O Diário Secreto de Christopher Robinson escrita por Aarvyk


Capítulo 28
Vigésimo Sétimo Capítulo


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo é de presente para minha amiga Isa, que ontem completou 16 aninhos! Parabéns Isa! :D



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Dei um passo para trás, assustada, olhando para Ezequiel, que estava cabisbaixo e com a mão direita nos lábios.

—Blake... – sussurrou, levantando seu olhar para mim. – Eu sinto muito, mas...

—Por favor – o cortei. – Não tente explicar.

Eu sabia que ele estava precisando daquele beijo e também era meio justo, já que Christopher me beijara também. Mas... Não fazia sentido!

E quanto a Christopher?... Como contaria a ele? Como diria que eu e o seu melhor amigo havíamos nos beijado?

Suspirei.

—Não sei o que deu em mim – Ezequiel mesmo assim tentou se explicar, logicamente impulsionado pelo desespero. – Eu sinto muito, Blakely. De verdade.

—Tudo bem – respondi, desviando o olhar. Ele não tinha culpa.

Ezequiel parecia pior ainda, os olhos implorando por perdão, mesmo eu já o tendo concedido. Assim como ele, eu não sabia o que fazer.

Então, como em um reflexo, pensei em fugir.

—E-eu... Tenho que ir! – dei as costas e andei o mais rápido que pude. Me sentia uma criancinha. Ele me beijara e eu corria, era a atitude mais boba que eu poderia ter feito naquele momento, mas, como sou Blakely Jones, o destino nunca está a meu favor.

Tentei espantar todos os pensamentos da cabeça enquanto o vento frio ia de encontro a minha face. O sinal bateu assim que cheguei à sala, Christopher já estava lá e dera um pequeno sorriso para mim.

Eu sabia que ele já percebera meu nervosismo e que já sabia também que algo estranho acontecera.

Ignorei-o durante as últimas duas aulas. Não só ele, como Ezequiel também, que porventura sentava ao meu lado.

Minha cabeça rodava e apenas o sinal barulhento da saída me fez “acordar”.

                                            ***

Ao sentar para almoçar, pude perceber o clima tenso que ainda circundava eu e meu pai.

Meu Deus! Eu não deveria nem ter saído da cama. Minha cabeça ia de Ezequiel para a briga que eu tivera com meu pai, me perguntando se aquilo tudo tinha acontecido em menos de uma semana.

Encarei-o enquanto dava uma mordida na carne que minha mãe cozinhara, ele estava quieto e mudo, concentrado apenas em seu prato.

—Você está bem, querida? – perguntou minha mãe, fazendo-me quase derrubar o garfo.

Meu olhar ficou assustado por alguns segundos, mas depois me acalmei.

—Hãm... – não dava para esconder. – Mais ou menos, mãe.

Suspirei e olhei para meu pai, que ainda parecia fingir que eu não existia. Infelizmente, aquilo foi um erro, porque minha mãe logo percebeu do que se tratava.

—Andrew, você está agindo como uma criança – disse ela, olhando séria para meu pai. – Por acaso, tem a ver com o jantar no sábado?

Não ousei levantar minha cabeça e encarar nenhum dos dois. Odiava quando uma briga entre meus pais era culpa minha. Eles nunca brigam ou entram em discussão, a menos que seja algo muito importante.

—Sim – respondeu meu pai, a voz um pouco baixa. – Blakely disse que eu estou tratando os amigos dela como ratinhos de laboratório.

Minha mãe instantaneamente me encarou brava.

—Isso não tem nada a ver, filha – disse ela, tentando manter a calma. – Só queremos conhecê-los melhor.

—Um pouco estranho vocês pensarem neste jantar alguns dias depois de eu ter saído com Christopher – retruquei.

O que estava acontecendo? Eu nunca era do tipo que botava lenha no fogo, ainda mais quando era uma discussão de família.

Nunca quis tanto ter uma máquina do tempo.

—Você chegou chorando – com os olhos fechados para manter a calma, meu pai respondeu.

—Eu sei! – falei. – Mas está tudo bem, eu juro.

—Tudo bem, querida – meu pai disse calmo e olhou para a minha mãe, talvez dizendo a ela por meio daquele gesto para cessar fogo. – Vamos terminar de almoçar agora. Depois, se quiser, pode dar uma volta pelo quarteirão para esfriar a cabeça. Acho que você precisa disso mais do que eu.

Respirei fundo, pegando o garfo e a faca.

Até nesse momento ele conseguia me entender.

                                               ***

Não sei se um dia você lerá isso, pai. Mas eu te amo.

Desculpe por te odiar em certos momentos.

Seu filho,

Christopher Z. Robinson”.

Era um pequeno recado em uma folha praticamente vazia do diário, mas que dizia muito a respeito da relação de Christopher com seu pai.

Pensei em como a relação entre mim e meu pai também estava ruim. Deixei o diário de lado na cama e me concentrei em pegar um moletom cinza no guarda-roupa.

