Apenas uma garota... escrita por Luana Nascimento


Capítulo 38
Capítulo 37 - Mais boxe e reflexões


Notas iniciais do capítulo

Olá o/
Como meu padrão de postagem está sendo na segunda, resolvi agendar esse capítulo para a segunda também.
Espero que gostem :D



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Jaden

Direto, desvia, jeb, gancho, abaixa, direto, gancho. Sim, lá estava eu com o saco de areia de novo, após passar a madrugada tocando violino na rua para não incomodar os vizinhos. A ponta dos meus dedos estava doída e cortada pelas cordas de aço. Meus punhos estavam completamente dormentes de tanto bater, provavelmente feridos também. Eu estava suado, sentindo o pouco cabelo grudado na minha testa.

Domingo, academia. Depois do ano novo, as coisas ficaram estranhas e sem foco para mim. Eu passei o ano novo sem eles e foi a coisa mais surreal que vivi. Não quis falar muito com o pessoal, embora eles fossem pessoas muito gentis. Mr. Callahan me perguntou se estava tudo bem e lhe disse que não queria conversar sobre aquilo. Ele entendeu e fez seu gesto de solidariedade de passar a mão nas minhas costas.

Saí da casa de Mel e voltei para o meu apartamento, de onde só saí para trabalhar e para tocar violino de madrugada. Os snakes, com exceção de Shelly, ligaram para mim, mas não quis atender. Quis ficar só depois de toda aquela loucura, porém, ao mesmo tempo, não queria ficar só: queria meus pais. Esse era um desejo que eu não poderia satisfazer.

Queria também que Shelly tivesse me ligado. Não conseguia entendê-la: às vezes, parecia querer aliviar minha dor e se aproximar, mas se distanciava no dia seguinte. Pensei em ligar para ela nos dias de solidão, contudo a ideia fazia com que eu me sentisse estúpido. Ela não estava ali e mesmo que estivesse, não poderia me ajudar: eu estava sozinho naquela luta interna.

No dia 12, eu teria que começar o acompanhamento psicológico. Deus, por que Donald Lancaster fizera aquilo? Adiantaria? Me sentia louco com a ideia de ir a um psicólogo, mas se aquela era a condição para ficar em Vancouver, valia a pena. Já tinha me acostumado com a cidade, gostava das ruas chinesas, de ir a Kitsilano, de desbravar os parques quando podia. Queria que eles pudessem admirar tudo aquilo também.

— Bom dia, anjo xingador — ouvi a voz de Ben ecoar na sala.

— Como você sabia que eu estaria aqui? — indaguei sem parar de bater, olhando-o de esguelha. Ele usava sua roupa de treino.

— Eu não sabia. Vim bater em algo também. Meu melhor amigo está em colapso e não faço ideia do que fazer.

Limitei-me a continuar a bater enquanto ele ajustava suas tiras e se dirigia a um saco de areia próximo ao meu. É, ele também era um adepto de treinar sem luvas de boxe.

— Como Melinda está? — perguntei.

— Um pouco preocupada com Shelly, preocupada com você, mas está bem, no geral. — ele respondeu, começando a bater no saco.

Puta merda, algo que sem dúvida eu invejava em Benners era a força com que conseguia bater no saco. Ele era meio baixinho, mas parrudo e forte como um touro. O ruído tornou-se alto.

— Cacete, Benners, poderia controlar a força? Estou me sentindo um saco de batata — pedi em um meio sorriso.

— Se quiser que eu pare com o barulho, faça tão alto quanto eu, magrelo.

Não levei a sério seu pedido, limitando-me a continuar batendo do meu jeito.

— Chama isso de bater, Pendlebury? — ele provocou depois de um tempo, parecendo bater mais forte que antes. Aquele nome ardeu nos meus ouvidos. — Vamos, sweetheart. Mais forte.

Por que porra Ben estava falando daquele jeito? Minha irritação fez com que eu batesse mais forte no saco.

— Não estou lhe ouvindo! Você está vindo treinar todos os dias para fazer isso? — seu tom de voz parecia irritado.

— O que você quer, Benners? — indaguei com a voz alta, igualmente irritado.

— Quero que você bata na porra do saco como um homem, caralho! — Comecei a bater mais rápido e com mais força e ele parecia fazer o mesmo, com um ritmo impecável. — Vamos, porra! Mais forte, mais forte!

Gritei e soquei o saco com toda a força que pude. O saco foi ao chão, erguendo uma nuvem de poeira e areia. Olhei para Ben, sem entender.

— Queria que você se livrasse da maldita dor — ele explicou arfando e segurando o saco com o qual treinava. — E da raiva também. Não é você, não faz parte de você.

