Apenas uma garota... escrita por Luana Nascimento


Capítulo 35
Capítulo 34 - Hora da verdade


Notas iniciais do capítulo

Olá, meus amoreeeees ♥
Saudades, muitas saudades.
Me justificarei lá embaixo, espero que gostem do capítulo ;)
Aviso: outro capítulo dramático, mas esse é profundo.



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Shelly

A televisão estava ligada, mas, se me perguntassem, não saberia dizer o que eu assistia. Meus pensamentos fluíam soltos demais naqueles dias. Mel me visitara, perguntando como eu estava. Digamos que minha resposta não a deixou muito satisfeita. Clint também passou pela minha casa para perguntar se estava tudo bem comigo e menti, respondi que sim. Não queria mais um amigo preocupado.

Jaden acabou ligando depois de um dia, o que não deixou minha mãe ou eu muito satisfeitas, dizendo que precisava sair e pediu desculpas, explicando que sua cabeça estava “uma merda”. É, acho que estava mesmo, não podia culpa-lo.

Tabarnak, minha cabeça também não estava nada boa. Não era bom ficar remoendo tanto um assunto, mas quando você deixa duas pessoas conhecidas e boas para você morrerem, você começa a repensar sua vida. O autoquestionamento tem indo e vindo na minha cabeça mais vezes do que eu gostaria, assim como o acidente dos Pendlebury. Para que eu tinha aquela habilidade se nem sempre conseguia ajudar ou intervir? Por que as visões apareciam para mim?

Em todo esse tempo, nunca consegui compreender o porquê dessa habilidade, talvez algum dia fizesse sentido. Nunca ver o passado, o presente e o futuro tinha trazido algum benefício para mim e para os outros ao redor. Então, veio Bradley e o seu quase atropelamento, Carter Lancaster e sua imprudência, Thomas Callahan e sua dedicação, Eve McCarthy, sua quase morte e a melhora da sua relação com Ben. Todos esses fatos me trouxeram esperança: eu podia fazer algo de útil com a habilidade que eu tinha.

Tudo isso se perdeu com o acidente dos Pendlebury. Quando finalmente achei que havia encontrado um meio de conciliar minha vida e me dei ao luxo de pensar que poderia viver normalmente e, ocasionalmente, salvar pessoas, aquilo aconteceu. Não, minha habilidade não fora útil, não beneficiara as pessoas, não trouxera alegrias, não fora ponte para dias melhores. Pelo contrário: fora só tragédia e luto.

Ao mesmo tempo, não sabia dizer se a culpa era da minha habilidade ou minha. As visões sempre estiveram lá, latentes e insistentes como gotas de chuva caindo no meu rosto em uma tempestade, contudo, me distraí, meus sentimentos me distraíram. E me distanciaram delas, das possibilidades passadas e futuras, me deram cobertura como um guarda-chuva. Essa cobertura era boa? Eu poderia viver com essa repressão e ignorância, com a culpa de ter fugido das visões e ter deixado aquele acidente acontecer? Tudo era doloroso e recente.

Ouvi batidas na porta. Mas quem seria? Talvez Mel, ela disse que poderia aparecer...

— Quanto tempo, Shelly.

Olhei para a pessoa em questão, incrédula. Olivia Claudette Revenry, minha tia a qual minha mãe não simpatizava muito. É, minha mãe tinha uma irmã. Segundo ela, tia Olivia era a preferida da minha vó, embora ela tentasse não fazer distinções. Algo sobre minha mãe não ter “nada demais”. Nunca entendi isso direito.

— Tia? — Meu francês quase não saiu.

— Posso entrar? Estou com sede e com fome. — ela jogou sua bolsa no sofá, fazendo o mesmo consigo. — Você me parece travada. Vamos, Marie, faça isso por mim, sim?

Suspirei. Marie. Acredito ter feito uma expressão amarga. Ela é mesmo canadense? Resolvi pegar o copo d’água dela.

— O que faz aqui, tia? — indaguei enquanto ela bebia sua água, sentindo o forte e enjoativo perfume que usava. — Você não mora em Paris?

— Ah, moro sim. É uma bela cidade, tão maravilhosa e tenho feito sucesso no jornalismo de lá...

Sabe aqueles lapsos de sono? Aconteceu de novo por eu não ter dormido na noite anterior, então ela falou entusiasmadamente e não entendi nada, especialmente porque minha audição em francês não estava das melhores. Na verdade, já tive dias melhores.

