The Girl Who Survived escrita por LullyDean


Capítulo 3
Vassouras e Sorvetes


Notas iniciais do capítulo

Um capítulo bem leve hoje



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— Não entendo como ainda permitam que trouxas como ele andem pelas ruas em automóveis! — comentava o Sr. Randall com desgosto à esposa.

Tia Cassidy comprimia os lábios e torcia o nariz em reprovação. Quase haviam batido em um carro por conta de outro que estava mais a frente. Pelo pouco que o casal conseguiu ver, o motorista irresponsável virou bruscamente para trás quase batendo em outro — esse que estava à frente dos Randall por um triz não atingiu a lataria ao diminuir a velocidade.

— Que — Engoliu um xingamento ao lembrar da presença das meninas no banco de trás — Trouxa maluco!

— Ele pode ter tirado a carta recentemente...

— O estrago que ele faria com uma vassoura!

Lucy e Ashley franziram os rostos sem entender muito bem o que o homem quis dizer, mas logo deram risadinhas entre elas.

— Temo — começou a Sra. Randall ao marido, sorrindo levemente — que a leitura esteja se tornando perigosa... Não vê? — Tio Leonard lançou um olhar rápido, confuso e curioso à esposa — Casei com um amante de C.S. Lewis... Um tolo sonhador, cuja imaginação cresce mais e mais a cada dia. — suspirou teatralmente, arrancando do motorista um sorriso — Infelizmente, não me deu outra escolha... Esconderei todos os exemplares... Sou ciumenta demais para passar por isso...

O Sr. Randall, novamente bem-humorado, resolveu entrar na brincadeira esquecendo o quase acidente.

— Oh, não, querida! Acabamos de ler O Sobrinho do Mago...

— Não tire Aslan de nós, mamãe!

— Sugiro que a gente fuja pelo guarda-roupa de Ashley — Lucy propôs segurando o riso.

— No meio de tudo aquilo? — indagou tio Leonard brincalhão — Ficaremos perdidos entre os vestidos sem nem entrar.

Ashley ficou rosa e a prima riu.

Quando o semáforo ficou vermelho e o carro parou, a menina observou o tio ligar o rádio.

— Como é que o assunto acabou no meu guarda-roupa? Papai falava de vassouras...

— Já sonhei com uma... Ela era linda. — Ashley encarou a prima de forma curiosa, enquanto a voz grossa do locutor de rádio falava sobre o tempo.

— Aquele sonho em que ela voava?

— Isso. — A menina afirmou olhando para os tios — Ela me tirava de um clarão verde e voava para o céu, enquanto uma voz cantava pra mim.

Tio Leonard encarou a sobrinha mais sério do que gostaria.

— Ah — suspirou ele voltando a dirigir —, essas vassouras!

Quando chegaram ao estacionamento do zoológico alguns minutos depois, tia Cassidy desligou o rádio antes mesmo do marido encontrar uma vaga para o carro. Seu agrado com a previsão daquele sábado parecia palpável. Lucy sabia que o mesmo se dava pelos botões e temperos no jardim, que haviam sido regados no dia anterior. O sol sempre agradou em muito a mulher, principalmente quando envolvia suas plantas.

— Acho que é o carro do pai do Duda — comentou Ashley enquanto comprimia o rosto contra o vidro da janela.

— Qual?

— Aquele, pai. — Inclinou sobre o banco da mãe e pela janela do passageiro apontou para um carro mais a frente.

— Não é o mesmo que quase causou o acidente? — indagou Lucy, tentando enxergar o automóvel que a prima apontava.

— E, é? — perguntou muito surpresa — Não consegui ver qual tinha sido.

— Tenho quase certeza que é — murmurou ficando de pé — Tire a cabeça, assim não vejo nada.

— Parem as duas! — brigou tia Cassidy, irritada com a bagunça entre seu banco e o do marido — Sentem! Sentem já! Vão causar um acidente desse jeito.

Lentamente as meninas voltaram aos assentos.

— Vai amassar a embalagem! — reclamou Ashley empurrando a prima, que havia sentado no presente de Duda.

— Eu não vi! — retrucou um pouco irritada com a reação da outra, levantando por um segundo para ela apanhar o embrulho.

— Mais um dia magnifico em família. — comentou tio Leonard quase em um suspiro, abrindo um sorriso enorme ao terminar de estacionar.

A Sra. Randall lançou um olhar muito estranho ao marido, mas nada disse.

A dinâmica dos Randall sempre foi muito engraçada para Lucy, que, por mais que tentasse, não conseguia se sentir inteiramente parte do núcleo familiar. Tio Leonard conseguia ser muito bem humorado e gentil na maior parte do tempo, sempre sucumbindo aos gostos das meninas e fazendo de tudo para que elas ficassem felizes. Já tia Cassidy era muito rígida na educação de ambas, ensinando-as coisas que achava essencial para o conhecimento de ambas como, por exemplo, limpeza, organização, preparo de alimentos e o aprendizado de línguas estrangeiras.

Lucinda gostava de imaginar os dois como faces diferentes da mesma moeda. Separados podiam ser liberais ou rígidos em excesso, mas juntos eram bem equilibrados.

