Apenas uma garota... escrita por Luana Nascimento


Capítulo 7
Capítulo 7 - Incertezas


Notas iniciais do capítulo

Olá :)
Não tive tempo de revisar esse capítulo, então espero que esteja bem escrito. Espero que gostem =D



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Uma Adele mais jovem passava uma fralda com o nome “Jaden” escrito, escutando música pelo rádio. Ela estava contente, distraída. De súbito, ela escutou um choro que sabia de quem era.

Eu quero a minha mãe! — uma vozinha fanha e rouca grita. — Mamãe!

Adele saiu do quarto e, quando se deu conta, Jaden caminhava na beirada da escada. Ele estendia os braços para o vazio. Seus olhos estavam semicerrados, as lágrimas caíam pelo seu rosto inexpressivo. Ele delirava.

Jaden! — Adele gritou correndo, querendo pega-lo.

Tarde demais. O pequeno Jaden havia caído escada abaixo. Quis gritar, mas a voz ficou entalada na garganta.

E o sonho mudou.

Angel estava debruçada sobre o parapeito que havia em seu quarto, olhar distante e triste. Já dava para ter uma leve ideia do porquê. Ela pareceu lembrar-se de algo e o seu rosto contraiu-se, como se ela fosse chorar. E foi o que ela fez em seguida.

Jaden, meu filho... por onde você está... — ela murmurou com uma voz de cortar o coração. David a abraçou gentilmente por trás. Ela disse com voz revoltada: — Um ano, David. Um ano. E ninguém viu nada, ninguém achou nada.

David a olhou, aparentando cansaço e desânimo em sua fisionomia.

Também sinto falta dele, mas você lembra como ele ficava quando você ficava chateada ou triste por algum motivo?

Angel abriu um sorriso trêmulo.

Ah, David... se eles o achassem... — Dito isso, ela enterrou seu rosto no peito dele, procurando conter as lágrimas e os soluços.

Precisamos ter esperança, querida. Eles irão achar o nosso Jaden.

O sonho mudou de novo.

Dessa vez, vi alguém que eu conhecia. Vi Bradley, um colega meu de escola, encostado num poste, bêbado, parecendo esperar alguém ou algum veículo. De súbito, um carro desgovernado vira a esquina e o estrago foi feito. Bradley ficou entre o veículo e o poste, corpo esmagado e sangue saindo do seu tórax e da sua boca.

Eu acordei arfando. Uma visãozinha, para variar. Olhei a hora. Eram 3:30 a.m. Suspirei. Droga. Uma premonição logo com Brad. Soquei meu travesseiro. É, eu estava com raiva. Bradley era uma pessoa que eu não gostava tanto, ele era muito... chato. E lá ia eu ter que protegê-lo para ver se ele não morria. Virei-me para o outro lado e tentei dormir, sem conseguir.

— Que saco. — murmurei.

Levantei-me e abri o fundo falso. Havia folhas extras ali. Lembrei-me do sonho com Jaden pequeno e comecei a desenha-lo naquela cena de quase-morte. Na metade do desenho, amassei a folha e joguei no lixo. Resolvi desenha-lo normalmente e com um sorriso no rosto. Fui desenhando e, quando acabei, guardei no meu fundo falso cautelosamente, juntamente com os desenhos escondidos do “caso” de Jaden. Vi minha balestra e tive que resistir à tentação de sair atirando.

Suspirei insatisfeita. Teria que fazer outra coisa. Como eu estava sem nada para fazer, comecei a pensar loucamente, a mente a mil. Se os pais biológicos de Jaden o procuraram desesperadamente, como Jaden fora parar naquela rua justamente quando Adele e Robert passavam por ali? Será que ele havia se perdido dos pais ou algo do gênero? Se ele havia se perdido dos pais... como ele ainda não os procurou? Afinal, ele tinha idade suficiente para recordar-se de algo da sua infância...

Parei o raciocínio ao lembrar-me da sua queda da escadaria. Ele certamente havia batido a cabeça naquela queda. Aquilo complicava tudo. Como eu iria chegar em Jaden e dizer: "Oi, você tem outra família"? Certamente ele não se lembrava de nada... O desenho. Como eu não havia me tocado antes? Ele sentiu alguma coisa com aquele desenho.

