Apenas uma garota... escrita por Luana Nascimento


Capítulo 9
Capítulo bônus - Fatos inesperados


Notas iniciais do capítulo

Bem, fiz uma enquete no facebook (grupo do Nyah!), li sugestões e cheguei a seguinte conclusão: vai ter capítulo de Jaden sim e se achar ruim, vai ter de Mary Ann, Eleanor, Adele e Dilma.
Espero que gostem :D



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/626534/chapter/9

Jaden Pendlebury

— Hey, Jaden, beba mais um gole! — René gritou por cima da música, me dando uma garrafa de tequila.

Bem, eu não iria negar, mas sem planos de ficar bêbado. Já havia ficado bêbado algumas vezes e isso me rendeu algumas meninas loucas no meu pé porque eu teria ficado com elas bêbado. Não, não me orgulho disso.

A tequila entrou com a familiar sensação de queimação. Depois, me arrependi, já havia bebido vinho e vodca antes. Misturar bebidas nunca dá certo.

Lembrei-me do cara que soquei e passei a mão sobre meus dedos. Holy shit, aquilo doía, mas acho que valeu a pena. Ainda não havia entendido o porquê de Shelly parecer tão afetada pelo xingamento de... Bradley? Acho que esse era o nome dele.

Bem, vocês já me conhecem: Jaden, Sacramento, violino, novo na cidade. Depois de deixar Shelly só... Ok, depois de pensar, acho que eu não devia ter feito isso.

Enfim, depois de acompanhar Ashley, ela me carregou a uma pista de dança, onde falei com algumas pessoas e fiz de tudo, menos dançar, e depois me levou até aquela rodinha de bebida, onde me apresentou a algumas pessoas. E aqui estou eu, no meio de alguns bêbados.

— Hey, Jaden, o que o trouxe a Vancouver? — Carl, um dos caras que Ashley havia me apresentado, me indagou depois de beber um gole de licor.

— Quis vir. — respondi, sincero. ― Podia ter dado um jeito de ficar em Sacramento, mas quis mudar. A cidade estava sem graça para mim.

Sem graça e com lembranças demais sobre merdas que eu fiz.

— Entendo. Se eu pudesse, iria para São Francisco. — Ashley comentou comigo.

— Você parece bem de vida. Por que não vai? — questionei.

— Sem coragem de mudar.

— Ah.

— Especialmente agora. — E ficou olhando para mim, sorrindo. Me senti sem graça.

— Hey, vocês querem? — um cara... Henry chegou com uma caixinha com algumas pílulas pretas dentro. Lucy in the Sky with Diamonds.

— Caramba... onde vocês conseguiram isso? — exclamei, surpreso.

— Nunca duvide da minha capacidade de conseguir drogas.

LSD. Umedeci os lábios, os apertei e me levantei.

— Tenho que ir ao banheiro. Curtam aí.

Ignorando o pessoal e me sentindo meio zonzo, me dirigi ao banheiro mais próximo, desconfortável. Não gosto da ideia de drogas. Molhei o rosto e o pescoço e me olhei no espelho. O incômodo estava claro em meu rosto. Procurei distender a fisionomia, respirei fundo e saí, indo para a varanda da casa, onde estive com Shelly.

A garrafa de vinho ainda estava no chão, no mesmo canto em que foi deixada. A noite estava fria, as plantas balançando com o vento, presas em seus vasos, o céu estrelado sem lua. As drogas me perseguem.

Aaron. O nome surgiu como um tijolo atirado na minha cabeça. Senti vontade de ir embora, mas sem chance que eu iria deixar aquele fantasma do passado atrapalhar minha vida. Não mais. Não foi minha culpa.

Voltei para a festa e metade da mesa estava... bem, drogada.

— Saia daqui, monstro imundo! — uma das garotas gritou olhando para mim, os olhos arregalados, expressão assustada.

— Bad trip. — Henry comentou, fumando um cigarro. — Melhor se afastar, man. — A garota foi arrastada para longe e eu só consegui olhar. — Se bem que você está sério demais. Quer um? Maconha boa. Mexicana.