Realmente, estava na hora de curar aquele machucado em minha honra.

Desci as escadas devagar até o primeiro andar, Dona Sarah não iria vir hoje, então eu estava sozinha em casa enquanto meus pais trabalhavam. Podia esfriar a cabeça à vontade.

Peguei a chave de casa e tranquei a porta assim que saí. Talvez eu pudesse ir até o parque ou praça mais próximo e ficar por lá alguns minutos.

Caminhei calmamente por cada rua e calçada, enquanto chutava algumas pedrinhas que via no caminho. Cheguei à pequena praça que havia a dois quarteirões de minha casa, era meio pequena, mas era o suficiente para sentar em um banco e pensar.

Uma escultura no meio demonstrava o talento de algum artista anônimo por aí, havia alguns bancos brancos perto dela e algumas flores brancas também. Pensei em me sentar ali e ficar por um tempo. Foi isso que fiz.

Desculpe por te odiar em certos momentos”.

Ah, como eu queria poder fazer alguma coisa ao invés de ficar parada lendo aqueles textos no diário de Christopher, mas eu não podia fazer nada, não podia obriga-lo a nada também. Os problemas com meu pai são insignificantes perto dos dele e eu ainda ficava me sentindo mal por causa de uma ou outra palavra mal dita ou mal expressada que soltei sem querer.

Ainda tinha Ezequiel... O que eu poderia fazer quanto aos dois? O que eu sentia em relação a cada um deles? Na verdade, o que eu poderia sentir de especial? Amor? Não, não acho que o amor esteja envolvido nisso, talvez apenas a necessidade. A necessidade de eu ter amigos, a necessidade de Christopher ser ouvido e a necessidade que vi nos olhos de Ezequiel após ter me beijado. Porém, tinha que esclarecer as coisas dentro de mim. Minha cabeça estava uma bagunça e cada linha de pensamento era perdida na metade.

—Ei, você está bem, garota? – uma mão passava freneticamente pelo meu campo de visão e logo meus olhos foram para o dono dessa mão, ou, quero dizer, dona.

Era uma menina da minha idade, de estatura baixa e ombros estreitos. Seus cabelos eram castanho meio ruivo e seus olhos eram da cor exata do mel, pareciam amarelados na luz fraca do sol, mas mesmo assim consegui definir a cor, pois estavam arregalados e me encarando.

—Terra chamando Marte – ela disse, fazendo-me sair da minha própria mente e finalmente começar a ter certa consciência do que acontecia. – Você escutou algo do que eu falei, garota?

—Hãm? – grunhi. – Desculpe, eu...

Balancei a minha cabeça, espantando os resquícios dos pensamentos e preocupações que ainda ali estavam.

—Eu perguntei se poderia sentar do seu lado – a menina dos olhos cor de mel disse, enquanto continuava de pé na minha frente e já um pouco impaciente comigo. – E então... Eu posso?

—Hãm... Claro.

Fui um pouco mais para a beirada do banco, olhando para o restante da praça e constatando que apenas nós duas estávamos ali. Mas então, por que raios ela queria se sentar logo do meu lado?

A menina usava um vestido branco de renda e um casaco rosa bebê, quando ela se sentou, apenas cruzou suas pernas e encarou a estátua estranha que havia em nossa frente. E assim ficou, congelada por vários e vários minutos.

Cogitei se deveria sair correndo e voltar para casa, mas ao mesmo tempo queria também descobrir o que se passava naquela cabecinha ruiva.

Continuei a olhá-la, até que a menina dos olhos cor de mel finalmente se mexeu e me encarou.

—Viu? Era assim que você estava – disse ela. – O que se passava pela sua cabeça? Algum término de namoro? Pais se divorciando? Alguém traiu sua confiança? Tirou nota baixa na escola? Perdeu o ônibus que ia pegar? Ah! Já sei! Já sei! Como não pensei logo... Brigou com alguém, não foi?

Entendi apenas a última frase. Ela falava tão rápido que mal pude entender as outras perguntas.

—Oh, desculpe! – pediu, antes que eu pudesse sequer pensar no que responder. – Acho que falei rápido demais.

Eu sorri, talvez pela primeira vez no dia.

—É, falou um pouco rápido sim – respondi. – E acertou também. Eu briguei com alguém, mas... – eu podia sentir nós em meu cérebro. – Como sabe disso?

—Pelo olhar – disse. – E brigou com quem?

Encarei a estatua a nossa frente, só agora eu reparara melhor nela. Era um globo, porém não se via os continentes e países separados, havia apenas uma “mancha” delineada naquele globo, como se todos os países tivessem se unido em apenas um.

—Pangeia – falou de repente. – Mas então... Você brigou com quem?

—Espera! – pisquei os olhos com força, me sentindo pressionada. – Eu briguei com meu pai. Só que... Pangeia? O que é isso?

Ela pareceu frustrada e revirou os olhos, dando ideia de irritação e cansaço.

