Apenas uma garota... escrita por Luana Nascimento
Notas iniciais do capítulo
Olá, pessoas o/
Devo pedir desculpas pela demora, mas estou com uma espécie de bloqueio... Tentarei postar com regularidade. Esse capítulo tá calmo, até.
Espero que gostem :3
Sonhei com duas crianças brincando em uma casa simples, rindo alegremente. Percebi que eram Mel e Dave; ela com uns 5, ele com 6 anos. O ambiente era uma casa pequena, as paredes cinzas, os móveis desgastados. Aparentando ignorar o ambiente onde viviam, eles se divertiam escondendo-se.
— Dave, você se esconde agora — uma Melinda menina falou, a vozinha infantil.
— Certo, certo, pode contar. — seu sorriso era controlado, mas sincero.
Melinda começou a contar, mas antes que chegasse em vinte, um homem alto entrou na casa e jogou uma mulher no chão.
— Mamãe! — a garotinha exclamou, correndo até ela. Carol.
— Por que você saiu de casa sem a minha permissão?! — o negro gritou, alterado. Aparentemente, ele estava alcoolizado.
— Eu fui comprar comida para os nossos filhos! — Carol gritou, chorando, tentando proteger sua filha. — Será que nem isso eu posso mais?
— Não sem falar comigo antes! — O homem levantou a mão, mas Melinda se pôs no caminho e levou um forte tapa que a derrubou. Dave saiu do seu esconderijo, viu sua irmã e sua mãe no chão e optou por intervir:
— Pai, já chega! Vá embora!
Ele quase bateu em Dave, mas Carol interveio rapidamente:
— Você não vai cometer o mesmo erro novamente! Saia!
O agressor olhou ao redor e, sentindo-se acuado, saiu. Carol correu até Melinda, que chorava tristemente no chão. A mulher a abraçou:
— Ei, meu amor, está tudo bem. Vai ficar tudo bem.
Dave juntou-se ao abraço, preocupado. Os olhos de Mel pareciam assustados e tristes.
Acordei, desorientada, o despertador tocando. Segunda, uma semana depois do atentado. Então, havia sim pais piores que o meu. Senti-me inquieta ao imaginar meus amigos vivendo daquela forma. Como eles conseguiram sair daquela situação? Como eles conseguiram viver daquele jeito? Deu para entender porque eles não falavam sobre o pai deles. Suspirei e me levantei.
Bem, vamos ao resumo dos últimos dias: eu estava me sentindo menos preocupada sobre descobrirem a minha identidade. Lewis foi preso, Eve depôs contra ele. Contudo, fiquei sabendo por William que a polícia estava tendo dificuldades em entender os dardos. Como uma pessoa poderia ter passado pelo tubo, não ter feito barulho e saído? Como essa pessoa poderia saber que Christopher Lewis estava envenenando a taça? O delegado no caso investigava colegas de trabalho. Eles até me deram um apelido: o atirador fantasma.
Eve parecia mais... humana, eu diria. Ela havia ficado o sábado todo no hospital, pelo que Melinda me contou, mas evitava ficar muito tempo com Ben e ir com frequência ao quarto. Ela conversou comigo sobre o atentado contra sua vida quando saí do quarto de Ben para ir para casa e refletiu:
— É, Shelly. Aquela quase foi minha última escolha. Graças àquele atirador, não foi. Obrigada por me fazer refletir.
Minha esperança era que ela consertasse sua relação com o filho. Eles mereciam aquilo.
Ben estava melhor da úlcera, aparentemente. Saiu do hospital no domingo e o médico lhe receitou uma dieta baseada em muito líquido e poucos abusos.
Na segunda, fiz minha rotina matinal, tomei café, peguei meus livros, abracei minha mãe e saí para o ponto de ônibus. Na parada, Elizabeth argumentou comigo:
"Ainda acho que você pareceu suspeita. Quem diabos recusa um pedaço de pizza?"
"Contando que isso não me traga problemas..."
Ouvi passos pesados e rápidos vindo em minha direção. Olhei, um pouco assustada e vi que era Jaden.
— Oi, Jaden, tudo bem? — indaguei, notando algo estranho.
Ele coçou o cabelo, parecendo irritado.
— É, mais ou menos.
— Algo errado?
Ele soltou o ar pela boca.