— Estou bem, obrigado.

— Ei, Jaden, quer vir comigo ao balcão de bebidas? Quero um coquetel. — Ashley chamou.

— Pode ser.

— Ei, garoto!

Voltei-me:

— Sim?

— Da próxima, não rejeite.

Saí sem responder.

— Henry não é tão ruim, ele só se acha demais.

— Huh. Obrigado por me tirar dali. Eu estava um pouco desconfortável.

— Entendo. Não é todo mundo que gosta do que Henry traz, eh? Você foi ousado.

— Huh.

Ashley me pareceu pretensiosa, mas podia ser impressão minha. Meu cérebro estava um pouco confuso.

— Gostando de Vancouver?

— É uma cidade agradável. Não é à toa que a chamam de cidade mais habitável do mundo a mais de uma década.

Ela sorriu.

— Shelly lhe disse isso?

— Por que o interesse? – perguntei de volta.

— Ela é uma boa garota, e é até bonita, mas é tão... nerd.

Franzi o cenho, incomodado com a afirmação. Ela não aparentava ser franca o suficiente para dizer aquilo a Shelly.

— Eu estudei sobre a cidade antes de vir para cá. – desconversei.

— Ah. – ela pareceu sem graça. – Claro.

Olhei as horas: 3 da manhã.

— Se você não se importa, eu vou para casa agora. A festa está... tediosa.

Ela passou a mão pelo meu braço.

— Ah, mas já? Está tudo tão... bacana.

— Já são três da manhã e acho que já aproveitei o que tinha que aproveitar. – respondi tentando ser educado.

— Tem certeza?

— Absoluta. – assegurei procurando alguém. – Mark, Ashley quer falar com você.

— Sério? Venha cá, princesa!

Ashley me olhou com raiva e eu dei uma piscadela. Desculpe, garota, tenho que ir. Depois, saí procurando Shelly. Bem, eu tinha mais ou menos aprendido o caminho, mas nada como uma garota que tinha vivido sempre ali para lhe acompanhar, certo?

Perambulei pela mansão e encontrei Shelly sentada em um sofá. Ela conversava distraidamente com algumas pessoas algo que eu mal compreendi, mas que depois eu fui identificar como sendo a lenda de Slenderman. Observando um pouco mais, notei seus olhos pesados, a fala arrastada, a risada solta e os movimentos lentos.

— Shelly, você está bêbada?! – indaguei, mal contendo o choque. Não me levem a mal, ela me pareceu uma pessoa equilibrada. Ela me olhou com desdém e gritou com voz pastosa:

— Quem, eu? Não... acho que você está. – dito isso, ela riu. Eu franzi o cenho, mal contendo o sorriso. – É claro que eu estou bêbada!

Eu ri.

— Bem, será que mesmo bêbada você conseguiria me ajudar a chegar a minha casa?

— Você mesmo disse que eu era a melhor guia turística de Vancouver, boyo.

— Bem, então o que acha de me guiar até minha casa, huh?

— Deixe comigo! – Voltando-se ao grupo que estava em volta dela, ela anunciou: – Desculpem-me, cupcakes. Preciso fazer o meu papel de melhor guia turística de Vancouver. Lembrem-se: Slenderman não poupa ninguém quando se está frente a frente com ele.

Shelly levantou-se e quase caiu, sorte que eu estava atento. Ela gargalhou juntamente com o grupo. Eu tive que sorrir. Deus, essa garota é insana. Saímos da casa de Cindy, com Shelly apoiada em mim.

— O que você fez de bom, Revenry? Aposto como você não parou naquele whisky.

— Não, não parei mesmo. – ela falou enrolado. Eu olhei para ela. – A língua não obedece mais.

Sorri. Ela prosseguiu:

— Eu ganhei o Pump It Up, dancei e fiquei com um garoto, contei a lenda de Slenderman para o povo... foi foda!

— Imagino. Mas valeu a pena? – indaguei olhando para ela, que, ainda sorrindo, perguntou:

— Como assim?

— Valeu a pena beber tanto se, no final de tudo, você vai sentir-se do mesmo jeito?