Além disso, ainda tinha Ashley, que apesar de puxar um pouco mais da aparência da mãe, possuía muitos mais traços da personalidade do pai do que qualquer outra coisa.

— É Duda! — A menina exclamou repentinamente tirando a prima de seu devaneio. Apontava para o rapaz rechonchudo ao lado mesmo carro que mostrou aos pais.

Nem meio minuto depois, a mesma já tinha saído do carro e corria na direção do menino e de um rapazinho magricela, que possuía feições de um rato. Antes de se repreender pela comparação automática que fez sobre a aparência do mesmo — assim como fazia momentos depois de comparar Duda a um porco —, torceu para que ele não fosse seu primo. Não parecia muito simpático e muito menos agradável como Ashley havia descrito.

Fechou os olhos com força e respirou fundo, tomando coragem para descer do carro.

Ela realmente queria ir ao alojamento dos repteis e nem mesmo Duda Dursley podia nublar essa vontade.

No entanto, nem mesmo a maior força de vontade forjada foi capaz de arrastá-la até o grupo reunido perto do carro de forma espontânea. Por isso, esperou os tios enquanto olhava — não muito animada — a prima abraçar o rapaz magro.

Apesar de tal demonstração de afeto não ser muito comum, desde muito nova a menina tinha aquele gesto como característica principal. Todos sabiam que Ashley Randall gostava de abraços, principalmente no inverno.

Quando os três se aproximaram e os tios de Lucy foram cumprimentar os pais de Duda, a mesma se viu desprotegida do olhar do Dursley mais jovem.

— Você veio! — ele exclamou muito animado, ignorando completamente o que a amiga dizia sobre seu presente.

Com seu melhor sorriso simpático, exprimiu:

— Feliz aniversário!

Não teve como escapar do abraço que recebeu. Pela primeira vez ignorou o desconforto, por ser uma data especial, e retribuiu o aperto da melhor forma que pôde — desengonçada e um pouco agoniada com a proximidade.

Segundos antes de quebrar o contato, conseguiu ver uma expressão levemente chateada no rosto da prima. Porém, como de costume, ela logo abriu um sorriso animado a fim de disfarçar o incomodo que tinha com essa adoração de Duda por Luce.

— Quantos ganhou esse ano? — perguntou honestamente curiosa, numa tentativa de chamar sua atenção de volta para ela.

Lucy não sabia do que falavam, também não sentia interesse suficiente para tentar descobrir o tema da conversa, muito menos prestou atenção quando os tios parabenizaram o colega da filha pelo aniversário. Estava incomodada com a própria cicatriz, que formigava atrás do cabelo.

Odiava quando o sol lhe causava tal desconforto. A região já era sensível o bastante por conta da regeneração hipertrófica do tecido, mais ainda por nunca ter tido uma proteção adequada já que ao redor da mesma nunca crescia um fio de cabelo sequer. Misturando tudo aquilo com a exposição solar em excesso, causava uma ardência muito chata que a incomodava muito. Contudo, não se lembrava do sol estar tão forte em seu lado do carro. Na verdade, tinha quase certeza que o mesmo se encontrava muito suave durante todo trajeto.

— Sai logo desse carro, garoto! — resmungou o Sr. Dursley muito mal-humorado, tirando a menina de seu breve devaneio.

Um pouco confusa, direcionou o olhar para a janela do carro. Dentro do mesmo, no banco de trás, um menino estava sentando de cabeça baixa. Sua mão massageava a testa e ele pareceu respirar fundo antes de virar para sair do automóvel. Quando bateu a porta, Lucy não viu a reação do Sr. Dursley, mas comparando com seu tom ao ralhar com o menino, pareceu muito, muito irritado.

— Cuidado com a porta! Estou quase mandando para uma escola militar! — resmungava a alguém. — É uma verdadeira peste!

Ele era magro e possuía os cabelos mais rebeldes que já tinha visto em toda sua vida. Parecia também um pouco desconfortável, ajeitando o cabelo sobre a testa de forma ansiosa.  

Teve uma sensação de déjà-vu estranhíssima e ao mesmo tempo uma empolgação muito grande. Algo dentro dela revirava de forma ansiosa e muita animada.

— Olá, Harry — Ashley cumprimentou o menino, batendo o ombro levemente contra o da prima.

— Oi — murmurou ele, recebendo um olhar horroroso de Duda.

— Quero entrar agora. — resmungou ele aos pais, que logo atenderam seu pedido.

O Sr. Dursley começou a caminhada após trancar o carro, puxando assunto com Sr. Randall do mesmo jeito que a Sra. Dursley fazia com a Sra. Randall.

Duda, Ashley e o outro menino que Lucy desconhecia, seguiram os adultos conversando entre eles de forma animada. 

Não muito atrás dela, Harry permanecia calado e com uma sensação muito estranha de formigamento em sua cicatriz — esperando que não piorasse ao ponto de lhe causar uma dor de cabeça mais tarde.

