A Casa de Espelhos escrita por Asas de Prata


Capítulo 1
A Casa Cor-de-Rosa


Notas iniciais do capítulo

Bom, minha primeira fanfic oficial... Espero que gostem do enredo, tentei criar cenas que quebrem a expectativa. Boa Leitura.



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As duas horas de estrada de terra entre o aeroporto em Kingston e a pequena cidade de Black River já teriam sido mais que suficientes, mesmo que eu não estivesse com tanta ressaca por conta do champanhe. Sendo esse o caso, passo a maior parte do tempo olhando pela janela e tentando não vomitar. Não foi fácil, especialmente porque ficávamos passando por animais mortos à beira da estrada, e algumas vezes por pilhas de lixo queimando que fedia a plástico derretido.

Minha mãe me disse que a Jamaica ia ser um paraíso. Mas, pensando melhor, essa é a mesma mulher que insistiu que ela e Mathew precisavam partir para a lua de mel na manhã seguinte a do casamento. Por que haviam decidido levar Evan, filho de Mathew, e eu, junto, não tenho certeza. Eles me explicaram – ou pelo menos minha mãe explicou, com Mathew sentado ao lado com o olhar furioso de sempre – algo sobre “união familiar”. Mas com Mathew completamente mudo e Evan encolhido para o mais longe possível de mim no assento grudento da van, não sei bem quanta união conseguiremos alcançar de verdade. É claro que, considerando o que aconteceu no jardim ontem à noite depois da recepção, união provavelmente é a última coisa de que Evan e eu precisamos.

A casa que minha mãe alugou é muito mais bonita ao vivo do que nas fotos da internet. O chão é brilhante, escuro, como a casca polida de uma noz; as paredes são azuis e pintadas de verde com esponja, lembrando as cores do mar e do céu. Uma parede inteira não existe, dando passagem para a varanda do lado de fora, com sua piscina azul-turquesa e o penhasco despencando até a areia branca e o mar escuro abaixo. O sol começou a se por formando largos anéis vermelhos, dourado e bronze sobre as águas.

Minha mãe para sob a arcada da porta com uma expressão encantadora.

– Ah... Mathew... Olha!

Mas Mathew não está olhando. Ele está na porta da frente com a pilha de malas, falando com Jason, o mensageiro, numa voz baixa e rude. Alguma coisa sobre como Jason não deveria ficar esperando gorjeta, e que, de qualquer maneira, ele próprio poderia ter levado a bagagem até a porta. Jason, calmamente, encolhe seus ombros vestidos em uma camiseta branca e vai embora, passando por Evan, que está encostado na parede, olhando fixamente para os sapatos. Posso notar que está envergonhado pelo pai, mas quando tento lhe sorrir, ele desvia o olhar, fazendo parecer que está se esquivando.

Mathew olha para mim, talvez tenha reparado na expressão de meu rosto – não tenho certeza- , mas, até hoje não conseguiu me entender.

– Evan –disse ele-, leve as malas de Amy para o quarto dela.

Evan começa protestar. Seu pai responde com um olhar de repugnância.

– Agora, Evan.

Evan levanta a mala de lona no ombro e me segue até o quarto de número 3. O cômodo tem janelas com vista para a varanda, uma claraboia e uma imensa cama de dossel branca com mosquiteiro. Evan coloca a bolsa no chão com um estrondo e se endireita, seus olhos azuis brilhando.

– Obrigada – digo.

Ele da de ombros.

– Não foi nada. – Responde Evan. Eu o observo enquanto ele olha ao redor, observo-o virar, seus músculos dos ombros se movendo. – Belo quarto.

– Eu sei. – Dou uma risada nervosa. – A cama é imensa.

No momento que pronuncio as palavras, congelo. Não deveria ter dito isso. Nem pronunciado a palavra “cama” perto de Evan, não depois do que aconteceu no jardim das rosas. Ele vai achar que eu estou brincando, sendo idiota, ou vai achar que eu estou o convidando...

– Pessoal! Hora de jantar! – Minha mãe enfia a cabeça do lado de dentro do quarto, sorrindo alegremente. Nunca fiquei tão feliz em vê-la.

– Já vou... Só preciso lavar as mãos. – Fujo para o pequeno banheiro enquanto Evan segue minha mãe.

As paredes têm azulejos azuis, verdes e vermelhos suaves. Deixo a água correr na pia de bronze e jogo um pouco no rosto. Quando olho-me no espelho vejo que minhas bochechas estão vermelhas como rosas.

