O Diário Secreto de Christopher Robinson escrita por Aarvyk


Capítulo 31
Trigésimo Capítulo


Notas iniciais do capítulo

Boa Leitura!



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Quando a figura encapuzada e coberta pelas sombras apareceu em minha janela, corri até ela. Eram duas horas da madrugada. Christopher demorara tanto, mas eu fiz o certo em esperar.

A lua e sua luminosidade estavam escondidas pelas nuvens, porém isso não me impediu de ver uma gota escura pingar no chão branco do meu quarto, outras três ou quatro a acompanharam. Aquilo era sangue.

—Christopher... – sussurrei assustada, escutando a respiração ofegante e frenética do garoto.

Ele colocou todo seu corpo para dentro do quarto de uma vez só, fazendo um barulho não muito alto. Segurá-lo era impossível, Christopher era pesado demais para mim, ele logo caiu de joelhos no chão, mal se aguentando em pé.

A touca do moletom cinza caiu para trás, revelando seu rosto ensanguentado e cansado.  

Coloquei um de seus braços em volta de meu ombro, com apenas um objetivo em mente: ajudá-lo.

—Só mais alguns passos... – sussurrei, tentando levantá-lo. – Até a cama...

Christopher rangeu os dentes de dor, mas conseguiu se levantar e chegar até a cama, onde se jogou de uma vez e gemeu um pouco alto demais.

—Blakely... – ele agarrou minha mão com força, a voz quase inaudível, porém a intensidade do aperto foi diminuindo e então de repente sua mão soltou-se da minha, caindo delicadamente na cama.

A dor era tanta, que ele havia simplesmente fechado os olhos e desmaiado, acalmando sua respiração.

O nervosismo não demorou em me consumir. O que eu faria agora? E se Christopher não acordasse nunca mais?  E se meus pais desconfiassem de algo?

Fui até a porta e a tranquei, com medo do que fosse acontecer no resto daquela madrugada que só havia acabado de começar. Respirei fundo, tentando decidir o que fazer.

Cuide dele, Blakely. Minha mente e coração diziam.

Fechei meus olhos, decidida a seguir o conselho que pela primeira vez, ambas as partes diziam iguais.

Por que tudo ligado àquele garoto sempre era complicado?

Suspirei.

A primeira coisa que fiz foi tirar os sapatos de Christopher e abrir seu moletom, que por sorte tinha um zíper na frente, ele usava a blusa branca de sempre, mas agora ela estava mais vermelha do que branca, o estranho é que não havia machucados em seu abdômen que sangrassem.

Lembrei-me que eu tinha um kit de curativos em cima do guarda-roupa, só que para pegá-lo eu teria que usar a cadeira da escrivaninha e usá-la sem fazer barulhos.

E a questão da altura complicava tudo de novo.

O mais silenciosamente o possível, peguei a pesada cadeira e coloquei em frente ao meu guarda roupa. Era uma sorte tão grande minha mãe ter me dado aquele kit, segundo ela, fora numa palestra sobre o cuidado no manuseio de facas na cozinha junto de meu pai e ambos ganharam dois kits daqueles, um eles deram para mim. Felizmente, eu nunca precisei dele e todas as talas e curativos ainda estavam intactos.

Peguei a pequena caixa vermelha e desci com cuidado da cadeira. E como se fosse coordenado, a lua saíra de trás das nuvens e fornecia sua luz novamente. Eu não precisaria ligar a lâmpada do quarto ou o abajur, o que faria meus pais desconfiarem caso fossem na escada e vissem a luminosidade.

Coloquei a cadeira perto da cama, de forma que não interceptasse a luz vinda de fora da janela. Abri vagarosamente o kit e me deparei com diversas talas e toalhinhas brancas, que se molhadas na água de minha garrafinha – que eu sempre trazia para o quarto com medo de ir na cozinha à noite -, seriam ótimas para limpar o sangue do nariz de Christopher e a sujeira de seu rosto. 

Depois de molhar uma delas, passei na testa do garoto desmaiado, vendo vários cortezinhos que ainda soltavam pequenos filetes de sangue. Alguém parecia ter pegado um espinho bem pontudo e riscado a testa de Christopher repetidas vezes. Meus olhos encheram-se de lágrimas por um segundo, apenas pensando no que acontecera com ele.

Funguei baixinho e molhei outra toalhinha, já que a que eu usara antes estava imunda. Dessa vez limpei a bochecha esquerda de Christopher, que continha os mesmo cortezinhos que a testa, já na direita, só havia sujeira e um pouco de sangue seco.

Precisei de várias toalhinhas para finalmente conseguir tirar todo o sangue do nariz, queixo e lábios de Christopher, que estavam quase secando. Quando me dei conta, a água da garrafinha já quase acabara e restava apenas o suficiente para um último gole. Talvez ele precisasse beber depois que acordasse totalmente esgotado e dolorido, por isso a guardei.

