Apenas uma garota... escrita por Luana Nascimento


Capítulo 21
Capítulo 21 - Escolhas: Parte II


Notas iniciais do capítulo

Olá, povo o/
Queria ter escrito esse capítulo melhor, mas acho que ficou razoável.
Espero que gostem :D



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Voltei para casa depois da minha rápida conversa com Jaden. Tinha muito para fazer. Entrei no meu quarto, preparei uma mochila com a minha balestra, dez dardos em um cinto. Depois, me vesti com a roupa mais leve que pude: calça legging, uma blusa de malha. Ótimo, eu estava indo à academia. Vesti uma calça jeans folgada por cima da legging, uma jaqueta jeans azul.

Ok, agora vamos para a parte complicada: uma das partes do meu plano era me vestir de homem. Pode parecer louco, mas eu não podia de forma alguma ser identificada. Engrossei minhas sobrancelhas, apontei o lápis de olho e fiz um bigode ralo e falso. Com alguma dificuldade, colei uns pelos de cílios postiços no meu rosto, disfarcei meus seios, já pequenos, coloquei lentes de contato castanhas e dispus o meu cabelo de forma que coubesse no boné e na peruca de cor chocolate e cacheada.

Quando olhei o resultado final, fiquei chocada: Eu não era mais eu, era uma pessoa completamente diferente. Fiquei satisfeita com aquilo.

— Nada mal, Marie. — Elizabeth considerou na minha cabeça.

— Se você diz... — respondi.

Quinta-feira não foi só planejamento, foram compras e investimentos também. Lembram-se dos cinquenta dólares de Bradley? Pois é, usei melhor do que ele faria. Coloquei na mochila removedor de maquiagem, luvas, outra muda de roupas, outros tênis, uma máscara, chave estrela, algodão, espelho.

— Estou esquecendo algo? — indaguei a Elizabeth.

— Acredito que não.

Respirei fundo.

— Estou tão nervosa.

— Eu sei. Mas acredito que você consegue. Você terá o fator surpresa...

— Mas ele não vai durar para sempre. — cortei, realista. — Tudo bem. Vamos lá.

Calcei luvas de inverno, me aproveitando do clima subitamente frio, joguei a mochila nas costas e saí pela porta dos fundos.

— O que é mais fácil: fingir que sou homem ou fingir que sou gay?

— Fingir que você é gay. — a resposta foi imediata. — Trejeitos femininos são feitos de forma inconsciente.

— Então eu serei uma menina vestida de homem gay? Quão louco isso é?

— Melhor não pensar nisso.

Peguei um ônibus e desci uma parada antes do Park Center. Esperei uns minutos, encostada na parede.

Ok, logo ali está sua possibilidade de sucesso", Elizabeth estava falando do entregador de pizza logo na esquina.

Sim, com tantos fatores naquele plano, como mira, atitudes, ângulos e veneno, o principal fator que determinaria tudo seria uma pizza.

— Boa tarde — procurei engrossar a voz e ser "simpático". — Te pago $40 se você me deixar entregar essa pizza no Park Center.

— O quê, cara? Mas que pedido é esse?

— Não é brincadeira. Preciso que você me deixe entregar essa pizza. Meu pai trabalha lá dentro e eu queria fazer uma surpresa para ele.

O entregador de pizza pareceu pensar.

— Ah, tudo por uma boa causa, certo? Não diga isso a ninguém. — passei os 40 dólares para ele. — Essa pizza é do pessoal da limpeza, alguém está completando ano. O dinheiro que você me deu cobre o valor da pizza e a gorjeta. Poxa, obrigado. Boa sorte na surpresa do seu pai. Foi ele quem pediu a pizza, certo?

— Sim. Estou chegando de viagem. Meu velho vai ter uma surpresa e tanto.

— Boa sorte.

— Obrigado.

O cara montou em sua moto e saiu. Caminhei com a pizza até o Park Place. Senti-me meio mal em mentir para o entregador, mas tudo por uma boa causa, certo? Entrei no prédio, as luzes fracas.

