O Diário Secreto de Christopher Robinson escrita por Aarvyk


Capítulo 9
Oitavo Capítulo


Notas iniciais do capítulo

Olha aqui! Mais um capítulo.



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Enquanto todos os alunos saíam, me esquivei da multidão e fui até a mesa do senhor Parrish, ou simplesmente Ronald, embora fosse estranho chamá-lo apenas pelo primeiro nome. Era segunda-feira, já se passara uma semana desde o primeiro dia de aulas, e o professor de filosofia era a pessoa certa para servir como distração.

–Anda lendo muitos livros ultimamente, Blake? – perguntou, sem se dar ao trabalho de tirar os olhos do livro que lia para ver quem era, já reconhecia meus passos silenciosos.

–Sim, li bastante nas férias – respondi. – E o senhor?

–Li sim. Obrigado por perguntar – ele disse, fechando o livro que lia e me encarando. – Em falar nisso. Tenho uma recomendação para você.

Eu adorava quando o professor me indicava algum livro que combinava comigo. Ele sempre sabia como escolher o gênero e escritas perfeitas para alguém como eu, sensível, tímida e excluída.

–Qual é o nome?

Ele sorriu com minha pergunta e então olhou para a porta.

–“Como descobrir se alguém está te espionando” – ele falou alto e rindo, olhando diretamente para a porta da sala. – Saia daí, Christopher.

Franzi o cenho, vendo a porta se mexer e um garoto loiro sair de trás dela. Será que Christopher Robinson estava realmente me espionando? Isso era meio que impossível.

–Como percebeu? – ele perguntou, parecia indignado.

–Não há nada que o Ronald McDonald aqui não perceba – vi a figura de Ezequiel Medeiros entrar na sala, rindo.

O senhor Parrish era uma pessoa completamente “de boa” e não ligava para todas as formalidades que o relacionamento entre aluno e professor exigiam.

Eu sorri um pouco, não querendo rir alto e chamar atenção de nenhum dos três.

–Ah, de qualquer forma... – Christopher balançou a cabeça, parecia meio emburrado mas quando que ele não parecia meio emburrado ou bravo? – Só queria chamar a Blakely para passar o intervalo conosco.

Não pude conter o sorriso. Por um curto segundo, meus olhos castanhos se encontraram com os azuis de Christopher. Minhas mãos suaram frio nesse instante.

–Eu adoraria – respondi baixinho, mas eu sabia que Christopher me escutara, pois ficava me olhando intensamente.

–Vamos lá para a arquibancada – escutei a voz de Ezequiel atrás de mim. – Vai ter um jogo entre os garotos do oitavo ano.

–Ah, sim. Eu fiquei sabendo – comentou Ronald, voltando a ler seu livro. – Também fiquei sabendo que sua mãe e o Senhor Caleb Dwayne virão aqui amanhã para resolver sobre o incidente com Harrison, Christopher.

O garoto loiro estava a poucos metros de mim e pareceu ter levado um tiro. Paralisou completamente. Seus olhos azuis se arregalaram. E quase pude ver seus olhos pegando fogo de raiva.

–NÃO! – Christopher pareceu ter rugido. Seu rosto estava vermelho e ele apontava o dedo furiosamente para o senhor Parrish, como se o professor tivesse cometido um crime. – Aquele idiota não virá junto da minha mãe. Ele não é o meu pai. Não tem o direito de vir aqui!

Dei alguns passos para trás. Com medo do que aquele garoto loiro poderia fazer se perdesse o controle sobre sua raiva. Me assustei ao sentir uma mão no meu braço, mas meus olhos não conseguiam se desviar de Christopher, que parecia ter percebido o que estava fazendo.

O garoto loiro saiu correndo.

Então me virei pouco menos de noventa graus e vi Ezequiel atrás de mim. Ele era alto, minha cabeça dava em seu queixo. Na verdade, todos eram altos comparados a mim.

–O que aconteceu com ele? – perguntou o professor de filosofia, parecia tão perplexo quanto eu.

–Nada demais – explicou Ezequiel. – Ele sempre fica assim quando falam do Caleb. Aí depois percebe que teve um surto de raiva e vai espancar as paredes do banheiro.

Minha cabeça girava. O nome “Caleb Dwayne” não me era estranho e o que acabara de sair da boca de Ezequiel me preocupava. E se Christopher se machucasse ao “liberar” sua raiva nas paredes do banheiro?

Me virei para ficar de frente para Ezequiel e então encarei o fundo de seus olhos castanhos escuros.

–Você não pode ir atrás dele? – perguntei, um pouco triste por não saber o que fazer no momento. Christopher Robinson ainda era um mistério para mim.

