Apenas uma garota... escrita por Luana Nascimento


Capítulo 11
Capítulo 11 - Reencontros indesejados


Notas iniciais do capítulo

Olá, gente =D
Bem, era para eu ter postado sexta, mas tive que ir pra um retiro e semana passada, minha vida estava louca.
Maaaas espero que gostem ;)



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Poucas vezes na minha vida eu durmo e não tenho sonhos. Essa foi uma delas. A parte ruim dos sonhos: eles podem me deixar louca. A parte boa: eu acordo na hora. E adivinhem? Acordei às 7:00 AM.

Tabarnak!*

Levantei-me em um salto, corri ao banheiro, tomei um banho rápido, vesti uma roupa e desci as escadas. Chegando lá, constatei algo que eu, definitivamente, não gostei: minha mãe não tinha acordado.

— Mãe! – berrei alto.

Minha mãe desceu a escadaria correndo, com um robe.

— O que foi, menina?

— Hoje é segunda!

— Mas... – ela interrompeu a frase ao ver as horas. – Crisse**! Estamos atrasadas!

— Percebi. Mãe, estou indo.

— Sem tomar café?! – Ela me pareceu bem escandalizada com a afirmação

— Eu me viro na escola. Agora a senhora tem muito que fazer. Vemo-nos mais tarde!

Peguei meus livros e saí. Àquela hora, o ônibus já havia passado a um bom tempo. Eu teria que ir a pé. Minha mãe não tinha carro, ela não sabia dirigir e nem se interessava. Chegarei atrasada. Avistei o pai de Jaden na esquina. Ele olhava para mim com ar interrogativo. Caminhei até ele.

— Shelly?! O que faz aqui?

— Eu acabei perdendo a hora.

— Ah, não seja por isso. Posso te dar uma carona. É caminho.

— Sério? – indaguei. Então desconfiei. – Por que Jaden não vai sempre com o senhor?

— Imagine um garoto, de dezessete anos, chegar diariamente na escola no carro do pai. – Eu tive que sorrir e ele fez o mesmo. – Meu garoto precisa de individualidade e de socialização. Ademais, Jaden tem seu orgulho. Agora vamos. Você está atrasada.

Entrei no Ford Five Hundred prata de Robert. Ele entrou logo em seguida e começou a dirigir. O carro era bacana, embora houvesse uma falha: ao lado da chave de ignição algo estava meio... solto.

— O que houve com o carro? – perguntei apontando para aquela parte.

— Ah, isso? Jaden ama fazer ligação direta. Depois que eu ensinei isso a ele, ele não quer saber de outra coisa.

— Aquele garoto... – falei meneando a cabeça. Robert apenas sorriu. Ele deu partida no carro e ficamos em silêncio enquanto o carro se movimentava. Depois de algum tempo, ele perguntou:

— Quer dizer que você mora aqui desde que nasceu?

— É.

— Quem morava naquela casa antes de nós?

Senti o sangue gelar. Aquele decididamente era um assunto delicado.

— Bem, pelo que o senhor sabe, essa casa manteve-se vazia e inabitada por quase cinco anos.

— Mas certamente alguém morava ali.

— Sim. Ms. Zhou morava na sua atual residência. Minha mãe e ela eram muito amigas.

— Por que ela saiu?

— Ela queria voltar ao lugar de onde veio.

— Entendo.

Não, você não entende.

Depois de conversarmos um pouco, chegamos à escola.

— Muito obrigada, Mr. Pendlebury.

— Disponha, Shelly. Era o mínimo que eu podia fazer depois de você emprestar a chave de fenda.

— Aquilo? Não foi nada. Até mais!

— Tchau.

Saltei do carro e corri até a minha sala. Bati na porta e abri. Todos os alunos, incluindo Jaden, olharam para mim.

— Posso entrar?

Era logo o professor de Inglês. Droga.