Shelly parou de andar e manteve a cabeça baixa. Segurei-a pelos ombros e continuei:

— Olha, pelo que eu estou vendo, você tem alguns problemas, mas bebida não vai ajudar a resolve-los. Falo por experiência própria. — Ela ergueu aqueles olhos verdes brilhantes de lágrimas para mim e eu senti a culpa pesar em mim. Eu sou tão animador... — Ah, vamos, por favor, não, não, não, não, não... eu odeio ver uma garota chorar.

— Eu só queria chutar o balde por uma noite! Eu só queria esquecer!

— Tudo bem, tudo bem. Não precisa me explicar nada, ok? Agora vamos para sua casa, eu tenho que te levar lá.

Voltamos a andar.

— Você se dá tão bem com seus pais... eu queria ter de volta algo tão bom. – ela comentou em um tom de voz tão melancólico que foi como uma faca entrando no meu coração.

— Seu pai não vive com você, certo?

— Ele é do Exército Brasileiro. Um tenente. – ela me informou com voz arrastada e odiosa.

— Legal.

— Não. Não é legal. É ele quem traz os dardos, mas ele só vem de dois em dois anos passar apenas um dia. Eu o odeio.

— Acho que você só tem mágoa dele, não?

— Eu o odeio! Assim como eu odeio a minha porcaria de vida! Por que, logo eu, tinha que ter essas porcarias de sonhos?

— Sonhos?

— Deixe para lá! Eles são uma droga mesmo!

— Tudo bem. – concordei para não provoca-la. Querendo ou não, ela era perigosa. E sensível, embora não demonstrasse tanto.

Acho que não preciso dizer que foi a luta para pôr Shelly no ônibus. Ela fez questão de ficar cantarolando alto demais “I’ve Been Working On The Railroad” no caminho. Nota mental: não andar com Shelly Revenry bêbada.

— Ok, garota. Todos nós observamos que você tem uma bela voz. Agora, que tal tirar parte da maquiagem? Está um tanto borrada.

Shelly concentrou-se nessa tarefa (ou com o máximo de concentração que uma bêbada pode ter), mas ela não estava tendo o que se chama de sucesso.

— Permita-me ajuda-la, milady.

— Eu não preciso de ajuda. – ela resmungou, mas não fez nada para me impedir.

Comecei a ajuda-la tirando, com o polegar, o delineador excessivamente preto dos olhos dela. Ela olhou para mim e seus olhos ficaram vidrados, como se pensasse tudo e nada ao mesmo tempo.

— De onde eu te conheço? – ela indagou segurando minha mão. Eu estava me fazendo essa pergunta desde que eu a havia visto. Com relutância, desviei os olhos e sorri.

— Você vem perguntar isso logo para mim?

— Ei, é aqui que descemos! — ela notou.

— Vejo que não está tão bêbada quanto eu pensava. – falei rindo. Coloquei-a nas costas e desci do ônibus. Ela começou a gritar:

— Solte-me! Solte-me, Jaden! Solte-me!

— Você quem manda.

Tirei-a das minhas costas e ela caiu sentada no chão (a sorte foi que ela caiu na grama). Shelly engatinhou e tentou levantar-se, mas sem sucesso.

— Ajude-me. – ela pediu, frustrada.

Sorri, ergui a minha mão e ela apoiou-se de novo em mim. Assim, logo chegamos a casa dela. Quando eu abri a porta, Mary Ann estava de braços cruzados.

— Você excedeu seus limites. De novo!

— Foi show, mãe! Por que a senhora nunca vai a uma festa? É legal! A senhora também é legal! Toda mulher bonita e legal merece ir à festa!

A mãe de Shelly bateu na própria testa. De súbito, um homem desceu a escadaria.

— O que está acontecendo aqui?

— Você?! – Shelly gritou, a raiva e a mágoa bem presentes em seu rosto e em sua voz.

— Ele chegou ainda há pouco, Shelly. – Mary Ann explicou.

— O que você faz aqui?

— Shelly, você está bêbada?! – o homem indagou assombrado.