— Se não se incomoda, não quero falar sobre isso agora.
— Sério, precisando...
— Não preciso de mais complicações na minha vida. — Seu tom de voz duro me assustou.
Olhei-o:
— Desculpe?
— Posso te pedir um favor? — Aquela atitude foi tão... não ele.
— Ok, eu acho.
— Tente não pedir mais minha ajuda.
— Jaden, o que...
— Só me deixe em paz.
Fiquei em silêncio por um tempo, confusa sobre o que sentir, vendo o ônibus enrolar a esquina ao longe. Frustração? Tristeza? Curiosidade? Restou a raiva. Retruquei:
— Sabe, amigos se ajudam mutuamente. Se um ajuda o outro, o outro ajuda um. Então tudo bem se para você eu só peço a sua ajuda, como se eu precisasse necessária e exclusivamente dela. Só não conte mais comigo assim como não contarei com você. Afinal, me virei sozinha durante dezesseis anos. E eu vou deixar você em paz sim, não se preocupe. Passar bem.
Antes que ele pudesse responder algo, entrei no ônibus e fui lá para trás conversar com Ashley e Carl. Ele não me pegou em um dia bom. Procurei não me importar com a minha resposta. Afinal, ele não olhou para mim em nenhum momento mesmo. Cheguei na escola e falei com os Snakes normalmente. Bem, mais ou menos, por que eles estavam discutindo como se defender de um ataque de bode.
— Ainda acho que pular por cima do bode é uma escolha válida — Clint opinou cruzando os braços.
— Ah, não. Definitivamente não — Ben negou veementemente.
— Você já viu o tamanho daqueles chifres e a força do impacto de um bode? — Dave indagou. — Vi um documentário e não é nada generoso imaginar o que pode acontecer com minhas bolas.
Fiquei rubra nessa parte. Meninos e sua sinceridade excessiva.
— Eu chutaria — Ben e sua sensibilidade insensível.
— Ou tiraria uma foto, McCarthy. — Jaden comentou, irônico. Rolei os olhos.
— Ah, por favor, não bata no pobre animal só porque você invadiu o espaço dele. — Melinda encarou o fotógrafo, cética.
— A melhor escolha é correr como quem foge da morte. Fim. — Dave deu seu veredicto. — Afinal, por que estamos discutindo isso?
— Estava me perguntando a mesma coisa, porque moro em Vancouver há 16 anos e nunca vi um bode por aqui. — comentei.
Mel riu.
— Bem, é uma boa resposta. — Os meninos ficaram sorrindo. — Vou ao banheiro. Você quer vir, Shelly?
Percebi que ela queria que eu fosse.
— Tudo bem.
Melinda fomos ao banheiro juntas:
— Shelly, meu avô vai almoçar lá em casa hoje. Queria que você fosse. Jaden e Ben estarão na academia, Clint terá hóquei e Dave tem algo importante para não passar a tarde em casa hoje.
Pensei um pouco: é, não tinha nada o que fazer em casa mesmo... E também tinha que averiguar mais sobre o avô de Mel. Havia a possibilidade de ele trabalhar para os Lancaster.
— Tudo bem, Mel. — concordei. — Mas por que Dave...
— Meu avô sempre está indo lá em casa, aí Dave segue a rotina dele e quando pode, fica em casa falando com nosso avô.
— Ah.
Ela sorriu, contente.
— Meu avô é um cara legal. Acho que você vai gostar dele e ele de você.
— Assim espero.
A aula de inglês transcorreu normalmente, no intervalo, interagi com os Snakes normalmente, mas sem contato direto com o loiro, procurei prestar atenção nas aulas de física e história e desenhar quando chegasse um assunto em que eu tinha algum conhecimento ou que eu considerasse fácil.
Na aula de história, houve um debate interessante. O professor falava sobre o "descobrimento" da América na seguinte frase:
— Sendo assim, Cristóvão Colombo descobriu a América em 1942, após uma longa viagem...
— Desculpe, professor, mas não. — a voz de Melinda rompeu com a monotonia da história europeia. — Não descobriu. Ele achou.
— Sim, mas foi motivo de grande orgulho na época por trazer civilização aos índios e...