Ele parecia tão concentrado observando o estacionamento, o céu, os grupos de pessoas reunidas nos carros ou andando, que — por um segundo — Lucy não quis incomodar. Porém a vontade de conversar era maior e, já que a prima mantinha os amigos longe dela, o menino era a melhor opção em disparada para iniciar um diálogo — também era a única considerável para ela.

— Harry?

O menino se assustou com a indagação repentina e desviou o olhar direto nela, que agora caminhava a seu lado.

Ele estranhou.

Os amigos de Duda nunca foram simpáticos com ele. A única exceção era Ashley, que sempre o cumprimentava de forma amigável, mas também ignorava sua presença costumeiramente.

— É Harry, não é? — A menina insistiu e ele assentiu um pouco desconfiado. — Sou Lucy.

Harry não soube exatamente o que fazer quando a garota esticou a mão em sua direção, então a apertou do jeito mais desengonçado possível, arrancando uma risada da garota.

Ótimo!  Pensou ele. Mais uma pessoa para me achar um desajustado!

— Ash me disse que era uma figura. — comentou com inocência, lembrando-se da descrição rasa que a prima fez minutos antes saírem de casa.

Ele forçou um sorriso, não resistindo à curiosidade:

— O que ela disse?

— Se eu contar, ela me mata. — respondeu. — Relação construída a base de confiança é sagrada. Sinto muito.

Harry assentiu lentamente, ainda curioso e muito desconfiado.

— Por que não está com eles?

Ela pareceu um pouco confusa com a pergunta.

— Honestamente — Respirou fundo e continuou com a voz baixinha, como se estivesse compartilhando um segredo: — Não gosto do seu primo... Nem um pouco.

— Então, não é amiga do Duda? — constatou um pouco confuso.

A viu negar com a cabeça.

— Só vim pelo alojamento dos répteis.

— Qual seu nome mesmo? — perguntou um pouco desconcertado. Não tinha prestado muita atenção quando a mesma se apresentou.

— Lucinda Blackwell — Fez uma caretinha, que pareceu muito amigável, e sorriu para ele com os lábios comprimidos. — É um nome de gente velha, me chame de Lucy.

O menino sorriu um pouco mais animado com o passeio, balançando a cabeça em confirmação.

Quando ambos alcançaram os familiares, o Sr. Randall logo indagou a sobrinha:

— Sorvete?

Ela assentiu muito animada, observando o trio de amigos praticamente em cima da carrocinha de sorvete, enquanto uma mulher fazia dois grandes sorvetes de chocolate e um de morango.

Lucy esperou sua vez enquanto pensava no sabor que queria. Porém, não foi muito criativa ao optar pelo mesmo que os amigos de Ashley. A única diferença era que eles optaram por casquinhas e a menina por uma embalagem de tigelinha, que acumulou bastante cobertura de caramelo.

— Não vai querer nada, querido?

O Sr. Dursley pareceu muito infeliz com a pergunta da mulher a Harry.

— Dê um desses picolés de limão a ele. — pediu separando algumas notas em sua carteira.

Lucy ficou muito sentida com tamanho do sorvete do menino em comparação com o dela, mas antes que pedisse a moça da carrocinha outra colher para dividir seu sorvete com ele, tio Leonard falou:

— Eu gostaria de um desse — apontou para a sobremesa da sobrinha —, mas com cobertura de chocolate.

A Sra. Randall franziu o cenho muito confusa, assim como a filha e a sobrinha faziam.

— Detesta chocolate — murmurou Ashley ao pai.

— Tem ânsia só de sentir o cheiro. — A sobrinha acrescentou, deixando a mulher da carrocinha com uma expressão confusa ao espalhar a cobertura pela massa.

— Verdade. — Ele afirmou entregando o dinheiro a moça, que lhe estendia o sorvete. Seu rosto contraiu um pouco em uma expressão de nojo. — Mas eu adoro limão. — encarou Harry sugestivamente.

O Sr. Dursley enrubesceu e Lucy não sabia se era de vergonha, ofensa ou raiva. Talvez fosse um misto das emoções.

— Troquemos antes que eu vomite, sim? — estendeu o sorvete ao menino.

Os olhos de Harry brilharam com a visão do doce e não demorou a trocar seu picolé tristonho pela tigela de chocolate brilhante.  

— Agora, vamos dar início ao passeio. — O Sr. Randall teimou a falar enquanto desembrulhava o picolé, possivelmente ignorando o olhar do tio do menino. — Quero muito ver as girafas. — admitiu mordiscando o doce.

E sem dizer mais nada, caminhou para dentro do zoo sendo acompanhado pela esposa — essa muito orgulhosa do marido.

O Sr. Dursley lançou um olhar nada simpático ao sobrinho, entrando no zoo após o filho e os amigos, sendo acompanhado pela Sra. Dursley que segurava seu braço.

Harry soube que levaria um sermão quando chegassem em casa, um sermão sem fundamento, mas ainda assim um sermão horrível com possibilidade de um castigo de — no mínimo — duas semanas.

Recebeu um olhar muito animado da menina que, mesmo com o debando do grupo, permaneceu a seu lado. A mesma se despediu da mulher da carrocinha com um aceno e seguiu o mesmo rumo dos demais, forçando Harry a se apressar para acompanha-la.

 


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