morrendo, dando seu último suspiro?! Qual o sentimento de destruir uma família? É bom vê-los implorar pelo filho ou f—

— Para! — bradou. — Para! — lágrimas inundavam seus olhos. — Eu sei! Eu sei quantos eu já matei. Eu sei o nome de cada um deles: Thomas, Samuel, Mina... Todos eles e muito mais. Eu sei! Eu os vejo todos os dias em meus sonhos, sendo devorados pelos titãs! Eu já sonhei que tinha o coração de cada um em minhas mãos e que o esmaguei! É por isso que não deixo meus amigos matarem pessoas: porque não quero que eles sintam o peso de tirar uma vida! Eu sei muito bem, Marco. Eu sei o quão terrível sou. Todos os dias quando acordo, eu sinto suas almas me espreitando, aguardando minha morte. Pense o que quiser, mas eu me arrependo de matá-los. Todos eles!

— E por que você continua com essa maluquice?!

— Por que eu quero minha irmã! É por isso!

Pessoas passavam por lá e nos olhavam com curiosidade. O sangue do assaltante podia ser visto facilmente e aquele tom de vermelho me deu repulsa. Aquele momento me marcaria pelo resto da minha vida.

— Mas você não precisa matar os outros pra isso — falei ríspido, levantando-me e seguindo em frente.

— Marco! Por favor! — gritou Jean. Não lhe dei ouvidos e segui em frente.

Andei com passos rápidos até chegar à escola. Não olhei para trás por um momento sequer. Jean era um monstro e não sei como fui capaz de pensar que ele precisava de cuidados, de um abrigo.

Passei no banheiro antes de qualquer coisa. Minhas mãos tremiam e eu suava. Lavei meu rosto e respirei fundo. "Ele vai me matar. Eu sou o próximo", pensei.

— Oi, Marco! — gritou Sasha quando adentrei a sala de aula.

Mirei-a com ódio, apesar de Jean ter dito que não deixa os amigos matarem alguém. Sem dizer uma palavra, saí da sala.

A escola era o pior lugar para ficar se eu queria me afastar da gangue. Mesmo assim, fui até onde levei Jean para ele me falar sobre os pesadelos. O local era meio distante do resto da escola e não creio que alguém me encontraria. Fiquei lá ouvindo música, sem fone de ouvido, e desenhando sem interrupção alguma. Bem, isso por um tempo.

— Marco — ouvi Jean me chamar em determinado momento.

Aumentei o volume da música e fingi não estar ouvindo. O garoto com cabelo de dois tons começou a cantar.

— Você pode calar a boca?! — gritei.

— Você pode me ouvir?

— Não, eu não posso!

Pude ouvi-lo suspirar pesado para então sentar ao meu lado. Afastei-me dele.

— Marco, eu não esperava que você me apoiasse com relação a isso, mas eu esperava que você me entendesse, afinal, você passou pelo mesmo que eu.

— E é por ter passado pelo mesmo que você que eu tenho o direito de te chamar de monstro! Você perdeu sua família e quer que os outros percam também?!

— M-Marco... — sua voz falhou. — Eu sei! Eu sei que eu sou um monstro e não tenho ideia de como deixar de ser um! Virou algo automático, eu simplesmente quero acabar com os empecilhos entre eu e minha irmã. Mas eu não pedi por isso!

— Então pare! Larga dessa ideia maluca de gangue! Você nem sabe se sua irmã ainda está viva! Você pode estar lutando uma batalha inútil!

— A esperança é a última que morre — sussurrou.

Depois de um momento, ele tornou a falar:

— Você falou que eu não ia te perder. Você prometeu, Marco.

— Você não tá me perdendo, Jean. Você tá fazendo eu me afastar. É diferente. Eu tenho medo de você, Jean, coisa que eu não tinha algum tempo atrás. Eu estava cogitando a ideia de sermos amigos de verdade. Agora, tudo que eu sinto é medo de você. Quando eu lhe negar algo, fizer algo que você não goste, o que garante que eu não terei uma bala no peito no instante seguinte?

— Eu não te machucaria. Por nada nesse mundo.

— E quanto aos outros? Você não hesitou em atirar naquele menino! Desculpa, mas eu não quero ser amigo de um assassino.