—Mata as aulas de Geografia, é? – perguntou. – Pangeia. Bilhões de anos atrás. Dinossauros.

Pangeia!

Meus pensamentos se tornaram um pouquinho mais claros ao lembrar que Pangeia era o único continente que existia a bilhões de anos atrás, quando ainda existiam dinossauros e outros seres estranhos na Terra.

—Finalmente! – comentou, ao perceber que havia entendido o recado. – E então, o que brigou com seu pai?

Senti minha privacidade bruscamente invadida. Uma garota estranha e que eu mal sabia o nome estava tentando me ajudar. Quero dizer, eu não sabia se ela queria mesmo me ajudar.

Vi-me sensível e a beira de uma erupção. Eu precisava conversar com alguém que não conhecia, alguém que não fosse Christopher, Ezequiel, minha mãe ou meu pai. A garota dos olhos cor de mel era uma boa opção.

—Eu tenho um amigo – comecei. – Christopher Robinson, para ser mais exata. Ele me beijou, e alguns dias depois me chamou para um encontro no Museu, onde pediu para que eu esquecesse aquele beijo, porque Ezequiel Medeiros, um amigo nosso, também gostava de mim. Outra coisa aconteceu também naquela tarde – expliquei, tentando ser o mais vaga possível. – Por causa disso, liguei para o meu pai chorando para me buscar e desde aquele dia ele andou meio inseguro com esse meu amigo.

—Mas você disse que brigou com seu pai! – a garota protestou, como se eu tivesse cometido um crime.

—Estou chegando lá... – tentei acalmá-la, me perguntando como continuaria a explicar a bagunça que era minha vida. – Acontece que meu pai marcou um jantar com esses dois amigos meus e, como ele cursou psicologia, sei que vai analisá-los como ratinhos de laboratório até descobrir tudo sobre suas vidas.

Senti o ar faltando. Tinha sido eu a tagarela do momento, afinal. Olhei para a garota ao meu lado, seus cabelos ruivos se mexeram um pouco com um vento frio que nos atingiu. Será que ela entendeu tudo o que eu disse?

Os olhos cor de mel continuaram fixados em mim e nenhuma parte do corpo da menina se mexeu. Novamente, ela ficou parada por um bom tempo.

—Estou esperando... – disse.

—Esperando... – repeti a palavra, sem entender nada.

—É, ué! Esperando você dizer sobre a briga – falou, como se fosse algo óbvio.

Deu vontade de rir, mas ela parecia tão séria que fiquei com medo de soltar uma gargalhada e ofendê-la.

—Quando meu pai disso sobre o jantar, disse a ele o que pensava daquilo e também joguei na cara dele que foi meu avô quem o obrigou a cursar psicologia – continuei, como se nada tivesse acontecido. – Ambos tem uma rixa e isso é como uma cicatriz em meu pai. Uma cicatriz que eu abri.

Uma careta tomou conta daquele rosto tão fino e branco que me encarava.

—Ele deve estar tão magoado! – um pano branco surgiu magicamente em suas mãos, ela o utilizou para assuar o nariz, como se estivesse chorando em uma cena de drama no cinema. – Você pediu desculpas?

Neguei com a cabeça.

—Oh! Peça! Peça! É o melhor que pode fazer – suas mãos agarraram meu braço. – Faça isso antes dele. Ele também vai te pedir desculpas em breve, tenho certeza. Se você pedir primeiro, vai ser melhor. Ele vai ver que você amadureceu.

Nunca havia pensado daquela forma. Talvez aquela garota louca realmente estivesse certa. Olhei para a escultura do globo e da Pangeia. Por que alguém colocaria uma coisa daquelas em uma praça?

—Mostra como as pessoas precisam se separar para amadurecer – respondeu, como se lendo meus pensamentos. – Está pichado naqueles bancos ali.

Ela apontou para dois bancos um pouco longe de nós. “Separese”, estava escrito em um de grafite preto. “Amadureça”, estava escrito no outro, dessa vez de grafite vermelho.

Brilhante, pensei.

—Obrigada – falei, sorrindo simpaticamente. A companhia da menina de olhos cor mel estava começando a se tornar realmente boa. – Ei, você é boa para conselhos!

Encarei a Pangeia, olhando atentamente para cada pedaço do globo para ver se captava mais mensagens subliminares como aquela dos bancos.

—Acho que preciso de outro conselho – comentei. – Meu amigo, Ezequiel, me beijou hoje. Não sei o que fazer á respeito, sabe? Acho que estou em um triângulo amoroso.

Soltei uma pequena risadinha, olhando para o lado e parando bruscamente de rir.

A menina dos olhos cor de mel não estava mais ali.


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Notas finais do capítulo

Ano passado, no aniversário de uma outra leitora, ela me pediu q fizesse uma amiga para a nossa Blakely. Então, nesse capítulo, dei uma aliviada nas coisas para o lado da nossa protagonista!