O jantar é servido na varanda e nossa família está sentada a uma mesa comprida e baixa, enquanto os funcionários da casa nos trazem os pratos de comida: várias pilhas de salada de batata e repolho, peixe ao alho e pimentas e uma tigela de curry escuro e aromático, cheio de pedaços de carne fervilhado.

Tento me virar e sorrir para os empregados enquanto a comida é servida, mas ninguém me olha nos olhos. A equipe é um borrão de rostos e mãos escuras, o brilho de uma pulseira coral e dourada enquanto uma misteriosa mão retira o prato de salada que acabei de comer.

– Obrigada. –digo, mas ninguém responde.

Mathew está comendo garfadas de curry como se fosse uma comida prestes a entrar em extinção.

– O que é isso? – Ele pergunta, abruptamente, furando um pedaço de carne com seu garfo e enfiando de uma vez na boca.

A cozinheira mais alta, com um rosto anguloso e um lenço branco amarrado em volta da cabeça, responde:

– É curry de cabra, Senhor.

Mathew cospe a carne de volta no prato e pega um guardanapo, encarando a cozinheira com um olhar acusatório.

Baixo os olhos para a mesa, tentando não rir.

No dia seguinte, o calor é desorientador como uma droga. Deito na espreguiçadeira, ao lado da piscina, as alças do meu maiô puxadas para baixo para evitar marcas. Minha mãe não me deixa comprar biquíne. Mathew escolheu uma sombra para ler um livro chamado “Empire of Blue Water”. Evan está sentado com os pés na piscina olhando para o nada.

Tento chamar sua atenção, mas ele não olha para mim, então volto ao meu livro. Tento ler, mas as palavras dançam nas páginas como a luz do sol dança na água da piscina. Esse tipo de clima faz tudo dançar.

Finalmente largo o livro e vou até a cozinha pegar uma Coca. A mulher da noite anterior, a cozinheira alta que disse a Mathew que o que ele estava comendo era cabra, está de frente para a pia lavando nossa louça do café de manhã. Naquela manhã, seu lenço era vermelho vivo, da cor de um pássaro tropical.

Ela se vira quando me vê.

– Como posso ajuda-la, senhorita? – seu sotaque é suave como pétalas de rosas.

– Só queria uma Coca. – Tenho a sensação de que não deveria estar aqui, que a cozinha é território dos empregados, até porque tudo o que eu quero é uma lata de refrigerante. Como era de se esperar, ao invés de me indicar a geladeira, ela mesma pega a garrafa, abre e a serve em um copo para mim.

– Obrigada. – Pego o copo, o vidro está gelado trazendo uma sensação boa contra os meus dedos. – Qual seu nome?

– Meu nome? – Ela ergueu as sobrancelhas escuras. São perfeitamente arqueadas, como se ela as fizesse todos os dias. – Sarah.

– Sarah e Jason – observo e então desejo que não o tivesse feito; pareço uma idiota. Talvez ela nem conheça Jason direito.

– Ele é meu irmão. – comenta ela, e então olha pela janela, uma ruga se formando entre as sobrancelhas . –O seu irmão desceu para a praia, pelo que vejo. Deveria avisá-lo para ficar longe das outras casas dessa região. A maior arte delas é particular, e nem todas são seguras.

Não são seguras?, penso. Como se protegidas por cães raivosos ou seguranças loucos para atirar? Mas o rosto adorável e sem expressão de Sarah não revela nada. Deixo o copo vazio na mesa.

– Evan é meu irmão postiço – corrijo, como se fosse importante; mas por algum motivo quero que ela saiba. – Não é meu irmão.

Ela não diz nada.

– Vou avisá-lo para ter cuidado – acrescento.

O caminho que leva até o mar é arenoso, entrecortado por rochas e grama. A praia faz uma curva para o sul repleta de pequenas casas pintadas de fortes cores tropicais: “rosa-shocking”, verde-limão, amarelo-ovo. A nossa é a última, encostada no penhasco de rochas cheias de buracos escuros como uvas-passas numa torta. Penso que aqueles buracos talvez sejam cavernas.