— Mas você não parece me ouvir —, ela notou. — Você já foi uma ouvinte melhor. — Seu olhar penetrante percorreu meu corpo, de forma que fiquei sem graça e baixei os olhos. Eu vestia um pijama, embora já fosse 2:35 p.m., usava minhas pantufas e provavelmente meu cabelo estava uma bagunça. Ela se vestia tão bem e tinha um porte tão firme que me deixou intimidada por um momento. — Sua avó disse que teve uma sensação ruim ao pensar em você. Ela andou meio doente esses dias...

— Algo grave? — tentei ganhar tempo.

— Uma gripe, de forma que requer alguns cuidados, afinal, ela já tem 84 anos. Continua do mesmo jeito.

— Continua solteira?

— Claro! Vez ou outra conhece alguém interessante, mas é fiel a papai, por mais esteja morto. Pudera, um casamento de quase quarenta anos! Eu a entendo.

— Bom saber, mas perguntei sobre você. — ergui as sobrancelhas, notando o quanto ela se distraía com facilidade.

— Eu o quê? — ela deu uma gargalhada espontânea e alta. — Sem dúvida! Você realmente me imagina com alguém?

— Não — respondi de imediato.

Minha tia era uma espécie de espírito livre e sem compromissos. Beirava os quarenta, era bem resolvida. Tinha os cabelos castanhos-médio e ondulados cortados a Chanel, deixando-a charmosa. Os olhos claros, que variavam entre o azul e o verde, brilhavam, cheios de vida, e o seu porte altivo e orgulhoso me lembravam a minha avó, mas seu rosto me lembrava algumas fotos do meu avô: o mesmo formato de queixo, nariz e testa.

— Ah, voltando ao assunto... mamãe pediu para que você falasse sobre você.

— Sobre mim? — tentei mais uma vez ganhar tempo para pensar em algo. — Eu não tenho nada a falar, sou só uma adolescente de 16 anos que mal descobriu a vida.

— É, você é isso sim, mas entendo o que mamãe quis dizer. Não é necessário ter uma boa visão para ver que você não está muito bem. — De repente, ela deu um pulo no sofá. — Preciso de papel e algo que escreva.

— O quê? — estranhei a agilidade com a qual se moveu.

— Só consiga, por favor.

Fiz o que ela pediu e ela começou a escrever na folha de papel ofício rapidamente. Ela acabou escrevendo uma folha e soltou o lápis de supetão, meio trêmula.

— Que espírito intenso. — ela comentou ao estralar os dedos e se jogar no sofá, suspirando. — Pode ler. Interessante a mensagem. Pareceu no limiar do desespero e nunca vi uma linguagem tão direta desde...

Deixei de prestar atenção ao que ela falava quando observei os detalhes. Era uma espécie de mensagem rápida, onde as linhas estavam espaçadas demais e a letra legível, bonita e grande:

"Shelly,

Saia desse fluxo de pensamentos que colocam culpa onde você não tem. Não poderemos conversar enquanto você não o fazê-lo. Espero que você entenda isso. Nem sempre as possibilidades podem ser evitadas.

Elizabeth”.

Fogo dançando na chuva e cheiro de morte foi em tudo que pensei. O mundo pareceu girar mais rápido.

— Olivia?! O que faz aqui? — Minha concentração na mensagem de Elizabeth fez com que eu não percebesse que minha mãe tinha chegado em casa e entrado. O papel deslizou entre os meus dedos quando me voltei na direção da dona da casa. — Shelly?

Senti aquele nó denso e familiar na minha garganta, as lágrimas começando a embaçar a minha visão. Tinha ciência de que elas me olhavam estranhamente, porém tudo estava confuso e nada fazia sentido diante da visão daquela mensagem no chão e do acidente dos Pendlebury. Balbuciei:

— Eu... vou para o meu quarto. Licença.

Subi a escada correndo, ainda ouvindo um “O que você fez?” da minha mãe direcionado a tia Olivia. Elizabeth. Fogo, água e vento, chuva, frio... Tranquei a porta do meu quarto, tentando tirar aquelas imagens da cabeça. Ouvi meu celular tocar: Jaden. Não pude atender. Era minha culpa. Ele sofria por minha culpa. As lágrimas caíam, totalmente involuntárias como os soluços, e me encolhi na cama, ainda vendo a realidade na minha consciência: a explosão, o fogo, a chuva torrencial, o vento gélido, a visão embaçada, dois corpos no carro, a dor de Jaden, cinzas flutuando...

— Shelly? — minha mãe bateu na porta. — Está tudo bem?