— Miss. Revenry, receio que, por mais que eu simpatize com você, atrasos no primeiro horário são extremamente relevantes para mim.

— Mas eu... – quis discutir, mas, definitivamente, não valia à pena. Não com aquele professor. – Eu compreendo, senhor.

— Prefiro que você não assista à aula. Você sabe a minha questão com pontualidade.

Balestras podem ser muito úteis. Infelizmente, elas não são úteis guardadas.

— Ok. – limitei-me a responder e fechei a porta. Droga. O que eu ficaria fazendo aquele tempo todinho?

Subi no telhado da escola. Uma sensação irritante estava na minha garganta. Na verdade, era como se alguém a houvesse arranhado. Pigarreei, mas aquela sensação incômoda persistia. Resolvi deixar aquilo de lado.

Peguei um caderno, lápis e borracha, caso eu precisasse, e comecei a desenhar o pequeno panorama que dava para ver do telhado que mais parecia uma laje.

Quando terminei, depois de quase uma hora e meia, o desenho tinha ficado ótimo. Só faltava adicionar sombras, mas, fora aquilo, estava legal. O sinal tocou e eu fui à sala, de onde o professor já havia saído. Jaden estava conversando com Carl. Havia poucas pessoas na sala. Era um alívio.

— Oi, Jaden. Carl.

— Oi, Shelly. – ambos responderam em uníssono.

— Cara, eu ainda mato esse professor! – Carl comentou. Ri alto.

— É mais ou menos esse o sentimento. – falei sorrindo.

— Ui, eu sou o professor Stillwell, por favor, exijo pontualidade. Miss. Revenry, prefiro que não assista a minha aula. Você atrasou quinze minutos. Porque Mark Stillwell não tolera atrasos. – Jaden tentou imitar o professor. Carl e eu rimos. – Porra, cara!

— Ele fala na terceira pessoa! É muito tenso! — Carl comentou.

— Verdade. Ele é muito exigente também. – afirmei algo desnecessário.

— Nota-se. – Jaden disse fazendo uma cara de desprezo.

A outra aula foi de física. O professor era meio lunático, mas a matéria era boa. Ele deu sua aula de física mecânica e logo depois fomos ao intervalo. Algumas pessoas me olharam de forma curiosa, mas não me importei. Ou pelo menos tentei... Jaden e eu conversávamos sobre o carro do pai dele, de como ele aprendera a fazer ligação direta. E então, Bradley veio em minha direção. Jaden cerrou um punho, mas eu afastei-o discretamente.

— Eu tenho que lutar as minhas próprias lutas, guy.

Aguardei Brad aproximar-se. Sua face direita estava inchada pelo soco bem dado da noite de sábado e ele usava óculos escuros, provavelmente escondendo um olho roxo.

— Shelly Marie Revenry. – ele recitou meu nome completo, coisa que detestei.

— Olá, Bradley. Como vai?

— Você é muito irônica.

— Ironia é meu outro nome.

— Bem, como eu estava bêbado ontem e não me lembro de muita coisa, acho que não tenho muito a fazer senão...

Ele limpou a garganta.

— Senão... – encorajei com cara de anjo. Bradley parecia engolir um rato.

— Agradecer. De forma estranha, você salvou minha vida.

— Não foi nada. Agora, se me der licença...

— Como você sabia?

— Eu não sabia. Apenas estava te chamando para tirar onda com a sua cara. Ver você cambaleando era impagável.

— Você é um tanto desprezível.

— Adeus.

Dei as costas e saí andando. Era melhor o imbecil me odiar do que saber a história verdadeira. Jaden me acompanhou. Quando nos sentamos em um banco, ele indagou:

— Precisava mesmo falar com o cara daquele jeito?

— Pergunta o cara que o socou noite passada. – considerei erguendo as sobrancelhas.

— Não gostei da forma como ele te chamou.

— Huh.