Tomei fôlego, olhando nos olhos castanhos quase pretos de Ben. Ele se importava. Meus amigos se importavam.

— A raiva realmente não faz, Ben. — retruquei sentindo-me cansado, a voz meio rouca. — Mas a dor está aqui. Estou sendo obrigado a conviver com ela.

Cambaleei, meio zonzo.

— Ei. — ele me segurou forte. — Qual foi a última vez que você comeu? Você está parecendo um zumbi.

— Acho que foi ontem à noite.

— Temos que mudar isso.

Ben praticamente me arrastou até o banco, onde aproveitei para sentar e beber água. Ele me deu uma barra de cereais e eu a devorei, notando o quanto estava com fome. Ele sentou-se ao meu lado, bebendo sua garrafa de água.

— Você vai dormir na minha casa hoje e vamos jogar Top Gear até eu sentir câimbra nos meus dedos. — ele determinou. — Se quiser, podemos até ter alguma conversa filosófica sobre a vida.

— Ou sobre a falta dela.

— Ou sobre a falta dela — ele concordou. — Vamos tomar banho. A única pessoa que gosto de sentir o cheiro de suor é Mel.

Olhei para ele, um sorriso quase se formando.

— Isso foi estranho, McCarthy.

— Foi a intenção. Mas sério, quando você sentir o cheiro de suor de uma mulher que você gosta, você vai se sentir vivo.

— Vivo ou de pau duro? — ergui uma sobrancelha.

— Os dois. Isso envolve biologia, química e alma.

Sorri. Acho que eu precisava de alguém como Ben para superar tudo aquilo. Alguém que eu podia falar sobre coisas aleatórias ou coisas sérias.

Tomamos banho, deixei a chave com o segurança e fomos à casa de Ben. Mrs. McCarthy não se incomodou com a minha presença, até sorriu e pareceu sincera. Comi decentemente e depois, fomos ao quarto.

— Caramba, sua mãe cozinha muito bem. — comentei, jogando-me na poltrona.

— Isso é verdade. — Ben se jogou na cama. Fiquei olhando para o mural de fotografias dele e vi algumas fotos do recital. Foi um bom dia. — Todo mundo olha para isso ao entrar aqui.

— Você deveria fazer algo com essas fotos. — comentei fechando os olhos, sentindo-me cansado. — São muito boas.

— Sem me gabar, mas escuto isso com alguma frequência. Gosto de fotografar. Quando você faz algo que você gosta e aquilo que você faz é bom, o resultado é bonito.

— Verdade — concordei, meio lento.

— Talvez boxe não seja algo bonito, mas tem pessoas que gostam e que acham bom.

— É. — entreabri meus olhos, olhando o teto.

— Mrs. McCarthy está mais agradável do que da última vez que você veio. Acho que ver o filho quase morrendo e quase morrer também colocou um pouco de juízo na cabeça dela. Talvez nossa relação melhore de verdade como já tem melhorado. De vez em quando, me pergunto quem é o atirador fantasma.

Queria ter algo inteligente para responder, mas limitei-me a respondeu um monossílabo qualquer e a continuar a olhar para o teto, o sono embotando a minha mente, provavelmente pelo almoço e pelas horas não dormidas à noite. Fechei meus olhos, aproveitando o silêncio. Acho que Ben disse algo, mas pareceu distante. Grunhi em resposta e ouvi algo incompreensível.

— O quê? — gemi sem abrir os olhos.

— Você dormiu noite passada?

— Não.

— Ah, está explicado o sono.

Ben disse outra coisa inelegível, mas, dessa vez, não fiz questão de entender. Só quis aproveitar o momento em que a dor foi menor que a minha exaustão.

***************

Acordei com o pescoço meio dolorido e sentei, me alongando. Como eu estava travado. Ben estava na cama, com o mural de fotografias no seu colo.

— O que você está fazendo? — indaguei.

— Ah, a Bela Adormecida acordou. — Ben sorriu irônico, mas gentil. — Estou tentando organizar meu mural. Está meio difícil.

— Posso tentar lhe ajudar, se quiser.

— Aceito sua ajuda.

Sentei-me ao seu lado:

— Dormi muito?

— Três horas. — ele informou pondo alfinetes nas bordas do mural de isopor.

— Desculpe.

— Tudo bem, você estava cansado. — Alguns segundos de silêncio e ele perguntou: — Afinal, o que porra você e Shelly têm?

— Para ser franco, não sei. Você quer essa? — indaguei, mostrando uma foto de algum parque de Vancouver.

— Sim, estou pensando em deixar algumas de natureza no meio das pessoas. Shelly me parece estranha esses dias. Mel disse que ela estava com alguns problemas.

— Quem não os tem... afinal, vou começar a fazer acompanhamento psicológico daqui a uma semana.