Peguei os desenhos em que um Jaden pequeno e perdido andava só em uma rua chuvosa e escura, iluminada apenas pelos postes de iluminação e pelas luzes de fora das casas. Vi na minha "arte" Adele e Robert pegando-o e levando-o embora. De alguma forma, ele lembrara daquilo, mas deixara de lado. Certamente, ele pensou que era apenas um desenho de uma mente muito imaginativa.

Mas... e se fosse? Eu não tinha certeza se todos aqueles sonhos eram reais mesmo! Sacudi a cabeça, procurando não pensar.

Ah, cólica do inferno.

Fiz o procedimento padrão de mulheres menstruadas: tomar banho, absorvente, short confortável.

Acomodei-me melhor na cama e fechei os olhos. Por favor... eu só preciso do sonho certo. Acabei dormindo. Como não poderia deixar de ser, sonhei de novo.

Angel e David estavam com Jaden em um parque, fazendo um piquenique. Eu nunca falaria isso em voz alta, mas Jaden era muito fofinho pequeno. Suas bochechas pareciam macias e seu sorriso fariam algumas tolinhas fazerem: "Awn...". Acho que ele tinha perto de dois anos na situação.

Mamã... — Jaden murmurou estendendo os braços para Angel. Ela olhou para seu filho, em surpresa, e olhou para David, que também se surpreendera.

Pode repetir, meu bebê? — Angel pediu com jeitinho.

Mamã... — ele repetiu em um sorriso espontâneo. Angel o abraçou e beijou seu corpinho.

Estou aqui, meu pequenininho! — ela exclamou em tom contente.

Agora só falta eu! — David disse com ar divertido.

O sonho mudou.

Sonhei com uma mulher andando em uma rua escura e deserta. Eu havia visto o rosto dela em um jornal e tinha admirado o fato de ela ser uma delegada. Ela caminhava rápido até que um homem a agarrou com força.

Solte-me!

Você acha que só porque se tornou policial você vai conseguir se livrar de mim? Huh?!

Eu não quero confusão com você! Solte-me!

O homem a agarrou com mais força e o que a mulher fez a seguir foi puro reflexo. Ela pegou um canivete e enterrou no estômago do homem, que dobrou o corpo e caiu no chão. A moça olhava estarrecida para as próprias mãos e para o homem caído.

Sua vadia! Assassina!

Ah, meu Deus... — ela parecia em choque. Procurando agir, ela pegou o seu telefone e ligou para uma ambulância. Quando ela desligou, o cara estava estirado no asfalto.

Acho que eu subestimei você. Você virou uma assassina.

Eu não sou uma assassina. Você não morreu.

Assassina... assassina.

O homem não falava aquilo em voz alta, mas sim em tom tão baixo e cruel que me deu um calafrio. Ele cerrou os olhos.

Acordei suando frio. Primeiro pensamento: hã? Eu peço pelo sonho certo e tenho um sonho com gente que nem conheço! História da minha vida. Olhei as horas: 06:00 a.m. Resolvi desenhar essa cena, vai que ela fosse útil em algum momento. Quando acabei o desenho, desenhei a cena do piquenique. Pouco tempo depois, minha mãe bateu na porta. Escondi o desenho e me joguei na cama.

— Shelly?

— Entra, mãe. — pedi em minha melhor voz sonolenta. Ela entrou no quarto, bem arrumada como sempre, e comentou:

— Já está acordada?

— E a senhora já me viu dormir muito, mãe?

— Realmente, você parece mais uma coruja. Só vim avisar que eu vou trabalhar hoje. Seu almoço está na geladeira.

— Ah, mãe, as 10:30 PM eu vou à festa da Cindy.

— Shelly, procure não exceder seus limites. — ela pediu em tom de recomendação.

— Vou tentar. — retruquei dando de ombros.

— Alguém vai com você?

— Cindy convidou Jaden também. — informei com voz natural. Minha mãe me olhou sugestiva. — Nem vem.

Ela riu.

— Ok, ok. Estou indo. — ela deu um beijinho na minha testa. — Nada de fazer loucuras, certo?

— Bem, o máximo que eu posso fazer é pôr fogo na casa, certo?

— Engraçadinha.