— Boa tarde — cumprimentei.

— Ah, o entregador. O pessoal da limpeza avisou. Pode ir.

— Por que as luzes estão fracas?

— Deu algum tipo de falha de recepção de energia e um de nossos geradores está com defeito. Estamos apenas com um, que está mantendo os elevadores funcionando. Isso aqui está uma correria hoje. Enfim, chegando naquele corredor, você vira à esquerda. A porta tem placa, certo?

— Ok. Obrigado.

— De nada.

Segui a instrução dada e entrei na sala dos funcionários da limpeza.

— O serviço de vocês está cada dia mais rápido — um dos caras falou. — Obrigado, meu jovem. Vou pegar o dinheiro.

Enquanto esperava, o pessoal levou a pizza para a cozinha.

— Quer um pedaço, querido?

— Ah, não, estou só esperando o dinheiro, obrigado.

— Tome, garoto. Vamos, Eileen. Vamos ouvir sua música.

Eles foram à copa e me deixaram só com uniformes e carrinhos de limpeza. Era o que eu precisava. Tirei a jaqueta, guardei na mochila, vesti a farda azul do pessoal da limpeza, que incluía touca, lenço, camisa grande e com mangas e calça, calcei botas grandes e largas por cima do meu tênis, peguei um carrinho e saí.

Surpreendentemente, tudo deu certo. Entrei no elevador de serviço com o carrinho.

"Já sabe o andar", Elizabeth falou na minha cabeça. Dei um mini-pulo.

"Por favor, não tão de repente", pedi enquanto apertava o botão 31 do painel.

"Você está nervosa. Se eu falasse baixinho, se assustaria do mesmo jeito", a fantasma considerou, a voz prática.

"Elizabeth, eu não sei se posso fazer isso". Eu estava quase chorando a esse ponto.

"Você se comprometeu a isso".

"Eu sei, mas eu não posso deixa-la morrer. Não vou deixar que essa seja a última escolha de Eve McCarthy".

Se você diz...

Ela não estava ajudando.

Tive a impressão de que ela ia falar algo, mas as portas se abriram e, no mesmo instante, todas as luzes se apagaram. Saí do mesmo instante do elevador.

"Para a esquerda".

"Eu sei, eu..."

— Ei! — era Christopher Lewis quem eu quase atropelei. — Olhe para onde anda, seu cego.

— De-desculpe, senhor. — gaguejei, sem jeito.

— Ainda por cima gay... — Deu para transparecer tanto assim? — Só desça.

— Mas senhor, está sem energia, tenho que fazer a minha limpeza e...

— Ah, ok, chega. Só saia do meu caminho.

Fui em direção ao banheiro; ele, à sala. Eu podia ter tirado Eve antes dele ter chegado, mas temi que ela não acreditasse em mim e que Lewis nos encontrasse no meio do caminho.

Entrei no banheiro e tranquei a porta. Ok, não pense. Tirei a farda, recoloquei a jaqueta, coloquei a máscara preta de tecido, tirei as botas. Olhei-me no espelho: não me reconheci. Peguei a balestra na bolsa, fixei o cinto com os dardos no meu quadril.

Olhei o espaço da tubulação e preparei a chave estrela. Aberto o espaço da tubulação, hesitei.

"Nada errado até agora. Pode ir".

Sentindo a minha respiração tremer, entrei no ducto de ar empoeirado. Eu estava tentando me concentrar, mas Elizabeth estava cantarolando “Come on, Eileen” na minha cabeça.

Dá para parar?” pedi, irritada.

Oh, desculpe. Come on Eileen, I swear (well he means)

At this moment, you mean everything

Meu Deus, os alemães chamariam isso de verme de ouvido!”.

Essa música gruda na cabeça...” comentei, já ouvindo a batida da música na minha cabeça.

Deslizei silenciosamente e o mais rápido que pude, sentindo muito calor.