— Desculpe, civilização? Os nativos já tinham isso. Veja os maias, os incas, os guaranis, os astecas, os choctaw, os mohawk. Mas os europeus chegaram e causaram anos e anos de genocídio, de preconceito, de apropriação de terras, de "doutrinação" religiosa, de escravidão, de pessoas e tribos mortas em toda a América, tanto a do Norte, quanto a Central e a do Sul. Do que esse cidadão se orgulharia atualmente? Hitler matou 11 milhões de pessoas intencionalmente, dentre elas judeus, ciganos, homossexuais. O senhor tem uma estimativa de quanto se matou nas Américas só de nativos? O número chega próximo a casa dos bilhões.
— Falou a Choctaw. — Bradley zombou e alguns meninos riram. Eu ia retrucar, mas Mel cuidou disso:
— Sou descendente de cherokees, não de choctaws, mas sim, falei. Falei e falo porque se os nativos americanos não falarem, quem falará por eles? Quem falará por nós? Então, professor, se o senhor quiser ensinar história para uma ameríndia, terá que falar da história toda, não só a europeia. Terá que falar da cultura dos africanos explorados pelo colonialismo e pelo neocolonialismo, terá que falar dos indianos colonizados pelos ingleses, dos japoneses bombardeados sem motivos, dos chineses que trabalham muito e recebem pouco, dos mosquetes contra os arcos porque a história não pode ser só dos vencedores.
O professor olhou para Melinda longamente, tentando aparentemente encontrar argumentos, e acabou por dizer:
— Para semana que vem, vou querer pesquisas sobre a vida dos nativos da ilha de São Salvador, a primeira ilha em que Colombo chegou. Quinze linhas, no mínimo, e manuscrito. Até a próxima aula.
— Mel, você mandou bem — Ben sussurrou, os olhos brilhantes, e a garota sorriu.
— Melinda, gostaria de trocar ideias com você — o professor pediu.
— Esperamos você lá fora — informei sorrindo.
Quando saímos, Dave sussurrou discretamente, sorrindo:
— Essa minha irmã me mata de orgulho.
— Melhor pessoa. — Ben concordou, tirando uma foto de sua polaroide. —Só digo isso.
— Cara, como você conseguiu uma foto sem o flash insano dessa câmera? — indaguei, surpresa.
— Eu tenho meus truques. — E me deu uma piscadela maliciosa.
Quando ela saiu, despediu-se logo dos garotos, liguei para a minha mãe avisando, e fui com Melinda para a casa dela.
— Impressão minha ou Jaden e você estão com o clima meio tenso? — ela questionou enquanto estávamos no ônibus.
— Ele veio descontar a irritação dele sobre mim do nada, sabe? Não posso lidar com uma pessoa tão instável. Já tenho instabilidade demais na minha vida.
— Quem sabe ele estivesse precisando de alguém, não?
— Esse é o problema, ele sequer me deu abertura para tentar ajuda-lo! — Suspirei, frustrada. — Não importa. Conte-me sobre seu avô.
— Tudo bem. Meu avô é um descendente dos cherokee, uma das cinco tribos "civilizadas". Como se as tribos já não tivessem sua própria definição de civilização quando os europeus chegaram e mataram quase todos... enfim, você viu minha opinião sobre isso.
— E como. É difícil não ver o etnocentrismo ao ver alguns processos de colonização. E você foi ótima. O que o professor queria? Você acabou nem dizendo.
— Trocar algumas ideias sobre como dar aulas mais... abertas e menos etnocêntricas.
Ri, contente:
— Isso é ótimo, meu Deus!
— Ao menos, canadenses são mais tranquilos quanto a isso. Estadunidenses podem ser bem... incômodos. Ah, chegamos.
Paramos diante de sua casa térrea e simples, porém bem estruturada. Melinda abriu a porta e me intimou a entrar.
— Vovô! — a garota chamou. — Cheguei!
Ouvi passos constantes e ágeis no piso e um ameríndio de cabelos longos, lisos e quase brancos abraçou Melinda. Usava penas no cabelo, um colar com uma pedra azul, tinha os olhos puxados, o rosto um tanto enrugado, a mandíbula forte, o nariz reto como o da minha amiga. Tinha o corpo delgado, o porte um tanto atlético.
— Minha pequena Kamama*!
— Vovô, já tem um tempo que eu não sou pequena. — Seus olhos brilhavam de orgulho.
Ele riu.
— Adolescentes... — e sorriu amistosamente.