— E o que você vai fazer, papai? Bater-me?

Realmente, eles tinham algumas semelhanças. O formato das sobrancelhas era o mesmo e os cabelos de Shelly eram tão pretos quanto os do pai.

— Ann, o que você falou para essa garota?

— O que eu falei? Marcos, você passa três anos fora, não dá nenhuma notícia para sua própria filha e ainda pergunta o que eu falei?

Marcos desviou o olhar para mim.

— Quem é você, rapaz? – ele me perguntou, os olhos injetados de fúria. O cara tinha uma postura tão imponente e militarista que quase que eu dizia “vade retro, Hitler” e me mandava. Mas, ao invés disso, falei:

— Sou um vizinho.

— E isso não te interessa, papai.

Ela falava esse “papai” com tanta ironia que demonstrar mais era impossível.

— Shelly, vou leva-la lá para cima. – Mary Ann ofereceu-se.

— Não! Melhor! Fiquem aí me ignorando e discutindo! Vocês são profissionais nisso!

Marcos desceu o resto da escada.

— Shelly...

— Sai da minha frente!

Eu tive que segura-la mais firme. O máximo que pude fazer foi enviar um olhar de desculpas ao pai dela e subir a escadaria. Quando chegamos ao quarto, Shelly estava tentando não chorar.

— Vamos lá, garota. Sem choro. Eu não gosto de ver uma garota chorar.

— Eu não queria ter uma relação tão ruim com ele...

— Quem sabe um dia vocês consigam melhora-la.

— Você está sendo tão legal comigo...

— Não foi nada.

— Você me lembra de Damon. Ele era gentil também. – e então, ela não conseguiu conter as lágrimas. – Eu não queria que tivesse acabado. Eu queria esquecer.

— É a vida. – falei enxugando seu rosto. – Às vezes, eu queria voltar no tempo e fazer as coisas certas e evitar algumas situações que eu não gosto de lembrar.

Cara, por que eu falei aquilo para ela? Acho que o álcool me soltou mais do que devia.

Shelly andou em direção a cama e eu tropecei em algo, de forma que eu, sem querer, acabei caindo na cama, em cima dela. Ela riu e eu tive que rir também. Sua respiração era puro álcool, mas Shelly tinha um cheiro bom de lavanda e alguma outra coisa indefinível. Era único. Seu jeito estava sonolento. Ela passou a ponta dos dedos em meu rosto e senti que seu toque era quente e agradável.

— Você disse que queria esquecer. Também se decepcionou? – ela perguntou, meio entorpecida.

— Sim. Fui ao fundo do poço e voltei. — refleti pela milionésima vez. — Acho que foi bom eu ter me mudado.

Ela segurou meu pescoço com as mãos, um quase sorriso travesso.

— Eu acho a mesma coisa.

— Por...

Não tive tempo de concluir a pergunta, Shelly me beijou. Não foi um selinho, foi um legítimo beijo de língua. Seu beijo era quente, tinha gosto de álcool e era incrivelmente prazeroso (não por causa do gosto de álcool). Senti uma onda de excitação que me fez segura-la em meus braços e acaricia-la. Ela parou de me beijar, suas pálpebras pesando, o sorriso leve e sonolento.

— Você é quente. — sussurrou. E então, soltou-se do meu pescoço e apagou.

Eu fiquei olhando para ela, ainda tentando entender o que porra foi aquilo. Uma catarse, talvez, como diria a psicologia? Uma loucura de bêbada? Eu não sabia, mas nenhum beijo tinha me deixado tão... Whoa! Indefinível. Muito, muito confuso. Senti-me frustrado. Se era aquilo que as mulheres sentiam ao ver seus maridos virarem e apagarem, eu nunca faria isso.

Sacudi a cabeça. O que porra eu estava pensando?

Levantei-me da cama dela, ainda olhando seu rosto adormecido. Observei o resto do seu corpo. Ela era magra e, tenho que admitir, bonita. Sua pele era incrivelmente macia e sua tez branca quase se confundia com os lençóis. Seus cabelos negros, ondulados e fartos, que iam até pouco acima das últimas costelas, cobriam seu rosto sem expressão. Então, notei que ela ainda estava de salto. Retirei seus sapatos e os coloquei embaixo da cama.