Depois de algum tempo em silêncio, ele retomou a conversa:

— Quer dizer que seu nome do meio é Marie?

— É. – murmurei. – Extremamente clichê.

— Foi em homenagem a que? Aristogatas?

— Engraçadinho. Meu pai quem insistiu.

— Mademoiselle Marie... – ele começou fazendo um biquinho.

— Ok, ok, chega. Só Shelly já está maravilhoso.

Jaden riu. De súbito, seu rosto ficou branco como papel e ele apoiou-se no banco.

— Jaden? Você está bem?

Ele respirou fundo. Depois, pediu:

— Você tem alguma balinha aí?

Apalpei meus bolsos e achei uma bala de menta. Ofereci a ele, que pegou a balinha, abriu a embalagem e a pôs na boca.

— Estava demorando! – ele comentou aborrecido.

— Dá para explicar o que acabou de acontecer?

— Bem, eu tenho hipoglicemia. Isso é patético. – ele resmungou, rolando os olhos. Não pude conter um sorriso. – O que foi?

— Bem, afinal o Capitão América não é assim tão perfeito!

Jaden franziu o cenho.

— Você está me comparando com o Capitão?

— Você é loiro dos olhos azuis, ué.

Ele riu.

— Essa é boa. Se for assim, você é Elektra Natchios.

— Elektra?

— Sim. Cabelos negros, olhos verdes...

— Só que ela não parece um fantasma de tão branca.

— Você exagera. Não é tão branca assim. Você tem até uma corzinha! Do jeito que você fala, dá a impressão que você é um cadáver.

Sorri.

— É, se é o que você diz... Sente-se melhor?

— Sim. Valeu. Não deu tempo de tomar café hoje e eu esqueci minhas balinhas de caramelo.

— Vê se você não me dá outro susto desses.

— Eu vou ver se não dou um susto desses em você, portanto que você faça o mesmo.

— Ah, a asma? Não é nada.

— Não é nada. Certo. Você ficar sem respirar não é nada. Uh-huh.

— Qual é! Eu já estou acostumada.

Continuamos a conversar. Caramba, nunca achei que pudesse ter tanto assunto com uma pessoa só. Até que, aparentemente, toquei em um ponto delicado:

— Mas afinal, como você desenvolveu?

— Eu tenho certa tendência genética e... – ele hesitou. – Fiz algumas merdas pelo caminho.

— Merdas de que tipo?

E o maldito sinal tocou.

— Acho que é melhor irmos andando.

Sua expressão era tipo "é melhor esquecer".

— Ok. Você quem sabe.

Ouvi alguns cochichos quando passei com Jaden no corredor. Claro, com a aparência dele, ele parecia mais um daqueles típicos populares de filmes americanos, não um garoto misterioso sem clã conversando com uma coringa-quase-normal.

— Por que você não se junta a eles?

— Não estou afim.

— Ah.

E então, quando eu penso que esse ia entrar para o meu Top 10 de Passa-Foras, ele sorriu.

— Merda, eu sou lento! Acho que você perguntou por que eu não interajo com eles no dia-a-dia.

— Por aí.

— Digamos que, por melhor que seja as aparências – ele exibiu-se com um sorriso galanteador que me fez rir – eu não me sinta muito popular.

— Se você diz...

Chegamos à sala, terminamos de assistir a aula de Física e depois fingimos que assistimos à aula entediante de Geografia enquanto, na verdade, zoávamos silenciosamente a roupa ridícula que a Ms. Stalteri usava.

Ela parecia uma mistura do corpo de um zumbi com a calça das patricinhas de qualquer filme que você pegar (ou seja: extremamente justas) com a blusa sem mangas de Lara Croft em Tomb Raider: The Angel of Darkness e os saltos fazendo-a ficar 15cm mais alta.

Enfim, quando finalmente saímos da sala, nós não conseguimos reprimir uma gargalhada.

— Cara, ela é sempre assim? – Jaden indagou ainda rindo.