— Vô, essa é Shelly, uma colega minha de escola. Ela pode parecer meio quieta, mas é o normal dela. Shelly, esse é Thomas Atsila Callahan.
Mr. Callahan aproximou-se de mim, parecendo avaliar-me. Em dado momento, arregalou os olhos, segurou as minhas mãos e as beijou, fazendo uma reverência logo após. Senti meu rosto quente.
— Estou honrada, eu diria — comentei, sorrindo. — Não precisa de tudo isso.
— Temos que demonstrar respeito a uma alma boa, especial e antiga quando vemos uma — ele retrucou com um sorriso generoso. — Bem-vinda, Shelly.
— Obrigada.
— De nada. Vamos lá, fiz o almoço hoje.
Ele cozinhava muito bem. Sentamo-nos à mesa e Mr. Callahan pediu:
— Fique à vontade, coruja.
Estranhei:
— Coruja?
— Ah, sim. Tão observadora e cautelosa.
Sorri, tímida.
— O senhor é gentil.
— Obrigado.
— Vô, ela é tímida, não a deixe vermelha. Como está Carter?
— Daquele mesmo jeito. Sai e não diz para onde vai, aparece sempre com um furo não sei em que parte do rosto... seu jeito aventureiro me lembra David quando era adolescente.
— Imagine se ele sabe sobre o quase atropelamento do filho... — Mel comentou meneando a cabeça.
— Nem me fale. — Uns segundos em silêncio e ele direcionou a palavra para mim: — Foi você quem o salvou, certo?
— É, eu só o levei para a calçada. — respondi, um pouco hesitante.
— Vô, você tinha que ver o reflexo dela! Foi olhar e woooow!
— Eu só fiz o que qualquer um faria. — respondi, tentando não chamar muita atenção.
— Ah, não. Fazer a coisa certa na hora certa é para poucos.
Eu que o diga, pensei ao lembrar de Eve.
— Não foi nada demais.
— Pode não parecer, mas foi sim. — Melinda interveio. — A última coisa que os Lancaster precisam é de outro menino perdido.
Baixei a cabeça e limitei-me a comer, mas por dentro, eu fervilhava.
— Melinda — seu avô censurou, parecendo incomodado.
— Vô, não foi sua culpa. Talvez o garoto até esteja vivo! David Lancaster foi tolo em parar com as buscas! Por que o senhor não o faz por conta própria?
Quase me engasguei com o suco.
— Melinda, chega desse assunto — Mr. Callahan cortou, a voz firme e séria. — Só vamos terminar o almoço.
— Posso ir ao banheiro? — indaguei, tentando fazer com que minha voz não soasse falhada.
— Ah, claro, uma dama sensível, perdão — a expressão do mais velho suavizou-se e pareceu um tanto culpada. — Só seguir por esse corredor que liga a sala à cozinha.
— Obrigada.
Retirei-me no banheiro, preocupada. O avô de Melinda trabalhava com os Lancaster. Meu Deus, estava tudo tão...
"Incrível, não?", Elizabeth fez-se soar em minha cabeça.
"É uma bola de neve", respondi. "É como um radar defeituoso".
"Como um item perdido na sua mão".
"Não fazer nada é difícil", comentei, nervosa.
"Você não irá precisar".
"Como assim? Elizabeth? Como assim eu não irei precisar?"
Ótimo, ela se foi. Respirei fundo e olhei para o meu reflexo: meio perdido, meio pálido. Está tudo bem, não há nada errado. Tirando o fato de ter informações em excesso. Conhecimento pode ser ruim de vez em quando. Voltei para o meu assento enquanto o idoso se desculpava:
— Peço perdão novamente pelo comportamento de ainda há pouco, mas a perda do filho dos Lancaster é algo meio difícil de pensar, mesmo depois de tantos anos.
— Tudo bem, não precisa me contar.
— Agradeço a discrição. — depois de nova mastigada, ele perguntou: — Você quem faz arco e flecha com minha neta, certo?
— É. Ela é uma boa arqueira.
— Digo o mesmo sobre ela, vô. Ela atira de um jeito!
O idoso sorriu com a forma de Mel falar.
— Tem arco próprio?
— Não. Não ainda.
Ele concordou com a cabeça, parecendo distraído.
— Posso fazer um para você depois, se quiser.
— Ah, não, não quero incomodar.
