Apenas uma garota... escrita por Luana Nascimento


Capítulo 10
Capítulo 10 - Ressaca


Notas iniciais do capítulo

Olá, gente :)
Bem, eis um capítulo para passar o tempo. Espero que gostem.



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Shelly Revenry

Acordei e a primeira coisa que vi na minha frente foi o meu cabelo sobre o meu rosto. Minha cabeça latejava e parecia que eu havia corrido milhas e milhas além dos meus limites. Senti um enjoo insuportável e me dirigi ao banheiro, onde coloquei metade das minhas tripas para fora. Depois, dei descarga, escovei meus dentes e voltei para o meu quarto, onde fechei as cortinas de um céu nublado e me joguei de novo na cama.

Droga, o que diabos eu havia feito na noite anterior? A última coisa que eu me lembrava era de um cara me oferecendo algum drink e eu tomei... legal, não consigo lembrar do restante. Era bem capaz de ter sido absinto.

— Mãe... – tentei gritar, mas a minha voz saiu como um gemido, especialmente por que foi um. Até minha própria voz me incomodava. Minha mãe entrou no meu quarto.

— Oi, Shelly.

— Como... como eu cheguei aqui?

— Completamente bêbada. ― minha mãe respondeu, de braços cruzados. — Jaden te trouxe. Não sei como ele teve paciência. Você até brigou com seu pai...

— Ele está aqui?!

Sério: O que eu bebi ontem?

— Sim. Chegou ontem de viagem. Ainda está dormindo, eu acho. A viagem foi cansativa.

Recostei minha cabeça no travesseiro.

— Mãe... traz água para mim, por favor...

Ela bateu a mão na própria testa.

— Eu não sei mais o que fazer com você...

— Nada. Só me traz a água, pelo amor de Deus. A não ser que você queira que sua filha morra de desidratação.

— Dramática.

Dito isso, ela saiu do quarto. Enfiei minha cara no travesseiro.

— Que coisa horrível... – foi a única coisa que murmurei. Ouvi alguém abrir a porta. Poxa, minha mãe estava rápida.

— Mãe... – falei olhando para a porta.

Não era minha mãe. Era o meu pai.

— Olá, Marie.

Eu detestava quando ele me chamava de Marie. Mas... Ué, ele não estava dormindo? Enfim, fui direto ao ponto:

— Cadê os dardos?

É, era assim que eu falava. Afinal, ele até tentava formular uma conversa, mas sempre se resumia a ele entregar os dardos e se mandar. Meu... posso chama-lo de Tenente ou de Marcos? Chama-lo de pai é estranho. Enfim, o tenente apenas sorriu de canto.

— Daqui a pouco. Vim saber como você está.

— Bem, eu estou de ressaca. Obviamente, não posso estar a oitava maravilha. – opinei sobre mim mesma.

— Sua mãe está preocupada com você.

— Minha mãe?

— Ela acha que você está com algum problema. Eu queria saber qual é.

Francamente, ele tinha uma pose tão militar que me irritava.

— Nada que você possa resolver com suas táticas militares, tenente.

— Ah, então você admitiu que algo te incomoda.

— Essas palavras saíram da minha boca?

— Não, mas...

— Então pronto ― cortei-o. ― Poderia me deixar aproveitando minha ressaca? Eu realmente quero descansar.

— Conversaremos depois.

— Tchau. Até daqui a o que, tenente... quatro anos?

Ele sorriu de novo.

— Talvez até amanhã. Ficarei aqui em Vancouver por duas semanas. Vou para um hotel hoje.

— Milagre. Vamos lá, aproveite enquanto eu fico aqui, ok?

— Você se lembra do que falou para mim ontem?

— Para ser franca, não.

— Então deixemos esse assunto de lado. Até mais.

Ele saiu. Esquisito ele. O pior? Eu não posso falar nada, sou filha dele!

A parte ruim: não me lembrava de quase nada da noite anterior, a não ser Bradley... droga. Droga. Mil vezes droga. Eu havia mesmo modificado o “futuro” da criatura. Como eu conseguira fazer aquilo? Uma vez, eu havia visto alguns casos de pessoas que tinham “premonições” e nunca conseguiam evitar esses futuros. Então como diabos eu fizera aquilo?

Parei de pensar. Minha cabeça latejava. Maldita ressaca.

Minha mãe fez melhor. Além da água, ela trouxe um café da manhã leve. Comi com certo receio, afinal, não sabia se colocaria as tripas para fora de novo.