Sorri para ela. Ela saiu do meu quarto e a ouvi descendo as escadas. Sentei-me na cama, mas eu estava começando a sentir uma dor de cabeça chata. Resolvi me deitar de novo, mas mesmo assim, a sensação de ter algo prensando a minha cabeça era horrível. Levantei-me.

Dirigi-me ao banheiro e não gostei do que vi. Meus cabelos pareciam um ninho de rato, meu rosto exibia uma fisionomia cansada e meus ombros estavam um pouco curvados, como se o meu próprio corpo não aguentasse mais ter tantos sonhos. Era responsabilidade demais. Alguém tocou a campainha. Procurei me organizar no que me foi possível, desci as escadas e abri a porta.

— Oi, Shelly. — Jaden cumprimentou com seu sorriso habitual. Talvez olhando minha fisionomia, ele perguntou: — Eu te acordei?

— Não, na verdade, acabei de acordar, minha mãe saiu faz pouco tempo. Precisa de algo?

— Meu pai pediu para eu perguntar se você não teria nenhuma chave de parafuso estrela por aqui.

— Ah, eu tenho sim. Acompanhe-me até o porão.

Ele pareceu ficar sem graça.

— Você está só de pijama.

— Que é composto por uma calça e uma camisa. Ok, não é a melhor das roupas, mas ao menos não estou com uma camisola, certo?

Ele sorriu e me acompanhou. Descemos ao porão e acendi uma lâmpada fraca. O local estava cheio de poeira. Droga. Eu espirrei.

— Você é alérgica?

— Asmática. Acho que já falei para você... Enfim. Vejamos se eu acho essa chave logo.

Procurei por uns dois minutos naquele lugar empoeirado e já foi o suficiente para que o ar faltasse. Saí do porão rapidamente. Jaden me acompanhou, preocupado.

— Shelly, o que foi?

Eu nunca fui boa de mímica e nem em linguagem labial, mas fiz sinal para ele subir a escada, entrar no meu quarto e pegar meu broncodilatador.

Aparentemente, Jaden compreendeu, pois ele subiu as escadas tão rápido que uma bala não o alcançaria. Tentei acalmar minha respiração, sem sucesso. Aquilo era sufocante. Certamente você já ficou com seu nariz tão entupido de secreção que a única solução é você respirar com a boca, certo? Com a asma é pior, porque toda a via respiratória fica intransitável. Alvéolos contraídos, sem trocas gasosas.

Não demorou um minuto e Jaden já estava descendo rapidamente a escadaria. Ele entregou o broncodilatador para mim e eu procurei inalar o spray. Inspirei fundo, contei até dez e expirei normalmente, aliviada. Jaden suspirou mais do que eu.

— Não me apronte mais uma dessa, Revenry. Você quase morre com a falta de ar, eu quase morro com o susto.

Sorri.

— Rotina. — abri minha mão e mostrei a ele uma pequena chave de fenda com ponta estrela. — Espero que o seu pai saiba usar isso.

Ele pegou a chave de fenda.

— Você controla sua asma?

— Sim, mas incidentes como esse não estão banidos da minha vida. Ah, sinto muito pela bagunça no quarto.

— Que bagunça? — ele perguntou em tom divertido.

— Na cama, engraçadinho.

— Eu só procurei o bronco dilatador.

— Fico feliz com isso. E fico feliz de você saber o que é um bronco dilatador.

— Minha mãe é enfermeira nos tempos livres. Ela trabalhava para um velho asmático e muito chato. Pronto, você é a primeira pessoa que eu conheço que é asmática e que não é chata.

— Creio que isso é uma honra.

— Digamos que sim.

Ouvi batidas na porta. Fui até lá abrir e me deparei com Robert.

— Olá, Shelly. Jaden está aqui?

— Ah, estou, pai, é que nós ficamos conversando...

Robert sorriu com certa malícia. Ou talvez eu estivesse vendo malícia em qualquer lugar.

— Tudo bem.

— Mas não é nada do que o senhor está pensando. — falei sentindo o rosto quente.

Ele riu.

— Eu não pensei nada. Você tem a chave de fenda? — Robert indagou. Jaden mostrou a chave estrela. — Ótimo. Devolveremos daqui a pouco. Muito obrigado.

— Disponha, Mr. Pendlebury.

— Tchau, Shelly. — Jaden despediu-se num sorriso. Acenei levemente, devolvendo o sorriso.