Quando eu pensei que finalmente o trabalho acabara, já que depois de devidamente limpos, os cortes de Christopher pararam de sangrar e não precisariam de curativos, vi que suas mãos também estavam sujas e machucadas, com hematomas escuros até os pulsos.

—Droga! – praguejei, lembrando que não podia usar a água da garrafinha.

Pense, Blakely. Use o cérebro pelo menos uma vez na vida.

Balancei minhas pernas, sentindo minhas mãos soando frio cada vez mais. Limpá-lo não era o importante, apenas aliviá-lo. Sentir dor e estar sujo era uma coisa completamente diferente de estar quase limpo e quase sem dor.

Pense, Blakely. O que poderia aliviar a dor de Christopher?

 De repente, minhas pernas pararam de balançar e todo o nervosismo saiu de mim. Eu poderia passar uma pomada em seus hematomas para relaxá-lo, a pomada de sebo de carneiro que Dona Sarah vivia dando para meus pais, segundo ela, era ótima para aliviar o estresse do trabalho e do dia-a-dia. Tinha que servir para hematomas também.

Acho que havia um frasco em algum lugar do meu quarto. Mas onde? Às vezes odiava ser tão desorganizada. Com certeza eu colocara em alguma gaveta e esquecera largado dentro dela, a que eu menos usava era a da escrivaninha, dentro dela só havia tralhas e canetas sem tinta.

Sim, estava lá. Tinha que estar. Nunca implorei tanto para estar certa em alguma coisa.

 Devagar, fui até a escrivaninha, receosa até de respirar. Quando meus dedos tocaram a madeira da gaveta, rezei, e só depois a abri.

Minhas preces foram atendidas! Ela estava ali, novinha e sem nem usar.

Mesmo tremendo e com o coração disparando, consegui pegá-la e voltei para perto de Christopher, a abrindo e colocando um pouco em minhas mãos, era gelada e de uma cor clara. Esfreguei-a e só então passei em sua mão direita, massageando-a suavemente até onde estavam os hematomas, sentindo seus dedos gelados junto com os meus, em um certo momento, entrelacei nossas mãos por um segundo.

—Isso tudo é uma questão de tempo... – sussurrei para o garoto desacordado. – Vai passar.

Eu mesma não acreditava em minhas palavras e em um deliberado momento, deixei com que uma lágrima caísse.

Peguei mais um pouco da pomada e então a passei da mesma forma na outra mão de Christopher, não enrolando tanto dessa vez. Quando eu finalmente acabei, ele fez um pequeno movimento com a cabeça.

—Blake... – sussurrou fraco, mas ainda estava dormindo.

Fiz um cafuné em sua cabeça e Christopher movimentou-se ainda mais, como se estivesse tendo um pesadelo e não conseguindo acordar. De repente, ele abriu os olhos assustado e se sentou de uma vez na cama.

—Blake... – falou mais alto do que deveria.

—Christopher...  Shhh! – pedi silêncio, colocando minhas mãos em seu peito e fazendo um pouco de força. – Deite-se!

Ele respirava ofegante e freneticamente, da mesma forma como chegara. Só que agora, estava assustado e com os olhos arregalados, com certeza se perguntando de tudo o que acontecera.

—Christopher, por favor! – pedi novamente, fazendo com que ele virasse sua cabeça em minha direção.

—Blake...  – sussurrou, deitando-se devagar e acalmando a respiração.

Não demorou muito para Christopher encarar suas mãos logo depois de alguns segundos deitado.

—É uma pomada de sebo de carneiro – expliquei. – Também limpei seus cortes no rosto.

Ele colocou uma de suas mãos no lábio superior, onde antes estava sujo de sangue.

—Eu desmaiei? – perguntou, me encarando.

Assenti com a cabeça.

—E você cuidou de mim?

Um pequeno sorriso formou-se em meus lábios, essa era a resposta de que ele precisava.

Christopher foi se sentando devagar na cama, olhando para seus pés e vendo o par de tênis no chão. Ele sorriu minimamente.

—Guardei um pouco de água para você – peguei a garrafinha que eu colocara ao meu lado, no chão. – Eu tive que usar para te limpar. Desculpe por ser pouco.

Dessa vez, ele sorriu largamente.

—Obrigado, Blake – disse, pegando-a e bebendo de uma vez o último gole. Christopher deveria estar morrendo de sede. – O que aconteceu com você?

O garoto suspirou, sabendo que a hora da explicação chegara.

—Sua casa era a mais próxima. Eu não sabia para onde ir – disse, mas nada fez sentido para mim.

Esperei, dando tempo a ele para pensar nas palavras corretas.

—Eles me pegaram na metade do caminho.

—Quem? – perguntei, preocupada por não estar se referindo ao seu pai, eu jurava que tinha sido aquele monstro.

Christopher focou-se em meus olhos, ele já estava bem melhor.

—A gangue que eu disse. Meu pai os cutucou e eles vieram atrás de mim quando eu estava vindo para cá.