Enfim, meu dia de ressaca resumiu-se a muita água, algumas tripas para fora, dor de cabeça, cansaço e acho que só. O tenente foi para o dito cujo hotel à tarde. Despedida fria, como sempre. Ele me deu os dardos, que eu escondi muito bem. À noite, Jaden apareceu em minha casa.

— Olá, Jaden! – minha mãe cumprimentou.

— Oi, Ms. Revenry. – depois, ele voltou-se para mim. – Apareci apenas agora porque deduzi sua ressaca, Shelly.

— Já jantou, querido?

— Sim, acabei de fazê-lo, Ms. Revenry, obrigado.

— Jaden, se importa de irmos lá para cima? Você precisa me esclarecer algumas coisas sobre ontem. — pedi.

— Claro.

Subimos a escadaria e fomos ao meu quarto. Chegando lá, sentei-me na cama e pedi que ele fizesse o mesmo, mas ele negou:

— Vou sentar na cadeira do computador. É irado. Gira.

Sorri.

— Você quem sabe.

Sentei-me na minha cama e, ao ver o ninho de rato que ela estava, pedi:

— Desculpe a bagunça.

— Você sempre fala isso e nunca está tão bagunçado.

— Já sei que o seu bagunçado é uma casa virada de ponta cabeça.

Ele sorriu.

— Por aí.

— Você poderia me dizer o que eu fiz noite passada? – perguntei receosa. Ele olhou para mim e seu sorriso ficou mais largo, numa clara demonstração de diversão.

— Você não se lembra? – ele indagou ainda sorrindo.

— Ei, whisky e misturas pode fazer altas mudanças em você. Mas fale logo. O que eu fiz noite passada?

Jaden esfregou as palmas e me deu um sorriso malicioso.

— Para de fazer essa cara! — exclamei irritada, sentindo minhas bochechas esquentarem.

Ele gargalhou.

— Ok, ok. Você não fez nada demais. – ele garantiu. Ficou ironicamente sério enquanto dizia uma sentença que quase me pareceu decorada: – Apenas contou a lenda de Slenderman para o povo, teve que voltar para casa escorada em mim, ficou cantando “I’ve Been Working On The Railroad” enquanto estávamos no ônibus, caiu e essa responsabilidade eu assumo, falou para a sua mãe que toda mulher bonita merece ir a uma festa, brigou com seu pai, eu tive que carrega-la aqui para cima e você caiu de cara na cama, quase me levando junto.

Eu estava sentindo meu rosto extremamente quente.

— Jaden, mil perdões! Que vergonha! Ah, que vontade de enfiar minha cabeça em um buraco!

Ele riu novamente. Pareceu-me um pouco nervoso.

— Não foi nada, garota. Eu te entendo. Agora vê se não exagera mais, ok?

Jaden estralou os dedos, pôs as mãos na nuca e olhou para o teto.

— Foi só isso mesmo? – indaguei.

— Para sua sorte, sim. – ele respondeu sem olhar para mim, ainda olhando para o teto. Sua expressão era deliciada, como estivesse se lembrando de algo realmente bom.

— Lembrando-se de algo bacana?

O que aconteceu a seguir foi tão rápido que eu mal registrei. As rodinhas da cadeira deslizaram e Jaden caiu da cadeira.

— Jaden!

O garoto alisou a cabeça.

Ow, fuck! Por que você não avisou que a cadeira está quebrada?

— Porque ela não está quebrada, você só se encostou demais nela. E olhe a boca.

Ele se pôs em pé rapidamente.

— Cadeira má. Cadeira assassina má. – ele murmurou como uma criança. Eu ri.

— A cadeira não é má, é só que alguns trouxas tentam deitar-se nela.

Ele sorriu, ainda alisando sua cabeça.

― Olhe a boca? Você é tão careta assim?

― Só não estou acostumada com o palavreado.

Palavrões no Canadá é algo complicado.

— Isso realmente doeu. ― ele reclamou.

— Você deveria ter mais cuidado. Duas batidas na cabeça em uma única vida não devem fazer bem.

— É, mas aquilo foi um traumatismo craniano e... espera. Como você sabe que eu já bati a cabeça?

Droga, Shelly, pensa rápido. Olhei-o rapidamente e vi um pouco de cabelo que cobria uma falha que deveria ser uma cicatriz pouco atrás de sua orelha. Dei duas cutucadas de leve ali.

— Acho que isso não foi de uma simples quedinha.

— Você é muito observadora. ― Um leve sorriso desmanchado para a explicação: ― Realmente, ganhei isso daqui depois de cair da escada quando eu tinha três anos. Foi a batida mais séria. Graças a isso, não tenho lembrança alguma dos meus dois primeiros anos de vida e acho bizarro isso. Exemplo: por mais que você não se lembre de tudo, você lembra uma coisa ou outra de quando era pequeno. Eu não me lembro de nada.