–Ele não escuta ninguém, Blakely – disse o garoto a minha frente, me confortando com o olhar, mas me machucando com as palavras. – Talvez te escute.

Em questão de segundos, Ezequiel me deixara sozinha na sala, onde apenas havia um senhor Parrish pensativo demais para conversar comigo.

Talvez te escute”. O que aquilo significava?

Ezequiel deixara aquilo “no ar” de propósito. Será que Christopher realmente me escutaria? O “talvez” não é uma palavra completamente positiva, mas também não é uma palavra completamente negativa.

Eu tinha uma chance, e a usaria.

Pouco me importei com meu lanche ou com a fome. Segui a passos rápidos e preocupados para o banheiro masculino. Hoje a regra seria quebrada em Dallington School, e eu não estava nem um pouco ligando para isso.

Os corredores da ala leste estavam silenciosos, tudo que se ouvia eram meus passos, mas então um barulho estranho cortou o silencio. Era um soco, eu tinha certeza. Depois outro. E depois um chute.

Ele estava se machucando. Christopher estava se machucando, eu sabia.

Corri um pouco e cheguei até o fim do corredor, onde era o banheiro masculino. Os barulhos começaram a ser mais altos e minha preocupação só aumentou.

–Christopher – minha voz quase não saiu.

Os chutes e socos continuaram. Droga! Ele não me escutara.

–Christopher – falei mais alto.

Só de imaginar como ele estaria lá dentro daquele banheiro fez meu corpo estremecer. Não queria que ele se machucasse. Na minha cabeça eu tinha uma teoria: o pai dele morrera, a mãe estava solteira, e as palavras “ele não é meu pai” denunciavam que o tal Caleb Dwayne deveria ser seu padrasto.

Era errado afirmar qualquer coisa. Seria como julgar um livro pela capa. Então retirei qualquer resquício desse pensamento da cabeça.

Escutei mais um soco e então limpei uma lágrima do meu olho direito, que teimava em denunciar meu medo e pavor naquele instante.

–Christopher, por favor!

Meu corpo não respondeu aos meus comandos, ele agiu por conta própria. Eu entrara no banheiro masculino e estava com medo de olhar para outra coisa que não fosse o chão. Mas então olhei. Meu coração parou no segundo em que vi Christopher Robinson sobre a pia, suas mãos debaixo da água corrente e alguns papeis ensanguentados ao seu lado.

–Ah, meu Deus! – olhei para as paredes brancas, onde havia um pouco de sangue nos ladrilhos. – O-o.... q-que aconteceu c-com...

Antes que eu pudesse terminar a fala, algumas lágrimas conseguiram me vencer. Logo tampei meu rosto com as mãos, apenas fungando e chorando silenciosamente.

–Não olhe isso – escutei a voz de Christopher. – Você não deveria ter entrado aqui, Blakely.

–Desculpe, eu só... – mais lágrimas me fizeram interromper a frase.

–Tudo bem, tudo bem – ele me acalmou, mas eu sabia que ele não estava calmo o suficiente para tentar acalmar outra pessoa. – Olha, já vou ficar novinho em folha. Foi apenas um cortezinho na mão.

–Não, eu sei que não foi! – contrapus, fungando e prendendo o choro. – Me deixe ver a sua mão, Christopher.

Ele não se mexeu, continuou ligando a torneira para jorrar água em seus cortes – eu sabia que eram mais de um.

–Me deixa ver! – exigi, limpando as últimas lágrimas. Eu teria que ser forte naquele momento.

–Não quero que você veja isso, Blakely – ele disse e percebi que, por um curto momento, sua voz vacilou.

Christopher continuava de costas para mim, com os papeis ensanguentados ao seu redor e apenas o barulho da água preenchendo todo o silêncio do banheiro.

Eu tinha que tomar uma atitude. Fui até o lado dele, mas ele se virou novamente, escondendo a mão com os papeis brancos do banheiro.

Eu não podia forçá-loa me mostrar suas feridas, é como se meus pais me obrigassem a falar sobre o bullying e o modo como Harrison me tratava (até Christopher aparecer). Seria desconfortante. Certas coisas a gente não fala para qualquer um, muito menos mostra.

Teria que ir devagar.

Coloquei minha mão em seu ombro e tentei me manter forte, limpando qualquer vestígio que demonstrasse meu medo, preocupação e tristeza por ter escutado os socos e chutes daquela forma tão violenta.

Ao sentir a pele quente de Christopher, me senti um pouco melhor. Eu sabia que havia alguns roxos em seus braços e estava com medo de passar a mão por eles, mas mesmo assim o fiz. Queria confortá-lo, deixá-lo menos aflito.