— Não seria, mas tudo bem. Sempre morou aqui?
Respondi e conversamos sobre trivialidades. Ele me pareceu um bom homem. Fomos para o quintal e o senhor fez um pedido a nós:
— Que tal deixarmos a ponta da cerca com flechas? Seria uma decoração interessante.
A cerca era de madeira pintada de branco. Mel pareceu pensar.
— Feito.
— Kamama, pegue seu arco, sim? Vamos nos divertir um pouco.
A garota obedeceu ao seu avô. Ele pegou o arco de Melinda, caminhou para a esquerda, mirou e acertou na primeira madeira da cerca. Ele era bom.
— A vez é de vocês agora.
— Ordem alfabética inversa? — indaguei olhando para Mel.
— Sim.
O jovial senhor entregou-me o arco e fiz o mesmo que ele, porém errando uns dois centímetros.
— Acho que pode melhorar.
— Verdade. — concordei, entregando o arco a Mel. Enquanto ela se afastava, de olho em seu arco, indaguei: — Do que o senhor chamou Mel? Kamana?
— Kamama. Borboleta. Ela é bem... Mutável. Delicada, mas inteligente para se camuflar de predadores. Passou por algumas.
Era interessante o modo como ele fazia analogias.
— Por que o senhor me chamou de coruja? — questionei, curiosa.
— Almas antigas são sábias. — ele repetiu. — Você pode ir agora.
Mel me entregou o arco.
— Meu avô tem muito dessas coisas.
— Do que o senhor chama Dave?
O senhor de idade sorriu, fazendo seus pés de galinha se acentuarem.
— Ah, Dave. Dave é o lobo. Tem um espírito forte, por mais que pareça distante.
Concordei, sorrindo, e me dirigi ao alvo.
"Ele é inteligente", Elizabeth comentou.
"Sim, bastante".
Atirei e a flecha foi no lugar que eu esperava. Bem melhor. Entreguei o arco a Mel.
— Sua postura é excelente. Já atirou com algo além do arco antes?
— Balestra. Foi uma boa experiência. Deu-me alguma noção de tiro.
— Ótimo. Se não se incomoda, irei atirar também.
— Claro — sorri amistosamente. Ele pegou o arco: mais um tiro perfeito.
— Vô, hoje os meninos estavam discutindo sobre como se defender de um ataque de bode.
O mais velho desatou a rir.
— Mas por quê?
— Só Deus sabe, mas foi bem séria a discussão, até.
— Tome, jovem coruja. — Mr. Callahan me ofereceu o arco novamente.
Ficamos conversando e atirando até que Carol chegou ao fim da tarde.
— Meu senhor amado! Pai, o que o senhor fez?!
Ele riu.
— Ficou interessante a decoração.
Carol processou, mas depois riu.
— Pai, o senhor tem cada ideia! Entrem. Trouxe bolo. — ela me abraçou. — Bom revê-la, Shelly.
— Digo o mesmo — correspondi seu abraço.
— Tenho a leve desconfiança de que você colaborou com a decoração. — Carol comentou, olhando-me com um sorriso divertido.
— Talvez. — sorri como uma criança pega em flagrante. Uma criança... Lembrei-me do meu sonho com aquela família e a muito custo contive meu mal estar.
— Vamos comer, mas antes lavem as mãos.
Na mesa, depois de ouvirmos a Carol falar sobre sua rotina, Mel começou:
— O professor de história falou hoje sobre o “descobrimento” da América.
— Falando dos descobridores como se fossem reis? — Carol indagou, sorrindo ironicamente.
— Sim.
— E proferiu um discurso emblemático — comentei sorrindo. Mel sorriu também.
— Só falei que a história não podia ser unicamente dos vencedores.
— Esse é o problema da história — a voz pai de Carol se fez ouvir, séria: — É a ciência que tornou-se mais parcial ao longo do tempo por ter começado com documentos oficiais, mas faz seus esforços para recuperar o tempo perdido.
— O professor também pediu algumas opiniões sobre como dar uma aula melhor. Gostei da atitude dele. Alguém aberto. Isso é bom.
— Verdade. — concordei. Olhei as horas: quase 7 da noite. — Meu Deus, está tarde para mim. Tenho que ir.
— Posso lhe dar uma carona, jovem coruja.
Sorri com o comentário.