— Que chato. – comentei entortando a boca, como quem diga “sinto muito”.

— Uh-huh.

— Quer um pouco de gelo, sei lá...

— Não, não precisa. Ah, me ajude a fazer o biquinho dos franceses – ele pediu falando com um biquinho tão ridículo que me fez rir.

Estudamos um pouco de francês, com ele lendo e me perguntando como eram as coisas. Eu até gosto de ler, mas estava com uma dor de cabeça chata. Ressaca, por que você tem que vir no dia seguinte?

Foi oficial: Jaden era péssimo em francês. Ele achou que faite (algo fabricado ou um fato) era fé, que pour (preposição “de”) era derramar e que pays (país) era pagar na terceira pessoa do singular (tipo: She, He e It).

— Ok, chega, meu querido.

— Eu odeio francês.

— Eu amo francês.

— E ainda diz que é normal... – ele murmurou meneando a cabeça.

Sorri. Ele me olhou no mesmo sorriso, como se dividisse um segredo comigo, quase como se tivéssemos... uma conexão. Jaden desviou o olhar para o livro e eu olhei para qualquer outro lugar. Ele fechou o livro e jogou na banquinha do meu computador.

— Isso não é de Deus.

Eu o olhei, cética, quase rindo.

— Não exagere. É só uma língua complicada, mas depois dá para levar.

— Sim, dá para levar. Dá para levar um cara à loucura, sem dúvida.

Não resisti. Gargalhei. A forma com que ele disse aquilo foi muito cômica.

— Oh, coitadinho! O pobre menino rico não sabe falar francês!

— Ei! Minha família tem boas condições de vida, mas não é rica. – ele falou sorrindo.

Engoli em seco. Quase que eu me entregava. Acho que o álcool deixara meu cérebro mais retardado.

— Então ok, deixe-me reformular a frase. O pobre menino rico não tão rico assim não consegue falar francês.

— Título longo demais. – ele reclamou fazendo uma careta.

— Ah, criatura chata! E como eu devo te chamar?

— Apenas Jaden seria bom. – ele opinou em um tom de voz grave.

— Ok, sir Apenas Jaden. – falei abanando as mãos.

— Você é irritante. – ele comentou em tom divertido.

— Eu?! Imagine! Eu sou um doce!

— Realmente é. Você é um suspiro com ameixa no topo.

Estranhei.

— Ameixa?

— A cor do seu cabelo. O suspiro você deve imaginar o porquê.

— Engraçadinho. E você é um caramelo com leite e macarrão instantâneo em cima.

— Urgh! – ele fez uma careta de nojo, mas riu. – Isso é que é ter imaginação.

Ouvi um toque de celular estranho. Era um violino que variava entre o fortíssimo e o mezzoforte. Jaden ergueu as sobrancelhas rapidamente, em um rápido sorriso, pegou um celular do seu bolso e atendeu.

— Alô? Ah, oi, mãe. Nossa, verdade. Está um pouco tarde mesmo. Mais cinco minutos, pode ser? Uh, legal, eu posso. É, eu sei que você me ama. Até logo.

Ele desligou.

— E aí? – indaguei?

— Ela me disse que são 10:00 PM, eu pedi mais cinco minutos, ela disse não, eu disse que sim, ela disse que eu estava muito atrevido e o resto você viu. – ele falou rápido com cara de anjo.

— Sei não, viu...

— Mas... e então? Você vai atirar hoje?

— E eu lá estou com cabeça!

— Com cabeça você está, afinal ela está aí no seu corpo.

Rolei os olhos.

— Você entendeu. Não, não vou atirar hoje.

— Mas enfim... eu... posso ver sua balestra?

— Espere. – Afastei a minha cama e, antes de abrir o “fundo falso”, falei: – Você não pode dizer isso a ninguém.

— Prometo. – ele prometeu erguendo uma mão.

— Pelos espíritos americano e canadense?

— Sim.

— Se alguém souber que eu tenho uma arma, serei presa.

— Esse foi um argumento bem convincente, mas eu já sei que você tem uma arma e eu já a vi.

— Sim, mas é diferente. Eu poderia ter me livrado da balestra. Sem falar que ver uma arma é diferente de saber seu esconderijo.

— Mostre logo essa merda.

Acho que, provavelmente, aquela era a forma poética dele dizer que não diria a ninguém. Peguei minha balestra e entreguei a ele, que franziu o cenho.

— O que foi, Apenas Jaden?

— Está sem dardo.