— O lindo é quando ela aparece com uma saia de couro.

— Você está brincando, certo? – limitei-me a sorrir soturnamente. – Ceerto?

Ri maleficamente e Jaden riu ainda mais.

— Essa risada fica divertida com você fazendo! – ele disse entre gargalhadas.

— Ok, agora se acalme. Sem mais crise de riso.

Demorou um pouco, mas ele deixou de rir. Voltamos no ônibus, falamos com algumas pessoas e tudo o mais. Descemos do ônibus e caminhamos.

— Ei, eu me esqueci de te perguntar: você se divertiu? – lembrei-me de perguntar.

— Uh... na festa?

— Sim.

— Ah, foi bacana. – ele respondeu sorrindo.

— Tirando a parte que você teve que me arrastar até aqui.

— Ou melhor: para sua cama.

Fiquei vermelha.

— Eu não me orgulho disso.

Ele riu. Bem sorridente.

— Ok, ok.

Olhei para frente e vi um garoto caminhando do outro lado da rua. Aquele era...

— Damon? – indaguei-me.

— Quem? – Jaden estranhou. Daí aconteceu o que eu menos queria: Damon me viu. Ele sorriu e atravessou a rua. Droga.

Tipo, você encontrar um ex-namorado não é algo que você queira fazer em um lindo dia de fim de outono. Ele parecia mais bonito. Os cabelos castanho-médio e os olhos marrons davam um charme todo especial a ele. Droga, eu ainda não o esqueci.

— Olá, Shelly.

— Oi, Damon. – procurei falar com naturalidade. – Fazendo o que por aqui?

— Estava voltando da casa de Abby. E então, quem é ele?

— Ah, ele é meu mais novo vizinho, Jaden. E esse é Damon, um... – senti como se estivesse engolindo uma bola de tênis. – Amigo.

— Oi, cara. – Jaden cumprimentou num meio sorriso.

— E aí? Morando em que casa? – Damon indagou.

Jaden apontou para a esquina.

— A antiga casa da Ms. Zhou?

— Essa mesma. – respondi.

— Essa mulher é famosa por aqui, hein? – Jaden comentou.

— Shelly, você ainda não contou o que ela fez? – Damon perguntou-me perplexo.

— Deixe esse assunto como está.

— Você quem sabe. Ah, nunca mais te vi no centro de hipismo.

— Faz algum tempo que eu não vou.

— Harold sente sua falta.

Sorri levemente, um sorriso mais falso que maquiagem. Jaden olhou para mim, como se indagasse: Por que esse cara é tão sem noção?.

— Eu adoro aquele cavalo. Depois apareço por lá, mas, por ora, tenho que ajudar Jaden em francês. Certo, Jaden?

— Ela vai me ensinar a fazer o biquinho. – ele informou divertido, procurando descontrair. Damon sorriu.

— Fiquem à vontade. Tchau.

— Tchau. – me despedi.

— Até mais, cara.

Saímos andando. Quando estávamos suficientemente longe, ele comentou:

— Cara sem noção.

— Faz parte.

— Seu ex, certo?

— É.

— Você ainda gosta dele.

— Não foi uma pergunta.

— Exatamente. – ele disse com naturalidade, pondo as mãos nos bolsos.

— Deixemos isso para lá.

— Ok. Quer dizer que você fazia hipismo?

— É.

— E você nunca me disse?! – ele quase soou ofendido. Quase, pois seu jeito engraçado não lhe permitiu isso.

— Conhecemo-nos há pouco mais de cinco dias, cara. Você não pode esperar que eu fale tudo nesse curto período de tempo.

— Ok, mademoiselle.

Sorri levemente.

— Obrigada por ter concordado com a mentira. – agradeci. – Foi muito gentil de sua parte, sir.

— Não foi mentira. Eu necessito urgentemente de ajuda em francês.

— Não podemos deixar isso para outro dia?