— Sério?

— Foi um dos requisitos para ficar em Vancouver.

Ele fez uma expressão confusa:

— Como assim?

Contei para ele toda a história do advogado e da audiência.

— O avô de Mel é foda.

— Sim, pra caralho. Se bem que o advogado era meio estranho. Ele me achou parecido com alguém que ele conhecia e ficou me encarando. Foi meio tenso.

— Imagino. Isso tudo foi quando?

— Antes do ano novo.

Fiquei feliz com o treino de abdominais, pois não aguentaria o soco que Ben deu na minha barriga se ainda pesasse 75kg e tivesse o abdômen de antes:

— E você não falou nada pra gente, seu puto?

— É. — sorri, mas depois suspirei, esfregando meu rosto. — Às vezes, dá vontade de não fazer ou falar nada, Ben.

— Cacete, odeio isso. Você era um dos caras mais animados dos snakes com seu jeito de Capitão América e o sorriso meio estúpido...

— Obrigado pela parte que me toca.

— ... e aí essa merda acontece, fazendo com que todo mundo fique triste e preocupado e com que você não seja nada do que é e que tudo fique fodido e isso me deixa muito puto. — Poderia ter rido da afirmação dele em outros tempos, mas tudo o que fiz foi concordar com o que ele disse:

— É, isso também me deixa puto.

— O que quero dizer é que você pode contar com a gente, ok? — Ben me olhou seriamente, o que me surpreendeu um pouco.

— Eu sei, mas às vezes não consigo fazer nada além do silêncio.

— É, eu sei. Queria lhe consertar como tento fazer com minha Polaroid, mas...

— Isso é com o tempo, Ben. — o interrompi na esperança de não fazê-lo pensar tanto nisso.

Ele suspirou, inconformado.

— Fotografias são frequentemente associadas a recortes no tempo. Se todas essas fotos fossem pequenos pedaços de tempo que pudessem ser usados para adiantá-lo, eu o faria.

Sorri para o fotógrafo:

— Isso foi gay pra caralho.

— Sem dúvida.

Ben finalmente terminou de arrumar seu mural. Fiquei me perguntando quanto tempo demoraria para que eu me organizasse, juntasse os pedaços. As fotografias de Ben eram excepcionais.

— Hora de jogar Top Gear, anjo xingador. — ele determinou.

Dei de ombros, sentei no chão, me encostei na cama e peguei o controle.

**************

Ben ficou com as articulações dos dedos doloridas. Conversamos muito depois do jogo e só paramos depois que o fotógrafo apagou, perto das 02:00 a.m. O silêncio só era quebrado vez ou outra por uma respiração mais profunda de Ben. Quis meu violino, mas não soube dizer se eu tocaria se ele estivesse ali.

O meu mundo estava em um doloroso silêncio, silêncio que permitia os pensamentos mais aleatórios e igualmente dolorosos. Aquilo tudo não parecia real. Ainda parecia que eu iria entrar na casa deles e minha mãe estaria fazendo alguma guloseima e meu pai me chamaria para fazer algo com a mecânica. Como acreditar que eles simplesmente não estavam mais lá?

Quando eu fui para a clínica de reabilitação, lembrei de como tudo parecia horrível e sufocante. Tentei parar por conta própria, mas as crises de abstinência eram um inferno. Depois de uma que foi extremamente séria, meus pais decidiram me internar. Lembrei do olhar de Adele para mim: cheio de lágrimas, desesperado. Robert era um pai rígido, de forma que ele só olhou para mim como se eu fosse uma decepção. O que doeu mais foi aquele sofrimento que causei a eles.

Talvez aquele sofrimento todo estivesse voltando para mim naquele momento, a dor mutilando e me rasgando, cada dia um pouco mais.

Quando a dor de tê-los magoado e ferido se tornou forte e perfurante demais para mantê-la dentro de mim, resolvi preencher aquele vazio e aquela dor de alguma forma. Então, encontrei o violino e toda aquela tensão interna se dissipou, tanto neles quanto em mim, através de música.

Eu só precisava encontrar uma forma de preencher o vazio que começava a se instaurar, mas não soube dizer se já havia dor o suficiente. Havia muita dor, isso era inegável. Talvez eu pudesse começar e fugir do silêncio, porém, lá no fundo, eu sabia que o silêncio em conjunto com toda aquela dor teriam algo a me ensinar. Contudo, me perguntei até quando eu conseguiria suportar tudo aquilo.


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Notas finais do capítulo

Ben ♥
Alguém não gosta de Ben?
E então, queridos, o que estão achando?
Críticas, comentários, sugestões e comemorações aleatórias abaixo vvvvvvvvvvvvvv
Até o próximo o/



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