Minha voz estava presa e tudo o que consegui fazer foi chorar.

— Shelly, meu amor, me responda! O que foi que sua tia fez?

Eles nem tiveram a chance de saber que Jaden não teve uma recaída...

— Shelly, eu vou arrombar essa porta. Por que você está chorando? Posso ouvir você.

Não sabia se abria a porta ou não.

— Shelly, quem é Elizabeth?

Minha mãe precisava de respostas e eu precisava dar essas respostas a ela. Procurei reagir a aquela visão e a aquele peso que sentia e me ergui devagar. Abri a porta e vi o vinco familiar e desagradável de intensa preocupação na sua testa. Ela me abraçou forte:

— Oh, meu amor, o que foi? Por que...

— Mãe, tem tanta coisa que eu preciso lhe dizer... — murmurei entre soluços.

— Só respire, meu amor. — Seu abraço era a melhor coisa do mundo. — Está tudo bem.

Eu realmente não queria preocupa-la, mas precisava dela. Desesperadamente. Precisava do abraço, do apoio dela. Aos poucos, fui me acalmando. Levantei-me, lavei meu rosto, bebi água da torneira mesmo e voltei ao quarto, sentando-me ao seu lado na cama.

— Bem, estou esperando. — minha mãe considerou, pondo os pés em cima da cama.

Olhei-a, preocupada, confusa, nervosa. Tinha tanto a contar... como superar anos de auto-entrave e camadas de muros densos?

— Mãe, eu... Ah, meu Deus, não sei por onde começar.

— Pela informação principal.

E não, não era pelo começo. Às vezes, a informação principal não estava nele.

— Eu sou uma vidente. — confessei antes que eu me arrependesse.

Ela me olhou com as sobrancelhas erguidas por uns cinco segundos até perguntar:

— Como? Por quê? Certo, preciso de muitas explicações. Como isso acontece? Como você pode ter certeza?

As perguntas dela me sufocaram por um momento, então, procurei pensar em responde-las.

— Não sei como acontece, simplesmente tenho sonhos e eles podem me trazer passado, presente ou futuro. Minhas certezas foram firmadas em alguns fatos que aconteceram...

Dessa vez, fui ao começo: falei de como impedi o atropelamento de Bradley na festa de Cindy, de Carter e o episódio da rua, da quase morte de Eve McCarthy... foi mais difícil do que achei que seria, mas acho que era pelo fato de ser minha mãe. Ela era importante, o julgamento dela poderia me consolar ou me jogar para baixo. O poder que ela exercia sobre mim não mudaria mesmo se eu ficasse velha; pelo menos eu acredito nisso.

Mesmo com todo o receio, tentei me ater aos fatos, às minhas impressões, tentei ser sincera como nunca fui completamente. Em alguns pontos, acho que a narrativa falhou. E então, cheguei ao acidente com os pais de Jaden. Fiz uma pausa. A esse ponto, estávamos uma do lado da outra, recostadas na cabeceira, eu tentando não olhar diretamente para ela.

— Quanta informação — ela comentou, impressionada. — Você foi tão corajosa... Ah, meu Deus do céu, Shelly, o que você fez com a mãe de Ben... Não consigo definir se foi loucura ou coragem.

Ela me abraçou. Aquele simples gesto me emocionou e eu não sabia se suspirava de alívio ou chorava. Fiquei prendendo a minha respiração até a confusão de sentimentos passar.

— Mas não é só isso que lhe aflige, é? — ela indagou naquele tom de voz que me incitava a contar tudo quando eu era menor. Sorri levemente.

— Não, mãe, não é.

— Afinal, quem é Elizabeth?

Expliquei para ela sobre Gasparzinho, o fantasma que mais me confundia do que me orientava sobre minha habilidade.

— É um nome bonito. — ela comentou. — Quase o coloquei em você como segundo nome.

— Por que não o fez?

— Seu pai queria fazer uma homenagem a sua mulher preferida na história: Marie Curie. Achei a homenagem muito mais que justa.

Era a primeira vez que ela me falava aquilo. Marie Curie: a primeira mulher a ganhar um Oscar e a primeira pessoa a ganha-lo duas vezes, na física e na química.

— Eu não sabia disso. — comentei.

— Queria Elizabeth por causa de Elizabeth I. Governou com mãos de ferro no seu tempo, nunca se casou ou deixou filhos. Mas seu pai me convenceu. Marie Curie deixou um legado, viveu tanto para a ciência quanto para si. Além de conquistar suas coisas, teve filhas, um esposo, amigos... teve uma história, sabe? Elizabeth I teve, ao seu modo, mas era focada demais no trabalho e viveu para a monarquia sem aproveitar muito. Não quis isso para você, então seu pai me convenceu. No fim, quem vai definir isso é você.