— Você quem sabe e... nossa, lembrei que eu tenho que ensaiar. E que era para eu ter ido ao ensaio sábado.

— Desculpe.

— Eu não queria ir mesmo. Não sou muito fã de Beethoven. Prefiro Mozart.

— Pois prefiro mil vezes Beethoven.

— Então ok... – ele abanou as mãos.

— Enfim, boa sorte com o ensaio, guy.

— Ok. Valeu.

— Valeu.

Rodei nos calcanhares e fui para casa. Droga, eu ainda gostava do garoto. Não dá para esquecer uma paixão da noite para o dia, e nem em três meses. Leva tempo. Machuca. Você sente falta. Mas eu ainda tinha esperança. Eu ia conseguir esquecer Damon.

Entrei em casa e adivinhem quem estava lá, sentado no sofá.

— Marie! Você demorou. – meu pai cumprimentou e senti a tensão de quando ouvia meu nome do meio.

— O que você faz aqui?

— Vim lhe visitar. Tudo bem?

— Melhor impossível.

— Fiz almoço para nós.

Ergui uma sobrancelha.

— O que você quer?

— Conhecer-lhe melhor, recuperar o tempo perdido.

— Pretende fazer isso em duas semanas, tenente?

— Não. Quem sabe aos poucos. Venha almoçar. Sua mãe disse que você não tomou café.

Depois de ver Damon, eu não estava com o mínimo apetite. Mas, como meu corpo precisava de comida, resolvi acompanha-lo até a cozinha. Eu tenho que admitir: me surpreendi.

Ele tinha feito um pequeno banquete. Uma macarronada com queijo e molho de tomate estava lindamente posta em uma tigela de vidro que mal era usada, o arroz estava com milho e ervilhas, um salmão grande e bem assado dava o toque principal na mesa. A bebida? Suco de uva, o legítimo.

— Whoa. – não contive a admiração.

O tenente sorriu.

— O brasileiro aqui tem seus truques.

Caramba, ele sabia cozinhar. Eu tinha me esquecido daquilo. Limite-me a sentar-me à mesa e começar a me servir.

— Como está a escola?

— Está legal. E o Exército?

— O de sempre.

Comemos um pouco em silêncio até que, quando eu estava na metade do meu prato, ele perguntou:

— E então, como está sua vida afetiva?

Estaquei. Olhando-o seriamente, esclareci:

— Pais desaparecidos por anos não têm o direito de fazer esse tipo de pergunta. Eles não perguntam se você já arrumou um namorado ou se você tem problemas.

Ele baixou a cabeça para o seu prato.

— Desculpe.

Não pude conter a indignação. Levantei-me e não medi palavras:

— Você passa quase cinco anos fora e acha que um almoço vai resolver isso?!

— E o que você quer, Shelly? Eu estou tentando!

Um nó ficou preso em minha garganta. Eu queria o impossível. Deixei a cozinha abruptamente e subi a escadaria, trancando-me em meu quarto. Lá, peguei o único presente do meu pai que prestava: minha balestra. Peguei vinte dardos, coloquei a bota e saí pela janela.

Cheguei ao bosque e a vontade de atirar passou. Eu estava chateada. Sentei-me no meio do bosque e comecei a olhar atentamente um dos dardos. É, talvez eu me importasse com a ausência do meu pai. Suspirei, aborrecida. Subi em uma árvore e fiquei distraída, pensando.

Depois de alguns instantes, ouvi alguns passos nas folhas secas pelo chão. Olhei na direção em que eles vinham e vi Jaden de cabeça baixa, com um violino em mãos. Quase caí da árvore ao ver o violino. Era o violino mais escuro que eu já havia visto. E o mais lindo.