"Você está ficando sem tempo", ouvi Elizabeth.

"E você não está ajudando" retruquei, desviando de uma teia de aranha cheio de insetos mortos e ovos.

Finalmente vi a abertura do banheiro da sala de Eve. Aquela grade era mais simples, porque era só pressionar para baixo depois de tirar as travas. Depois de quase cair, consegui tirar a tampa silenciosamente. Desci lentamente, pisando no vaso sanitário e indo finalmente ao chão. Tirei a balestra do cinto e armei. Ok, hora da ação. A arma tremia na minha mão enluvada e suada, a droga da música totalmente aleatória estava soando na minha cabeça.

Respire, Shelly.

Inspirei pelo nariz, expirei pela boca, tentando ficar mais calma. Abri a porta de forma imperceptível no momento em que Eve estava de costas para Mr. Lewis, com ele colocando o cianeto no vinho também de costas para mim. Estremeci ao lembrar-me da queimação insana daquele veneno. Minha localização: diagonal direita deles.

— Podemos comemorar o sucesso das transações de hoje à tarde, que foi justamente quando você saiu.

— É, podemos. — o tom de voz da mulher pareceu incerto.

— Você não me parece muito animada. — o homem soou presunçoso.

— Eu só vim porque você disse que era urgente, Lewis — Eve continuou a olhar o panorama, parecendo com o pensamento distante.

— Verdade. Também temos que verificar os orçamentos dos materiais. Na segunda, precisa ficar tudo pronto.

— Não sei se terei tempo nesse fim de semana. Meu filho está no hospital.

— Você pode passar o cargo para mim.

Eve pareceu se irritar, pois virou-se, mas antes que ela o fizesse por completo, atirei na taça envenenada.

— Mas o que...

Christopher pareceu se irritar:

— O que foi isso?! A sua taça se quebrou do nada!

— Foi só uma taça.

Feche a porta”, Elizabeth pediu em tom urgente. Fechei silenciosamente e ouvi a voz do homem:

— Tem mais alguém aqui?

— Foi só uma taça — ouvi a mulher desdenhar, mas notei medo em sua voz. — Podemos fazer novamente. Relaxe.

Ouvi um ruído brusco e batidas surdas:

— Quem estiver aí, saia ou eu quebro o pescoço dela.

Entrei em pânico. Não, sem quebrar pescoço nenhum, por favor...

Ele não está em frente ao banheiro. Está se aproximando do vidro”.

— Quem você trouxe para cá? — Lewis me pareceu furioso e assustado. — Hein, sua puta?

Hora da ação, Queen Marie”, Elizabeth sussurrou.

Abri a porta, mirei o mais rápido que pude e atirei no braço de Chris, tentando fazer minhas mãos não tremerem mais do que já estavam. Ele largou Eve, que deu um chute com seu salto no seu estômago. Mesmo com dor, ele avançou contra a mulher, que tossia, tentando recobrar o fôlego. Antes que ele conseguisse alcançá-la, atirei nas suas pernas, um dardo em cada uma. Eve deu um chute na cabeça de Chris com a parte do salto e o levou ao chão, inconsciente.

Eu consegui. A mulher pareceu arfante. Quando notei, a mãe de Ben estava vindo na minha direção. Tranquei rapidamente a porta do banheiro e voltei pelo mesmo caminho que entrei.

Eu consegui. Evitei a morte de Eve McCarthy. Agora é só sair.

Voltei para o banheiro do setor, cheia de poeira, recoloquei a jaqueta, tirei a máscara, o cinto, joguei tudo o que retirei e a minha balestra na minha mochila, coloquei o boné. Não me importei com as roupas de faxineiro e do carrinho jogado no banheiro, só quis sair logo dali. Precisava de ar.

Comecei a descer as escadas correndo, mas depois de descer 5 andares, a energia voltou e eu peguei o elevador. Saí do elevador e do Park Place antes que alguém me notasse, andando rapidamente. Segui pela rua Hornby até que encontrei um beco. Sentei-me perto de uma lata de lixo, escondida. Hora de tirar a maquiagem.