— Marco... Por favor.

— Não! Você não entende, não é mesmo? Arrependimentos, pedidos de perdão não mudarão um fato: sabe-se lá quantas pessoas que foram mortas por você nunca voltarão, que suas famílias nunca mais verão essa pessoa sorrir. Suas mãos já estão manchadas, Jean. Manchadas de sangue. Não há saída desse túnel. Você fez sua escolha.

E assim a conversa chegou ao fim.

Eu sentia que estava sendo duro demais com ele. Eu sabia que ele falava sério, que não se orgulhava do que fizera. Ele precisava de ajuda, alguém em quem confiar para se redimir, mas o que posso fazer se a escolha dele não foi uma das melhores? Apesar de tudo, meu coração se apertou quando eu disse aquilo, pude ouvi-lo se partindo quando vi as lágrimas deixando os olhos castanhos. Tive que me controlar para não envolver Jean num abraço e pedir desculpa. Uma boneca de porcelana...

O garoto ao meu lado ficou encarando um ponto qualquer, chorando enquanto eu desenhava. A música ainda tocava. Jean enxugava os olhos e fechava as mãos em punho diversas vezes. Quando o sino indicando o fim da terceira aula bateu, ele voltou a falar.

— Você não deveria estar perdendo aula. Sei que é um bom aluno e não quero te prejudicar na escola — falou com a voz embargada. — Já falei com o pessoal da gangue e contei que não estamos nos dando muito bem. Eles falaram que não vão falar com você, se você preferir. Não se preocupe, eu não vou voltar pra sala.

Nada respondi. Fiquei desenhando por mais alguns minutos para, então, ir para a sala, desligando a música e guardando meu celular no bolso do casaco. Eu realmente não deveria estar perdendo aula. Se minha mãe descobrisse ela ficaria tão desapontada...

— Pensa um pouco, Marco. Por favor, me perdoa — Jean falou antes de eu sair do recinto.

Parei e olhei o chão, observando o menino por sobre o ombro em seguida.

— Não sou eu quem devo perdoá-lo — afirmei e segui meu caminho.

A sala estava vazia, era intervalo, afinal. Continuei desenhando até que o sinal batesse. Sasha entrou pouco depois conversando animadamente com Connie. Quando seus olhos repousaram em mim, seu rosto se tornou uma carranca, suas sobrancelhas franziram. Ela parou de falar e me encarou até sentar em seu lugar. Não me importei com isso.

As aulas seguiram sem problema algum. Bem, não posso dizer isso porque não prestei atenção. Coloquei o fone de ouvido sob o capuz do casaco e fiquei desenhando. Não eram desenhos agradáveis. Eles eram meio... sangrentos.

Assim que o sinal bateu, joguei meus materiais na mochila e a pus nos ombros. Andei com passos apressados até a saída, sentindo o olhar de Sasha se cravando em mim. Encontrei Jean na entrada, sentado nas escadas. Ele estava com os fones de ouvido, mas olhava na direção do prédio escolar. Hesitei um pouco, entretanto, segui meu caminho. Quando passei por ele fui segurado pelo pulso. Seu olhar implorava que eu o compreendesse. Lancei-lhe o olhar mais feroz que pude e balancei meu pulso. Jean suspirou pesado e me soltou.

Com passos apressados cheguei em casa. Minha mãe estava no quarto.

— Cheguei, mãe! — gritei.

— Oi, meninos! — ela apareceu na porta do cômodo ajeitando o cabelo com as mãos. — Cadê o Jean?

— Ele... Ele está... alugando um livro. Estou cansado por isso não esperei por ele.

— Certo. O almoço fica pronto daqui a pouco.

— Ok.

Subi as escadas correndo, escancarei a porta do quarto, larguei a mochila no chão e joguei-me na cama, de cara com o travesseiro. Acabei dormindo inalando um cheiro bom...

Após algum tempo, quando minha mente já oscilava entre a consciência e a inconsciência, o perfume se intensificou. Ouvi passos e o baque surdo de algo sendo jogado no chão.

— Droga! — xingou Jean, baixinho.