Depois que eles saíram, subi as escadas, fui escovar meus dentes, tomar banho. Vesti-me, desci a escadaria, tomei café. Rotina chata. Nem atirar eu podia. Quando terminei o meu café da manhã, fui andar por aí e lembrei-me do Rio Fraser. A quanto tempo eu não ia lá? Fui ao bosque, determinada a melhorar o meu dia e no finalzinho dele, o Rio Fraser estava lá, do mesmo jeito que eu me lembrava. A correnteza que aparentava ser calma, as árvores nas margens...

Aspirei aquele ar puro, fechei os olhos por um momento e quase pude ouvir os gritos de Eleanor e de Jaden. Eu tive aquele pesadelo noite retrasada, mas não conseguia esquecer. Se eu fosse pensar em todos os sonhos e pesadelos que tinha, iria enlouquecer. Decidi ficar alguns instantes por ali. Sentei-me na beirada do rio e escorei-me em uma árvore.

De súbito, aconteceu algo que não acontecia comigo há algum tempo. Minha visão simplesmente escureceu e não vi mais nada.

Escutei duas vozes femininas. Elas conversavam em algum lugar separado, pois não escutei nada além das suas vozes.

Por favor, Lauren! É um favor que você vai me fazer!

Adele, isso é errado. Os pais desse menino podem estar atrás dele...

Mas ele não se lembra dos pais verdadeiros! Quando eu o vi, me deu uma sensação tão gratificante, como se...

Como se Peter tivesse voltado.

Ouvi Adele suspirar fortemente.

Ah, Lauren, é difícil.

Tudo bem. Eu farei o que você me pede. Tem certeza de que não vai se arrepender?

Tenho. — Adele respondeu com voz firme.

E tudo ficou no mais absoluto silêncio. De súbito, ouvi uma voz baixa e infantil chamar:

Mamã...?

Estou aqui, meu pequeno. — ouvi a voz sussurrada de Adele dizer com carinho. — Estou aqui. Vai ficar tudo bem, meu anjinho.

— Shelly?!

Despertei num sobressalto e, se não fosse por Jaden, eu teria caído no rio Fraser.

— Whoa! Calma aí, garota. Tudo bem?

Respirei fundo.

— Como me achou aqui?

— Eu te procurei no início do bosque, mas não achei. Fui entrando, entrando, entrando, ficando cada vez mais perdido, entrando, entrando, entrando e te achei.

— Que bom que você não disse “entrando” mais uma vez, ou eu seria forçada a te jogar no Fraser.

Ele sorriu.

— Então esse é o famoso rio Fraser.

— Sim.

— Bem, vou tomar banho. Uhuu! — ele brincou simulando pular no rio. Eu ri. — Ah, você fala enquanto dorme. Quem é Lauren?

Eu falo dormindo? Que constrangedor.

— Eu não sei.

— Você não sabe? — ele estranhou. Droga.

— Você não pode esperar que meus sonhos tenham sentido. Os de ninguém têm!

— Ok, ok. Eu só queria devolver a chave de fenda. — ele falou me estendendo a ferramenta. Olhei ao redor, desorientada.

— A chave de fenda? Que horas são?

— 10:30 a.m.

— Tudo isso?!

Ele riu.

— Você dorme demais. Ou de menos. Para conseguir dormir na beirada do Rio Fraser...

Eu dei um sorriso forçado.

— Bem, vamos sair daqui.

Levantei-me.

— Está tudo bem com você?

— Sim, cara. Relaxe. E, por falar nisso, preciso voltar para casa. Tenho que fazer os deveres da semana.

— E eu tenho que treinar. Afinal, mesmo saindo de Sacramento, ainda sou o concertmaster da Orquestra.

— Exige uma boa dose de responsabilidade. Mas é uma honra.

Ele ergueu uma sobrancelha.

— Você sabe o que é concertmaster?

— O líder do grupo da primeira voz dos violinos. Na orquestra, fica na primeira fila, ao lado esquerdo do maestro. Claro que eu sei o que é um concertmaster. Fiz três anos de regência.

Ele sorriu largamente.

— Ora, eu tenho uma regente como vizinha!

— Não exagere. — falei num sorriso. — Vamos voltar.