— Obrigada pela gentileza, mas não vai ser incômodo...
— Ah, não, tenho que voltar para a mansão Lancaster.
Senti um calafrio só ao ouvir aquele sobrenome que estava me perseguindo desde o sonho com o psicopata.
— Mas já, vô? — Mel pareceu genuinamente triste.
— Eu voltarei quando puder, prometo. Podemos ir quando quiser, Shelly.
— Vamos, acompanhamos vocês até a porta. — Carol falou.
Levantamo-nos, peguei minha mochila, que deixei na sala, e despedimo-nos. Devo dizer que me surpreendi ao ver que Mr. Callahan tinha um BMW.
— Wow. — murmurei.
— Cortesia dos Lancaster. — ele respondeu em um sorriso. — Prometo que não vou bater.
— Não acho que eles dariam uma máquina dessas para qualquer um. — retruquei, caminhando até o carro. Entrei no veículo e enquanto dirigia, ele perguntou:
— Mora aonde?
— Kerrisdale.
— Não é tão longe.
— Verdade. — Vamos lá, hora de interrogar: — Faz muito tempo que o senhor está por aqui?
— Pouco mais de um mês. Gostaria de ter aparecido antes, mas fui um pouco requisitado na mudança dos Lancaster.
De novo aquele nome.
— Eles são uma espécie de família tradicional?
— Sim, bastante. Descendentes dos Lancaster originais.
Surpreendi-me:
— Os Lancaster da Guerra das Rosas?
— Exatamente.
— Mas como...
— Isso demoraria um tempo para explicar e o Mr. Lancaster o faria melhor do que eu, mas sim, são bem tradicionais. Eles acharam melhor sair dos EUA por razões... de segurança.
— Por causa do ataque terrorista há dois anos?
— Sim. Foi às portas de Massachusetts, praticamente. Os Lancaster ficaram muito receosos em manter a mansão lá.
— Entendo.
— Resolveram deixar a mansão de lá para passar as férias, apenas.
— Acho que eles têm um pouco de dinheiro. — comentei. Não é qualquer família que tem duas mansões. Eu só tinha uma casa por causa da minha vó!
O senhor riu:
— Bastante, mas não deixam isso subir à cabeça. E você? Mora aqui há muito tempo?
— Bem, nasci aqui. Moro só com a minha mãe, meu pai separou-se dela.
— Entendo — foi a vez de ele dizer. — Bem, indique-me sua casa.
Dei as direções e paramos diante da minha casa.
— Obrigada, Mr. Callahan. — agradeci, sincera. — Foi gentil de sua parte.
— Pode me chamar de Thomas, se quiser.
— Vou tentar, não garanto sucesso.
— Até logo, jovem coruja. — seu sorriso era simpático e tranquilo.
Sorri, ainda intrigada com aquele senhor.
— Até logo.
Entrei na minha casa.
— Shelly...
— O avô de Mel me deu uma carona. — cortei antes que ela fizesse seu sermão.
— Como foi na casa dela?
— Foi legal, o avô dela é muito bacana. Ainda atiramos com o arco de Mel.
— Essa minha filha arqueira... — ela sorriu, bagunçando meu cabelo.
Trocamos algumas ideias, jantamos, subi, tomei banho, deitei-me e fiquei olhando para o teto, pensando. Como seria a reação dos Lancaster caso reencontrassem seu filho depois de tanto tempo? Como os Callahan conseguiram se livrar daquele homem horrível e estabilidade? Minha cabeça estava acelerada, havia muito a processar.
"Dia interessante, até", Elizabeth comentou, parecendo tão reflexiva quanto eu pelo seu tom de voz.
"Peculiar, eu diria".
"Não se apresse, vai tudo fluir. Só seja a observadora que você é", ela pediu.
"Vou confiar em você".
"Apenas durma. Aproveite o momento".
"Ok", respondi, já sonolenta. Ajeitei-me na cama e procurei relaxar.
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!Notas finais do capítulo
E aí? O que será que houve com Jaden? O que será que aconteceu mais no passado de Mel? Os Lancaster são legais?
O próximo capítulo vai ser ó: mó lecal :3
Críticas, comentários, sugestões, desabafos, notícias, aparecimentos de leitores fantasma e possíveis declarações de amor com personagens (ufa!) aqui embaixo.
Beijos o/