Foi só então que percebi que aquela fragrância era de Jean. Ele dormira na minha cama por duas noites e o cheiro se impregnara nos lençóis. Repreendi-me por ter gostado daquele aroma. Eu até me levantaria, me afastaria, mas o perfume era realmente bom.

— Marco — ele acariciava meus cabelos levemente. Não me mexi e mantive os olhos fechados —, me desculpe. E obrigado por tudo — ele beijou minha testa e saiu.

— Jean — sussurrei quando estava sozinho, pressionando o local onde fui beijado. — Fica...

Foi confortável. Foi extremamente confortável aquele pequeno toque de Jean. Eu almejava mais, entretanto, não podia tê-lo.

Acabei adormecendo outra vez.

Quando acordei levei um tempo para me situar. Observei o quarto e não vi a mochila de Jean. Na verdade, não vi nada de Jean no meu quarto, nem seus livros, nem suas roupas. Levantei-me e encontrei um papel sobre a escrivaninha:

"Desculpe por te incomodar. Não era minha intenção.

J."

Então Jean tinha realmente ido embora? Não consegui determinar como me senti no momento. Talvez aliviado, talvez não. Provavelmente não... Larguei meus pensamentos quando minha barriga me chamou a atenção.

— Mãe? — chamei enquanto descia as escadas. — Mãe?

Não obtive resposta alguma. Quando cheguei à cozinha, encontrei outro bilhete:

"Marco, já estou no trabalho. As comidas estão na geladeira. Como você parecia cansado resolvi não te acordar. Aconteceu alguma coisa entre você e o Jean? Ele chegou aqui pouco depois de você com as coisas dele, me agradeceu, me deu um abraço e saiu. Depois conversamos sobre isso, ok?"

Ótimo! Agora minha mãe sabia que eu tinha um problema com Jean. Se eu contasse que Jean é de uma gangue e já matou pessoas, ela surtaria. Decidi inventar algo depois de almoçar.

Passei o resto do dia vagabundeando pela casa: desenhando, lendo, ouvindo músicas... Bem, eu não desenhei muito, já que meu primeiro resultado foi o garoto sendo baleado e o sangue espirrando. Para ser sincero, eu não me concentrei em nada de verdade. Eu só pensava nele. Eu magoara Jean, eu o fizera chorar e isso me machucava. Por alguma razão que eu desconhecia, eu estava perturbado por tê-lo feito chorar. Mesmo assim, ainda não estava disposto a perdoá-lo.

Minha mãe chegou em casa por volta das dez horas e veio falar comigo.

— Marco, tá tudo bem entre você e Jean? — ela perguntou adentrando meu quarto.

— Não muito... Ele só se interessou pela mesma garota que eu e acabamos discutindo — menti.

— Não foi uma discussão muito séria, foi?

— Um pouco...

— Acho que vocês podem resolver isso, não? Manos antes das minas. Não é assim que vocês, jovens conectados ao mundo, falam? — ela sorriu abertamente.

— Certo — devolvi o sorriso. — Amanhã falo com ele na escola — mais uma mentira.

— Ok. Boa noite — ela me beijou na testa.

— Boa noite — dei-lhe um beijo na bochecha.

Em seguida ela fechou a porta.

Joguei-me na cama e afundei meu rosto no travesseiro. O cheiro de Jean continuava lá e me fez dormir rapidamente.

***

O som do tiro foi audível. O menino tinha o terror estampado nos olhos. Seu companheiro tentava levantá-lo desesperadamente. Mais um tiro. O garoto que tentava ajudar o outro estava no chão, seus olhos vidrados, sua respiração falhando e seu sangue se espalhando pelo concreto.

— Últimas palavras? — perguntou Jean com a arma em mãos. Ele tinha um sorriso de orelha a orelha.

— Jean, pare! — eu me manifestei.

— Ou o quê, gracinha? — ele pressionou a arma contra mim e tomou meus lábios num beijo voraz.

E eu acordei. O ocorrido de mais cedo realmente me afetara, no entanto, eu não conseguia acreditar que Jean era uma pessoa tão má assim. Simplesmente não entrava na minha cabeça.

Não consegui dormir direito. Depois desse pesadelo, tudo que eu via ao fechar os olhos era Jean com sangue nas mãos e sorrindo, um sorriso assustador e cheio de orgulho.