Peguei um pedaço de algodão na minha bolsa, passei o removedor de maquiagem e comecei o processo de tirar o lápis marrom das minhas sobrancelhas. Depois, tirei a peruca e com um pouco de esforço e com a ajuda do espelho, consegui tirar as lentes de contato. Depois, tirei as roupas folgadas e fiquei com o visual academia. Troquei os tênis e pronto: eu era eu de novo.

Saí do beco e esperei um ônibus, atordoada. Vi um carro de polícia indo na direção do Park Place.

— O que será que aconteceu, hein? — uma idosa questionou, me olhando.

— A polícia não costuma andar com as sirenes ligadas — reforcei a preocupação, tentando não me mostrar muito aflita. — Oh, meu ônibus. Cuidado, senhora.

Subi no ônibus e sentei-me na parte de trás, ainda tremendo por dentro. Eu consegui. Mal estava acreditando. Eu efetivamente... meu celular tocou no bolso: minha mãe.

— Shelly? Onde você está?

— Estou indo para casa. — minha voz soou trêmula, mas tentei me recompor. — Estava com um colega no hospital com uma úlcera...

— Você estava no hospital?! Sabe quantos germes e vírus têm lá?

— Mãe, Ben está doente. Eu só fui visita-lo. Já estou no ônibus.

— Estou esperando.

Desliguei. Em pouco tempo, cheguei em casa. Foi difícil mentir para a minha mãe, especialmente pela parte do nervosismo, mas me esforcei para transparecer calma.

Subi as escadas, entrei no meu quarto, tranquei a porta, joguei a mochila na cama, peguei minha toalha, despi-me, enfiei-me embaixo do chuveiro e permiti que a água percorresse meu corpo. Que aventura. Eu estava tremendo sem saber se era de frio pela água gélida ou de nervosismo. Optei por sentar-me no chão do banheiro, deixando a água cair sobre o meu corpo, minhas costas, minha cabeça, meu rosto. Precisava relaxar um pouco. Fiquei assim por um tempo até que me levantei e desliguei o chuveiro.

Saindo do banheiro, encontrei o que vestir: calça folgada de algodão, um suéter confortável e pantufas que ganhei havia uns 3 anos. Desci as escadas e percebi que já era noite.

— Como foi seu dia, Shelly?

— Foi um pouco corrido. — contei a ela sobre o dilema de Ben e o fato de Eve ter ido a uma reunião ao invés de ter ficado com o filho.

— Que horrível.

— Eu achei tão... errado. E foi por isso que fiquei no hospital até tarde. Podemos jantar? Estou com fome.

Ela me falou sobre um acordo fechado naquele dia para reformar um laboratório de uma empresa. Sim, minha mãe trabalha como secretária de uma construtora, ela ajuda a fechar os contratos. Optei por ficar com minha mãe assistindo E.T. na televisão.

No fim do filme, de umas 11:00 p.m., minha mãe foi deitar, dizendo que estava cansada. Esperei ela dormir profundamente, o que demorou uma hora depois.

— É a hora, Elizabeth?

— Sim, pode sair.

Joguei tudo o que ia jogar fora em um saco preto: Peruca, pelinhos falsos, roupas, máscara, luvas, algodão, uma caixa cheia de dardos e a minha balestra. Nunca tive ilusões sobre o uso da minha balestra. Quando fui impedir a morte de Eve McCarthy, sabia que não poderia ficar com ela. Se vasculhassem cada local de Vancouver, a achariam em minha casa.

— Vamos lá.

Saí do meu quarto pela janela e peguei o último ônibus do dia.

"Desça no terminal".

"Você quem manda, Lizzie".

Tentei me distrair com a paisagem ou com o ônibus, mas só havia uma mulher nele e o cenário estava voando com a velocidade do motorista. Então, hora de pensar.