Enfiei-me no bosque e ouvi os passos de Jaden logo atrás de mim. Dado alguns minutos de silêncio entre nós dois, ele perguntou:

— Você sofre mesmo de insônia?

Hesitei.

— Por que a pergunta? — Coisas que você aprende ao guardar um segredo: uma pergunta defensiva pode ser uma boa forma de ganhar tempo.

— Apenas curiosidade.

— Digamos que sim.

— Já foi a um médico?

— Eu não preciso de médico. — cortei numa voz que a custo continha a irritação.

— Me desculpe.

Olhei para o chinelo de Jaden e parei imediatamente, forçando-o a fazer o mesmo.

— O que...

Tapei a boca dele e apontei. Havia um escorpião na ponta do chinelo. Ele se surpreendeu. Ou melhor: se assustou. Com muito sangue frio (e com uma gota de suor escorrendo pela lateral do seu rosto), ele pegou um galho próximo e jogou o escorpião longe.

— Era o que eu ia fazer. — reclamei.

— Você não pode ter sempre a marra de caçadora, Revenry.

— Engraçadinho. Você até que está bem tranquilo para um cara que estava com um escorpião letal no pé.

— Que bom. — ele murmurou olhando para o caminho.

— Que bom?

— As aparências continuam tendo a excelente função de enganar.

Eu tive que rir.

— Adorei a forma que você arrumou para dizer que estava se borrando de medo.

— Também não exagere. — ele disse num sorriso. Ouvimos um ruído e estacamos no canto. Dois sustos em um dia? O que era aquilo?

— Shelly? — ouvi uma voz familiar me chamando. Oh, meu Deus. Sério que ele estava aqui?

— René! — gritei assim que eu o vi no bosque.

Corri e o abracei. Ah, esqueci-me de cita-lo. Ele era um dos meus poucos bons amigos. Tinha ido morar na França para formar-se lá, na terra de origem dos seus pais. Certamente ele tinha insistido e muito para conseguir me fazer uma visita.

— Garota, você cresceu!

— Não seja exagerado.

— E então, como você está nesse tempo todinho sem mim?

— Convencido. Estou bem.

— Você sabe que eu estou falando dos...

— Depois falamos sobre isso, ok? Temos companhia.

Sim, ele sabia dos meus sonhos. Eu preferi não falar daquele assunto perto de Jaden.

— Ah, quem é o garoto? — René finalmente notou a presença de Jaden.

— Me notaram! Uhuu! — Jaden disse divertido, mas pude enxergar um pouco de incômodo ali. Também, pudera, deixamos o garoto sobrando. Apesar disso, nós todos rimos.

— René, esse é Jaden, meu novo vizinho.

— Da casa da Ms. Zhou?

Titubeei.

— Sim, mas não repasse a história da casa.

— Ok.

— O que é que tem a casa que eu estou morando agora?

— Deixe para lá. Ah, Jaden, esse é René. É um grande amigo meu que mora na França.

— Você não tem sotaque francês. — Jaden pareceu estranhar ao apertar a mão de René.

Não seja por isso. — René respondeu em um fluente francês.

Você melhorou muito sua pronúncia. — comentei com meu antigo amigo no mesmo idioma.

E você continua uma legítima francesa, mademoiselle. — ele comentou soltando a mão de Jaden e segurando a minha, depositando um beijo galanteador ali. Quem viu, jurou que ele me cortejava.

— Só captei o “mademoiselle”. — Jaden anunciou erguendo as mãos. René e eu rimos.

— Quem te vê assim, se engana, hein?

René gargalhou gostosamente.

— Sim, verdade. Aprendi a enganar os menos espertos, linda.

Do que estávamos falando? René era homossexual. E Jaden parecia estar entendendo aquilo naquele momento.

— Você é homossexual. — ele afirmou, o que era muita ousadia em uma sociedade machista e para um cara que ele tinha acabado de conhecer. René apenas sorriu com simpatia.

— Acertou. Você também...

— Não. — Jaden assegurou. — Disso eu tenho certeza.

René riu.

— Compreendo.

Eu quase ri do jeito como Jaden havia dito aquilo. Era quase como se ele tivesse comprovado aquilo de forma muito convincente.

— Vamos sair do bosque.