–Não consigo imaginar a dor que você está sentindo – falei, quase embargando, mas aguentei.

Christopher ainda estava com os músculos rígidos e tensos, de costas para mim. Encostei minha testa em seu ombro, já que ele era mais alto que Ezequiel. Relaxei por alguns segundos, vendo que a tensão começara a sair de Christopher.

Passei levemente minhas mãos por seu ombro e braço, até chegar próximo de seu pulso, onde os papeis, agora vermelhos, escondiam sua mão. O olhar do garoto era cabisbaixo e ele pareceu não perceber quando retirei alguns papeis ensanguentados dali.

Eu realmente aguentaria ver os seus machucados?

Tinha que aguentar, falei para mim mesma.

Retirei os papeis restantes. No mesmo instante, levei um choque. Não consegui olhar para aquilo por muito tempo, tive que fechar os olhos e suspirar. A mão de Christopher estava muito, muito, mas muito ferida mesmo. Os roxos também estavam ali, e mais, também havia cortes abertos e outros cicatrizando, sem contar os outros milhares que já haviam cicatrizado.

Minhas mãos estavam sujas de sangue. Se tinha uma coisa que eu temia era sangue, não tinha hematofobia, mas ver o sangue de Christopher em minhas mãos fez minhas pernas tremerem.

Não fraqueje. Não fraqueje.

Fechei os olhos e respirei fundo, mas abri quando ouvi Christopher se mexer. Ele estava colocando sua luva preta - que até aquele momento estava na pia e eu não vira - na mão machucada.

–Não faça isso! – falei, no segundo em que o vi gemer de dor, mordendo os lábios para talvez não soltar algo além daquele gemido. – Vai piorar.

Sua outra mão estava com a luva e pude ver que algumas gotas de sangue escorriam dela.

–Precisamos ir para sala, o sinal já vai bater – ele disse, com seus olhos azuis esbanjando dor. – E, de qualquer forma, eu já estou acostumado com essa dor.

Senti como se ele tivesse me esfaqueado.

–Não diga isso – falei, tentando prender as lágrimas, mas mesmo assim algumas conseguiram cair. – Ninguém está acostumado com a dor, Christopher. Ninguém.

Minhas mãos tremiam e minha cabeça não conseguia achar um motivo plausível para alguém querer se machucar de raiva daquela forma.

–Por que você está fazendo isso? – funguei, me virando de costas para Christopher e lavando minhas mãos na torneira. Imaginei brevemente que deveria ser por causa daquilo que ele sempre usava luvas.

Se eu mal consegui ver aquelas feridas em sua mão sem chorar, imagine vendo suas feridas do coração.

Ele não me respondeu. Começou a pegar os papeis e jogá-los no lixo, pegando outros e limpando o sangue das paredes onde bateu. Em menos de dois minutos, o banheiro estava completamente limpo.

Tentei não me sentir intimidada ao ver que Christopher chegava perto de mim, sua luva roçou em meu braço e ele o apertou levemente, me fazendo olhá-lo.

–Não conte isso para ninguém, okay? – o apertão durou apenas alguns segundos e sua voz não pareceu brava ou triste. Ele estava normal, como se nada o machucasse naquele momento.

–Não vou contar – falei, suspirando cabisbaixa. – É como um diário, ninguém deve ler – soltei sem querer.

Eu pensei que ele iria ficar ali comigo, me dizendo que estava tudo bem e me reconfortando. Mas Christopher saiu. Apenas deu passos até a porta do banheiro e me deixou ali sozinha, no lugar onde entrei para ajuda-lo mesmo não sabendo como. Ele nem sequer disse obrigado, só que também não pediu ajuda.

Fiquei com raiva por ter sido tão idiota a ponto de ter ido ali ajudar alguém que não queria ajuda. Mas uma parte de mim parecia dizer que o único idiota ali era Christopher, por não ter dito um mísero obrigado ou então por ser covarde a ponto de machucar a si próprio.

Eu tinha vontade de socar as paredes, só que se fizesse isso seria covarde igual a ele.

Christopher Robinson era um mistério bem difícil de desvendar. Porém, naquele dia, eu o vi como aquele diário secreto que encontrara no chão por acidente. Eu queria desvendar o mistério que ele era e, ao ajudá-lo com as feridas na mão, foi como ter lido algumas páginas do diário fechado e secreto que Christopher Robinson era.

Eu iria conseguir desvendá-lo.


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Notas finais do capítulo

Vou postar o capítulo 9 daqui a pouco. Espero que comentem!



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