Tenho que admitir: relutei um pouco em sair do quarto. Ela começou a ressonar e sua respiração estava um tanto ruidosa, não só por causa do ressono. Talvez sua asma estivesse fazendo aquele barulho de gente que não sabe assoviar. Ao menos ela estava deitada de lado. Senti um arrepio ao lembrar-me daqueles lábios carnudos e febris nos meus. Sacudi a cabeça e saí do quarto. Quando eu estava início da escada, ouvi Mary Ann dizer:

— Nossa garota está com algum problema.

Resolvi parar, me abaixar para vê-los e escutar. Ok, não foi a coisa mais correta a fazer, mas eu sou curioso.

— Será que é com esse garoto? – Marcos indagou.

— Não, não é isso. Ela tenta esconder, mas tem algo que a incomoda.

— Ela deixou mais desenhos espalhados?

— Não. Depois daquele da Ms. Zhou, ela não deixou mais nenhum e pareceu normal. – estaquei depois dessa fala. Ela sempre desenhou? – Shelly é muito fechada. Talvez se conseguíssemos fazê-la falar...

— Já tentou leva-la a um médico?

— Não depois daquela experiência dela. Shelly não quis mais ir. Ela nunca me disse exatamente o que houve naquele dia, mas acho que foi algo que a magoou.

— Temos que conversar com ela. – ele decidiu entrelaçando os próprios dedos.

— Eu já tentei, mas ela não fala nada sob pressão. Ela sempre tenta me tranquilizar.

— É, vamos falar com ela.

— Você, primeiramente, precisa tornar-se mais presente.

— Você sabe que é difícil, Ann. O Brasil é um país relativamente tranquilo em comparação aos países em guerra como Iraque e Afeganistão, mas, mesmo assim, eu tenho que coordenar a maioria dos treinamentos.

— Eu sei disso, mas o que custa fazer uma ligação? Às vezes eu vejo o quanto ela sente a sua falta.

Marcos suspirou. Mary Ann prosseguiu com seu discurso:

— Marcos, você tem uma filha maravilhosamente boa, gentil, bonita, com uma cabeça formada, que sabe o que quer. Não se afaste dela.

O homem abriu uma espécie de relógio de bolso onde havia uma foto de uma linda menininha de fartos cabelos negros e ondulados, olhos verdes e brilhantes que sorria largamente, entusiasmada. Shelly era muito fofa. Perguntei-me o que teria deixado aquela garotinha de olhos brilhantes tão amarga e de poucas palavras sobre si. Simulei estar começando a descer a escada.

— Ela deu muito trabalho? – Mary Ann indagou.

— Só reclamou bastante, chorou também, mas apagou.

Evidente que eu não falei a eles sobre o beijo.

— Soube que você mudou-se recentemente para cá. – Marcos começou, falando educadamente, então ele não pareceu Hitler.

— É. Você é brasileiro?

— Sim. Só não me venha com o estereótipo do país do futebol.

Eu abafei uma risada.

— Não. As laranjas de lá são uma delícia.

A expressão do pai de Shelly suavizou-se.

— Rapaz inteligente. Ah, prazer. Marcos Oliveira Bittencourt.

— Jaden Pendlebury. – falei apertando a mão que me foi estendida. – O prazer foi meu. O senhor é o que do exército?

— Tenente da artilharia.

— Já sei de onde Shelly puxou uma mira tão boa.

Marcos sorriu e Mary Ann fez uma careta azeda.

— Garoto, podemos conversar?

— Bem, vou tentar ajuda-lo no que me for possível.

— Primeiro: sente-se, por favor.

Sentei-me no sofá e ele prosseguiu:

— Shelly já lhe falou alguma coisa sobre ela?

— Tenho que admitir que ela é bem introspectiva quando o assunto é ela mesma. Só sei que ela dorme durante alguns horários da aula.

— Ela dorme? – Marcos e Mary Ann indagaram ao mesmo tempo.