Cheguei à escola dominado pelo sono. Desisti de tentar dormir lá pelas quatro da manhã e resolvi ir logo para o colégio.

Era um dia frio e eu estava embrulhado para presente de tanta roupa que eu usava. Fui o primeiro da turma a chegar, logo, a sala estava vazia. Sentei-me na primeira carteira em frente à mesa do professor, coloquei meus fones e deitei a cabeça sobre a mesa. Dormi pouco depois, mesmo com o mar de sangue que aparecia. Logo o frio me atingiu. Eu estava a ponto de tremer de tanto frio, porém, estava exausto demais para deixar de dormir e tentar me aquecer. De repente eu senti algo sobre meus ombros. Algo quente e com cheiro de... Jean. Abri os olhos imediatamente. Arranquei o que quer que fosse das minhas costas e levantei-me.

— Isso não me pertence — falei estendendo o casaco.

Jean fitou meus olhos, aguardando por um contato direto e, não o obtendo, pegou o casaco de minhas mãos.

— Marco, eu posso conversar com você?

— Conversar o quê?! Que você é um assassino? Eu já sei disso — esbravejei

— Por favor... Você sabe pelo que eu passei.

— Eu já passei pelo mesmo que você, mas não é por isso que eu saio por aí matando pessoas!

Eu sabia que a situação dele fora pior que a minha.

— Eu achei que você fosse me entender. Eu realmente achei. Agora percebo que você não é o anjo que todos pensam que é. Meus amigos me aceitaram e me apoiaram porque sabem o quão importante minha irmã é. Eles nunca foram a favor de matarmos alguém, mas, quando aquele filho da puta se recusou a falar se Victória está viva ou não, eu fiquei tão puto que não consegui me controlar. Foi quando eu percebi que nada me impediria de encontrar minha irmã. Eu me arrependo? É claro que sim! Eu carrego o fardo de vidas em minhas mãos. Eu fiquei tão chocado quando matei alguém pela primeira vez que fiquei com medo de mim mesmo. Eu até mesmo pensei em me matar! Sasha foi quem mais me ajudou. Com o tempo, eu fui ficando tão frio que matar uma pessoa era como matar uma mosca. Eu me arrependo, eu virei um monstro e tenho medo de como minha irmã vai reagir quando souber disso, mas eu sei que quando encontrá-la, farei de tudo para que ela tenha uma vida normal, longe de gangues e tudo o mais.

— Eu também me enganei. Pensei que você não fosse tão mau. Eu não podia estar mais errado.

Jean abriu a boca para responder, contudo, não disse nada. Fitou-me nos olhos e percebi sua péssima aparência: olheiras escuras, olhos vermelhos, exatamente como eu.

— Já que é assim, me desculpe. Não queria te causar problemas — disse ele após um período de silêncio.

Fitou meus olhos por mais uns segundos para, só então, virar as costas. Eu não me senti mal por ele. Eu estava com raiva, muita raiva dele.

As aulas passavam e minha mente voava. Eu pensava em tudo, menos em Jean. Eu tentava, pelo menos. Em algum momento, desisti. Desisti de fugir, simplesmente desisti. Pedi ao professor para beber água e não voltei. Fiquei naquele mesmo lugar do dia anterior, apenas ouvindo música. Ainda não conseguia desviar meus pensamentos de Jean e nossa situação. Eu já tinha me acostumado ao "gracinha", mesmo que o odiasse. Eu gostava da companhia de Jean e ela me fazia falta, realmente fazia. Mas eu não estava disposto a perdoá-lo. Eu não podia perdoá-lo.

Fiquei o resto das aulas lá. Apenas quando o sinal bateu que eu me movi. Esperei alguns minutos para a escola esvaziar e fui para a sala pegar minha mochila. Jean ainda estava lá e, assim que adentrei o recinto, ele me recebeu com aquele olhar triste e cansado. Olhei para o chão no mesmo instante. Sem dizer uma palavra, peguei tudo que era meu e enfiei na mochila. Mas é claro que não seria tão fácil. Eu fiquei nervoso devido à tensão entre nós e deixei cair meu estojo aberto (só para melhorar a situação). Os lápis e canetas se espalharam pelo chão, e não eram poucos (não é minha culpa se coloro muitos dos meus desenhos). Jean se ajoelhou e começou a pegá-los. Fiz o mesmo.