—Você foi espancado... – sussurrei, baixando o olhar e contendo algumas lágrimas.

—Não, Blake – Christopher segurou uma de minhas mãos, fazendo com que eu o olhasse. – Todo esse sangue na minha camiseta... Não é meu.

Quase vomitei todo o achocolatado que eu tomara antes de dormir.

—Christopher... – apertei forte sua mão, mesmo sabendo que nelas havia hematomas recentes. – Você os espancou...

Ele ficou cabisbaixo, como se tivesse cometido um crime. Na verdade, aquilo era meio que um crime, embora tivesse sido um ato de defesa.

—Quantos eram? – perguntei, ainda apertando sua mão e nervosa.

—Cinco – respondeu, ainda cabisbaixo. – Mas o último correu e dois conseguiram me derrubar e esfregar minha cara no asfalto.

Fechei os olhos só de pensar na dor. Por isso tantos cortes na testa e em uma das bochechas. Meu nariz começou a arder, indicando que todo o choro já estava pronto para sair.

—Chris... – não aguentei. Sentei-me na beirada da cama e o abracei, deixando todas as minhas lágrimas rolarem em seu ombro. – Nunca mais faça isso, ouviu? – falei entre soluços abafados em seu moletom.

—Você não merece isso – ele disse. – Não merece nada disso. Sinto muito... Sinto demais!

—Tudo bem – falei, fungando pela milionésima vez. – É culpa do seu pai e você o ama.

—Eu não sei o que fazer – Christopher fungou também, foi então que descobri que ele também estava chorando. – O Caleb se aproxima cada vez mais da minha mãe e ela parece não amar mais meu pai. Eu não quero ficar sem ele! Eu quero que ele volte para mim, sem bebidas e violência.

Impossível”, tive vontade de gritar. Um alcoólatra como Hunter jamais iria parar de bater em seu filho, a menos que fosse preso. E esse era com certeza o segundo pior medo de Christopher depois do próprio Hunter.

Deitei minha cabeça em seu ombro, ficando assim por um longo tempo.

—Não vou me esquecer do que fez por mim, Blakely – sussurrou em meu ouvido. – Obrigado!

Sorri, fungando pela última vez. O choro já se esgotara, mas a dor não.

 —Deita aqui! – disse Christopher, enquanto se levantava da cama. - Eu já usufrui o suficiente desse colchão macio e aconchegante.

 Não pude negar, eu estava exausta, o nervosismo acabava comigo. Ficar acordada a madrugada toda não estava nos meus planos. Logo trocamos de lugar, Christopher na cadeira e eu na cama embrulhada em meu cobertor.

 Ele me olhava tranquilo e com carinho.

 —Preciso escrever algo no diário – disse. – Está sendo difícil ficar sem ele esses dias.

 Levantou-se e foi até a minha escrivaninha, pegando uma caneta e o diário. Christopher sentou-se à janela, desfrutando da lua.

 Perguntei-me o que estava sendo escrito, prometendo a mim mesma que iria olhar depois que acordasse. Minha visão já ficava turva e os olhos começavam a se fechar forçados pelo sono.

 Não consegui mais resistir, a última imagem que vi foi Christopher Robinson sorrindo para mim e voltando a escrever em seu precioso e secreto diário.

                                                                  ***

 “E aquilo que você mais ama se torna seu pesadelo. Agora essa frase não faz mais sentido para mim.

 Bem, Diário... Há anos não me sinto assim, é como se tivesse saído de um coma, nascido novamente.

 Eu sempre tive Ezequiel ao meu lado. Ele é meu irmão de outra mãe, só que agora tenho a Blakely. A garota mais maravilhosa que já vi.

É, Diário, ela conseguiu entrar na ‘Complicada Vida de Christopher Robinson’, a história de terror que mais contém sangue e violência.

Problemas? Sim, eles ainda estão aqui. Para falar a verdade, meu pai só está piorando, cada dia ele chega pior, mais violento. Na semana passada, ele parou um pouco, mas hoje voltou com tudo.

Verdade seja dita, estou morrendo de medo.

Perdi a noção do tempo. Dia um... Dois... Três... Cinco... Dez... É a mesma coisa. O que muda é a dor, a cada dia ela piora.

Blakely e Ezequiel são minhas anestesias. E eu agradeço profundamente a eles!”.


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Notas finais do capítulo

Bem, eu vou tentar agora, de verdade verdadeirinha, postar mais capítulos! Nessa última semana de férias eu vou ralar e escrever para caramba, sinto falta disso... ♥ Amo escrever e estou perdendo o amor pela coisa, algo q não posso fazer e a escola muitas vezes me força a isso.
Quero agradecer a Gabi por ter me dado um comentário lindo no capítulo passado, na verdade, todos os comentários que recebo são maravilhosos, só que o dela mexeu um pouco comigo ♥ fez meu olho marejar kkk
Até o próximo capítulo que sai semana que vem, ou essa segunda, não sei ainda... Mas postarei sem falta semana que vem!
Abraços...