— Sim. Segundo ela, insônia é algo que a incomoda.

Embora eu desconfie que tenha algo a mais, pensei, mas guardei para mim. O que era? Eu não fazia ideia. Os pais de Shelly trocaram olhares cúmplices.

— Ela lhe disse mais alguma coisa? – a mãe da garota indagou, demonstrando preocupação.

Lembrei-me de quando ela chamou Freud de louco, parecendo chateada. Lembrei-me da nossa conversa sobre relacionamentos amorosos e o quanto ela soou amarga. Lembrei-me do desenho que ela havia feito de mim garoto, com meus pais me levando para casa. Eu podia falar aquelas coisas para eles, mas eu estaria traindo sua confiança. E por mais que nos conhecêssemos a pouco tempo, não me senti no direito de fazer aquilo. Por isso, respondi:

— Não. Apenas isso mesmo. Não dá para saber muito sobre ela. Nós só nos conhecemos anteontem. Desculpe-me, Mr. Bitencourt.

— Não enrole nesse erre, americano. Você fica parecendo um caipira.

— Não confunda o garoto, Marcos. – notei que ela falava o erre parecido com um erre francês. Eu sorri, sem graça.

— Bem, eu tenho que ir. – falei levantando-me do sofá.

— Obrigada e desculpa, Jaden. – Mary Ann falou para mim.

— Não tem problema. Até mais.

— Tchau. – ambos disseram. Saí da casa de Shelly, pensando bastante.

Shelly era diferente, aquilo dava para se observar. Ela era bastante inteligente, mas uma dose de irresponsabilidade lhe dava um leve ar de rebeldia. Uma dose, ela estar bêbada... ok, essa foi horrível.

Mas dava para entender por que os pais dela estavam preocupados. Havia algo de errado com ela. Talvez se eu provasse a minha lealdade, ela me dissesse o problema. Será que era algo relacionado a aquele garoto... Damon? Senti meu sangue ferver. Era... ciúme?

Sacudi a cabeça. Jaden, não. Lembre-se daquela idiota, lembre-se daquela idiota... Mas Shelly não era aquela garota idiota que eu conheci em Sacramento. Mesmo assim, ela certamente iria esquecer-se de tudo o que havia acontecido naquela noite. O máximo que eu poderia fazer era guardar aquele beijo para mim.

Assim que cheguei a minha casa, vi que minha mãe dormia no sofá. Antes de chamá-la, comi um pedaço de torta que vi na geladeira. Eu estava meio zonzo.

— Mãe. Acorde.

Ela sentou-se no sofá e, sonolenta, olhou as horas. Eram 03:45 a.m.

— Você chegou tarde, meu filho.

— A festa foi boa e eu fui acompanhar Shelly até a casa dela.

— Tudo bem.

— Vou subir, mãe. Estou cansado. E a senhora nem pense em deixar o meu pai mais um minuto sozinho.

Ela sorriu.

— Ok.

Subimos juntos a escadaria e nos despedimos no corredor. Eu não havia mentido para minha mãe sobre eu estar cansado. Eu realmente estava moído. Carregar Shelly tinha me deixado daquele jeito. Sem falar que o que bebi foi o suficiente para me deixar um pouco sonolento.

Tomei um bom banho morno para relaxar e lembrei-me novamente dos lábios de Shelly que estavam naquela temperatura... Nem pense nisso, cara. Coloquei apenas uma bermuda e me estendi na cama. Fiquei olhando para o teto, lembrando-me das partes mais inusitadas da noite. Recordei-me daquele beijo e um sorriso involuntário formou-se em minha fisionomia. Acho que aquilo foi a última coisa que eu pensei antes de dormir.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Huuuuuuuuummmm...
Bem, tem alguns palavrões perdidos, quis deixar como marca de personagem. Se acharem ruim, me avisem.
E é isso, gente. Espero que tenham gostado, desculpem pela demora, comecei a estagiar pela manhã (começa às 7h), estudo de tarde, faço cursinho de noite. Tenso, mas estou tentando :)
See you around :*