Voltei meu pensamento para quarta-feira, o dia em que salvei o garoto chamado Carter e que vi as possibilidades. De onde eu o conhecia? Tentei me lembrar dele de algum sonho, mas nada me veio à mente. Até que...

"Nosso pequeno Carter precisa de você", a fala de David Lancaster se fez ouvir na minha cabeça. Estremeci com o meu insight súbito. Seu nome era Carter Lancaster. Ele era irmão de Jaden.

Por. Deus. Os Lancaster estavam em Vancouver?!

"Elizabeth. Elizabeth."

"Diga aí".

"Os Lancaster estão em Vancouver?"

"Sim".

Senti meu coração quase sair pela boca.

"O que eu faço?!"

"Nada".

"O quê?!"

"O que você pode fazer? Jaden não sabe que é adotado. Seria puxar o tapete dos seus pés. E sabe, como você pode ter certeza de que Jaden é filho deles?".

"Eu vi", respondi simplesmente. "Eu sinto isso".

"Exato. Você não pode ir até David Lancaster e dizer isso. Tem que ter provas concretas. Ele pode ser bem materialista quando quer".

Suspirei, tentando controlar minha respiração.

"Então o avô de Mel trabalha para os Lancaster".

"Não sei. Terá que descobrir".

Depois de quarenta e cinco minutos no ônibus, chegamos ao ponto final, perto dos limites da cidade. Desci e esperei:

"Instruções, Elizabeth?"

Vá para aquele caminhão agora”.

O caminhão em questão estava com a carga coberta por um lona. Não pensei muito, apenas me enfiei na lona e fiquei quieta.

No que exatamente eu estou deitada?”, indaguei a Elizabeth.

Feno”.

Menos mal”.

Só relaxe um pouco. Você vai parar em Chilliwack. A viagem vai demorar um pouco”.

Fica a duas horas daqui”.

Exato. Relaxe. O dia foi longo. Eu lhe acordo”.

Não sabia exatamente como um fantasma poderia me acordar, mas optei por confiar em Elizabeth e acabei dormindo, meio que vencida pelo cansaço.

**********************

— Ei, Shelly, acorde. Acorde, caramba.

Tentei me sentar, desorientada, mas havia a lona na minha cabeça.

— Chegamos?

— Sim. Eu vou distrair o motorista e você vai sair daí.

Esperei um pouco e ouvi passos ficando distantes. Aproveitei e sai do caminhão, escondendo-me entre arbustos. Vi o motorista entrar em um barzinho e aproveitei para sair do arbusto e correr em direção à estrada.

— Tem algum espaço vazio por aqui?

— Sim. Siga pela rua e dobre à direita".

Segui pelo caminho proposto e me deparei com uma área que levava a um bosque com alguns sacos de lixo e uns barris vazios. Escolhi mentalmente um e fui tirando as coisas da minha bolsa. Coloquei as roupas, peguei um isqueiro e acendi o fogo. Coloquei umas gotas de querosene e o fogo começou a lamber tudo com mais intensidade. Joguei os tecidos primeiro. Quando estava com a caixa de dardos em mãos, tropecei em algo e caí, derrubando os dardos.

Droga.

Fui recolher os dardos e vi que havia um envelope na lateral da caixa. Como não vi isso antes? Abri o envelope e vi que havia uma folha de ofício e um papelzinho menor. Abri a folha de ofício e vi que a letra era de Marcos. Comecei a ler:

"Shelly".

Sério que ele colocou “Shelly” ao invés de “Marie”? Que sucesso.

"Eu sinto muito por ter te deixado sozinha em casa quando você piorou da gripe. Ia fazer um café da manhã para você. E você devia evitar deixar a janela aberta. Estou escrevendo porque acredito que eu não estou sendo um bom pai. Tudo começou quando eu parti. Sabe, eu não queria te deixar, mas me incomodava algumas atitudes da sua mãe, atitudes que não entendia naquela época, mas que hoje entendo.