Jaden andou distraído até que olhou para cima, dando um giro, e eu me camuflei entre as folhas. Eu estava relativamente alta, talvez uns três metros e meio, de forma que ele não me viu. Então, ele decidiu sentar-se no chão cheio de folhas mesmo. Eu vi apenas suas costas. Ele colocou o violino em posição, pareceu fazer uma contagem silenciosa com a cabeça e começou a tocar. A música me lembrava daqueles tempos antigos aonde as damas iam aos ilustres bailes falar sobre futilidades. Música barroca, eu acho.

Não pude deixar de sorrir. Ele tocou uma música que não tinha nada a ver com meu estado de espírito. Depois de uns dez minutos, ele terminou de tocar a melodia. Fiquei tentada a aplaudir, mas me contive. Aquilo parecia tão mágico que eu receei quebrar o encanto. Então, ele começou a tocar o quarto movimento da 9 ª sinfonia de Beethoven. Imaginei qual seria a reação de Angel ao ter um filho tão talentoso como ele.

Seria muito injusto caso eu contasse a ele. E talvez ele duvidasse de mim e deixasse de falar comigo. Não. Eu esperaria o momento certo. Quem sabe, no momento certo, eu também não fosse franca o suficiente para falar sobre a minha pequena grande particularidade?

Mesmo tentando ter esperança, aquilo tudo parecia tão distante... Olhei para a minha balestra. Dessa vez, atentamente, como eu nunca havia feito. Era quase uma pistola. Aquela arma não me fazia uma arqueira. A balestra me fazia ser uma simples atiradora. Suspirei, chateada.

Jaden estava na parte da fuga, como eu costumo chamar, quando errou três notas seguidas. Ele xingou alto e grunhiu de frustração. Bem, garoto, ninguém disse que iria ser fácil. Ele suspirou, aborrecido, e enterrou a cabeça entre as mãos. Senti vontade de ir lá e perguntar o que havia de errado, mas me contive.

Jaden Pendlebury definitivamente não era um garoto comum. O que será que ele tinha vivido para ser tão... diferente? Eu queria saber, mas não perguntaria na cara de pau. Pelo visto, era um assunto delicado.

— Shelly?

Gelei. Ouvi a voz de René e, por um momento, achei que ele tinha me visto. Então, lentamente olhei na direção da voz dele e notei que ele estava apenas me procurando. Jaden levantou a cabeça e estranhou:

— René?

— Eu estava procurando Shelly. Pensei que ela estivesse com você.

— Não, ela foi para casa. Tinha que fazer algumas coisas, eu acho. – Jaden respondeu dando de ombros.

— Eu acabei de vir de lá...

— Ela não está em casa?

Deu culpa nessa hora, pois Jaden fez uma expressão genuína de estranhamento.

— Passei por lá agora e só estava o pai dela lá, guardando comida na geladeira.

— Eu, hein... Melhor procura-la, não?

— Ah, mas ela vai aparecer. Às vezes Shelly dá esses sumiços, mas sempre volta.

— Se é o que você diz...

— Enfim, se você achá-la, diz para ela me ligar, por favor?

— Certo.

— Tchau.

— Tchau.

René deu meia volta e foi andando, enquanto Jaden apenas suspirou, sentou-se e começou a limpar seu violino.

Sai logo daí, Jaden.

Depois de alguns intermináveis minutos, Jaden saiu do bosque. Estimei que estava perto das 4:00 PM. Bacana. Eu ficaria num tédio eterno. A não ser...

Battlefield 1942 me aguarda!


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Notas finais do capítulo

* e **: Palavrões no Canadá são uma questão histórica. Os canadenses tiveram uma maciça doutrinação católica, então elementos da igreja usados em vão são palavrões, aparentemente. Não aparecerá muito por aqui, pois é mais usado na parte francesa, mas como Ann ensinou Shelly francês, ela "manja".
Bem, é isso. Talvez tenha ficado longo, mas saibam que os capítulos não sairão da casa das 3000 palavras, no máximo, e das 1000 palavras no mínimo.
See you all around o/



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