León está ao telefone com sua namorada e ela está reclamando de algo que ele disse ou fez.  Eu imaginava que seria assim, mas acreditava que como ele estava tão “apaixonado” não daria importância.

— É claro que eu me importo com você, para de drama, por favor! – falou León ao telefone.

A voz irritante da Ludmila dava para ser escutada do corredor. Entrei em meu quarto com a bandeja de sucos.

— Não Ludmila, ninguém vai ficar sabendo dessa conversa. – e desligou a chamada.

— Acho que ela nunca vai entender seu humor...

— Como você entende? Nunca.

— Posso garantir que te conheço melhor que ela!

Ele não duvidava disso, pois sabe que durante nove anos eu estive por perto. Eu entendia a sua angústia de não ter um irmão que o escutasse – até porque nem tenho irmão – e, talvez, por isso somos tão próximos. Existe uma grande diferença entre nós dois e a Ludmila: ela quer atenção e nós dois só queremos que alguém escute e entenda o que temos para falar.

— Eu estava cego, Violetta e quando ela percebeu teve a atitude de me prender. – respirou fundo e continuou: - Eu não sou como ela e nem quero ser, deveria ter acreditado em você.

— Acha que eu estou aqui para dizer que te avisei?

— Não, mas... – interrompi:

— É mesmo hora de dizer isso? Não há volta atrás, amigo, então siga em frente e arrisque tudo.

— Devo terminar com ela?

Eu queria poder dizer que sim, mas o que sinto por ele não me deixa fazer com que possa romper seu namoro com a Ludmila, tão incrível que chego a questionar que sentimento é esse.

— Você decide o que é melhor e saiba que eu vou te apoiar. Só quero que você seja feliz.

— Ainda me verá feliz, é só questão de tempo.

Tomou a minha mão e, apertando-a, acariciou com sua mão grossa. Sorri com seu gesto carinhoso, evitando olhar em seus olhos, mas eu ainda conseguia ver um sorriso largo se formando em seu rosto. Vi León sorrir várias vezes, mas eu o conheço bem.  Não vejo um sorriso como esse desde que voltei e então percebo que ele não consegue mesmo ser feliz ao lado da Ludmila. O que ele está fazendo com uma garota dessas? Preciso ver mais vezes esse sorriso que é capaz de iluminar o mundo.

De repente, a porta foi aberta com força e a imagem de minha mãe sorrindo de orelha a orelha surgiu e assim que me viu com o León desfez o sorriso.

— O que estavam fazendo? – perguntou desconfiada.

— Conversando, mãe – ri.

— Sei muito bem que tipo de conversa é essa.

— Tenho certeza que a senhora não veio aqui para falar disso! – desviei.

Ela respirou fundo. Sua coluna curvada mostrava que estava cansada e a expressão em seu rosto tentava disfarçar que o dia foi longo.

— Vim falar sobre o trabalho do Pablo. Todos vão cantar?

— Não, só eu e a Fran. A Vilu e o Maxi cuidarão dos instrumentos. – respondeu León.

— Porque a Violetta não vai cantar?

— Ela disse que não queria o fazer...

Minha mãe me olhou decepcionada, mas ela não imaginava que eu estava mais ainda com o León. Deveria ter contado a ele, talvez pudesse ter me ajudado. Agora, a senhora Saramego fará de tudo para conseguir que eu cante nessa apresentação. Para mim não era nada, mas para ela, qualquer coisa, por menor que seja, mas que mostre o meu “talento”, é tudo, é uma oportunidade que não se deixa passar e eu teria que me acostumar com isso.

— Pode me deixar a sós com minha filha?

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Uma melodia atrapalhara meu sono. Da onde viria um som tão belo? Levantei-me, calcei as pantufas e sai em busca da música. Meus ouvidos averiguaram cada cômodo do primeiro andar de minha casa, mas sem sucesso. Não faria questão de procurar no piso acima, já que era um espaço de privacidade dos meus pais – é isso o que me dizem. Desci as escadas depressa e dei de cara com León que tocava no teclado. Ele sorria tanto que eu cheguei a acreditar que o pouco de luz que havia vinha de seu sorriso. Quando por fim notou a minha presença, começou a cantar me olhando e eu derreti-me por completo. Cantei junto a ele, tímida, com medo do que poderia achar do meu vocal. Um olhar de confusão foi o bastante para que eu parasse de cantar, mas quando voltou a sorrir não consegui de forma alguma esconder o quanto estava apaixonada e encantada. Eu teria que dizer.