Você não vai entender agora o motivo da minha partida, mas gostaria de lhe explicar quando houvesse ocasião. O que posso adiantar é que eu estava confuso, perdido e estava sofrendo. Sua avó entendeu. Ela não poderia me culpar. Voltei para o Brasil depois de dois bons anos no Canadá, garantindo minha vaga no exército. Arrependo-me de não ter ligado para você, mas isso não adianta, certo?

Quando conheci Alexandra, estava amargurado com as coisas que me aconteceram. Ela restaurou minha paz perdida e minha alegria. Ela me faz bem, me faz feliz como sua mãe me fez. Espero que não tenha raiva dela.

Nunca fui muito bom com palavras ditas, por isso escrevo. Dentro do envelope tem um boleto de compra. Comprei uma bicicleta para você. Inusitado, talvez, mas acho que é bom você praticar algum esporte que melhore seus pulmões. É só ir na loja e pegar. Se não gostar da cor, pode trocar.

Shelly, você se lembra do que eu disse quando parti pela primeira vez? Pode confiar nessas palavras. Eu estarei lá por você, por mais que não pareça. Você pode me ligar. Queria que construíssemos laços de amizade, pelo menos. Se estiver com algum problema que não queira falar para sua mãe, podemos conversar. Eu vou atender. Não parece, mas eu te amo. Você pode confiar em mim. E desculpe pela quantidade de "podes" nessa carta. Só estou desabafando. Mande um abraço para a sua mãe quando ler isso.

Com carinho, seu pai".

Dobrei o papel novamente, pensativa. O que ele quis dizer com "atitudes da minha mãe" e "sua avó não poderia me culpar"? Parecia ser tão... Desculpa esfarrapada.

Não é verdade, tenente. Você não está aqui por mim.

Joguei a carta no fogo, vendo o número do seu telefone no verso da folha sendo queimado. Mas fiquei com o envelope. Guardei-o no meu bolso.

— Você não acha que deveria lhe dar uma chance não?

— Sei lá. Não agora. Quem sabe quando ele se explicar de verdade.

— Você quem sabe.

Recolhi os dardos e os joguei no fogo também. Último item da minha bolsa: minha balestra. Um dos poucos sinais do meu pai dizendo que se importava comigo. Encarei a arma, absorvendo todos os seus detalhes antes de jogá-la no fogo. No fim, acabei entregando-a ao fogo porque se libertar do passado é essencial.

Observei o processo da combustão. Só há combustão quando tem um combustível e um gás. Em itens orgânicos, há produção de dióxido de carbono e água evaporada, em outros compostos, há uma espécie de liga entre o oxigênio e o outro elemento. Queria uma analogia sobre isso para a minha vida, mas tudo o que eu conseguia ver era os vestígios de algo secreto virarem fumaça, meus olhos ardendo, o fogo me aquecendo e talvez me tornando mais forte.

— Você não tem ideia da força que está aparentando agora — Elizabeth comentou, sua voz ecoando na minha cabeça. — Ben poderia tirar uma foto disso.

— A intenção não é bem essa —, respondi.

— Vamos lá, tenho que te guiar até sua casa.

Fiquei quieta por um tempo.

— Elizabeth? — chamei.

— Oi. — ela respondeu.

— Obrigada. Você foi e é importante.

— Por que isso agora?

— Só quis dizer, Gaspar. — Ficamos em silêncio por um momento.

— Shelly?

— Diga.

— Espero que você fique bem da próxima vez que vir algo grande em combustão. — Senti-me receosa com aquela frase, mas não tive tempo de resposta. — Vamos. Vamos para casa.


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Notas finais do capítulo

Bem, tudo resolvido, ela não morreu o/
Obrigada aos que leem e aos que comentam, o feedback de vocês é importante.
Obrigada a Fênix, que me desejou feliz aniversário :3
Críticas, comentários, sugestões e desabafos abaixo vvvvvvvvvvvvv
Enfim, até o próximo o/



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