Procuramos assuntos em comum entre nós três. Bem, eu não posso dizer que foi um sucesso absoluto, mas foi o suficiente para conversarmos naturalmente. Quando chegamos perto da minha casa, falei:

— René, você pode vir à minha casa. E... Jaden, mais tarde podemos nos encontrar, certo?

— Ok. — ele respondeu simplesmente. — Até logo.

Dito isso, ele foi tranquilamente andando para casa com as mãos nos bolsos.

— Caramba. Ele é bonito. Confesso que me decepcionei quando ele disse que não era homossexual.

Eu tive que gargalhar.

— Ele me pareceu bem seguro nesse aspecto.

— Pensei que vocês se conhecessem há mais tempo. Tem algo diferente entre vocês dois.

Cheguei a estremecer com aquela afirmação.

— Não, ele é meu vizinho desde anteontem.

— Sei...

— E você, René Bernard Bonnet, vai me dizer tudo sobre Paris!

— Não antes de você me dizer como andam seus sonhos.

Eu suspirei.

— Além de que eles estão assustadoramente com mais sentido?

— Pelo visto, temos muito que conversar.

Levei-o para o meu quarto assim que chegamos a minha casa. Ele olhou os meus desenhos e surpreendeu-se com eles, especialmente com o de Eleanor.

— Quem são esses e por que a menininha está amarrada em um tronco de árvore?

— Eu não sei.

— E esse é Jason?

— Jaden. — corrigi. — Sim, é ele.

René olhou atentamente a ordem com que eu dispus os desenhos. A época feliz, a forma como outro casal o encontrou, a batida na cabeça e, no fim, Eleanor com aquele psicopata.

— A da menininha é um futuro. — ele deduziu.

— Sim. Eu ainda não tenho informações o bastante, mas, pelo que tudo indica, Jaden é adotado.

— Você precisa contar isso a ele.

— Mas... ele vive tão bem com Adele e Robert...

— Ele está sendo enganado, Shelly.

— Apesar dos pais sentirem a falta dele, eu não sei...

— Menina! Deixe de ser besta! Eles estão enrolando ele desde que ele tinha o quê, três anos?

— Isso. — murmurei.

— Ajude o garoto, menina! Os pais biológicos dele não merecem tal sofrimento!

— Pare de me confundir, René! É complicado!

— Ok, ok. Vamos parar com isso antes que você enlouqueça, certo, meu bem? – ele falou me abraçando e depositando beijo carinhoso no alto da minha cabeça.

— Fale sobre Paris. — pedi procurando desviar o assunto.

René sorriu e me falou de todas as estripulias que ele aprontara na cidade-luz. Eu até prestei atenção durante um tempo, mas logo entrei no modo automático: concordar com a cabeça e ficar pensando enquanto olha para a pessoa. Será que René estava certo? Será que eu era quem tinha que fazer aquela revelação para o garoto?

— Que emocionante! — exclamei com falso entusiasmo quando ele completou uma sentença que foi uma narrativa completa.

— Sem dúvida. — ele concordou. Olhou as horas e informou: — Eu tenho que ir. Meus pais vão enlouquecer se eu não chegar ao hotel na hora certa, apesar de que, sem dúvida, vou dar uma escapada até a festa da Cindy.

— Ela esbarrou com você?

— Sim. Ela conseguiu bebidas alcoólicas.

— Eu sou mais nova que ela e consigo ter mais bom senso. Ou não.

René riu.

— Concordo. Bem, estou indo.

Acompanhei o meu amigo até a porta.

— Até a noite.

— Até a noite.

Quando ele se foi, fiquei pensando no que ele me disse. “Ele está sendo enrolado...” Eu sei, mas... legal, quase que entro em uma complexa discursão comigo mesma. Eu não tinha que me envolver naquilo. Então por que você sonha com isso, uma vozinha no fundo da minha cabeça perguntou.

— Cale a boca. — falei em voz alta.

Mesmo assim, não resisti a vontade de ir à casa de Jaden falar aquilo tudo o que me incomodava. Quem sabe ele me entendesse e quem sabe eu fosse boa em consolar o cara, sei lá. Saí de casa, reprimindo o pensamento de que aquilo era loucura.


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Notas finais do capítulo

Gente, curtiram? Sdds ter notícia de alguns leitores.
Até o próximo o/