Aproximei-me dele e quando nossas mãos se tocaram, outra voz surge, desviando a atenção de León. Parte de mim dizia que não era importante saber e a outra me fez virar e encontrar Francesca. Rapidamente, o meu príncipe foi atrás dela. Juntos cantaram a música até o fim. Seria o ensaio da apresentação e ninguém me avisou?

Os rostos deles já se tocavam e eu não queria ver aquilo.

— Assim, não é preciso ensaiar o beijo – chamei-lhes a atenção, mas foi em vão.

Fechei os olhos. Isso não podia ser real. Minha melhor amiga roubara o garoto que eu sempre quis.

— Desde quando isso é um ensaio? – perguntou León, mas ele olhava para o Maxi e não para mim.

— Vai me dizer que você está de namorinho com a Fran, Vargas? – indagou Maxi.

Vi a Fran corar e León baixar a cabeça.

— O León tem namorada! – irrompi.

— Tem alguém com ciúmes! – me provocou Maxi.

— Com quem você está falando, Maxi? – León olhou ao seu redor – Só temos nós três aqui.

Todos sumiram, exceto León. Agora assim ele pode me ver ou escutar. Preciso ir contra a minha mente e dizer tudo o que eu sinto, pois tenho certeza que ele escutará.

Quando abri a boca para falar alguma coisa, a imagem de Ludmila aparece descendo as escadas. Ela estava com um vestido branco pérola, um colar e um par de brincos dourados. Não dá para negar que a loira estava linda. Caminhava lentamente em direção ao meu amigo. Tentei puxá-la, mas tudo o que consegui foi tropeçar nos meus próprios pés. Assim que me levantei, já era tarde demais. Os dois trocavam sorrisos apaixonadamente.

O que León vira nela? Perdera tanto tempo com a beleza de uma garota que nem percebera que sua melhor amiga sempre esteve por perto para que ele pudesse desabafar tudo o que sentia, para sorrir quando estivesse triste, para contar-lhe sobre os seus sonhos... O que ele gosta tanto em uma garota que odeia sua música favorita? Durante esse tempo todo, ele nunca se deu conta que seu lugar é comigo.

Quando olhei mais uma vez para o casal, já era tarde demais.

Despertei em um pulo. Respirava ofegante, como se tudo que o que passou minha mente tivesse sido uma corrida. Meu corpo suava, porém estava feliz por nada ter sido real. Uma melodia começou a tocar. Levantei devagar, recusei em me calçar e fui direto para a escada temendo que acontecesse outra vez. Respirei aliviada quando vi que era só a minha mãe tocando piano.  

— Ainda acordada, filha? – perguntou.

— Eu estava dormindo, mas a melodia me acordou. – respondi, bocejando.

— Melhor você ir logo pra cama, está tarde e amanhã ainda tem aula. – recomendou.

Fiz manha para não ir, mas tive que o fazer.

Deitei em minha cama, refletindo. Esse sonho foi tão real para ser algo que minha mente elaborou. Minha realidade mudou com a “descoberta” da Tradição e desde então ela me obrigara a cantar e estudar música, o que fez aproximar-me mais do meu melhor amigo e ver que ele namora a menina que sempre me humilhou. Se eu tivesse sido mais aberta, mais sincera em relação aos meus sentimentos, nada disso estaria acontecendo. Não só com o que sinto, mas também com o que vivo. Nunca tive a coragem de ser independente, sempre me deixei levar pelo que os outros dizem e talvez por isso nunca tivesse a chance de ser eu mesma.

Eu não terei mais medo. Mostrarei quem é realmente Violetta Castillo. Direi tudo o que sinto à León. Não serei invisível aos olhos de quem eu amo.