— Aqui — disse ele, me entregando o que pegara.

Minha mão tremia por causa do nervosismo. Jean reparou e a embalou com as suas.

— Não precisa ficar com medo, Marco. Você sabe que não vou te machucar — disse ao massagear minha mão com o polegar.

Não fui capaz de dizer nada. Aquele seu pequeno toque fez eu me sentir seguro. Seguro até demais. Quando me dei conta do que pensava, afastei minha mão das suas e guardei os lápis no maldito estojo. Fechei a mochila e dei uma última olhada nele. Seus olhos acompanhavam cada um dos meus movimentos e pude ver um pequeno brilho de esperança quando eu o olhei.

Cheguei em casa exausto. Joguei-me na cama e me deixei ser embalado por aquele cheiro. Era realmente impossível não pensar em Jean. Em pouco tempo, eu abraçava as cobertas como se elas fossem ele.

Só saí da cama quando minha mãe me chamou avisando que o almoço estava pronto. Eu não estava a fim de conversar e minha mãe me conhecia bem o suficiente para saber quando me deixar sozinho, apenas eu e meus pensamentos. Por causa disso, o almoço foi absolutamente silencioso.

Eu não sabia se estava fazendo a coisa certa. Tirando toda aquela história de gangue, Jean se tornara especial para mim. Mesmo que no início ele não se importasse comigo, o que eu penso, o que eu sinto começou a fazer diferença. O que ele sente também, não posso negar. Talvez o que ele mais queria esteja se tornando verdade: eu me apaixonar por ele...

Meu coração ficou apertado quando eu o ignorei. Eu queria cuidar dele, eu queria me divertir com ele, eu queria ser seu anestésico. Queria dizer que o que ele passou nunca vai se repetir, que ele nunca mais teria pesadelos, que tudo ia dar certo. Eu queria muito, mas a visão dele armado estava ganhando dos meus desejos, por mais que eu odiasse admitir.

— Tá bom, Marco, tá bom — falei para mim mesmo. — Já entendi que você vai sentir falta dele, mas, por favor, esquece ele pelo menos um pouco — suspirei pesado.

Tentei responder os deveres que passaram, mas logo desisti. Eu fazia esboços do sorriso de Jean, de suas feições, tudo era Jean! Eu não conseguia nem ler a página do livro de tão rabiscada que ela estava. Optei por usar meu caderno de desenhos logo de vez, acompanhado pela música.

Foi só mais um dia vagabundeando e eu mal pude tirar Jean de meus pensamentos.

Quando bateu a fome, encontrei um pedaço do paraíso na geladeira: o bolo que Jean fez. Era o último pedaço. Levei meio século para comê-lo. Eu queria aproveitar aquela última lembrança o máximo possível.

Levei mais meio século para tomar banho e, só então, dormir.

Eu consegui adormecer. O cheiro de Jean me deixou tranquilo e relaxado. Eu dormiria até quatro da tarde se minha mãe não tivesse me ligado lá pelas duas da manhã.

— Marco, como você tá? — perguntou ela.

— Estou bem — respondi sonolento. — Por que a pergunta?

— Eu só tava preocupada pra saber como você reagiu à notícia.

— Que notícia, mãe?

— Você não sabe?

— Do quê?! — gritei. Aquilo estava me assustando.

— Jean... — ela hesitou. Meu coração estava a ponto de sair pela boca. — Jean foi baleado.


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Notas finais do capítulo

Dúvidas, críticas, comentários, sugestões, xingamentos? Sintam-se livres para compartilhar. Eu não mordo :)
Também quero pedir desculpas pela demora. É uma prova em cima da outra e ainda tem PAS se aproximando... Fico cansada só de pensar!
Btw, postei uma nova fanfic para o desafio do mês passado. São drabbles ou double drabbles (história com cem palavras ou duzentas, no caso do último) de Jeanmarco. Para quem se interessar, o título é "Uma pequena história de amor".
Beijos e até o próximo capítulo!



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