— Ah, esse é um detalhe. Eu estava irritada o suficiente para gastar todos os dardos restantes. Mas o tenente trouxe mais dardos, estão ali naquela caixa.

— Legal, mas... por que você estava irritada?

— Não lhe diz respeito, não se preocupe. – acho que meu tom de voz saiu gélido demais.

— Calma, rainha do gelo.

— Desculpe.

— Quer falar sobre o assunto?

— Você tem dois minutos para chegar a sua casa.

— Eu poderia dar um jeito nisso. – ele objetou erguendo uma sobrancelha.

Por um momento, eu realmente não soube o que fazer. Os meus segredos me sufocavam quase como se eu tivesse comida entalada na garganta. Eu queria falar, mas quase sentia que seria arriscar demais. Por que quase? A confiança surgia natural, mas o racional me amarrava demais.

— Desculpe. – pedi baixando a cabeça. – Até amanhã.

Jaden pareceu engolir um sapo e falou com voz polida e fria, apertando minha mão:

— Até amanhã.

Deu as costas e saiu. A onda de arrependimento veio intensa. Eu confiava nele, só que a minha vaidade atrapalhava tudo. Eu tinha receio do que ele fosse achar de mim. Não era o momento ainda, procurei me conformar. Suspirei. Droga. Já falei que é minha palavra preferida, certo?

Fiquei na minha cama, tentando dormir. Minha cabeça ainda doía. Quem sabe fosse a culpa martelando na minha cabeça. Creio que era mais um fator. Preocupei-me. Com que cara eu iria encarar Bradley no dia seguinte? Ou melhor: como eu iria encarar todas as pessoas que haviam visto aquilo?

Droga. Eu estava parecendo com aquelas garotinhas frescas e idiotas com dilemas internos. Resolvi me levantar. De súbito, alguém bateu na porta.

— Shelly?

— Oi, mãe!

— Posso entrar?

— Claro.

Minha mãe entrou no quarto. Cara, eu não sei como ela ainda não havia arrumado um namorado. Ela era bonita mesmo. Parecia uma artista de TV, como diria pica-pau.

— Pensei em vermos um filme tomando leite morno. A noite está fria. – ela convidou dando de ombros.

— Sem se preocupar com o horário de amanhã?

— Exato. – respondeu num sorriso travesso.

Eu sorri. Naquele momento, ela não se importava se eu havia bebido feito uma louca ou se eu tinha algo escondido dela. Ela só queria passar um tempinho comigo.

— Qual filme? – indaguei tentando não demonstrar muita alegria, como se fosse algo comum.

— Você escolhe. – ela respondeu dando de ombros.

— O Homem Bicentenário, talvez? – abri essa possibilidade. Minha mãe gostava desse filme.

— É uma boa. Faz tempo que não vejo.

— Faça o leite e eu me viro com o DVD.

— Certo.

Descemos as escadas. Minha mãe começou a ferver o leite e eu fui ligar o DVD e colocar o filme no menu. Depois de alguns minutos, ela veio com duas canecas: a preferida dela e a minha preferida.

Minha caneca preferida, aparentemente, não tinha nada demais: uma simples caneca branca. Mas, quando você virava, dava para ver o desenho de uma caneca e a seguinte frase: “Isso não é uma caneca, mas o que você está segurando é”. Eu gostei daquilo. Faz sentido. Adotei como caneca favorita.

Quando ela se sentou ao meu lado, apertei o botão e o filme começou. Já tínhamos assistido àquele filme várias vezes, mas era bacana assistirmos juntas.

No meio do filme, eu já havia engolido o leite quente e estava com aquela sensação morna e deliciosa no meu corpo. A chuva caía forte do lado de fora, deixando o clima maravilhosamente frio. Eu estava escorada em minha mãe e encolhida no sofá. Meus olhos começaram a pesar. Aquela situação estava tão boa... Acabei dormindo sem perceber.

— Shelly. – ouvi alguém me chamando. – Shelly. Acorde. Vá para a cama.

Abri os olhos, atordoada pelo sono. O filme havia acabado e minha mãe estava olhando para mim, sentada do meu lado. Passei a mão pelos meus cabelos e me levantei, meio zonza.

— Quer que eu te ajude? – indaguei esfregando os olhos.

— Eu me viro. Vá dormir.

— Ok.

Subi as escadas como um zumbi e deitei-me na minha cama. A última coisa que eu me recordo foi de escutar o tic-tac do relógio marcando 01:30 AM.


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Notas finais do capítulo

Bem, não pude postar sexta, mas estou postando hoje =D
Erros, sugestões e críticas são bem vindos :*



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