— Verdade. — concordei depois de refletir.

— Acho que você tem mais a me contar, certo?

— Tenho. — Senti o sangue deixar um pouco do meu rosto. Com alguma dificuldade, falei sobre o que Jaden fez e disse e sobre o acidente dos Pendlebury.

— Por isso você pareceu tão mal! Por que você não me contou tudo isso antes, meu amor? — ela me abraçava forte.

— Eu não queria lhe preocupar, queria que você não se preocupasse com tudo isso! — A esse ponto, as lágrimas desciam pelo meu rosto de novo. — Mãe, eu te amo, não queria que você visse tudo isso em mim... eu...

— Shelly, preciso te conhecer para te ajudar no que eu puder, estou aqui para isso, mães servem para isso!

Ficamos abraçadas, sem dizer uma única palavra. Não esperei nenhum conselho, apenas queria que ela fosse minha amiga como estava sendo naquele momento. Até que ela resolveu falar:

— Não foi sua culpa. Você sabe, não é?

— Não sei, mãe. — esfreguei meu rosto, ainda se aconchegando nela. — Não sei mais de nada, não tenho nenhuma certeza.

Ouvi batidas na porta:

— Ainda está aqui, Olivia? — minha mãe gritou. — Você já devia ter ido embora!

— Só queria dizer tchau a Shelly antes de ir.

— Já disse.

— Queria falar com ela também, sabe, Ann? Pessoalmente.

Minha mãe fez aquela cara de leoa que fazia sempre que algo me ameaçava, mas procurei acalmá-la:

— Está tudo bem, mãe.

Saí do quarto e minha tia me esperava.

— Sua mãe é impossível de vez em quando. — Seu comentário foi feito em um sorriso divertido.

— Eu ouvi isso! — minha mãe reclamou e eu quase sorri.

— É, bastante. — concordei com a minha parente.

Tia Olivia me abraçou, o que foi estranho.

— Não pude evitar de ouvir atrás da porta. — ela sussurrou. Estremeci ao ouvir aquilo e foi impossível não ficar alerta, porém as palavras seguintes me fizeram relaxar um pouco, assim como a olhada firme que ela me deu: — Não direi muito a sua avó. Fique bem, certo, minha querida? Ter um dom é difícil, mas possível. Fico feliz por ter uma Revenry seguindo o destino de seu clã. Sua avó ficará orgulhosa.

— Não queria isso. — reclamei.

— Ah, nenhuma de nós quis no começo. O que vai lhe definir é sua escolha: ou você abraça sua causa ou foge dela. Os dois caminhos são difíceis, cada um a seu modo, mas não é fácil para ninguém, Marie.

O meu nome, pela primeira vez, não me incomodou; todavia o que ela disse, sim.

— Tenho que ir agora — ela finalmente começou a despedida. — Você pode me ligar quando quiser. Tchau, querida.

Fiquei parada no corredor, refletindo sobre sua fala, enquanto ela descia a escada calmamente, degrau por degrau. Ouvi seu salto na madeira, a porta se abrindo e fechando em um ruído discreto. Certo, essa foi a visita mais inusitada da semana.

— Pensei em fazer panquecas, estou com fome.

— Meu Deus, mãe, que susto!

Minha mãe riu:

— Ok, sinto muito. Quer conversar mais?

— Pode ser, mãe. Você merece saber mais sobre mim.

Foi um longo dia, que quase me fez esquecer toda a minha culpa e reflexão. Quase. Tudo ainda estava latejante, especialmente pelo mesmo pesadelo que me atormentava quando eu dormia, que me remetia a uma tarde gélida na auto estrada 99, em Richmond, onde ocorrera a explosão de um carro e a dança horrendamente apavorante do fogo queimando e matando duas pessoas queridas.


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Notas finais do capítulo

Mil desculpas por demorar tanto para postar, mas entrei num bloqueio criativo horrível e minha vida ultimamente tem parecido uma fanfic, ou seja: movimentada em excesso. Só para terem noção, terminei com meu namorado. É, triste. A vida de universitária também tá meio puxada, mas não vou abandonar essa fic, ok?
Críticas, comentários, sugestões, mensagens de apoio e desabafos abaixo vvvvvvvvvvvvv
Beijos e até quando eu puder postar o/



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