Evan não está na praia. Na verdade, ninguém está na praia. É um pedaço pálido de areia convidativa, que por algum motivo, está completamente vazio. Fico surpresa ao não ver ninguém ali se bronzeando, mas, enquanto sigo a curva na areia junto à água, vejo que a maior parte das outras casas está fechada e trancada. Algumas têm grandes cadeados nos portões. Parecem empoeiradas, abandonadas. A única com jeito de habitada é uma casa rosa-shocking, da cor de uma rosa florescendo, uma das mais próximas a nossa. Seu imenso jardim se estende até a areia, cercado por um muro coberto por um mosaico de azulejos que retrata ondas e criaturas marinhas. A parte de cima do muro está cheia de pedaços de vidro – não pedaços pequenos para desencorajar intrusos, mas sim grandes, quadrados e retangulares, refletindo de volta o céu e o mar. Olho através do portão e vejo um turbulento jardim de flores coloridas, mas a porta da casa está fechada, e as cortinas atrás das janelas também.

Fico surpresa pela falta de atividade. Não podemos ser as únicas pessoas hospedadas nessa área, podemos? Os folhetos das agências de viagem estão sempre lotados de anúncios de “praias desertas” como se isso fosse uma coisa muito desejável, mas, na verdade, é meio assustador. Há marcas de passos na areia, então alguém deve ter andado por aqui em algum momento, mas não há ninguém a vista.

Chego até o fim da praia, viro-me e ando de volta até nossa casa. O sol está batendo com força no meu pescoço e ombros. Na piscina estava fresco, mas aqui embaixo o calor parece um pesado cobertor molhado. Posso ver silhuetas movendo-se em nossa casa, elas são negras, contornadas pelo sol. Enquanto me aproximo do atalho que retorna a grama, alguém aparece de dentro de um dos buracos no rochedo.

É Evan. Ele está sem camisa, usando apenas uma bermuda de surfista e chinelos. Sua pele está pálida como a minha, mas seu cabelo loiro cor de trigo parece de um dourado brilhante sob a luz quente. Ele tem algumas sardas claras espalhadas pelo rosto e pelo nariz, fico tentando lembrar-me se ele já as tinha ou se são novas.

Evan parece surpreso em me ver.

– Oi.

– Oi – respondo, me sentindo, como tem sido desde o casamento, uma boba perto dele. – Sarah me disse para te alertar de que aqui embaixo não é muito seguro.

Ele aperta os olhos azuis contra o sol.

– Sarah?

– A cozinheira.

– Ah, certo. – Ele olha de um lado para o outro da praia. – Para mim, parece seguro. Talvez ela estivesse falando de alguma maré alta ou algo assim.

Dou de ombros.

– Talvez.

Ela não estava falando de nenhuma maré, mas não tenho vontade de discutir.

– Vem cá. –Ele acena para que eu o siga. – Quero mostrar uma coisa a você.

Ele se abaixa de volta para a abertura no rochedo, e eu o sigo, ignorando minha claustrofobia. Tenho que prender a respiração para atravessar a passagem estreita, e depois saímos num lugar maior. Raios fracos do lado de fora se esgueiram pela abertura na pedra, mas não é a única iluminação aqui: réstias de uma claridade brilhante estão espalhadas por toda a parte nas paredes úmidas da caverna e são também de diferentes cores: azul-gelo, verde-claro e rosa translúcido.

– Musgo fluorescente – diz Evan. Ele passa a mão na parede e depois mostra a palma para mim; ela brilha como as escamas de um peixe. – Está vendo?

Os olhos dele também estão brilhando na escuridão. Lembro a primeira vez em que vi Evan andando pela escola com a mochila pendurada no ombro, seu cabelo claro brilhando como a luz do sol. Ele se movimentava como alguém com um propósito, como se houvesse uma estrada brilhante e invisível que apenas ele podia ver e seus pés pisavam nela sabendo aonde estavam indo. Eu nunca o vira antes – descobri depois que ele era novo na cidade e acabara de se mudar com o pai, vindo de Portland -, e ele não se parecia com nenhum garoto por quem eu já havia me interessado. Gostava dos hipsters: Jeans surrados, óculos e cabelos sérios. Evan era puro e esportivo, brilhando como ouro sob a luz do sol, e, a partir daquele momento, eu o quis como nunca quisera ninguém antes.

Agora toco os dedos dele com os meus; eles ficam brilhando também, como se Evan estivesse transferindo sua luz para mim. Ele fica tenso quando nos tocamos, e então seus dedos envolvem os meus. Meus dedos do pé afundam na areia enquanto fico na ponta dos pés, levantando meu rosto até o dele, e então ele está me beijando, e sua boca é molhada e suave. Seus dedos apertam meus ombros com força antes dele se afastar.

– Amy –diz ele, parecendo mais um grunhido do que qualquer outra coisa. – Não podemos.

Sei o que ele quis dizer. Já falamos sobre tudo isso antes, à noite no jardim, quando nos beijamos e depois brigamos por horas. Temos que contar a eles. Não podemos contar, não podemos fazer isso. Eles não precisam saber. É claro que vão descobrir, vão nos matar. Ele vai me matar. Não.

Evan passa por mim até a entrada da caverna e se espreme para sair. Eu o sigo, chamando seu nome, esgueirando-me pela estreita passagem na rocha, e a alça do meu maiô fica presa em um pedaço afiado de rocha, e por isso demoro um pouco para me soltar e me juntar a Evan na areia. Ele está lá, encarando algo fixamente, boquiaberto. Quando sigo a direção de seu olhar vejo o motivo.

Uma mulher está saindo da casa cor-de-rosa. Ela abre o portão de ferro pintado de azul e anda até a areia. Exceto que ela não anda simplesmente. Ela se move como uma onda. Seus quadris deslizam, e seus cabelos, que são longos e platinados, ondulam como a espuma do mar. Ela está usando uma espécie de saiote estampado. Ele é aberto de um lado e mostra sua perna perfeitamente bronzeada conforme ela anda. Está com um biquíne branco, e a maneira como o preenche faz com que eu tenha vontade de cruzar os braços na frente do peito para esconder como sou reta. Segura uma garrafa, igual a da Coca-Cola que tomei mais cedo, só que sem rótulo.

Ela levanta os óculos de sol para o alto da cabeça e se aproxima de nós, e qualquer esperança de que seu rosto não fizesse jus ao restante desaparece. Ela é linda. Evan só fica olhando.

– São os garotos da casa de férias? –diz ela. Seu sotaque é fraco e indefinível. – Não são?

Evan parece consternado por ter sido chamado de garoto.

– Acho que sim.

Ela inclina a garrafa em sua mão. Está cheia de um líquido claro que brilha com uma estranha luz arco-íris com os raios do sol.

– Deve ser chato para vocês, viajar na baixa temporada –continua ela – Quase ninguém está por perto. Exceto eu. Estou sempre por aqui. – Ela sorri. – Sou a Sra. Palmer. Anne Palmer. Sintam-se à vontade para virem aqui em casa se precisarem de alguma coisa.

Evan não parece prestes a começar a falar, então eu respondo:

– Obrigada – agradeço, de forma severa, pensando que ela não tem cara de Anne. Anne é um nome simples e amigável. – Mas já temos tudo de que precisamos.

Seus lábios se curvam levemente nos cantos, como um papel pegando fogo.

– Ninguém tem tudo o que precisa.

Estico o braço para tocar o ombro de Evan.

– É melhor voltarmos para casa.

Mas ele me ignora; está olhando para a Sra. Palmer. Ela ainda está sorrindo.

– Sabe –diz ela -, você parece um rapaz bom e forte. Poderia me ajudar. Tenho um carro velho... Um clássico, como costumam chamar... e, em geral, funciona muito bem, mas ultimamente tenho tido dificuldades em ligar o motor. Poderia dar uma olhada para mim?

Espero Evan responder que não entende nada sobre carros. Certamente nunca o escutei falando do assunto como se fosse algum interesse especial. Em vez disso, ele diz:

– Claro, posso fazer isso.

A Sra. Palmer inclina a cabeça para trás, e o sol reflete em seu cabelo.

– Maravilhoso – comenta ela. – Não posso lhe oferecer nenhum tipo de recompensa mas, se quiser, tenho bebidas bem geladas. – A garrafa em sua mão brilha com as cores do arco-íris.

– Ótimo. – Evan me lança apenas um rápido olhar. – Avise aos nossos pais aonde eu fui, tá bom, Amy?

Concordo, balançando a cabeça, mas ele nem parece notar; já está indo em direção à casa cor-de-rosa com a Sra. Palmer. Evan não olha para trás, mas ela olha; parando no portão, me observa por cima dos ombros, seus olhos me analisando de uma maneira intensa que – apesar do calor – faz um frio subir pela minha espinha.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado. Pretendo postar todo o fim de semana.